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RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar reflexões sobre as políticas
educacionais brasileiras para os estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na
pandemia da Covid-19. Foi realizada uma revisão documental através dos pareceres
publicados na base de dados do Governo Federal desde março de 2020 até agosto de
2021 em busca de documentos legislativos que tratassem do atendimento educacional.
Como referencial teórico metodológico foi usada a Teoria Crítica com os pensamentos de
Theodoro Adorno buscando compreender se as diretrizes propostas apontavam caminhos
para uma educação emancipatória. Os resultados apontam que: (1) precisamos de
atenção e resistência porque o retrocesso é possível principalmente em tempos de
pandemia; (2) para garantir uma educação emancipatória aos estudantes com TEA é
necessária uma organização minuciosa e a elaboração de políticas educacionais que
considerarem suas especificidades (3) faltaram políticas de inclusão digital para os
estudantes da rede pública onde se concentra a maioria dos estudantes do PAEE. Com
isso, as legislações elaboradas durante a pandemia não foram suficientes para garantir o
direito à educação com acessibilidade para todos os estudantes
O planeta Terra foi afetado pela pandemia da COVID-19 e os óbitos por essa
razão ultrapassaram 4,5 milhões. O Brasil é o sexto país mais populoso do mundo,
entretanto é o segundo com mais mortes pelo Novo Coronavírus, que segundo o Painel
Covid do Ministério da Saúde, já ultrapassaram 578 mil vidas perdidas em agosto de
2021. Quando a pandemia teve início em março de 2020 não havia conhecimento
científico sobre a letalidade do vírus, as consequências mundiais e o tempo que
perduraria. Mas certamente o negacionismo nos discursos oficiais e no comportamento de
parte da população que não seguiam os protocolos de prevenção aumentaram a
transmissibilidade do vírus e consequentemente os casos, os óbitos e o tempo na
suspensão de algumas atividades. A escola logo foi fechada demorou para reabrir, ainda
temos redes de ensino que permanecem sem aulas presenciais, porém “lembremos que
nosso modelo de escola é baseado na aglomeração, com escolas abarrotadas de
estudantes nos grandes centros urbanos.” (Soares, 2020. p. 12). Em 2021, mesmo com
um cenário pandêmico, diversas escolas reabriram com a imposição do “novo normal” e
consequentemente em abril do mesmo ano, o Brasil registrou 4.249 óbitos em 24 horas.
Com a pandemia, muitas dificuldades que já existiam no cenário educacional se
agravaram. “A educação tem sido alvo das políticas conservadoras recentes, quer no
propósito de coibir a ampliação do acesso a setores tradicionalmente marginais da
sociedade” (Oliveira. 2020. p.14). Por isso, é preciso estar atento e forte as proposições
feitas para grupos historicamente segregados, como por exemplo, as pessoas com
Transtorno do Espectro Autista (TEA) que compõem o Público-Alvo da Educação Especial
(PAEE).
Ressalta-se que a vulnerabilidade aumenta em tempos de crise, compreender
quem são os sujeitos e suas especificidades é fundamental para a elaboração e
implementação de políticas públicas. O TEA é caracterizado pelo DSM-V (2014) como:
transtorno do neurodesenvolvimento com prejuízos persistentes na comunicação e
interação social, bem como nos comportamentos que podem incluir interesses e padrões
repetitivos. As especificidades se apresentam com diferentes intensidades (leve,
moderada e grave) em cada indivíduo, porque todos nós somos seres únicos. Considerar
essas questões sinaliza que não são as pessoas com deficiência que devem se adequar
e sim os espaços e pessoas que precisam lidar com a diversidade humana. É preciso
garantir acessibilidade!
Cabe ressaltar que a Lei Brasileira de Inclusão (2015) determina em seu Art. 5º
que, “a pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano
ou degradante.” E ainda afirmando que: “[...] são considerados especialmente vulneráveis
a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência.”
Assim, analisar as proposições educacionais é fundamental para compreender
quais são os objetivos em sua implementação porque, momentos caóticos podem ser
propícios para acelerar ações que sofreriam resistência. Como aponta Galzerano (2021,
p.124) “A pandemia, portanto, não está alheia à crise estrutural do capital e às
consequentes políticas que vem sendo adotadas no sentido de reverter a queda na taxa
de lucro capitalista.”
Este artigo analisa as políticas educacionais proposta na pandemia que envolvem
os estudantes com TEA pois: “A única concretização efetiva da emancipação consiste em
[...] uma educação para a contradição e para a resistência” (Adorno, 1995, p. 183). Como
referencial teórico metodológico foi utilizada a Teoria Crítica com os pensamentos de
Theodoro Adorno.
2. PROBLEMA DE PESQUISA
A Lei Nº 14.172 (2021) foi alvo de veto presidencial que foi derrubado. É
inacreditável que diante do cenário que nos encontramos, essa tentativa tenha existido. O
acesso à internet é algo que deveria ser público e gratuito o que seria uma forma de
contribuir para a construção de uma sociedade com sujeitos emancipados.
Compreendendo tal importância, a resolução do Conselho Nacional de
Educação/Conselho Pleno4 Nº 2/2021 no art. 10, sinaliza que os sistemas educacionais
devem garantir aos estudantes PAEE: "especial atenção às condições de acesso aos
meios e tecnologias de comunicação e informação, disponibilizando apoios necessários
para que o atendimento escolar e o Atendimento Educacional Especializado ocorram de
acordo com as especificidades de cada estudante".
A escolarização e a inclusão PAEE ainda é um desafio no cotidiano pois, em meio
a tantas demandas eles acabam invisibilizados e na pandemia se revelou da mesma
maneira. Isso não ocorre apenas em ações da escola porque o Conselho Nacional de
Educação/Conselho Pleno¹ aponta através do Parecer Nº 11(2020):
Vale ressaltar que estudante com deficiências e/ou transtorno do espectro
autista, por razões supracitadas de maior vulnerabilidade, não devem
retornar às aulas presenciais ou Atendimento Educacional Especializado,
enquanto perdurarem os riscos de contaminação com o coronavírus.
Nessa redação os estudantes com TEA deveriam ficar afastados presencialmente
da escola enquanto houvesse risco de contaminação. Isso já foi alterado, apesar de ainda
não ter sido homologada. Esse texto é excludente e capacitista pois, o ‘‘Capacitismo é a
concepção presente no social que lê as pessoas com deficiência como não iguais, menos
aptas ou não capazes para gerir a próprias vidas.’’ (Dias. 2013, p.2). Existem questões
que podem dificultar a adaptação do estudante com TEA nessa realidade imposta,
entretanto não é aceitável legalmente e moralmente que alguém seja discriminado dessa
forma, sem sequer uma avaliação individual para entender as possibilidades, limitações e
adaptações.
Os desafios são imensuráveis e isso não torna aceitável a existência de
dispositivos legais que corroborem com a exclusão, que dirá uma exclusão prévia. É
preciso que exista trabalho coletivo e investimentos para que as atividades presencias e
não presenciais, garantam acessibilidade a todos os estudantes que estavam recebendo
tratamento explicitamente capacitista do Conselho Nacional de Educação/Conselho
Pleno¹ através do Parecer Nº 11(2020), pois afirma que estudantes da Educação Especial
devem ser privados de interações presenciais, já que os estudantes com: surdez,
precisam da expressão facial e fazer leitura labial; estudantes que necessitam de apoio
escolar para alimentação, higiene e locomoção, precisam de agente de apoio à inclusão;
cegos, precisam de contato direto para locomoção, seja com pessoas ou objetos como
bengalas, corrimões, maçanetas, entre outros; deficiência intelectual, têm dificuldades
com as regras e recomendações de higiene e cuidados gerais para evitar contágio;
autismo, têm dificuldades nas rotinas e de obediência às regras, tocam sempre olhos e
boca, além de exigirem acompanhamentos nas atividades de vida diária.
As pontuações acerca dos estudantes PAEE podem ocorrer, mas não são regras
e nem podem ser pretextos para que sejam “privados de interações presenciais”. Os
apontamentos foram graves porque já partem do pressuposto que todos são iguais
desconsiderando suas características individuais e a intensidade com que se apresentam,
é como se não existisse uma pessoa e aquele indivíduo se estivesse resumido à sua
deficiência ou transtorno. O artigo 5º do Decreto nº 6.949 (2009), define que “todas as
pessoas são iguais perante e sob a lei a que fazem jus, sem qualquer discriminação, a
igual benefício da lei”.
A crise sanitária afeta toda sociedade, mas precisamos enfatizar que as pessoas
são atingidas de forma diferenciada. É nesse momento que o Poder Público precisa
mostrar a sua força e compromisso com aqueles que mais precisam! Mas mobilização
das pessoas se faz necessária porque: “o tempo passa, e com ele a solução da mudança
“de cima para baixo” vai se desfazendo”. (Soares, 2020, p.5).
O Parecer Nº 16 (2020), foi escrito para reexaminar o Parecer Nº 11(2020) e
reafirmar o compromisso com a inclusão do PAEE. É possível considerar que as
manifestações ocorridas em função do parecer excludente surtiram efeito. Na redação
existe menção a outras legislações como Lei Brasileira de Inclusão, Constituição Federal,
Resolução CNE/CEB N°02 (2001) e outras sinalizando os direitos das pessoas com
deficiência e mencionado que a exclusão é “toda forma de distinção, restrição ou
exclusão, por ação ou omissão, com propósito de prejudicar, impedir ou anular direitos”
como reitera a Lei Brasileira de Inclusão (2015).
Cabe destacar que, a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (2008) não foi mencionada no documento e foi alvo de retrocessos ao
longo da pandemia, pois no final do mês de setembro de 2020 foi implementada, uma
Nova Política Nacional de Educação Especial através de decreto Nº 10.502 (2020) com
diretrizes que já haviam sido discutidas e refutadas em anos anteriores por configurarem
segregação e exclusão. Porém através de ação direta de inconstitucionalidade o decreto
foi suspenso e segue a discussão jurídica sobre ele. Os avanços devem ser
resguardados, as falhas e fragilidade ainda existentes devem ser motivo de novas
proposições sem retrocesso.
A orientação dada no Parecer do Conselho Nacional de Educação/Conselho
Pleno³ Nº 19 (2020) afirma que “enquanto durar a situação de pandemia, somente
deverão retornar às aulas presenciais ou ao atendimento educacional especializado, por
indicação da equipe técnica da escola, ou quando os riscos de contaminação estiverem
em curva descendente.” É importante registrar que as pessoas com TEA não
necessariamente compõem o grupo de maior risco para a COVID-19. É preciso analisar
cada estudante para entender se existe comorbidade, assim como se os riscos estão
aumentados por questões comportamentais.
Vale lembrar que o TEA pode ter apresentação heterogênea em relação ao
fenótipo clínico, etiologia e prognóstico e estas características irão
influenciar no manejo da criança afetada. Também é importante ressaltar a
frequente associação com comorbidades psiquiátricas [...] e
clínicas(alterações do sistema imune, alterações gastrintestinais,
transtornos do sono e epilepsia). (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2020.
p.3)
DIAS, A. A., & SANTOS, I.S., & ABREU, A.R.P. (2021) Crianças com transtorno do espectro
autista em tempos de pandemia: contextos de inclusão/exclusão na educação infantil.
Zero-a-Seis, Florianópolis, v. 23, p.101-124.
DIAS, A. Por uma genealogia do capacitismo: da eugenia estatal a narrativa capacitista social.
Recuperado em: 17 de julho de 2021 em http://www.memorialdainclusao
.org.br/ebook/Textos/Adriana_Dias.pdf.
Lei Nº 14.019, de 02 de junho de 2020. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para
dispor sobre a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual. Recuperado
de:LEI Nº 14.019, DE 2 DE JULHO DE 2020 - LEI Nº 14.019, DE 2 DE JULHO DE 2020 -
DOU - Imprensa Nacional
Lei Nº 14.172, de 10 de Junho de 2021. Dispõe sobre a garantia de acesso à internet, com
fins educacionais, a alunos e a professores da educação básica pública. Recuperado de:
https://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n-14.172-de-10-de-junho-de-2021-325242900
ORLANDO, R.M; ALVES, S.P.F; MELETI, S.M.F. (2021) Pessoas com deficiência em tempos
de pandemia da COVID-19: algumas reflexões. Revista Educação Especial | v. 34 e31/1-
19.