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Detecção de Defeitos Muito Resistivos com Recurso a

Harmónicas de Baixa Frequência

João Manuel Martins Gaspar Caetano

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em


ENGENHARIA ELECTROTÉCNICA E COMPUTADORES

Júri
Presidente: Prof. Gil Domingos Marques
Orientador: Prof. Pedro Alexandre Flores Correia
Vogais: Prof. José Manuel Dias Ferreira Jesus
Eng. Rui Dias Jorge

Setembro 2007
Agradecimentos

Ao Prof. Pedro Flores Correia e ao Eng. Rui Dias Jorge, pelo indispensável apoio
naquilo que eu sozinho nunca conseguiria e pelo interesse demonstrado naquilo
que efectivamente fui conseguindo.

i
Resumo

O objectivo desta tese centra-se na obtenção de princípios de protecção assentes


nos transitórios que ocorrem em defeitos fase-terra muito resistivos. Foram feitas,
recorrendo ao EMTP/ATP, inúmeras simulações de defeitos, em que se fez variar
de forma significativa as condições de defeito e demais parâmetros da rede. A
metodologia utilizada na tentativa de obtenção de novos princípios de protecção,
foi assente numa análise harmónica com recurso à DFT. Lateralmente, foram de-
senvolvidos módulos de análise oscilográfica, para a visualização dos resultados
das simulações. Obtiveram-se falhas capazes de, comprovadamente através de
simulação, colocar as actuais soluções de protecção fora dos seus limites opera-
cionais. Foi procurado um principio de protecção, que aumentasse a sensibilidade
e selectividade das protecções de maneira a obter actuações correctas para o
maior número possível de defeitos muito resistivos.

Palavras-Chave: defeitos fase-terra muito resistivos, transitórios, DFT, protecções.

ii
Abstract

In this work, studies are conducted on the use of Discrete Fourier Transform on the
low harmonic content of transients produced by simulated ground faults in distri-
bution networks, for protection purposes. These faults place protection algorithms
currently used beyond their operational limits, which is confirmed in this work. Sim-
ulations are carried out for a typical distribution network, where network parameters
and fault conditions are changed for a significant number of cases.

Keywords: DFT, high impedance faults, transients, ground fault protection

iii
Conteúdo

1 Introdução 1
1.1 Descrição Funcional Genérica das Protecções . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Protecções contra defeitos fase-terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3 Objectivos e Metodologia do Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.4 Organização do Relatório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

2 Defeitos Fase-Terra 5
2.1 Análise em Regime Permanente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.2 Influencia do Neutro em Regime Permanente Pós-Defeito . . . . . . 8
2.2.1 Regime de Neutro Isolado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2.2 Neutro com Impedância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.3 Componentes Homopolares em Regime Permanente Pré-Defeito . . 10
2.4 Transitórios Electromagnéticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.4.1 Principais Condicionantes dos Transitórios . . . . . . . . . . 11

3 Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise 12


3.1 Simulação de Defeitos em EMTP/ATP . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
3.1.1 Modelação da Rede Eléctrica . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
3.1.2 Resistência de Defeito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
3.1.3 Modelo de arco eléctrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
3.2 Módulos de Estimação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.2.1 Transformada Discreta de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.3 Detector de Transitórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.4 Simulação das Soluções Actuais de Protecção . . . . . . . . . . . . 20
3.4.1 Protecção de Terras Resistentes . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.4.2 Protecção Direccional de Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3.4.3 Protecção de Máximo de Tensão Homopolar . . . . . . . . . 26
3.5 Analise Harmónica dos transitórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

4 Princípios de Protecção Baseados em Transitórios 34


4.1 Situações de Falha da Protecção de Terras Resistentes . . . . . . . 34
4.2 Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios . . . . . . . . . 37
4.2.1 Algoritmo Fundamentado na 2a Harmónica . . . . . . . . . . 37
4.2.2 Limitações da Solução 2a Harmónica . . . . . . . . . . . . . 41

iv
4.2.3 Algoritmo com Recurso a Detector de Transitórios . . . . . . 43

5 Conclusões 46

v
Lista de Siglas

DFT Discrete Fourier Transform

EPATR Ensemble de Protection Ampèremétrique de Terre Résistante

PT Posto de Transformação

RHI Relé de Máxima Intensidade Homopolar

TM Time Multiplier

vi
Lista de Figuras

2.1 Esquema simplificado da rede em análise . . . . . . . . . . . . . . . 5

3.1 Esquema simplificado da rede modelada em EMTP/ATP . . . . . . . 14


3.2 Evolução no tempo de Rdef segundo o modelo de arco eléctrico [1] 16
3.3 Interface gráfica geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.4 Resposta em frequência para a DFT de ciclo completo; centrada em
50 Hz e 100 Hz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
3.5 Evolução no tempo da corrente residual na linha defeituosa; defeito
em t = 0.04s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.6 Evolução no tempo da amplitude do fasor associado à corrente resid-
ual de 3.5; efeito do tamanho da janela móvel . . . . . . . . . . . . . 20
3.7 Interface gráfica desenvolvida para o módulo de simulação 51N . . 21
3.8 Neutro Isolado; evolução do tempo de actuação do relé 51N com
Rdef ; distância ao defeito de 24 Km . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.9 Neutro Resistivo; evolução do tempo de actuação do relé 51N com
Rdef ; distância ao defeito de 24 Km . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.10 Neutro Isolado; evolução de fase das correntes residuais . . . . . 25
3.11 Neutro Resistivo; RN = 12 Ω; evolução de fase das correntes resid-
uais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.12 Neutro Reactivo; ZN = 12 Ω (Q = 5); evolução de fase das cor-
rentes residuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.13 Neutro Isolado e Resistivo; evolução no tempo da amplitude da
tensão residual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.14 Neutro Isolado; evolução da amplitude da tensão residual com Rdef 28
3.15 Neutro Resistivo; evolução da amplitude da tensão residual com Rdef 29
3.16 Neutro Resistivo; evolução de amplitude da tensão residual em
função da distância ao defeito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.17 Neutro Isolado; evolução de amplitude da tensão residual em função
da distância ao defeito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.18 Interface gráfica desenvolvida para o módulo de análise harmónica
dos transitórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.19 Efeito de Rdef sobre a evolução da amplitude da 2a harmónica -
Rdef = {263, 395, 592, 888, 1333, 2000}; distancia ao Defeito 12 Km;
neutro reactivo; defeito na passagem por zero da Tensão. . . . . . . 32

vii
3.20 Efeito da localização do defeito sobre a evolução da amplitude da
2a harmónica; distancia ao defeito {0, 12, 24, 36, 48} Km; Rdef =
1333Ω; neutro reactivo; defeito na passagem por zero da tensão . . 32
3.21 Efeito do ângulo de incidência sobre evolução da amplitude da 2a
harmónica Rdef = 1333Ω; distância ao defeito 12 Km; neutro reactivo 33
3.22 Efeito do regime de neutro sobre evolução da amplitude da 2a har-
mónica - Rdef = 1333Ω; distancia ao Defeito 12 Km; defeito na pas-
sagem por zero da tensão; Rdef = 1333Ω . . . . . . . . . . . . . . . 33

4.1 Neutro Isolado; tempos de actuação do relé 51N para uma semi-
gama Rdef ; defeito localizado a 48 Km da subestação; linha sã ex-
pandida; Iop = 0.5 A; T M = 0.2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
4.2 Neutro Resistivo; tempos de actuação do relé 51N para uma semi-
gama Rdef ; defeito localizado a 48 Km da subestação; linha sã ex-
pandida; Iop = 0.5 A; T M = 0.2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
4.3 Neutro Reactivo; tempos de actuação do relé 51N para uma semi-
gama Rdef ; defeito localizado a 48 Km da subestação; linha sã ex-
pandida; Iop = 0.5 A; T M = 0.2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
4.4 Neutro Isolado; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48
Km da subestação; linha sã expandida; defeito na passagem por
zero da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
4.5 Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48
Km da subestação; linha sã expandida; defeito na passagem por
zero da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
4.6 Neutro Reactivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48
Km da subestação; linha sã expandida; defeito na passagem por
zero da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.7 Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48
Km da subestação; linha sã expandida; defeito na passagem por
um máximo da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.8 Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 12
Km da subestação; configuração original da rede; defeito na pas-
sagem por zero da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.9 Neutro Isolado; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 12
Km da subestação; configuração original da rede; defeito na pas-
sagem por zero da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

viii
4.10 Neutro Reactivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; Rdef (t) (mod-
elo de arco eléctrico); configuração original da rede; defeito na pas-
sagem por zero da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.11 Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 36
Km da subestação; configuração original da rede; defeito na pas-
sagem por zero da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
4.12 Neutro Reactivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 36
Km da subestação; configuração original da rede; defeito na pas-
sagem por zero da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
4.13 Neutro Isolado; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com
Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 36
Km da subestação; configuração original da rede; defeito na pas-
sagem por zero da tensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.14 Espectro do transitório obtido para um defeito a 12 Km da subestação;
Rdef = 263; neutro resistivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.15 Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 11a harmónica com
Rdef ; 11a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 12
Km da subestação; configuração original da rede; defeito na pas-
sagem por zero da tensão; utilização do detector de transitórios . . 45
4.16 Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 11a harmónica com
Rdef 11a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48
Km da subestação; configuração original da rede; defeito na pas-
sagem por zero da tensão; utilização do detector de transitórios . . 45

ix
Lista de Tabelas

3.1 Possíveis variações que conduzem a diferentes condições de defeito 13


3.2 Comprimentos originais das linhas modeladas em [2] linha no 1 De-
feituosa, linha no 2 sã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
3.3 Amplitudes de I cc no caso de condutores partidos [3] . . . . . . . . 14
3.4 Valores Usados no Modelo de Arco Eléctrico [1] . . . . . . . . . . . 16

4.1 comprimentos modificados das linhas; linha no 1 defeituosa; linha


no 2 sã (expandida) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

x
Capítulo 1

Introdução

1.1 Descrição Funcional Genérica das Protecções

O papel dos aparelhos habitualmente designados como protecções numa rede de


energia eléctrica centra-se essencialmente (mas não exclusivamente) na detecção
e remoção automática de todos os defeitos capazes de colocar em causa o normal
regime de exploração da rede, bem como a integridade dos demais equipamentos
da rede. O caso particular dos defeitos fase-terra coloca especial perigo à segu-
rança de bens e pessoas. É frequentemente este tipo de defeito surgir por contacto
directo com um condutor activo ou pela queda deste no solo. O perigo não advém
somente da própria corrente de defeito, mas também do surgimento de tensões de
passo na vizinhança do defeito.

Salienta-se que as consequências duma falha num determinado ponto da rede


reflectem-se frequentemente noutros pontos ou equipamentos saudáveis. Desta
constatação acresce que, para além da detecção do defeito em si, um sistema de
protecções deve ser capaz de efectuar uma desligação selectiva dos aparelhos
defeituosos de forma a minimizar as falhas de funcionalidade na rede eléctrica e
não provocar perdas de serviço desnecessárias.

A sensibilidade de uma protecção é a capacidade que esta tem de detectar fiavel-


mente anomalias em condições mínimas de defeito. É frequente que condições de
regime permanente imponham limites de sensibilidade à actuação das protecções.
No caso de defeitos que tenham reflexos em equipamentos sãos, sensibilidade
e selectividade são requisitos que naturalmente conflituam nas definições opera-
cionais da protecção. A sensibilidade deve ser maximizada sempre num quadro
em que a selectividade se sobrepõe como requisito fundamental a respeitar.

A rapidez de actuação é outro aspecto que importa considerar, já que o prolonga-


mento no tempo da situação de defeito reflecte-se negativamente, aumentando a
probabilidade da ocorrência de danos a equipamentos e eventualmente a pessoas.
Mais uma vez, uma optimização descuidada deste requisito pode comprometer a

1
1. Introdução
1.2. Protecções contra defeitos fase-terra

selectividade da operação.

Internamente, a protecção pode ser pensada como um conjunto de funções ou


algoritmos que, baseando-se em medidas das grandezas eléctricas do sistema,
determinam a sua actuação. Habitualmente, as funções de protecção assentam
o seu funcionamento não sobre uma medida directa das grandezas eléctricas em
causa, mas sim sobre a estimação da sua componente fundamental com recurso
à Transformada Discreta de Fourier, em inglês DFT: Discrete Fourier Transform.

1.2 Protecções contra defeitos fase-terra

De entre todos os defeitos passiveis de ocorrer nas redes de distribuição de ener-


gia eléctrica, os defeitos normalmente designados como curtos circuitos fase-terra
são aqueles que colocam mais dificuldades na detecção e eliminação selectiva,
em particular se a ligação à terra se concretiza através de um caminho que apre-
sente elevada impedância eléctrica. Estas ocorrências colocam sérios problemas
de sensibilidade e selectividade à protecção.

A simples observação da amplitude das correntes de fase quase nunca constitui


um critério suficientemente sólido para garantir uma operação fiável da protecção.
O que melhor indicia a presença de um defeito fase-terra é o aumento da cor-
rente homopolar que circula nas linhas. Tendo em conta este facto, as funções de
protecção que lidam com este tipo de defeito são essencialmente baseadas num
critério de amplitude máxima admissível para a componente fundamental da cor-
rente homopolar presente na linha. São normalmente coadjuvadas por funções de
protecção que lidam com o argumento da potencia homopolar complexa e que em
teoria garantem, em articulação lógica com as anteriores funções, um reforço da
selectividade face a defeitos fase-terra.

O facto de as redes de distribuição não constituírem sistemas trifásicos perfeita-


mente, equilibrados dá origem a uma corrente homopolar não nula em regime
permanente, o que conduz à necessidade de dessensibilizar a função de máxima
intensidade homopolar (RHI). Evitando-se deste modo a actuação da protecção em
situações de normal exploração da rede. Em circunstâncias das quais resultem de-
feitos muito resistivos, a corrente homopolar de defeito pode eventualmente ficar
abaixo do referido limiar de sensibilidade. A característica de tempo inverso ha-
bitualmente implementada em funções de protecção RHI garante a selectividade,
desde que a diferença em amplitude entre as correntes homopolar em linhas sãs
e defeituosas assim o permita. Casos existem cuja configuração da rede é partic-
ularmente nociva para este tipo de solução: a distribuição das capacidades à terra
pelas várias saídas da subestação pode ser tal que a corrente homopolar na linha

2
1. Introdução
1.3. Objectivos e Metodologia do Trabalho

sã seja indistinguível (ou mesmo maior) em amplitude da corrente na linha em que


ocorreu o defeito. Neste trabalho assume-se que protecção está obviamente colo-
cada à saída da subestação de uma rede de distribuição radial, entendendo-se
assim como uma protecção de linhas aéreas.

A continuidade da energia electromagnética distribuída pelo sistema de energia,


implica que quando ocorrem alterações na estrutura da rede, tais como aquelas
provocadas por curtos-circuitos, a evolução para o novo regime estacionário seja
inevitavelmente precedida de fenómenos transitórios que têm tradução, embora
não exclusivamente, na presença transitória de componentes de frequência supe-
rior à fundamental no quadro da transformada de Fourier.

1.3 Objectivos e Metodologia do Trabalho

Através do recurso à analise harmónica, procura-se validar a utilização de tran-


sitórios presentes nas correntes residuais, no estabelecimento de princípios de
protecção para situações em que as soluções actuais contra defeitos fase-terra se
encontrem perto ou mesmo fora do seu limite funcional em termos de selectivi-
dade ou sensibilidade. Para tal procedeu-se à simulação de defeitos fase-terra em
redes de distribuição usando o EMTP/ATP, procurando configurações de redes e
condições de defeitos capazes de por em causa o funcionamento dos algoritmos
de protecção tradicionalmente utilizados.

No tratamento dos resultados obtidos por simulação desenvolveram-se uma série


de módulos em MatLab que permitem uma analise oscilogáfica e fasorial das
grandezas eléctricas com origem no EMTP/ATP. As soluções actuais de protecção
também foram alvo de simulação, desenvolvendo-se para isso outro módulo de
análise.

1.4 Organização do Relatório

O relatório encontra-se divido em três partes fundamentais. No capítulo dois é feita


uma descrição analítica do comportamento em regime permanente de uma rede
face a um defeito fase-terra, bem como uma analise qualitativa dos fenómenos
transitórios que antecedem a passagem ao regime permanente.

No terceiro capítulo são abordadas, dum ponto de vista operacional, as metodolo-


gias utilizadas e ferramentas desenvolvidas com vista aos objectivos estabeleci-
dos.

Na ultima das três partes que corresponde ao quarto capítulo, enuncia-se um pos-
sível esquema de protecção, procedendo-se à apresentação de resultados que o

3
1. Introdução
1.4. Organização do Relatório

sustentem, e justificando a sua utilidade enquanto algoritmo capaz de preencher


lacunas nas soluções actuais de protecção. São também referidas algumas limi-
tações que a solução apresentada possui.

4
Capítulo 2

Defeitos Fase-Terra

2.1 Análise em Regime Permanente

Embora uma analise em regime permanente não seja directamente relevante para
o objectivo proposto, proporciona um enquadramento teórico no qual assentam as
soluções actuais de protecção, permitindo em simultâneo justificar algumas das
suas limitações. Resume-se aqui o desenvolvimento apresentado em [4].

Considerando o esquema eléctrico típico de uma rede de distribuição radial, Fig.


2.1, de n saídas com origem num barramento de uma subestação em que existe
um ponto de neutro acessível ligado à terra por uma impedância genérica da forma:

Z̄N = RN + jXN (2.1)

É possível obter uma expressão que exprime a corrente de curto circuito fase-terra
como o quociente entre a tensão simples pré-defeito e a soma da resistência de
defeito com a média das componentes simétricas da impedância vista do ponto de

sa
I res

ZN def
I res
def
I res , jus

Rdef I cc

Figura 2.1: Esquema simplificado da rede em análise

5
2. Defeitos Fase-Terra
2.1. Análise em Regime Permanente

defeito, que se considera junto à subestação, na forma:

Ea0
I¯cc = Z̄d +Z̄i +Z̄h
(2.2)
Rdef + 3

Para a impedância inversa e directa tem-se:

Z̄i ≈ Z̄d ≈ j(Xm + Xdt ) = jXT (2.3)

Em que se desprezou a componente resistiva das impedâncias do transformador


e rede a montante bem como a impedância longitudinal entre o transformador e
ponto de defeito.

Quanto à impedância homopolar, há que ter em conta os possíveis caminhos de


retorno para a componente homopolar da corrente de defeito: são eles as capaci-
dades à terra distribuídas de todas as linhas com origem no barramento (inclusive
as da linha defeituosa) e a ligação de neutro. A corrente homopolar observável pela
protecção na linha afectada é, então, o somatório das correntes que convergem no
barramento provenientes das linhas sãs e neutro.

O esquema homopolar em regime estacionário de uma linha de transmissão é


representável pelo tradicional modelo em Π, sendo que correntes homopolares,
raciocinando com base no esquema equivalente, fecham pelas impedâncias ca-
pacitivas transversais, já que longitudinalmente no seu extremo de jusante a linha
se encontra em vazio, devido à sempre presente ligação em triângulo do primário
dos transformadores em PT’s. Ainda que as correntes homopolares tenham parte
do seu percurso em segmentos longitudinais das linhas, a impedância associada a
estes é muito menor que a transversal, logo desprezável. A linha fica desta forma
resumida a duas capacidades em paralelo, designando-se por C o paralelo das
capacidades de todas as linhas.
Considerando Z̄0 a série da impedância homopolar do transformador com a impedân-
cia de neutro, então:

Z̄0 = 3Z̄N + jXhT (2.4)

Por conseguinte, a impedância homopolar global resulta do paralelo das capaci-


dades de todas as linhas com Z̄0 , em termos de admitância fica-se com:

1 1 + jωC Z̄0
Ȳh = jωC + = (2.5)
Z̄0 Z̄0

Reescrevendo (2.2):

3(1 + jωCZ0 )Ea0


I¯cc = = 3Ih (2.6)
Z0 + (3Rdef + j2XT )(1 + jωCZ0 )

6
2. Defeitos Fase-Terra
2.1. Análise em Regime Permanente

Atente-se ao facto que na situação de defeito, a rede em estudo poder ser enca-
rada como um divisor de corrente homopolar, em que as correntes se dividem pe-
los ramos (linhas) proporcionalmente à sua admitância. Assim para um dado valor
fixo da corrente de defeito a corrente residual numa linha sã é tanto maior quanto
maior for a capacidade à terra dessa linha. Convencionando que as correntes que
fluem em direcção ao barramento são negativas, tem-se para a corrente residual
numa linha sã:

jωCsa ¯cc
I¯sa
res
=− I (2.7)
Ȳh

De forma análoga, para a corrente na linha defeituosa a jusante do defeito fica-se


com:

jωCdef ¯cc
I¯def,jus
res
=− I (2.8)
Ȳh

É importante ter em conta que esta corrente não é observável pela protecção. No
entanto através de (2.8) facilmente se define a corrente residual na linha defeituosa
como:

jωCdef ¯cc
I¯def
res
= I¯cc − I¯def,jus
res
= (1 − )I (2.9)
Ȳh

Esta sim observável pela protecção. Interessa também definir a tensão residual:

I¯cc
Ū res = − (2.10)
Ȳh

Enquanto que as expressões enunciadas até agora são essencialmente relevantes


em algoritmos baseados em medições de amplitude da corrente residual, também
tem interesse estabelecer um quadro teórico para funções de protecção baseadas
em medições de fase. É particularmente relevante uma análise do argumento da
potência aparente residual. Para uma linha sã, tem-se:

res ∗
res
S̄sa = Ū res (I¯sa ) = −jωCsa |U res |2 (2.11)

A potencia residual numa linha sã apresenta assim, independentemente do regime


de neutro e resistência de defeito um argumento fixo de −π/2. Quanto à linha em
que ocorreu o defeito, verifica-se:
 
res ∗ 1
res
S̄def = Ū res
(I¯def ) = − ∗ + jω(C − Cdef ) |U res |2 (2.12)
Z̄0

Neste caso o argumento da potência aparente residual, tal como é visível em


(2.12), depende da impedância de neutro através de Z̄0 .
Aplicando a transformação inversa de Fortescue obtêm-se expressões para as ten-

7
2. Defeitos Fase-Terra
2.2. Influencia do Neutro em Regime Permanente Pós-Defeito

sões nas fase sãs:

1
Ūb = Ēb0 + (Z̄d I¯cc + Ū res ) (2.13)
3

1
Ūc = Ēc0 + (Z̄d I¯cc + Ū res ) (2.14)
3

2.2 Influencia do Neutro em Regime Permanente Pós-Defeito

O regime de exploração do neutro é talvez o factor que mais directamente influen-


cia o comportamento das componentes residuais em situações de pós defeito, na
medida em que condiciona fortemente a impedância homopolar do sistema (2.4) e
(2.5).

2.2.1 Regime de Neutro Isolado

Nas redes que operam com este tipo de regime, o neutro encontra-se galvani-
camente isolado da terra, ZN → ∞, o que implica que a ligação de neutro não
constitui um caminho possível de retorno para a corrente de defeito, esta fecha-se
então unicamente pelas capacidades distribuídas à terra das varias linhas.
O neutro isolado dá origem a que:

1
= 0 ⇒ Ȳh = jωC (2.15)
Z̄0

Para a corrente de defeito:

Ea0
I¯cc = (2.16)
+ j 23 XT − 1

Rdef 3ωC

Vem assim, respectivamente para a corrente residual numa linha sã e defeituosa:

Csa ¯cc
I¯sa
res
=− I (2.17)
C

 
Cdef
I¯def
res
= 1− I¯cc (2.18)
C

As correntes residuais são então puramente capacitivas e não muito diferenciadas


em termos de amplitude, e.g. considerando uma linha genérica ’1’ e verificando-se
C1 > C/2 a corrente residual é maior quando a linha um é sã do que quando é
defeituosa, o que constitui uma situação extremamente nociva do ponto de vista
de relés baseados na corrente residual.

8
2. Defeitos Fase-Terra
2.2. Influencia do Neutro em Regime Permanente Pós-Defeito

Do ponto de vista das tensões este regime de neutro, em caso de defeito, caracteriza-
se por um elevado desequilíbrio. Se se considerar um defeito franco e 1/(ωC) 
2XT a aplicação de (2.13) e (2.14) conduz a um valor para as tensões simples
igual ao valor da tensão composta.

Quanto à potencia residual na linha defeituosa esta toma a forma:

res ∗
res
S̄def = Ū res (I¯def ) = ((jω(C − Cdef )) |U res |2 (2.19)

res é reactiva pura tendo por isso um argumento de +π/2, facilmente


Ou seja S̄def
destrinçável do argumento de potência numa linha sã.

2.2.2 Neutro com Impedância

Este regime consiste em ligar-se o neutro à terra através de uma resistência ou re-
actância de baixo valor óhmico (rondando a dezena de ohm). Quando comparado
com o regime de neutro isolado, é possível obter uma melhor diferenciação entre
as amplitudes das correntes residuais, enquanto que nas linhas sãs se continua a
ter apenas correntes provenientes das capacidades. Na linha defeituosa acresce
uma parcela que fica a dever-se à existência de um caminho de retorno pelo neutro.
Por esta razão, a colocação de uma impedância no neutro favorece-se significati-
vamente o funcionamento de relés do tipo RHI, facilitando a eliminação selectiva
de defeitos.

Em caso de defeito, as sobretensões associadas a este regime de neutro são


significativamente menores que no caso de neutro isolado, o que coloca menos
exigência ao nível do isolamento dos condutores na rede.

As equações que caracterizam este regime de neutro são as enunciadas na secção


2.1, com ZN = RN para o caso da impedância de neutro ser puramente resistiva,
e ZN = RN + jXN para uma reactância de factor de qualidade finito.

A potência residual na linha em defeito que toma a forma genérica (2.12), ganha
uma componente activa de sinal negativo devido à presença de resistência na
impedância de neutro. De facto, para efeitos de sensibilidade em funções de pro-
tecção baseadas na fase da potencia homopolar, interessa que no caso de neutro
reactivo este tenha o pior factor de qualidade possível. Enquanto que a linha sã
mantém a sua potencia residual com fase de −π/2 (puramente reactiva), o neu-
tro com impedância coloca vectorialmente a potencia residual da linha defeituosa
tipicamente no terceiro quadrante.

9
2. Defeitos Fase-Terra
2.3. Componentes Homopolares em Regime Permanente Pré-Defeito

2.3 Componentes Homopolares em Regime Permanente


Pré-Defeito

Devido às assimetrias presentes nos equipamentos de distribuição de energia par-


ticularmente as linhas porque não são usualmente transpostas ao nível da média
tensão, as redes de distribuição não constituem sistemas trifásicos perfeitamente
equilibrados, pelo que as correntes e tensões da rede apresentam uma compo-
nente homopolar mesmo na ausência de defeito à terra. Este facto impõe um limite
à sensibilidade de relés baseados em grandezas homopolares nomeadamente a
corrente residual. De modo a evitar operações intempestivas da protecção em
situações de exploração normal da rede, estas não podem ter um limiar opera-
cional demasiado próximo de zero. No caso de defeitos muito resistivos, com com-
ponentes residuais de corrente necessariamente baixas, as assimetrias podem
causar problemas ao nível da sensibilidade do algoritmo de protecção.

2.4 Transitórios Electromagnéticos

Nos instantes imediatamente a seguir à ocorrência de alterações na topologia eléc-


trica da rede, tais como ligações acidentais entre condutores activos e a terra,
surgem inevitavelmente transitórios electromagnéticos, com repercussões visíveis
nas formas de onda da corrente ou tensão.

Estes fenómenos podem ser estudados com rigor à luz das equações de propa-
gação das ondas móveis do campo electromagnético, complementadas com a in-
trodução de condições fronteira impostas pelos barramentos e outros pontos de
descontinuidade.

Basta ter em consideração o modelo de parâmetros concentrados, normalmente


utilizado na representação linhas de transmissão de energia para entender a pre-
sença de regimes oscilatórios, correspondentes a trocas de energia entre a in-
dutâncias e a capacidades da linha. A presença de resistência nos condutores e
a própria resistência de ligação ao solo (especialmente no caso de defeitos muito
resistivos) desempenham um papel crucial, na medida que introduzem perdas re-
sponsáveis pelo amortecimento dos regimes oscilatórios.

Sobreposta ao regime oscilatório, é possível encontrar uma componente continua


exponencialmente amortecida (unidireccional), responsável pela introdução no tran-
sitório de componentes em frequência perto de zero. No entanto, em defeitos fase-
terra muito resistivos, não é vulgar esta componente ter uma duração e amplitude
apreciável.

Nas soluções de protecção actuais, com algoritmos quase exclusivamente basea-

10
2. Defeitos Fase-Terra
2.4. Transitórios Electromagnéticos

dos em medições de amplitude e fase das componentes fundamentais, as os-


cilações transitórias são tratadas como ruído. Interpõe-se normalmente entre os
algoritmos e as medições uma filtragem passa baixo de forma a que os transitórios
não influenciem de forma significativa a tomada de decisões por parte da pro-
tecção. É na tentativa de extrair informação útil de fenómenos transitórios associ-
ados a defeitos fase-terra que se centra todo este trabalho.

2.4.1 Principais Condicionantes dos Transitórios

Tenta-se nesta subsecção salientar genérica e sucintamente os principais fac-


tores que influenciam a forma como uma protecção, localizada à saída de uma
subestação com um dado regime de neutro, observa o regime transitório após um
defeito fase terra localizado a jusante.

1. Distância ao defeito
Faz sentir a sua influência sobretudo na frequência característica da compo-
nente oscilatória do transitório. Com o aumento da distância, verifica-se uma
diminuição em amplitude das componentes espectrais de frequência mais
elevada.

2. Ângulo de incidência
Determina sobretudo a amplitude do transitório, tipicamente corresponde à
passagem da tensão por um máximo, por ser este o instante mais provável
de ocorrência do defeito. No uso dos transitórios como parte integrante de
uma função de protecção, interessa analisar instantes de defeito a que cor-
respondam transitórios de menor amplitude (passagens por zero). Embora
numa filosofia de protecção assente somente na componente fundamental
as passagens por zero sejam os instantes mais benéficos, tal não se passa
se os transitórios passarem a ser considerados para algoritmos de protecção.

3. Resistência de Defeito
É notório que para os defeitos que se distanciem do caso de ligação franca
à terra, a resistência de defeito passa a ter um carácter preponderante na
amplitude e duração dos fenómenos transitórios.

11
Capítulo 3

Simulação de Defeitos Fase-Terra


e Módulos de Análise

3.1 Simulação de Defeitos em EMTP/ATP

3.1.1 Modelação da Rede Eléctrica

A rede eléctrica de distribuição em análise foi modelada recorrendo ao EMTP/ATP,


baseando-se nos modelos já desenvolvidos em [2]. A obtenção de um ficheiro
contendo uma rede para simulação de defeitos fase-terra, é feita através da con-
catenação num único ficheiro de vários módulos de código, cada um deles repre-
sentando um modelo de determinado componente da rede eléctrica.

1. Modelo da subestação e da rede a montante


Pese o facto dos transformadores usados em subestações de distribuição
serem normalmente ligados em triângulo do lado da média tensão, optou-
se, por uma questão de simplificação, um transformador Y/Y com neutro
acessível no secundário. A rede a montante foi caracterizada, como é típico,
por uma série RL com uma relação X/R de 3. A tensão de serviço da
subestação é em todas as linhas de 15 kV.

2. Modelo de Transformadores de Corrente


Embora em [2] tenham sido modelados transformadores que incorporam o
efeito de saturação magnética, em defeitos muito resistivos este tipo de fenó-
meno raramente se manifesta, já que a amplitude típica da corrente residual
em regime transitório ou permanente não é suficiente para tal.

3. Modelo de Linhas
A modelação de linhas de transmissão é feita recorrendo a um modelo de
parâmetros distribuídos, por apresentarem mais rigor quando comparados
com os modelos de parâmetros concentrados em Π. O modelo utilizado foi
o desenvolvido por J. Marti. Considerou-se uma configuração em esteira
horizontal, com uma altura de 16m para os postes.

12
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.1. Simulação de Defeitos em EMTP/ATP

4. Modelo de Cargas
Sendo útil dispor de uma representação adequada da rede na situação pré-
defeito, a rede não é representada em vazio, modelando-se as cargas no
extremo jusante da rede por circuitos RL ligados em triângulo, para garantir
a anulação da componente homopolar. Os valores das cargas são tais que
garantem correntes nas linhas na ordem dos 100-150A.

5. Regime de Neutro
Consideram-se três regimes de neutro: isolado, reactivo e resistivo. O valor
da impedância de neutro no caso reactivo e resistivo é de 12 Ω. A reactância
de neutro apresenta um factor de qualidade de 5.

6. Ligação Defeituosa à Terra


É obtida através de uma resistência linear cuja ligação a um determinado
ponto da linha é controlada através de interruptores. Acrescentou-se ao tra-
balho desenvolvido em [2] uma resistência não linear, de forma a simular o
efeito de arcos eléctricos introduzidos localmente pelo defeito, modelo este
cuja explicação se desenvolve em 3.1.3. No caso da resistência linear, a
gama de valores usada encontra-se justificada em 3.1.2.

A variação das condições em que se produz o defeito à terra é feita por mudanças
em parâmetros de alguns modelos: ponto da linha onde se liga a resistência de
defeito; valor e tipo de resistência de defeito; ângulo de incidência (onde se faz
coincidir o defeito na passagem por um máximo ou um zero de tensão) e regime
de neutro. Na Tab. 3.1 é possível ver um resumo das variações utilizadas.

Distancia ao Defeito [km] {0, 12, 24, 36, 48}


Resistência de Defeito [Ω] {263 . . . 22780} Não linear
Ângulo de Incidência π/2 (máximo) π (zero)
Regime de Neutro Isolado Resistivo Reactivo

Tabela 3.1: Possíveis variações que conduzem a diferentes condições de defeito

As redes de média tensão, além da sua topologia radial, caracterizam-se normal-


mente por serem extremamente ramificadas, com grande variedade no tamanho
das linhas. A solução adoptada consistiu em considerar uma rede com 5 saídas
da subestação, com 4 derivações cada. Preservando a diversidade no tamanho
das linhas a rede atinge uma extensão total na ordem das centenas de quilómet-
ros. No decurso deste trabalho, a topologia da rede foi nalguns casos alterada, de
forma a sujeitar os algoritmos de protecção a condições mais adversas, e.g. sub-
stituição das linhas sãs por linhas mais compridas. Na Fig. 3.1 é possível ver um
esquema simplificado da rede modelada e na Tab. 3.2 são enunciados os compri-
mentos das linhas utilizadas. A linha onde ocorre o defeito é a número 1 e aquela
que para efeitos de medições é considerada como a linha sã é a número 2.

13
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.1. Simulação de Defeitos em EMTP/ATP

ZN

Figura 3.1: Esquema simplificado da rede modelada em EMTP/ATP

Linha Comprimento Troço Comprimento


no Principal [km] Derivações [km]
1 48 30 26 13 32
2 26 30 15 32 25
3 32 40 15 43 35
4 52 13 25 17 20
5 40 30 25 28 17

Tabela 3.2: Comprimentos originais das linhas modeladas em [2] linha no 1 Defeitu-
osa, linha no 2 sã

3.1.2 Resistência de Defeito

Não há informação de carácter normativo que estabeleça uma gama de valores de


resistência a que corresponda a designação defeitos muito resistivos. Segundo [5]
em defeitos à terra com elevada impedância, a resistência de defeito pode chegar
às dezenas de kΩ, a que correspondem correntes residuais com amplitude na or-
dem das unidades ou dezenas de ampere. A resistência e a amplitude da corrente
de defeito variam significativamente com o tipo de superfície ou objecto de con-
tacto. Em [3] são enunciadas amplitudes típicas para a corrente de defeito no caso
de contacto entre um condutor activo e o solo (Tab.3.3).
Tendo em conta estes factos, no presente trabalho assume-se que a resistência
toma a seguinte gama discreta de valores:

Rdef ∈ {263, 395, 592, 888, 1333, 2000, 3000, 4500, 6750, 10125, 15187, 22780} (3.1)

Superfície I cc [A]
Asfalto ou areia seca ≈0
Areia molhada 15
Terra seca 20
Erva seca 25
Terra molhada 40
Erva molhada 50

Tabela 3.3: Amplitudes de I cc no caso de condutores partidos [3]

14
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.1. Simulação de Defeitos em EMTP/ATP

3.1.3 Modelo de arco eléctrico

Os defeitos fase-terra encontram-se frequentemente associados à formação in-


termitente ou permanente de arcos eléctricos. As redes exploradas em regime
de neutro isolado são particularmente propícias a este tipo de eventos devido às
fortes sobretensões, eventualmente não compatíveis com o nível de isolamento da
rede.

No caso de contacto directo entre um condutor e o solo (ou um objecto em con-


tacto com o solo), é frequente ocorrência local de arcos eléctricos de pequena
extensão (dezenas de centímetros). Segundo [6], os defeitos com arco eléctrico
revestem-se de um carácter altamente aleatório quando analisados do ponto de
vista das formas de onda da corrente ou tensão. No entanto, são invariavelmente
responsáveis pela introdução,ao nível espectral, de componentes de frequência
superiores à fundamental na corrente de defeito.

Para analisar o efeito da presença de arcos eléctricos na vizinhança próxima do


local de defeito, foi adoptado o modelo descrito em [1],denominado modelo de
Hochrainer, que reproduz o efeito do arco eléctrico através da ligação à terra
por uma resistência de carácter dinâmico Rdef (t). A resistência é descrita pelo
seguinte modelo de primeira ordem:

dg(t) 1
= (G(t) − g(t)) (3.2)
dt τ

Por aplicação da transformada de Laplace:

g(s) 1
= (3.3)
G(s) 1 + τs

G(t) é a condutância estacionária do arco:

|i(t)|
G(t) = (3.4)
(u0 + R|i(t)|) l

A constante u0 é o valor de campo eléctrico que dá origem à ignição do arco e


que assume dois valores médios distintos dependentes da polaridade da tensão
no ponto de defeito. Embora em [1] seja considerado uma variável aleatória com
uma excursão máxima de ±15% em relação a cada um dos dois valores médios,
aqui foi considerado constante e igual ao seu valor médio na alternância de tensão
correspondente. A constante l é a extensão do arco eléctrico e R a sua resistência
por unidade de comprimento. O modelo foi implementado no EMTP/ATP através do
módulo TACS. Na Tab. 3.4 pode ser visto um quadro resumo dos valores utilizados.
A evolução no tempo da resistência de defeito pode ser observada na Fig 3.2

15
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.2. Módulos de Estimação

τ 1 × 10−5 s
u0 (varc (t) > 0) 500 V cm−1
u0 (varc (t) < 0) 700 V cm−1
R 125 Ωcm−1
l 10 cm

Tabela 3.4: Valores Usados no Modelo de Arco Eléctrico [1]

5
x 10
10

6
Rdef [Ω]

0
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
t [s]

Figura 3.2: Evolução no tempo de Rdef segundo o modelo de arco eléctrico [1]

3.2 Módulos de Estimação

Desenvolveram-se em MatLab diversos módulos que proporcionam uma análise


oscilográfica e fasorial de diversas grandezas eléctricas provenientes das simu-
lações efectuadas em EMTP/ATP:

1. Módulo de análise oscilográfica


Visualização da evolução no tempo dos sinais com origem directa nas simu-
lações EMTP/ATP (grandezas de fase e residuais).

2. Módulo de análise fasorial


Constitui o principal módulo. Por aplicação da DFT, é calculada a evolução no
tempo dos fasores obtidos a partir das grandezas de fase, e com base nestes
são calculadas as componentes simétricas pela transformação de Fortescue.
A componente simétrica mais importante em todo este estudo é a corrente
homopolar (a componente residual é igual à homopolar aparte de um factor
de escala de 3), por constituir a grandeza central em esquemas de protecção
contra defeitos fase-terra.

16
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.2. Módulos de Estimação

Posteriormente todos os módulos foram integrados numa interface gráfica, visível


na fig. 3.3

Figura 3.3: Interface gráfica geral

3.2.1 Transformada Discreta de Fourier

A larga maioria dos algoritmos de protecção opera sobre estimativas de fasores


obtidas no quadro da DFT. Para isso aplica-se sobre o sinal uma janela móvel de
amostras 1 com tamanho fixo de um ciclo (20 ms). Considerando uma grandeza
eléctrica discreta x[n] à qual corresponde o fasor:

X̄ = Xc + jXs (3.5)

Por aplicação da DFT :


N −1  
2 X 2π
Xc = cos k n (3.6)
N N
n=0
N −1  
2 X 2π
Xs = sin k n (3.7)
N N
n=0

sendo N o tamanho da janela utilizada. Com uma frequência de amostragem de 50


KHz (correspondente ao passo de integração utilizado no EMTP/ATP) e uma janela
de 20 ms, tem-se N = 1000. Para obter estimativas de harmónicas de ordem p,
1
Numa unidade de protecção real é o sinal que passa pela janela

17
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.2. Módulos de Estimação

vem k = p. Para o argumento (o ângulo dos fasores de fase é referenciado à fase


a) e módulo do fasor associado a x[n], tem-se:
 
Xs
arg(X̄) = arctan − nθ θ = 2π/N (3.8)
Xc

p
|X̄| = Xc2 + Xs2 (3.9)

Por cada amostra adquirida pela janela móvel, o ângulo e amplitude de X̄ são actu-
alizados, estabelecendo-se assim uma evolução temporal do fasor. Para compen-
sar a rotação artificial do fasor provocada pelo avanço da janela, há que introduzir
uma compensação nθ no ângulo.

O algoritmo de estimação estabelecido pela DFT com janela rectangular tem a


resposta em frequência visível na Fig. 3.4. A alteração do parâmetro k em 3.6 e
3.7 tem por efeito o deslocamento da resposta segundo o eixo das frequências,
centrando a DFT na frequência harmónica pretendida. A DFT filtra naturalmente
as frequências múltiplas da fundamental, reproduzindo a sinusóide de sinal com
ganho muito próximo do unitário. Devido à frequência de amostragem utilizada
(50 Khz), o efeito de alisamento é negligenciável, já que a primeira harmónica não
filtrada só aparece em 50.050 kHz.

1
50 Hz
0.9 100 Hz

0.8

0.7

0.6
Ganho Linear

0.5

0.4

0.3

0.2

0.1

0
0 50 100 150 200 250
f [Hz]

Figura 3.4: Resposta em frequência para a DFT de ciclo completo; centrada em


50 Hz e 100 Hz

O tamanho da janela móvel é crítico na qualidade da estimativa obtida. Quando o

18
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.3. Detector de Transitórios

numero de amostras na janela não corresponde a um número inteiro de ciclos, a


exactidão da estimativa vem degradada, pelo surgimento de espalhamento espec-
tral [7]. Aplicando a DFT ao sinal de corrente residual, cuja evolução no tempo é
retratada na Fig. 3.5, são visíveis as repercussões do uso de uma janela de 4/5 de
ciclo (N = 800) na Fig. 3.6.

2
IRES [A]

−2

−4

−6
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
tempo [s]

Figura 3.5: Evolução no tempo da corrente residual na linha defeituosa; defeito em


t = 0.04s

Inevitavelmente, a janela móvel, ao passar pelo instante de defeito, irá conter


amostras pré e pós-defeito. Tal facto causa o aparecimento de componentes em
frequência sobrepostas àquelas que tem origem directa no transitório originado
pelo curto-circuito. Este facto não invalida a sua utilização num algoritmo de pro-
tecção, mas sugere a utilização de um detector de transitório. Esta ferramenta
será responsável pela detecção de mudanças bruscas, indiciadoras da passagem
a uma situação de possível defeito. Sendo assim possível adiar a analise em fre-
quência do transitório até que janela passe só a conter amostras pós-defeito.

3.3 Detector de Transitórios

A utilidade desta ferramenta está em isolar as componentes em frequência com


origem exclusiva no transitório daquelas que surgem pelo facto da janela ao pas-
sar pelo instante de defeito conter amostras pré e pós defeito. A alternativa que
consistiria em usar uma janela mais curta , como forma de mitigar este efeito, tem
no entanto tem as desvantagens já referidas em 3.2.1.

19
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

N=1000 (ciclo completo)


4.5
N=800 (4/5 ciclo)
4

3.5
IRES 1ª Harmónica [A]

2.5

1.5

0.5

0
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
tempo [s]

Figura 3.6: Evolução no tempo da amplitude do fasor associado à corrente residual


de 3.5; efeito do tamanho da janela móvel

O detector funciona por comparação do valor de amplitude obtido na posição actual


da janela com a média dos cinco valores anteriores. Sempre que detecta uma
diferença superior a 15% é acusada a presença de um possível transitório. Isto
permite introduzir uma espera no calculo de componentes harmónicas, até que
estas possam ser calculadas apenas com amostras pós-defeito.

3.4 Simulação das Soluções Actuais de Protecção

Os módulos desenvolvidos em MatLab para testar as soluções actualmente em uso


contra defeitos fase terra, baseiam-se de forma genérica nas funções de protecção
implementadas na unidade terminal de protecção e controlo de linhas de Média
Tensão TPU S410/20 da EFACEC.

3.4.1 Protecção de Terras Resistentes

Esta função de protecção é anunciada, segundo manuais da indústria [8], como


uma função de protecção extremamente sensível e que melhor se adequa à elim-
inação selectiva de defeitos à terra muito resistivos. Insere-se na gama de relés
cronométricos implementando um tradicional algoritmo de tempo inverso, em que
o tempo de actuação é inversamente proporcional à amplitude da corrente.

Este algoritmo obedece a uma característica operacional definida segundo a norma


EPATR da EDF, sendo que a grandeza de trabalho é amplitude da corrente resid-

20
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

Figura 3.7: Interface gráfica desenvolvida para o módulo de simulação 51N

ual (harmónica fundamental), que resulta da soma directa das correntes das três
fases. A norma EPATR é analiticamente definida em três zonas de operação, de-
limitadas por intervalos de amplitude da corrente residual:

top = 459.14T M/I 0.655 0.5 ≤ I res < 5 (3.10)


top = 800T M/I 5 ≤ I res < 200 (3.11)
top = 4T M I res ≥ 200 (3.12)

A zona definida por 3.12 corresponde a um modo de operação de tempo definido,


não implementada pelo relé de tempo inverso. Tem no entanto pouco interesse
pratico para o trabalho em questão devido à elevada amplitude da corrente resid-
ual que lhe corresponde.

O cálculo do tempo de actuação processa-se de acordo com:

X Iβ
k
TM = (3.13)
Afa
k

onde β e A são respectivamente o expoente e o coefiente visíveis em 3.10 e 3.11


e fa representa a frequência de amostragem. A equação 3.13 corresponde a uma
integração discreta no tempo do inverso da característica para um factor de es-
cala TM, unitário. Por cada amostra de corrente recebida do sistema de medida o
valor de 3.13 é acumulado. Se eventualmente igualar ou ultrapassar TM regulado
a função gera um sinal de disparo. Os únicos parâmetros de relevo reguláveis no
relé 51N são um limite operacional em corrente, que estabelece a condição de
arranque para o relé e o factor de escala TM que permite ajustar os tempos de
operação.

21
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

Condição absolutamente necessária para que o algoritmo opere selectivamente é


que exista uma suficiente diferenciação em amplitude da corrente residual entre
as linhas defeituosas e sãs. Já foi discutido em 2.1 que a relação de amplitudes
de corrente residual entre linhas sãs e defeituosas depende fortemente da sua ca-
pacidade à terra e regime de exploração do neutro.

Particularmente difíceis para uma correcta distinção entre linhas sãs e defeituosas
são configurações de rede em que a linha sã apresenta um comprimento muito
superior ao da linha defeituosa. Dos regimes de neutro em estudo, é o neutro
isolado aquele que provoca mais dificuldades ao relé na distinção entre linhas sãs
e defeituosas, precisamente porque a relação de amplitudes na corrente residual
fica somente dependente das capacidades distribuídas pelas varias linhas. Devido
à ausência de um caminho de retorno pelo neutro que alimente a linha defeituosa
com corrente residual.

O normal funcionamento da função de protecção está ilustrado nas Figs. 3.8 e 3.9.
É notório que o regime de neutro com impedância favorece a operação do relé pela
diferenciação acrescida que impõe entre as amplitudes das correntes residuais sãs
e defeituosas. No caso retratado pela Fig. 3.9 a protecção da linha sã não entra
sequer em funcionamento. É visível que este algoritmo opera com tempos de
actuação relativamente largos, podendo facilmente, com as regulações para TM
habitualmente em uso, chegar aos 120 segundos. Este facto pode constituir uma
motivação extra para a incorporação dos transitórios num esquema de protecção.

22
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

100
DEF
90 SA

80

70

60
top [s]

50

40

30

20

10

0
263 395 592 888 1333 2000
Rdef [Ω]

Figura 3.8: Neutro Isolado; evolução do tempo de actuação do relé 51N com Rdef ;
distância ao defeito de 24 Km

30
DEF
SA
25

20
top [s]

15

10

0
263 395 592 888 1333 2000
Rdef [Ω]

Figura 3.9: Neutro Resistivo; evolução do tempo de actuação do relé 51N com
Rdef ; distância ao defeito de 24 Km

23
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

3.4.2 Protecção Direccional de Terra

A protecção actua utilizando a informação de fase da potência homopolar, ac-


tuando complementarmente e em articulação lógica com a protecção de terras
resistentes 3.4.1, de forma a descriminar correctamente os defeitos na linha prote-
gida dos defeitos ocorridos noutras saídas da subestação. A protecção direccional
de terra não faz actuar qualquer disjuntor. Opera de forma a que quando uma linha
é dada como sã bloqueia uma possível sinalização de disparo da protecção de
terras resistentes nessa linha.

O principio de funcionamento teórico assenta nas equações 2.11 e 2.12. No en-


tanto, não é explicitamente calculado o argumento da potência homopolar. Mede-
se antes a relação de fase entre a corrente residual e a tensão residual, actuando
esta última como um referencial angular. Para efeitos práticos, este procedimento
é equivalente à medida de fase da potência homopolar.

Em qualquer regime de exploração de neutro, a potência homopolar numa linha sã


tem invariavelmente um ângulo de −π/2, o que automaticamente coloca a corrente
residual em avanço e quadratura em relação à tensão residual (corrente capaci-
tiva). Já na linha defeituosa, a relação de fases entre corrente e tensão residual
depende da ligação de neutro.

1. Neutro Isolado
Neste regime, a corrente na linha defeituosa encontra-se em quadratura
mas em atraso relativamente à tensão residual, o que corresponde a uma
potência homopolar na linha com defeito puramente reactiva com argumento
de +π/2. As correntes residuais sãs e defeituosa encontram-se assim em
oposição de fase.

2. Neutro Resistivo e Reactivo


Em ambos estes regimes e considerando que no caso da impedância de
neutro ser uma reactância, esta apresenta um factor de qualidade finito, a
corrente residual na linha defeituosa não é capacitiva pura, adquirindo uma
componente resistiva. Para a sinalização de uma linha como defeituosa o
critério discriminativo assenta na detecção de uma componente resistiva su-
ficientemente elevada na corrente residual, que corresponde em termos de
potência a uma componente activa de sinal negativo.

Para o caso de neutro isolado, Fig. 3.10, é visível que após um período transitório,
(subsequente à ocorrência do defeito em t = 0.04 s) a corrente corrente residual na
linha sã se fixa aproximadamente em π/2 (a que corresponde uma potência resid-
ual com argumento de −π/2), a corrente residual que transita na linha defeituosa
está em oposição de fase com um argumento de −π/2. Este resultado estabelece
um principio de actuação simples para o caso de neutro isolado: a sinalização de

24
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

uma linha como defeituosa ocorre se a corrente residual nesta apresentar uma
fase de π/2 referenciada à tensão residual.

Nas simulações efectuadas sobre esta protecção foi visível que as correntes nas
linha sãs não apresentam uma fase de exactamente 90o , sendo habitual a obtenção
de valores que rondam os 95o . Este facto facto fica a dever-se a que o caminho
longitudinal que as correntes residuais sãs percorrem antes de atingirem o barra-
mento, contém alguma resistência. Fases muito próximas 90o só são expectáveis
em defeitos localizados imediatamente à saída da subestação. Esta situação é
acautelada dimensionando uma banda morta de aproximadamente 7o .

180 DEF
SA

135

90

45
fase [º]

−45

−90

−135

0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12


tempo [ms]

Figura 3.10: Neutro Isolado; evolução de fase das correntes residuais

Para neutro resistivo e reactivo obtiveram-se respectivamente as Fig. 3.11 e Fig.


3.12. É observável que a corrente residual na linha sã se mantém aproximada-
mente em 90o . Na linha defeituosa é visível a influencia da ligação de neutro,
distanciado-se dos 90o referentes ao regime de neutro isolado. Numa compara-
ção entre ambas as figuras ( Fig. 3.11 e Fig. 3.12) é particularmente notório que
quanto maior for o carácter resistivo do neutro e a correspondente maior amplitude
da componente activa da potencia homopolar, mais favorecida sai a distinção em
fase entre linhas sãs e defeituosas.
No neutro puramente resistivo a diferença de fase entre correntes residuais sãs
e defeituosas atinge na rede simulada um valor próximo de 90o , muito superior à
diferença no neutro reactivo, que se cifra em aproximadamente 10o . No caso limite,
de uma reactância de neutro com Q → ∞, as correntes sãs e defeituosas seriam
indistinguíveis, ambas com fase de 90o (negligenciado o efeito da resistência lon-

25
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

DEF
180 SA

135
fase [º]

90

45

0
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
tempo [ms]

Figura 3.11: Neutro Resistivo; RN = 12 Ω; evolução de fase das correntes resid-


uais

gitudinal das linhas sãs). Baixos factores de qualidade favorecem, deste modo, a
actuação da protecção. O factor de qualidade usado nos ensaios com neutro re-
activo foi de 5, o que corresponde a uma resistência de aproximadamente 2.35 Ω
para uma impedância total 12 Ω. Tipicamente este tipo de protecção mantém a
sua operacionalidade com factores de qualidade até 5.5.

No caso de regimes neutro impedantes, a protecção direccional de terra é regulada


com um ângulo limite de distinção entre linhas sãs e defeituosas dependente da
resistência presente no neutro.

3.4.3 Protecção de Máximo de Tensão Homopolar

A tensão homopolar, ou a relacionada tensão residual, constitui um bom indicador


da presença de defeitos fase-terra. No entanto não possui qualquer capacidade
discriminativa entre linhas sãs e defeituosas, já que ambas ficam sujeitas à mesma
tensão residual em caso de defeito. Esta protecção é utilizada somente em articu-
lação lógica com outro tipo de protecções

A regulação da protecção, em particular o limiar operacional, é fortemente condi-


cionada pelo regime de neutro, na medida em que este influencia a admitância
homopolar da rede. Em ambas as situações de pré e pós defeito, a tensão residual
assume amplitudes consideravelmente diferenciadas conforme se trata de neutro
isolado ou com impedância limitadora, (Fig. 3.13). Em ambos os regimes de neutro

26
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

DEF
180 SA
170
160
150
140
130
120
110
fase [º]

100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
tempo [ms]

Figura 3.12: Neutro Reactivo; ZN = 12 Ω (Q = 5); evolução de fase das correntes


residuais

o defeito foi simulado com Rdef = 263 Ω, a uma distancia de 12 Km da protecção.

Para além do regime de neutro, a amplitude da tensão residual, conforme a equação


2.10, vem condicionada à resistência de defeito, variando inversamente com esta,
tal como é visível nas Figs. 3.14 e 3.15.

A distância a que o defeito ocorre da subestação influencia também o valor da ten-


são residual pós defeito, como é visível nas Figs. 3.17 e 3.16. Em [8] é anunciado
um quase desacoplamento entre a amplitude da tensão residual e a distancia ao
defeito no caso de neutro isolado. Nas simulações efectuadas em neutro isolado,
entre os dois extremos da linha (tendo por base o valor da tensão no extremo mon-
tante da linha) tem-se uma variação de percentual de −12.7%, menos acentuada
que no regime de neutro com impedância, −18.4%.

27
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

4
x 10
3

Neutro Resistivo
Neutro Isolado
2.5

2
Tensao Residual [V]

1.5

0.5

0
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
tempo [s]

Figura 3.13: Neutro Isolado e Resistivo; evolução no tempo da amplitude da


tensão residual

4
x 10
3

2.5

2
Tensao Residual [V]

1.5

0.5

0
0 0.5 1 1.5 2 2.5
Rdef [Ω] 4
x 10

Figura 3.14: Neutro Isolado; evolução da amplitude da tensão residual com Rdef

28
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.4. Simulação das Soluções Actuais de Protecção

1500

1000
Tensao Residual [V]

500

0
0 0.5 1 1.5 2 2.5
Rdef [ Ω] 4
x 10

Figura 3.15: Neutro Resistivo; evolução da amplitude da tensão residual com


Rdef

1600

1550

1500
Tensao Residual [V]

1450

1400

1350

1300

1250
0 12 24 36 48
Distancia ao Defeito [Km]

Figura 3.16: Neutro Resistivo; evolução de amplitude da tensão residual em


função da distância ao defeito

29
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.5. Analise Harmónica dos transitórios

4
x 10
2.85

2.8

2.75
Tensao Residual [V]

2.7

2.65

2.6

2.55

2.5

2.45
0 12 24 36 48
Distancia ao Defeito [Km]

Figura 3.17: Neutro Isolado; evolução de amplitude da tensão residual em função


da distância ao defeito

3.5 Analise Harmónica dos transitórios

Factores como a resistência de defeito, a distancia ao defeito, o regime de neu-


tro e o ângulo de incidência, têm uma influencia mensurável sobre a amplitude, a
duração e a composição espectral dos transitórios que surgem na corrente resid-
ual. As Figs. 3.19, 3.20, 3.21 e 3.22, ilustram a dependência da amplitude da 2a
harmónica com aos parâmetros anteriormente enunciados. Nestas figuras não foi
feito o uso de algum tipo de detector de transitórios. A informação de maior relevo
está na contribuição negativa que o aumento da distância ao defeito e da própria
resistência de defeito têm para a intensidade do transitório.

Na prática, a busca de um princípio de protecção baseado nos transitórios passou


pela procura de uma determinada harmónica cuja evolução da amplitude durante
o transitório fosse útil, não só na detecção do próprio defeito, mas também na dis-
tinção entre linhas sãs e defeituosas. Outro requisito adicional é o carácter local
do algoritmo i.e., não estar prevista a troca de informação entre protecções local-
izadas em linhas diferentes. A principal dificuldade reside em, dado um regime de
neutro, obter um algoritmo que acomode as restantes variações sem comprometer
o seu funcionamento.

Para tornar prática a procura de um algoritmo capaz de cumprir com os objectivos,


foi desenvolvido mais um módulo em MatLab, Fig. 3.18. Neste módulo é pos-

30
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.5. Analise Harmónica dos transitórios

sível fazer variar a distância ao defeito, regime de neutro e ordem da harmónica


pretendida. Assim visualizando-se o valor médio da amplitude da harmónica pre-
tendida durante um ciclo e meio após o defeito. Alternativamente, em casos onde
tenha sido usado um detector de transitórios, o valor apresentado para amplitude
da harmónica, é o que esta apresenta no instante que corresponde a um ciclo de-
pois do detector acusar a presença do transitório.

Figura 3.18: Interface gráfica desenvolvida para o módulo de análise harmónica


dos transitórios

31
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.5. Analise Harmónica dos transitórios

14

12

10
2ª Harmónica [A]

8
Rdef
Crescente
6

0
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
tempo [s]

Figura 3.19: Efeito de Rdef sobre a evolução da amplitude da 2a harmónica -


Rdef = {263, 395, 592, 888, 1333, 2000}; distancia ao Defeito 12 Km; neutro reac-
tivo; defeito na passagem por zero da Tensão.

2.5

2
2ª Harmónica [A]

Distancia
ao Defeito
1.5 Crescente

0.5

0
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
tempo [s]

Figura 3.20: Efeito da localização do defeito sobre a evolução da amplitude da


2a harmónica; distancia ao defeito {0, 12, 24, 36, 48} Km; Rdef = 1333Ω; neutro
reactivo; defeito na passagem por zero da tensão

32
3. Simulação de Defeitos Fase-Terra e Módulos de Análise
3.5. Analise Harmónica dos transitórios

4
Defeito na passagem por zero
Defeito na passagem por um máximo
3.5

2.5
2ª Harmónica [A]

1.5

0.5

0
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
tempo [s]

Figura 3.21: Efeito do ângulo de incidência sobre evolução da amplitude da 2a


harmónica Rdef = 1333Ω; distância ao defeito 12 Km; neutro reactivo

3
Isolado
Resistivo
Reactivo
2.5

2
2ª Harmónica [A]

1.5

0.5

0
0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12
tempo [s]

Figura 3.22: Efeito do regime de neutro sobre evolução da amplitude da 2a har-


mónica - Rdef = 1333Ω; distancia ao Defeito 12 Km; defeito na passagem por zero
da tensão; Rdef = 1333Ω

33
Capítulo 4

Princípios de Protecção
Baseados em Transitórios

Apresentam-se neste capitulo, os resultados que conduzem ao estabelecimento


de princípios de protecção baseados numa análise harmónica dos transitórios pre-
sentes na corrente residual. Em primeira instância apresentam-se algumas situ-
ações em que o relé que opera com a amplitude da corrente residual falha ob-
jectivamente. Seguidamente é apresentada uma solução baseada em segunda
harmónica da corrente residual, que demonstra ser capaz de constituir uma alter-
nativa válida para as situações de falha do relé de terras resistentes.

4.1 Situações de Falha da Protecção de Terras Resistentes

Procuraram-se simular situações que comprovadamente colocassem o relé 51N


fora do seu limite operacional. Tal foi feito tendo em vista o estabelecimento de um
conjunto de casos, onde soluções de protecção baseadas numa analise harmónica
de transitórios, trouxessem uma efectiva mais-valia. Se bem que em alguns casos,
a falha da protecção de terras resistentes, tenha sido alcançado para a configu-
ração topológica original da rede, decidiu-se simular situações em que a rede se
encontra topológicamente alterada, com as as linhas sãs tornadas mais extensas.

Para que a protecção falhe, é suficiente que a amplitude da corrente residual de


defeito numa linha sã, seja maior que na linha onde ocorreu o defeito. No entanto,
mesmo em casos em que a corrente residual seja maior na linha defeituosa, é
necessário que o seja por uma margem segura, pois a eliminação do defeito não
é instantânea (há que ter em conta o tempo de disparo dos disjuntores) e os relés
têm precisão finita nas medições de corrente e cálculo de tempos. Resumida-
mente, pode-se dizer que há um limite de precisão na actuação dum sistema de
protecção. Para a função de terras resistentes a precisão temporal anunciada é de
±10 ms. Na medição de correntes o erro máximo anunciado é de 3 %.

34
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.1. Situações de Falha da Protecção de Terras Resistentes

Linha Comprimento Troço Comprimento


no Principal [km] Derivações [km]
1 48 30 26 13 32
2 52 30 40 32 28
3 32 17 15 25 13
4 26 13 25 17 20
5 26 30 25 28 17

Tabela 4.1: comprimentos modificados das linhas; linha no 1 defeituosa; linha no 2


sã (expandida)

A regulação do TM , segue a prática habitual nas redes de distribuição da EDP,


sendo colocado T M = 0.2 para todas as saídas da subestação. Este tipo de pa-
rametrização para o TM é suficiente para que em condições não muito adversas
seja assegurada a coordenação entre as várias protecções geridas em paralelo. O
limiar de arranque da protecção foi configurado para 0.5 A.

Ilustram-se nas Figs. 4.1, 4.2 e 4.3 algumas situações de falha do relé 51N. Estas
foram obtidas por alteração da topologia original da rede definida em [2]. A linha
que para efeitos de medição é aqui considerada como sã (linha no 2) viu o seu
comprimento aumentado, enquanto que as restantes linhas sem defeito viram o
sua extensão total diminuída, sendo visível na Tab. 4.1 a nova distribuição de com-
primentos. Tal como seria expectável, o pior caso obtém-se com o neutro isolado,
em que para nenhum dos valores de Rdef considerados o tempo de actuação na
linha sã é mais longo que na linha defeituosa. Nos últimos dois valores da gama de
resistência, coloca-se um problema de sensibilidade, já que a função de protecção
não chega a arrancar.

120
DEF
SA

100

80
top [s]

60

40

20

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.1: Neutro Isolado; tempos de actuação do relé 51N para uma semi-gama
Rdef ; defeito localizado a 48 Km da subestação; linha sã expandida; Iop = 0.5 A;
T M = 0.2

35
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.1. Situações de Falha da Protecção de Terras Resistentes

120

DEF
110 SA

100

90
top [s]

80

70

60

50

40
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.2: Neutro Resistivo; tempos de actuação do relé 51N para uma semi-
gama Rdef ; defeito localizado a 48 Km da subestação; linha sã expandida; Iop =
0.5 A; T M = 0.2

120

DEF
110 SA

100

90
top [s]

80

70

60

50

40
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.3: Neutro Reactivo; tempos de actuação do relé 51N para uma semi-
gama Rdef ; defeito localizado a 48 Km da subestação; linha sã expandida; Iop =
0.5 A; T M = 0.2

36
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.2. Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

4.2 Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

4.2.1 Algoritmo Fundamentado na 2a Harmónica

Com base no módulo desenvolvido para analise de transitórios, foi realizada uma
procura sistemática de componentes harmónicas capazes de integrar um algo-
ritmo, não só com o objectivo de colmatar situações como aquelas descritas em
4.1, mas também capaz de dar indicações correctas em condições de defeito
menos adversas.

Os resultados mais promissores aparecem com o uso de componentes harmónicas


de baixa frequência, cuja abordagem já foi mencionada em [9]. Com a utilização do
módulo descrito 3.5 para analisar dos resultados obtidos pela DFT, optou-se pela
2a harmónica. Recorda-se que o valor considerado para a as harmónicas corre-
sponde ao valor médio da sua amplitude durante um ciclo e meio após o defeito.
As Figs. 4.5,4.6 e 4.4 correspondem às mesmas situações de defeito que deram
origem às falhas do relé de terras resistentes descritas em 4.1.

No caso do neutro resistivo ou reactivo é possível, pela observação das Figs.


4.5 e 4.6, estabelecer um limiar de 8% acima do qual uma linha pode ser sinal-
izada como defeituosa. Estes resultados foram obtidos considerando que o defeito
ocorre numa passagem por zero, situação menos favorável em termos da ampli-
tude e duração do transitório e por isso mais difícil para um algoritmo deste tipo.
No caso do neutro isolado, Fig. 4.4 o limiar pode ser elevado pra 18%, sendo que,
ao contrário do neutro com impedância, é a linha sã que fica normalmente acima
desse limite. Fica demonstrada a capacidade do algoritmo proposto, para esten-
der o limite operacional do relé de terras resistentes, com base na amplitude da
segunda harmónica da corrente residual.

Tem interesse averiguar o comportamento do algoritmo em situações menos exi-


gentes e.g., configurações de rede e instantes de defeito mais favoráveis. Como
exemplo, tem-se a Fig. 4.7, onde o defeito coincide com um máximo da tensão,
situação esta que se apresenta como favorecedora, já que tem por consequência o
aumento da amplitude da 2a harmónica na linha defeituosa, ao mesmo tempo que
na linha sã a percentagem de 2a harmónica se mantém claramente abaixo de 8
%. Considerando a configuração original da rede, e com um defeito mais próximo
da subestação, têm-se as Figs. 4.8 e 4.9, onde é verificável que o principio de
protecção mantém a sua validade.

O algoritmo mantém a sua validade, mesmo quando se recorre a uma resistência


de defeito variável no tempo (modelo utilizado para o arco eléctrico). Tal é ob-
servável na Fig. 4.10, como a resistência tem um carácter dinâmico optou-se por
apresentar os resultados em função da distancia ao defeito.

37
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.2. Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

2
1ª Harmonica [A]

1.5

0.5

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

19
2ª Harmonica [%]

18.5

18

17.5

17
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.4: Neutro Isolado; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com Rdef ;


2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48 Km da subestação;
linha sã expandida; defeito na passagem por zero da tensão

2.5
DEF
SA
1ª Harmonica [A]

1.5

0.5
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

20
DEF
16 SA
2ª Harmonica [%]

12

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.5: Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com Rdef ;


2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48 Km da subestação;
linha sã expandida; defeito na passagem por zero da tensão

38
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.2. Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

3
DEF
2.5 SA
1ª Harmonica [A]

1.5

0.5
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

20
DEF
16 SA
2ª Harmonica [%]

12

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.6: Neutro Reactivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com Rdef ;


2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48 Km da subestação;
linha sã expandida; defeito na passagem por zero da tensão

2
1ª Harmonica [A]

1.5
DEF

1 SA

0.5

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

50

40
2ª Harmonica [%]

30 DEF

20 SA

10

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.7: Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com Rdef ;


2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48 Km da subestação;
linha sã expandida; defeito na passagem por um máximo da tensão

39
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.2. Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

3
DEF
SA
1ª Harmonica [A]

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

20
DEF
16 SA
2ª Harmonica [%]

12

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.8: Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com Rdef ;


2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 12 Km da subestação;
configuração original da rede; defeito na passagem por zero da tensão

2
DEF
SA
1ª Harmonica [A]

1.5

0.5

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

19

18.5
2ª Harmonica [%]

DEF
18
SA
17.5

17

16.5
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.9: Neutro Isolado; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com Rdef ;


2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 12 Km da subestação;
configuração original da rede; defeito na passagem por zero da tensão

40
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.2. Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

2.5
DEF
2
1ª Harmonica [A]

SA

1.5

0.5

0
0 12 24 36 48
Distancia ao Defeito [Km]

20
2ª Harmonica [%]

16
DEF
SA
12

0 12 24 36 48
Distancia ao Defeito [Km]

Figura 4.10: Neutro Reactivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com


Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; Rdef (t) (modelo de arco
eléctrico); configuração original da rede; defeito na passagem por zero da tensão

4.2.2 Limitações da Solução 2a Harmónica

Tendo por base o limiar de 8 % proposto para a segunda harmónica, é possível


obter casos onde o algoritmo proposto não se revela útil. No entanto nenhuma
dos casos a seguir descritos constitui uma situação de falha do relé 51N. Tais ca-
sos têm especial incidência no regime de neutro isolado, ou em valores baixos da
resistência de defeito. Este último facto sugere a criação de uma zona de aplica-
bilidade para o algoritmo definida por um limite em amplitude da corrente residual
em 1a harmónica i.e., um valor de corrente residual acima do qual o algoritmo não
deve operar.

A observação dos resultados expressos na Fig. 4.11 sugere um limite de não op-
eração fixo em 15 A, já que, apenas para os dois primeiros valores da gama de
resistência de defeito considerada o limite de 8% não é aplicável. No caso de neu-
tro reactivo (Fig. 4.12) o limite em 1a harmónica desce para os 10A. O caso de
neutro isolado (Fig. 4.13) representa a situação mais gravosa, não sendo possível
estabelecer qualquer limite, mesmo em 2a harmónica. Neste regime a única alter-
nativa possível será tentar um critério baseado no facto de as correntes residuais,
mesmo no transitório, se encontrarem em oposição de fase.

41
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.2. Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

25
DEF
20 SA

1ª Harmonica [A]
15

10

0
263 395 593 889 1333 2000
Rdef [Ω]

20

16
2ª Harmonica [%]

DEF
12
SA
8

0
263 395 593 889 1333 2000
Rdef [Ω]

Figura 4.11: Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com


Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 36 Km da
subestação; configuração original da rede; defeito na passagem por zero da tensão

Outro tipo de limitação está relacionada com a precisão alcançável pelo sistema de
medição da protecção, situação particularmente delicada com valores que fiquem
numa vizinhança próxima do limiar proposto.

30
DEF
SA
1ª Harmonica [A]

20

10

0
263 395 593 889 1333 2000
Rdef [Ω]

25
DEF
20 SA
2ª Harmonica [%]

15

10

0
263 395 593 889 1333 2000
Rdef [Ω]

Figura 4.12: Neutro Reactivo; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com


Rdef ; 2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 36 Km da
subestação; configuração original da rede; defeito na passagem por zero da tensão

42
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.2. Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

15
DEF
SA

1ª Harmonica [A]
10

0
263 395 593 889 1333 2000
Rdef [Ω]

24
DEF
SA
2ª Harmonica [%]

22

20

18
263 395 593 889 1333 2000
Rdef [Ω]

Figura 4.13: Neutro Isolado; evolução da 1a harmónica e 2a harmónica com Rdef ;


2a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 36 Km da subestação;
configuração original da rede; defeito na passagem por zero da tensão

4.2.3 Algoritmo com Recurso a Detector de Transitórios

A utilidade de um detector de transitórios está em conseguir-se contabilizar ape-


nas as componentes harmónicas com origem directa no transitório, dado que o
método anteriormente descrito em 4.2.1 contabiliza conteúdo harmónico prove-
niente do facto da janela móvel conter amostras pré e pós defeito.

A alternativa consiste em detectar a presença de um transitório (possivelmente in-


diciadora de um defeito fase-terra) e esperar até que a janela contenha apenas
amostras pós-defeito. De forma a evitar a entrada de amostras na janela corre-
spondentes ao regime permanente pós-defeito, a espera é limitada a um ciclo da
corrente (20 ms).

Os valores apresentados para as amplitudes, já não correspondem a valores mé-


dios calculados ao longo de ciclo e meio. São sim valores instantâneos que ocor-
rem exactamente um ciclo após o detector acusar a presença do transitório.

A escolha da harmónica onde assentaria o possível algoritmo recaiu, sobre uma


zona de mais alta frequência (11a harmónica), já que as harmónicas de ordem
mais baixa revelam-se, neste método, menos consistentes. A lógica desta escolha
pode ser justificada por observação da Fig. 4.14, onde a componente a 550 Hz
se apresenta próxima de um máximo local, situação esta que não se altera signi-
ficativamente com a variação das condições de defeito. O espectro apresentado
corresponde ao que é visto pela protecção aproximadamente um ciclo após o de-
feito.

43
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.2. Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

−20

−40

−60
Amplitude [dB]

−80

−100

−120

−140

−160

−180

−200
0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000
f [HZ]

Figura 4.14: Espectro do transitório obtido para um defeito a 12 Km da subestação;


Rdef = 263; neutro resistivo

Um algoritmo assente nesta metodologia revelou-se bastante mais difícil de obter.


As componentes harmónicas analisadas desta forma ficam de sobremaneira mais
sensíveis às variações da resistência, distancia ao defeito e ângulo de incidência.
É praticamente impossível estabelecer um limite percentual que resista às várias
variações possíveis das situações de defeito. Como exemplo, vejam-se as Figs.
4.15 e 4.16, onde a simples variação da distância ao defeito, com os restantes
parâmetros mantidos constantes, introduz variações apreciáveis na percentagem
de 11a harmónica, não permitindo assim estabelecer um limite de distinção claro
entre linhas sãs e defeituosas.

A sobreposição de componentes de frequência sem origem directa no transitório


mostra-se, assim, essencial na obtenção de esquemas de protecção com algum
tipo de validade.

44
4. Princípios de Protecção Baseados em Transitórios
4.2. Algoritmos de Protecção Baseados em Transitórios

4
DEF
SA
1ª Harmonica [A]

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

8
11ª Harmonica [%]

6
DEF
SA
4

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.15: Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 11a harmónica


com Rdef ; 11a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 12 Km da
subestação; configuração original da rede; defeito na passagem por zero da ten-
são; utilização do detector de transitórios

3
DEF
SA
1ª Harmonica [A]

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

40
11ª Harmonica [%]

30
DEF
20 SA

10

0
3000 4500 6750 10125 15187 22780
Rdef [Ω]

Figura 4.16: Neutro Resistivo; evolução da 1a harmónica e 11a harmónica


com Rdef 11a harmónica expressa em percentagem da 1a ; defeito a 48 Km da
subestação; configuração original da rede; defeito na passagem por zero da ten-
são; utilização do detector de transitórios

45
Capítulo 5

Conclusões

Conseguiu-se estabelecer um princípio de protecção fundamentado na 2a har-


mónica capaz de colmatar falhas da principal função de protecção contra defeitos
fase-terra (51N). Este princípio é, ao mesmo tempo, eficaz numa gama alargada de
situações de defeito menos exigentes. Foram apontadas algumas limitações, que
não se revelaram cruciais, já que a motivação era acrescentar mais uma função
de protecção ao conjunto das funções já existentes. A função desenvolvida está
pensada, tais como as funções baseados em tensão homopolar e no argumento
da potência homopolar, para funcionar em articulação lógica com o relé de terras
resistentes.

Constatou-se que é mais fácil obter princípios de protecção, contabilizando as


componentes harmónicas que surgem numa janela contendo amostras pré e pós-
defeito. A utilização de um detector de transitórios, para que só fossem tidas em
conta componentes em frequência com origem directa no transitório, revelou-se
pouco eficaz. Tal deve-se à sensibilidade acrescida que se ganha em relação às
condições de defeito, que são variáveis. Tornando-se, senão inviável pelo menos
muito difícil, a obtenção de um valor limiar que sirva de indicador da possível pre-
sença de um defeito, e actue como fronteira entre a classificação de uma linha
como sã ou defeituosa.

Parecendo que este trabalho esgota a análise harmónica de correntes residuais


com recurso à DFT, o trabalho futuro deve assentar sobre outro tipo de métodos
de analise de sinais e.g., wavelets. Podendo-se desta maneira estabelecer méto-
dos que olhem de cada vez para segmentos alargados do espectro, em vez de
centrados numa única harmónica

46
Bibliografia

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[8] EFACEC, TPU-S420, Manual do Utilizador. 2006.

[9] C.-L. Huang, H.-Y. Chu, and M.-T. Chen, “Algorithm comparison for high
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