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MODALIDADE: PESQUISA CONCLUÍDA

EIXO: 03. POLÍTICAS EDUCACIONAIS, ACESSIBILIDADE E INTERFACES

POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA ESTUDANTES COM TRANSTORNO


DO ESPECTRO AUTISTA NA PANDEMIA DA COVID-19
Joana da Rocha MOREIRA
Rosangela Costa Soares CABRAL
Célia Regina Machado Jannuzzi LOUREIRO
Allan Rocha DAMASCENO
Programa de Pós-graduação em Educação, Demandas Populares e Contextos
Contemporâneos
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro 
Rio de Janeiro

RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar reflexões sobre as políticas
educacionais brasileiras para os estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na
pandemia da Covid-19. Foi realizada uma revisão documental através dos pareceres
publicados na base de dados do Governo Federal desde março de 2020 até agosto de
2021 em busca de documentos legislativos que tratassem do atendimento educacional.
Como referencial teórico metodológico foi usada a Teoria Crítica com os pensamentos de
Theodoro Adorno buscando compreender se as diretrizes propostas apontavam caminhos
para uma educação emancipatória. Os resultados apontam que: (1) precisamos de
atenção e resistência porque o retrocesso é possível principalmente em tempos de
pandemia; (2) para garantir uma educação emancipatória aos estudantes com TEA é
necessária uma organização minuciosa e a elaboração de políticas educacionais que
considerarem suas especificidades (3) faltaram políticas de inclusão digital para os
estudantes da rede pública onde se concentra a maioria dos estudantes do PAEE. Com
isso, as legislações elaboradas durante a pandemia não foram suficientes para garantir o
direito à educação com acessibilidade para todos os estudantes

Palavras-chave: acessibilidade; legislação; educação especial.


1. INTRODUÇÃO

O planeta Terra foi afetado pela pandemia da COVID-19 e os óbitos por essa
razão ultrapassaram 4,5 milhões. O Brasil é o sexto país mais populoso do mundo,
entretanto é o segundo com mais mortes pelo Novo Coronavírus, que segundo o Painel
Covid do Ministério da Saúde, já ultrapassaram 578 mil vidas perdidas em agosto de
2021. Quando a pandemia teve início em março de 2020 não havia conhecimento
científico sobre a letalidade do vírus, as consequências mundiais e o tempo que
perduraria. Mas certamente o negacionismo nos discursos oficiais e no comportamento de
parte da população que não seguiam os protocolos de prevenção aumentaram a
transmissibilidade do vírus e consequentemente os casos, os óbitos e o tempo na
suspensão de algumas atividades. A escola logo foi fechada demorou para reabrir, ainda
temos redes de ensino que permanecem sem aulas presenciais, porém “lembremos que
nosso modelo de escola é baseado na aglomeração, com escolas abarrotadas de
estudantes nos grandes centros urbanos.” (Soares, 2020. p. 12). Em 2021, mesmo com
um cenário pandêmico, diversas escolas reabriram com a imposição do “novo normal” e
consequentemente em abril do mesmo ano, o Brasil registrou 4.249 óbitos em 24 horas.
Com a pandemia, muitas dificuldades que já existiam no cenário educacional se
agravaram. “A educação tem sido alvo das políticas conservadoras recentes, quer no
propósito de coibir a ampliação do acesso a setores tradicionalmente marginais da
sociedade” (Oliveira. 2020. p.14). Por isso, é preciso estar atento e forte as proposições
feitas para grupos historicamente segregados, como por exemplo, as pessoas com
Transtorno do Espectro Autista (TEA) que compõem o Público-Alvo da Educação Especial
(PAEE).
Ressalta-se que a vulnerabilidade aumenta em tempos de crise, compreender
quem são os sujeitos e suas especificidades é fundamental para a elaboração e
implementação de políticas públicas. O TEA é caracterizado pelo DSM-V (2014) como:
transtorno do neurodesenvolvimento com prejuízos persistentes na comunicação e
interação social, bem como nos comportamentos que podem incluir interesses e padrões
repetitivos. As especificidades se apresentam com diferentes intensidades (leve,
moderada e grave) em cada indivíduo, porque todos nós somos seres únicos. Considerar
essas questões sinaliza que não são as pessoas com deficiência que devem se adequar
e sim os espaços e pessoas que precisam lidar com a diversidade humana. É preciso
garantir acessibilidade!
Cabe ressaltar que a Lei Brasileira de Inclusão (2015) determina em seu Art. 5º
que, “a pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano
ou degradante.” E ainda afirmando que: “[...] são considerados especialmente vulneráveis
a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência.”
Assim, analisar as proposições educacionais é fundamental para compreender
quais são os objetivos em sua implementação porque, momentos caóticos podem ser
propícios para acelerar ações que sofreriam resistência. Como aponta Galzerano (2021,
p.124) “A pandemia, portanto, não está alheia à crise estrutural do capital e às
consequentes políticas que vem sendo adotadas no sentido de reverter a queda na taxa
de lucro capitalista.”
Este artigo analisa as políticas educacionais proposta na pandemia que envolvem
os estudantes com TEA pois: “A única concretização efetiva da emancipação consiste em
[...] uma educação para a contradição e para a resistência” (Adorno, 1995, p. 183). Como
referencial teórico metodológico foi utilizada a Teoria Crítica com os pensamentos de
Theodoro Adorno.
2. PROBLEMA DE PESQUISA

Diante do quadro pandêmico foi necessário reorganizações para o sistema


educacional porque o ensino era prioritariamente presencial. As novas construções são
realizadas dentro de um contexto e cabe ressaltar que “as fontes documentais
representativas da política educacional expressam o resultado, num tempo e espaço
históricos, da disputa e consenso de ideias travadas por diferentes forças sociais.”
(Garcia, 2017, p.19).
As políticas educacionais foram elaboradas garantindo o direito à educação aos
estudantes com Transtorno do Espectro Autista na pandemia da Covid-19?
3. OBJETIVO

Este artigo teve como objetivo analisar as políticas educacionais propostas


durante a pandemia da Covid-19 para os estudantes com Transtorno do Espectro
Autistabuscandocompreender se as diretrizes garantiam à educação emancipatória dentro
desse cenário complexo.
4. MÉTODO

A revisão documental foi realizada através de um levantamento na base de dados


eletrônica do Governo Federal. Foram analisados os pareceres de março de 2020 até
agosto de 2021 para selecionar o período da pandemia. Foram selecionados para leitura
aqueles que continham políticas educacionais na busca de identificar as diretrizes para o
público-alvo da educação especial e/ou TEA.
As reflexões realizadas para/com as legislações educacionais foram embasadas
com o referencial teórico metodológico da Teoria Crítica com os pensamentos de Adorno
(1995) entendendo que: “A Teoria Crítica pensa em um sujeito crítico, político,
independente e protagonista de seu estado de direito, não dominado por uma sociedade
capitalista e hegemônica.” (p.146), da forma que carece o nosso cenário.
5. RESULTADOS

A pandemia chegou repentinamente exigindo novas organizações em toda a


sociedade, estas ocorreram com ritmos e investimentos diferenciados. O retorno
presencial nas escolas é um exemplo dessa divergência, tanto em questões
organizacionais como no período de retorno, porque algumas recomeçaram no primeiro
semestre de 2020 e outras ainda não têm previsão em meio ao segundo semestre de
2021. Desde o início já era possível prever que viveríamos tempos difíceis e com o passar
dos meses o Conselho Nacional de Educação (CNE)/ Conselho Pleno (CP)³ descreve no
Parecer Nº 19 (2020):
A situação que se apresenta em decorrência da pandemia da COVID-19
não encontra precedentes na história mundial do pós-guerra. Segundo a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), milhões de estudantes estão sem aulas com o fechamento
total ou parcial de escolas e universidades em mais de 150 países devido
à pandemia do coronavírus. No Brasil, as aulas presenciais estão
suspensas em todo o território nacional e essa situação, além de
imprevisível, deverá seguir ritmos diferenciados nos diferentes Estados e
Municípios [...].

Quando a redação desse parecer foi publicada, em setembro/2020, segundo


Ministério da Saúde a média diária era de 800 óbitos e em abril/2021 chegou a 2.800.
Com o agravamento da crise sanitária a necessidade de políticas educacionais ficou
ainda mais urgente para garantir elementos básicos para o ensino não presencial, como
acesso à internet e dispositivos eletrônicos. Tais dados foram mensurados através
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)³:
acesso gratuito ou subsidiada à internet em domicílio: rede Municipal 2%, Estadual 21,2%
e Federal 82,7%. Com isso, a média da rede pública sobre estudantes atingidos por
políticas de acesso à internet seja de apenas 6,6%, ou seja, 93,4% dos estudantes não
receberam subsídios, dependeram de soluções individuais ou ficaram excluídos.
Os números acerca dos dispositivos eletrônicos que incluem celulares, tablets,
notebooks e afins, também apresentam situação delicada: Municipal 4,3%, Estadual
22,6% e Federal 80,9%. Com isso, a média da rede pública de estudantes amparados por
políticas que envolvem dispositivos eletrônicos é 8,7%, ou seja, 91,3% dos estudantes da
rede pública não estão amparados com dispositivos eletrônicos. É nesse cenário de
desamparo pelo poder público que está a maioria dos estudantes da educação especial,
pois o segundo o Censo (2019) realizado pelo INEP, a divisão de matrículas do PAEE
entre as redes públicas e privadas apontavam respectivamente: 82,3% e 17,7%. Assim
sendo, fica evidenciada enorme discrepância com uma grande concentração de
matrículas dos estudantes PAEE na rede pública de ensino, rede esta que apresentou
questões preocupantes acerca da cobertura no ensino remoto. É inaceitável esse cenário
de exclusão e barbárie, e vale lembrar que “[...] a tentativa de superar a barbárie é
decisiva para a sobrevivência da humanidade.” (Adorno, 1995, p.156)
Para minimizar a exclusão digital, foi proposta a Lei Nº 14.172 (2021) que dispõe
sobre a garantia de internet aos estudantes e docentes da rede pública para fins
educacionais. Ressalta-se o que,
O essencial é pensar a sociedade e a educação em seu devir. Só assim
seria possível fixar alternativas históricas tendo como base a emancipação
de todos no sentido de se tornarem sujeitos refletidos da história, aptos a
interromper a barbárie e realizar o conteúdo positivo, emancipatório, do
movimento de ilustração da razão. (Adorno, 1995, p.12)

A Lei Nº 14.172 (2021) foi alvo de veto presidencial que foi derrubado. É
inacreditável que diante do cenário que nos encontramos, essa tentativa tenha existido. O
acesso à internet é algo que deveria ser público e gratuito o que seria uma forma de
contribuir para a construção de uma sociedade com sujeitos emancipados.
Compreendendo tal importância, a resolução do Conselho Nacional de
Educação/Conselho Pleno4 Nº 2/2021 no art. 10, sinaliza que os sistemas educacionais
devem garantir aos estudantes PAEE: "especial atenção às condições de acesso aos
meios e tecnologias de comunicação e informação, disponibilizando apoios necessários
para que o atendimento escolar e o Atendimento Educacional Especializado ocorram de
acordo com as especificidades de cada estudante".
A escolarização e a inclusão PAEE ainda é um desafio no cotidiano pois, em meio
a tantas demandas eles acabam invisibilizados e na pandemia se revelou da mesma
maneira. Isso não ocorre apenas em ações da escola porque o Conselho Nacional de
Educação/Conselho Pleno¹ aponta através do Parecer Nº 11(2020):
Vale ressaltar que estudante com deficiências e/ou transtorno do espectro
autista, por razões supracitadas de maior vulnerabilidade, não devem
retornar às aulas presenciais ou Atendimento Educacional Especializado,
enquanto perdurarem os riscos de contaminação com o coronavírus.
Nessa redação os estudantes com TEA deveriam ficar afastados presencialmente
da escola enquanto houvesse risco de contaminação. Isso já foi alterado, apesar de ainda
não ter sido homologada. Esse texto é excludente e capacitista pois, o ‘‘Capacitismo é a
concepção presente no social que lê as pessoas com deficiência como não iguais, menos
aptas ou não capazes para gerir a próprias vidas.’’ (Dias. 2013, p.2). Existem questões
que podem dificultar a adaptação do estudante com TEA nessa realidade imposta,
entretanto não é aceitável legalmente e moralmente que alguém seja discriminado dessa
forma, sem sequer uma avaliação individual para entender as possibilidades, limitações e
adaptações.
Os desafios são imensuráveis e isso não torna aceitável a existência de
dispositivos legais que corroborem com a exclusão, que dirá uma exclusão prévia. É
preciso que exista trabalho coletivo e investimentos para que as atividades presencias e
não presenciais, garantam acessibilidade a todos os estudantes que estavam recebendo
tratamento explicitamente capacitista do Conselho Nacional de Educação/Conselho
Pleno¹ através do Parecer Nº 11(2020), pois afirma que estudantes da Educação Especial
devem ser privados de interações presenciais, já que os estudantes com: surdez,
precisam da expressão facial e fazer leitura labial; estudantes que necessitam de apoio
escolar para alimentação, higiene e locomoção, precisam de agente de apoio à inclusão;
cegos, precisam de contato direto para locomoção, seja com pessoas ou objetos como
bengalas, corrimões, maçanetas, entre outros; deficiência intelectual, têm dificuldades
com as regras e recomendações de higiene e cuidados gerais para evitar contágio;
autismo, têm dificuldades nas rotinas e de obediência às regras, tocam sempre olhos e
boca, além de exigirem acompanhamentos nas atividades de vida diária.
As pontuações acerca dos estudantes PAEE podem ocorrer, mas não são regras
e nem podem ser pretextos para que sejam “privados de interações presenciais”. Os
apontamentos foram graves porque já partem do pressuposto que todos são iguais
desconsiderando suas características individuais e a intensidade com que se apresentam,
é como se não existisse uma pessoa e aquele indivíduo se estivesse resumido à sua
deficiência ou transtorno. O artigo 5º do Decreto nº 6.949 (2009), define que “todas as
pessoas são iguais perante e sob a lei a que fazem jus, sem qualquer discriminação, a
igual benefício da lei”.
A crise sanitária afeta toda sociedade, mas precisamos enfatizar que as pessoas
são atingidas de forma diferenciada. É nesse momento que o Poder Público precisa
mostrar a sua força e compromisso com aqueles que mais precisam! Mas mobilização
das pessoas se faz necessária porque: “o tempo passa, e com ele a solução da mudança
“de cima para baixo” vai se desfazendo”. (Soares, 2020, p.5).
O Parecer Nº 16 (2020), foi escrito para reexaminar o Parecer Nº 11(2020) e
reafirmar o compromisso com a inclusão do PAEE. É possível considerar que as
manifestações ocorridas em função do parecer excludente surtiram efeito. Na redação
existe menção a outras legislações como Lei Brasileira de Inclusão, Constituição Federal,
Resolução CNE/CEB N°02 (2001) e outras sinalizando os direitos das pessoas com
deficiência e mencionado que a exclusão é “toda forma de distinção, restrição ou
exclusão, por ação ou omissão, com propósito de prejudicar, impedir ou anular direitos”
como reitera a Lei Brasileira de Inclusão (2015).
Cabe destacar que, a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (2008) não foi mencionada no documento e foi alvo de retrocessos ao
longo da pandemia, pois no final do mês de setembro de 2020 foi implementada, uma
Nova Política Nacional de Educação Especial através de decreto Nº 10.502 (2020) com
diretrizes que já haviam sido discutidas e refutadas em anos anteriores por configurarem
segregação e exclusão. Porém através de ação direta de inconstitucionalidade o decreto
foi suspenso e segue a discussão jurídica sobre ele. Os avanços devem ser
resguardados, as falhas e fragilidade ainda existentes devem ser motivo de novas
proposições sem retrocesso.
A orientação dada no Parecer do Conselho Nacional de Educação/Conselho
Pleno³ Nº 19 (2020) afirma que “enquanto durar a situação de pandemia, somente
deverão retornar às aulas presenciais ou ao atendimento educacional especializado, por
indicação da equipe técnica da escola, ou quando os riscos de contaminação estiverem
em curva descendente.” É importante registrar que as pessoas com TEA não
necessariamente compõem o grupo de maior risco para a COVID-19. É preciso analisar
cada estudante para entender se existe comorbidade, assim como se os riscos estão
aumentados por questões comportamentais.
Vale lembrar que o TEA pode ter apresentação heterogênea em relação ao
fenótipo clínico, etiologia e prognóstico e estas características irão
influenciar no manejo da criança afetada. Também é importante ressaltar a
frequente associação com comorbidades psiquiátricas [...] e
clínicas(alterações do sistema imune, alterações gastrintestinais,
transtornos do sono e epilepsia). (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2020.
p.3)

Ainda existem questões desconhecidas acerca da COVID-19, assim como acerca


do TEA, porém as questões comportamentais são conhecidas, assim como a questão
do processamento sensorial e necessidade dos padrões repetitivos. A realidade atual
impõe desafios em função das alterações necessárias para proteção.
Outra dificuldade relatada foi sobre o uso de máscaras. A dificuldade se
refere desde o processo de adaptação do uso pelas crianças e
adolescentes com TEA até a não aceitação de sua utilização, tendo em
vista que muitos não toleram as máscaras por alterações sensoriais que
geram incômodo e desconforto. (Fernandes, et al. 2021. p.9)

Como aponta o Jornal de Pediatria (2019), aproximadamente 90% das crianças


com TEA, apresentam essa desordem no processamento sensorial, podendo ser uma
hiporreatividade ou hiperreatividade, que os levará a perceber de forma diferenciada. Os
principais procedimentos de prevenção à COVID-19, máscara e álcool em gel, podem ser
desafiadores pela questão do tato e do olfato. Considerando isso, a Lei Nº 14.019/2020,
retifica a obrigatoriedade e dispensa o uso de máscara para pessoas com TEA,
deficiência intelectual, deficiências sensoriais ou com quaisquer outras deficiências
através de comprovação médica. É preciso ampliar a segurança de outra forma para que
esse direito não gere afastamento das demais pessoas.
É preciso considerar também, que existem alguns indivíduos que constantemente:
fazem exploração oral levando objeto e parte do corpo à boca; experimento olfativo
cheirando tudo, exploração manual de diversos objetos. Esses são alguns exemplos de
questões comportamentais que podem aumentar demasiadamente o risco de
contaminação e elencar as especificidades. Sinalizar os riscos e pensar nas estratégias
possíveis, são pontos que se impõem na vida de todos.
O Parecer Nº 19 (2020) do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno³
define que as “atividades pedagógicas não presenciais aplicam-se aos alunos de todos os
níveis, etapas e modalidades educacionais. Portanto, é extensivo àqueles submetidos a
regimes especiais de ensino, entre os quais os que apresentam altas
habilidades/superdotação, deficiência e Transtorno do Espectro Autista (TEA)”. Somos
seres únicos, a multiplicidade nos engrandece e nos desafia. O encaixe em padrões
preestabelecidos é empobrecedor, sem o aproveitamento das potencialidades individuais.
É preciso garantir espaço para todos.
Inclusive a resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno 4 Nº
2/2021 no Art. 10,§ 2º sinaliza que “Os estudantes da Educação Especial devem ser
acompanhados de forma mais intensa no processo de saída do isolamento”. Essa
colocação acerca da avaliação diagnóstica quando os estudantes retornam à escola
presencialmente é importante, mas não cabem apenas ao PAEE apesar de estar em um
capítulo a parte para a educação especial e sim para uma educação que pretende ser
inclusiva e compreende a pluralidade presente em nossa sociedade.
O retorno às aulas presenciais na rede pública apresenta desafios em função da
precariedade que eleva os riscos de contaminação. As principais são: a falta de ventilação
adequada; salas lotadas; espaços comuns (banheiros e refeitórios) insuficientes para
atender protocolos de segurança; falta de funcionários, produtos de higiene e
equipamentos de proteção. Quem vivencia o cotidiano da escola sabe que a realidade é
baseada no “jeitinho” e teme. Esse cenário exige rigidez para/com os protocolos e com
estrutura adequada. A preocupação da sociedade foi registrada no Parecer Nº 16 (2020)
do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno²:
Considerando que parte da sociedade demonstrou receio com relação à
segurança no retorno às aulas presenciais, bem como no atendimento às
normas em vigor, a tomada de decisão deve ser compartilhada entre a
gestão dos sistemas, a família e equipe escolar, bem como com os
profissionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Construir de forma plural é a base da inclusão, democratizar o espaço é um


processo complexo, entretanto, é fundamentalmente necessário! É urgente a
compreensão de que “[...] assumir um projeto de escola inclusiva significa romper com a
ideologia vigente de que a escola serve exclusivamente à manutenção da lógica
dominante, reproduzindo assim as contradições sociais.” (Damasceno, 2015, p. 29)
Contradições estas que tem se descortinado ao longo da pandemia.
6. CONSIDERAÇÕES

Realizamos nesse estudo uma revisão documental das políticas educacionais


para estudantes com TEA durante a pandemia da Covid-19. A análise da base de dados
do governo federal indicou que: (1) precisamos de atenção e resistência porque o
retrocesso é possível principalmente em tempos de pandemia; (2) para garantir uma
educação emancipatória aos estudantes com TEA, é necessária uma organização
minuciosa e a elaboração de políticas educacionais que considerarem suas
especificidades (3) faltaram políticas de inclusão digital para os estudantes da rede
pública onde se concentra a maioria dos estudantes do PAEE.
É através de uma construção coletiva realizada pelos envolvidos no cotidiano da
escola, que poderá se pensar em estratégias que garantam a segurança de todos, porque
nenhum estudante, professor, profissional da educação ou cidadão, deveriam retornar aos
seus postos enquanto perdurarem os riscos significativos de contágio. A tarefa é
complexa e qualquer: “[...] simplificação é incompatível com a intenção social de
finalmente escapar da barbárie [...]” (Adorno², 1996, p.18). As declarações com soluções
repentinas devem ser analisadas com criticidade.
Cabe ressaltar que “a inclusão busca despertar na sociedade uma nova forma de
enxergar aqueles que possuem alguma característica diferente, construindo uma visão
democrática para estabelecer a justiça, o equilíbrio de oportunidades e o acesso à
cidadania” (Dias, Santos & Abreu, 2021, p.118).
Em suma, foi possível perceber que diretrizes excludentes foram apresentadas e
em uma “democracia, quem defende ideais contrários à emancipação, e, portanto,
contrários à decisão consciente independente de cada pessoa em particular, é um
antidemocrata, até mesmo se as ideias que correspondem a seus desígnios são
difundidas no plano formal da democracia.” (Adorno, 1995, p.142).
A existência de uma legislação que condena o preconceito ao PAEE e as
manifestações diversas, conseguiram garantir a revisão do texto. Porém, “[...] a falta de
estatísticas sobre as pessoas com deficiência na pandemia contribui para a invisibilidade
dessas pessoas, e isso representa um obstáculo imenso para o planejamento e a
implementação de políticas sociais [...]” (Orlando, Alves & Meleti, 2021, p.15). Ou seja,
muito ainda há de se construir para a garantia dos direitos básicos!
7. REFERÊNCIAS

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