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Vídeo 1

Quatro pessoas sentadas. Pessoa 4, camisa cor bege; Pessoa 3, camisa cor branca; Pessoa 2, camisa
listrada; Pessoa 1, camisa azul. Pessoa 5, fora da câmera.

Pessoa 1: Na áustria o V é “F”, então para ficar com som de “V” tem que botar o W.
Pessoa 5: Mas aqui é V ou …
Pessoa 1: é V.
Pessoa 5: O da escola é escrito com W.
Pessoa 1: O nosso é escrito com V.
Pessoa 5: Por isso que eu estou perguntando, por que a escola é escrito com W?
Pessoa 3: Porque foi o nome que ele incorporou em função dessa pronúncia na áustria, o original
dele era com V também. Todo mundo é com V.
Pessoa 4: Mas os documentos deles já estavam com W.
Pessoa 3: é porque ele incorporou isso e ficou…
Pessoa 4: Ele tirou documentos na áustria.
Pessoa 2: Na minha certidão de nascimento, o nome do meu pai é Anton Dvorsak, com V. De todo
mundo é assim.
Pessoa 4: O meu foi totalmente diferente. Quando o papai foi fazer o registro, ele falou “Dvorsak”,
o escrivão lá escreveu D – W – O – S – C – H – A - K. Sete consoantes e duas vogais.
Pessoa 2: Ele foi registrado com esse nome, que não era o nosso nome.
Pessoa 5: Mas depois acertou?
Pessoa 2: Depois passou na justiça e regatou o nome original.
Pessoa 4: Mas isso eu já tinha uns doze anos. Quando fui pra escola, começaram a criar confusão.
Pessoa 5: Tem o “til” no A?
Pessoa 1: Tem, é o (nome do acento em outra língua)...
Pessoa 3: Em cima do S.
Pessoa 5: Aqui ficou o “til” em cima do A.
Pessoa 1: Não é não.
Pessoa 4: Esse “til” em cima do S, que dá o som de “ch”.
Pessoa 5: Ah…
Pessoa 4: Traduzindo isso aí, é “palácio”.
Pessoa 1: é o castelo…
Pessoa 5: Vamos nos apresentar? Só o nome completo…

Pessoa 1: Meu nome é Ferdinand Dvorsak, eu sou o filho mais velho de Anton Dvorsak.
Pessoa 2: Meu nome é Peter Dvorsak, eu sou o segundo filho do Anton Dvorsak.
Pessoa 3: Terceiro filho, Anton, herdei o nome do meu pai, Anton Dvorsak.
Pessoa 4: Eu sou o caçula, Danilo Dvorsak, nascido aqui na região mesmo.
Pessoa 6: Meu nome é Cristina, eu sou esposa do Danilo Dvorsak.
Pessoa 5: Sou Rosangela Martins, sou diretora da escola Anton Dvorsak.
Pessoa 7: Sou Luciana Sanches, sou vice-diretora da escola.
Pessoa 8: Raimunda Silva, sou orientadora pedagógica da escola Anton.
Pessoa 9: Matea, trabalho para a camara de comércio eslovenia-brasil.
Pessoa 10: Sou Marcia Montillo do centro de memória e educação.
Pessoa 11(camera): Sou Marcia Espadetti também do centro de memória e educação.
Pessoa 10: Hoje, 6 de abril de 2022, estamos na escola municipal Anton Dvorsak, em atividade com
os filhos do patrono Sr. Anton Dvorsak, Ferdinand, Peter, Anton e Danilo, e para começar nos
queremos agradecer a presença de todos vocês para compartilhar a memória que vocês tem nessa
reconstrução das memórias da escola fundada pelo senhor Anton, além dos convidados nós temos
outras pessoas aqui, da comunidade escolar, Matea, Rosangela, Márcia, Raimunda, Luciana
Sanches. Para começar gostaria de saber da origem de vocês, quem nasceu aqui, quem não nasceu
no Brasil, onde nasceu, como foi a chegada, como veio pra cá?

Ferdinand: Eu nasci em 5 de maio de 1948, no pós guerra, numa situação muito difícil, a Europa se
recuperando da guerra, minha mãe sempre contava que nos fins de semana, eles tinham que
trabalhar para o estado, era, Esforço de Recuperação de Guerra. Imagina ela, com criança pequena
em casa, tendo que ir trabalhar para o Estado, no domingo. Ela trabalhava a semana toda no
comércio e eu acabei sendo um filho que foi criado mais com os avós, porque a mãe não… ela
contou que eu tive 14 dias de amamentação, só… depois eu fiquei entregue aos avós né, que
também trabalhavam, na terra, eles tinham uma horta, criava porco, tinha um vinhedo, minha tia
tinha uma horta de pepinos. Esse tempo inicial, onde também nasceu o Peter, foi muito sofrido, eles
estavam construindo a casa, os dois trabalhavam fora, o tempo todo, então os filhos tinham que
ficar com os avós, eu me lembro de criança, de brincar com outras crianças, brincar no milharal,
andar pela floresta, porque nós morávamos na última rua que fazia divisa do bairro com as
montanhas lá de Buhren, a gente adentrava um pouquinho na floresta, a floresta lá na Europa é mais
aberta você pode entrar porque são poucas arvores, quando nós chegamos aqui em primavera,
tinham poucas casas e quando a gente queria atravessar aqui era mato à dentro, pô tinha aranha,
gato, eu me lembro que levávamos quase um dia para passar de uma rua para outra porque não dá
uma passagem, era muito mato, mata fechada, árvores altas. Você entrava de dia no meio do mato
estava escuro como se fosse de noite, muito escuro, imagina como era essa região aqui ainda num
estado bem natural, que as ruas eram de barro né. Então voltando para lá, eu cheguei em dezembro
de 53 quando a gente acabou fugindo lá com os pais né, quer dizer é tipo carregado, resolveram sair,
eu não tinha nem ideia o que estava acontecendo ele não comentou, se veste né, Em 54 quando nós
fomos carregados de lá, eu não fazia ideia do que estava acontecendo era dezembro de 53, eles
falaram se veste… muito frio, neve alta, eu me lembro, a Zofka, que era estagiária da mamãe lá no
comércio ela tava lá trenó né é tipo, eles tinham um trenó para andar na Neve, simplesmente ela
“vamo embora” a gente estava com aquelas mantas, sobretudo, sobretudo de criança né, é luva,
“pô vamos embora” já estava escuro eu não sabia o que tava acontecendo eles levaram a gente
até a estação de trem, Peter deve ter ido dormindo, no colo e eu estava, eu me lembro que estava
andando, aí a gente pegou o trem

Peter: Esse foi o processo de fuga, essa era a parte da antiga Iugoslávia, que ela ficou fazendo parte
da antiga União Soviética, aquela cortina de ferro, você não podia sair, as fronteiras estavam
fechadas, meu pai estava um pouco infeliz com a situação, resolveu fugir com a família. Parar fugir,
tinha que fugir pela fronteira, vigiada e armada.

Marcia: Fala pra gente a sua data de nascimento.

Peter: 25 de junho de 1950. Então em dezembro de 50 eu tinha 3 anos e meio e eu me lembro que
ele andava a pé e meu pai me levava nos ombros.

Anton: E eu na barriga da minha mãe.

Peter: Agora eu não sei a ideia de fugir pela fronteira armada, vigiada, nessas condições.

Ferdinand: Com família né, sozinho é mais fácil, mas com família…

Peter: Ele tinha uma série de amigos que alguns conseguiram fugir pela fronteira e foram pro
Canadá, pros EUA, e eram todos solteiros, ele era o único casado e falou assim “eu vou fugir
também”. Só que ele tinha dois filhos e a esposa grávida, agora, como ele fugiu? Ele 6 meses antes
dessa fuga com a família, ele foi sozinho para a fronteira, pra ver se ele conseguia passar, uma noite
ele conseguiu fugir para a Áustria, que era um país ocidental livre, ele morava perto da fronteira
com a Áustria, então no natal de 53 ele voltou pra casa, 1 semana no sótão escondido, porque
ninguém podia saber que ele tinha voltado, se não ele seria preso. Ele ficou lá escondido, minha
mãe dando comida escondido, então para a noite de ano novo ele fala, nessa época os guardas vão
estão comemorando e bêbados, vai ser o momento pra gente fugir. Então ele imaginou que dia 31
seria exatamente a melhor data para eles fugirem, e realmente, fomos até uma estação e dali
começamos a subir um morro a pé, para atravessar a fronteira do outro lado para chegar na Áustria,
a noite inteira. O Ferdinand com 5 para 6 anos lembra mais, eu lembro alguns flashes, meu pai me
carregava nos ombros, chegou em uma determinada região, ele se jogou na moita porque estava
passando uma patrulha, cães latindo, eu me lembro que ele tampo minha boca, porque eu era
pequeno, podia gritar de medo, os cães começaram a latir porque perceberam que tinha alguém
naquela moita, isso era de noite, os guardas falaram, “coitados, se tiver alguém pode viver mais um
pouquinho”, eles ignoraram os cachorros, então continuamos a caminhar até clarear, chegando na
Áustria e fomos recebidos numa fazenda, nessa fazenda fomos recebidos, abrigados, eles nos deram
café da manhã, depois eles nos levaram até o abrigo militar dos refugiados na Áustria, da Cruz
Vermelha, nós ficamos abrigados na cruz vermelha durante 1 ano e meio, até conseguir imigrar para
o Brasil, na verdade a intenção do meu pai era ir pro Canadá, onde amigos tinham ido, mas por
questões burocráticas, o Canadá exigia uma série de questões então iria levar muito mais tempo, o
Anton tinha nascido, na Áustria ele nasceu 3, 4 meses depois que a gente chegou no abrigo, então
ele era muito jovem e no Canadá tinham uma restrição, não podia viajar e no Brasil não tinha muita
restrição, então a cruz vermelha patrocinou a nossa vinda para o Brasil, como refugiados da antiga
Iugoslávia, hoje, Eslovênia.

Danilo: Aqui tinha o incentivo ao imigrante né, sempre vinha.

Peter: O Brasil naquela época precisa do imigrante, precisava de mão de obra especializada, recebia
muito imigrante, meu pai veio pro Brasil como ele tinha feito na Eslovênia, ele veio 6 meses antes,
para ele chegar em um país que ele não conhecia, para não chegar no país com família, vai morar
onde? O que vai fazer? Então ele chegou, arranjou um emprego, já estava tudo acertado, tinha
comprado um terreno aqui em 55, comprou um terreno aqui onde minha mãe tem casa e começou a
construir a casa, 6 meses depois a gente imigrou, ele foi buscar a gente na Praça Mauá, a casa em
construção a gente foi pra Primavera que era um bairro um pouco maior. Primavera era o centro de
imigrantes, tinha muito imigrante, muito alemão, russo, tcheco, muitos italianos, naquela época,
quando botaram a laje a gente foi morar lá, uma casa sem janela, até a casa ficar pronta a gente
morou em outros lugares, Anchieta, mas depois em 55 a gente veio pra cá. Com o passar dos anos a
gente começou a estudar no colégio Jardim Primavera, era excelente, nessa época meu pai era
técnico ferramenteiro, podia pagar uma escolar particular, e aqui nessa região não tinha nenhuma
escola, as crianças daqui não estudavam, eram analfabetas, e tinham dúzias de colegas nossos de
jogar bolinha de gude que não iam à escola. Isso incomodou muito meu pai, “como é que pode o
país que a gente mora não tem escola para esse pessoal”.

Marcia: Esse pessoal eram imigrantes?

Peter: Não, brasileiros daqui, aqui nessa região tinham poucos imigrantes, tinham bastante em
Jardim Primavera, os de la iam no colégio Primavera. Meu pai disse que tinha que fazer alguma
coisa “não é possível que esse pessoal vai crescer analfabeto”, nessa época de 50 a 60, 40% da
população brasileira era analfabeta, muita gente analfabeta, então ele começou a reunir os vizinhos
“vamos ver se a gente faz alguma coisa, se a prefeitura tem algum lugar, fazer um mutirão e fazer a
escola”.

Ferdinand: Tinha um vizinho, o José Barbosa, esse era o cara dos contatos, ele era conversador,
conhecia as pessoas, foi ele um tal de Turibio, eu não lembro mais o nome mas o sobrenome era
Turibio, foram na prefeitura de Duque de Caxias, não essa que tem aqui próximo não, aquela que
tinha lá em Duque de Caxias, lá disseram “tem um terreno municipal naquela região, a escola pode
ser feita ali” .

Peter: A prefeitura autorizou fazer a escola aqui.

Ferdinand: Esse trabalho de autorização foi feito por terceiros, o papai não sabia falar.

Peter: Estrangeiro né, como faria? Então o Sr. Barbosa que resolvia essas questões, quem eram os
principais lideres desse mutirão? O Sr. Barbosa e meu pai, eles iam de casa em casa, batiam à porta
e davam a ideia pro morador, contava toda a história que não tinha escola, falavam “vamos tentar
fazer um mutirão pra escola”, mas como? “A prefeitura já cedeu o terreno”. Eles iam de casa em
casa, uma vez eu cheguei a ir junto com eles.

Ferdinand: E sem saber falar português direito. A gente ia junto, já estávamos na escola, pra rir do
papai, falando tudo errado, usava o tempo errado, e a gente já falava o português mais correto, já
estudava isso na escola. Então era assim, as pessoas que podiam doar recurso, doavam recurso,
areia, cimento, as pessoas que não tinham, ajudavam vindo sábado e domingo aqui, todo final de
semana durante um ano tinham 10, 12 pessoas vindo trabalhar, com aquele recurso que ele recolhia,
comprava o material, ele mesmo comprava material também, com recurso dele, ele foi em Xerém, o
delegado de Xerém também contribuiu com recurso para comprar o material, eu me lembro da
grande festa que eles fez, no dia de colocação da laje, porque ai tinha que ter muita gente, a massa
era virada na rua, cimento, pedra, faz o concreto, leva lá pra cima da laje, aquele esforço todo. Tinha
que ser muita gente porque a laje precisa ser feita toda, não dá pra fazer uma parte e terminar
depois.

Rosangela: Você lembra onde foi feita essa laje?

Peter: As três primeiras salas. Aqui na frente mais uma do lado.

Rosangela: Esse aqui que nós estamos?

Peter: Não, aquele que dá pra rua principal, não aquele lá da frente, da rua principal, depois vieram
as extensões.

Danilo: Eu estudei aqui, nessa parte. Aqui celebrava a missa também.

Ferdinand: Agora, olha só. Antes dessa laje, a cimentação dessa laje, eu fiquei 1 semana na
amarração dos ferros, eu sozinho. Durante a semana eu vinha da escola, subia de escada, eu ficava
com as mãos doendo de tanto ficar amarrando os ferros da laje. Essa primeira laje aí, foi só eu que
amarrei, e não vinha mais ninguém durante a semana, só eu.

Peter: Só final de semana que o pessoal vinha trabalhar.

Ferdinande: A gente nessa fase, já era adolescente, não tinha conversa, tinha que desentortar prego,
tinha que arrancar os pregos das tábuas, porque quando faz coluna você bota as formas, depois tem
que desmontar, naquela época, não se jogava prego fora não, você tinha que desentortar ele pra usar
de novo, eram quilos e quilos, muito material, tinha que arrumar as tábuas né, porque quando
desenforma a turma joga pra lá, arrancar os pregos e arrumar as tábuas.

Peter: E durante a semana a gente fazia isso, final de semana vinha o mutirão pra fazer a obra em si.
Isso já tinha posto a laje, já estava embolsando tudo, novembro, dezembro, meu pai voltando, se
acidentou ali no alemão, na estrada para petrópolis, na altura da Casa do Alemão. Ali tinha um
retorno, naquela época ali tinha um retorno, meu pai vindo na estrada a pessoa entrou na estrada,
meu pai bateu de frente.

Ferdinand: A pessoa não viu, porque tava chovendo, muita água no vidro do carro, a pessoa não viu
quando entrou na estrada.

Marcia: Era de dia?

Ferdinand: Era de dia. Chuva de verão. 4 de dezembro.

Peter: 4 de dezembro ele sofreu o acidente, depois ficou mais duas semanas internado, mas
antigamente, você usava vespa, não usava capacete, não era obrigado a usar capacete, se ele tivesse
usado capacete, provavelmente não teria morrido. Porque ele bateu com a cabeça no chão, deu
hematoma no cérebro, ainda ficou duas semanas tentando se recuperar, mas ele em coma não
sobreviveu mais não, aí ele faleceu uma semana antes do natal.

Rosangela: Jovem ainda…

Peter: Jovem, com 33 anos. 18 de dezembro.

Marcia: O movimento foi entorno da escola, não havia até então uma associação de moradores?

Peter: Não, foi criado depois.

Marcia: Seu pai participava dessa associação?

Peter: Não, eu comprei uma carteira, depois de morto ele recebeu uma carteirinha da associação em
memória como fundador número 1 da associação.

Marcia: Voce ainda tem? Eu gostaria de ter uma cópia,

Peter: Tenho, eu te mando uma foto.

Marcia: Legal, vai para o centro de memória e lá eles imprimem direitinho. Então, depois que
começou a funcionar a escola, tinha o centro de melhoramento e tinha missa também?

Peter e Danilo: Isso é bem depois.

Rosangela: O centro de reforma e melhoramento funcionava ali?

Peter: Não, ali era mato, funcionava aqui, a escola era como um pólo né. A associação veio depois
da escola, a prefeitura autorizou fazer a escola, depois criaram essa associação, eu já não tenho
conhecimento de como foi feita a associação dos moradores.

Danilo: Aproveitou ali o José Barbosa, o Severino, lembra? Aquele que foi assassinado alí no
paraíba, metralhado? Ele era o presidente.

Ferdinand: Ah!…Eu cheguei no ponto de ônibus no dia, na hora, aquela parada de onibus de
concreto, eu olhei assim, cheio de sangue no chão. Tinham duas pessoas lá, tinham marcas assim,
era aquele mosaico, aí ficou faltando onde pegaram as balas, o sangue ainda estava vermelho,
fresquinho. Falaram assim “mataram o fulano” e eu perguntei onde estava, levaram ele, quer dizer,
assassinaram e levaram embora.
Marcia: O senhor Anton e o senhor Danilo não falaram as datas de nascimento.

Anton: Eu vou falar, mas ele já falaram tudo.

Peter: Você fala a sua parte, ele foi o primeiro aluno.

Danilo: E vocês não estudaram aqui, eles não estudaram aqui.

Marcia: O seu é 25?

Peter: 25 de julho mas no registro está 26.

Ferdinand: 5 de maio de 48.

Anton: Eu nasci nesse acampamento da cruz vermelha na Áustria, 12 de abril de 1954. Depois
disso, dessa época eu não lembro de nada, cheguei no Brasil com 1 ano e dois meses, então eu
lembro mais da época que começou meu primeiro ano aqui na escola, então em função do pai
falecer, a gente ficou em uma dificuldade financeira muito grande.

Peter: Um parêntese que eu tenho que colocar aqui, que quando o papai faleceu, o diretor da escola
de jardim primavera, se tornou proprietário.

Marcia: Você sabe o nome?

Peter: Heitor Combate, ele era diretor e também era proprietário da escola, ele soube que papai
tinha falecido, que estava abrindo uma escola, ele falou pra mamãe “olha os seus filhos, não se
preocupe, eles vão se formar, de graça, até o final do curso”. Então quando ele começou a ir pra
escola ele já veio pra cá.

Rosangela: Deixa só eu fazer uma pergunta. Quando seu pai morreu, sua mãe ainda jovem, como
ela fez pra criar quatro filhos?

Peter: Deixa eu contar o seguinte, ele trabalhava para uma empresa, na época já tinha INSS, então
quando ele faleceu a mamãe passou a receber um salário-mínimo, de pensão.

Ferdinand: Isso, 8 meses depois.

Peter: 8 meses depois, até você conseguir né. Hoje já é difícil.

Ferdinand: Imagina, 8 meses sem receita nenhuma, nós vivemos de doações.

Marcia: E quando foi que ela começou a trabalhar aqui na escola?

Peter: Vou falar. Em seis meses que papai faleceu, nasceu o Danilo, então foi complicado. Mesmo
depois dela começar a receber essa pensão, teve uma época e de alta inflação e o salário ficou
pouquinho, como a gente sobreviveu? Minha mãe tinha horta, criação de galinha, a nossa
alimentação era basicamente coisa da horta, obviamente comprava carne e outras coisas, mas carne
de galinha era dali, as coisas da horta, alguns anos depois, depois que a escola ficou pronta, minha
mãe foi contratada para ser zeladora da escola, logo que a escola ficou pronta, aí começaram as
aulas, o Anton começou a assistir e eu e o Ferdinand ao final da tarde varríamos as salas, cada um
varria uma sala, ele varria uma, eu varria a outra. No final da tarde dava 5 horas, a gente vinha
correndo para varrer as salas.
Rosangela: Qual o nome da sua mãe?

Peter: Marja com J. “Ma-ri-ja”, se fala Maria mas se escreve Marja, Dvorsak. Ela foi zeladora uns 3
anos.

Ferdinand: Não, menos de 1 ano. Houve uma briga aí, tiraram ela. As pessoas queriam esse
emprego, que era emprego da prefeitura, houve uma briga interna.

Danilo: Foi a época mais difícil.

Peter: Foi a época mais difícil, porque ela ganhava um salário minimo e tinha 4 filhos pra sustentar.
Ela não podia voltar pra Iugoslávia, porque lá tinha a cortina de ferro, se a gente voltasse pra lá a
gente iria ser preso, porque a gente era fugitivo. Ela ficou aqui com 4 filhos, sozinha sem nenhum
parente, “O que eu vou fazer? Voltar eu não posso, se não serei presa.”, e também não tinha
dinheiro para pagar passagem para voltar. O jeito era tentar sobreviver aqui, então, eu cansei de
vender limão na feira, era o jeito.

Ferdinand: É, ele saía para vender limão na feira.

Peter: Goiaba, o que tivesse pé lá em casa eu vendia. Juntava assim e ia na feira de Caxias. Ia com a
sacola de goiaba, de limão, e ia vender lá.

Marcia: Vocês não tinham nenhum parente aqui, vocês dois tinham que idade?

Danilo: eu tinha 7 anos.

Peter: Então é complicado, minha mãe era uma mulher de 30 e poucos anos, sozinha, com 4 filhos,
vai fazer o que? Agora, uma coisa ela sempre falou “a nossa única chance, é vocês estudarem”. A
educação da minha mãe era “vocês tem que estudar”, e a gente estudou, estudou, eu lembro que o
Ferdinand foi o primeiro, passou para a escola técnica, passou no concurso, dois anos depois eu fiz
e passei no concurso da escola técnica, a gente só podia estudar em escola pública, no caso a escola
técnica federal, então, ele passou no concurso, depois eu passei, então o Anton passou depois o
Danilo também passou, nós 4 naquela escola Celso Suckow do maracanã.

Marcia: E vocês iam de trem?

Peter: Não, aí é outra epopeia. No início, terrível, hoje eu fico até pensando “não é possível isso
tudo”. Porque naquela época, a escola técnica ficava ali no Maracanã, não tinha ônibus dessa
região pro centro da cidade, só passava o ônibus…

Marcia: Já tinha essa rodovia aqui? Rio-Magé?

Peter: Já tinha mas não passava nenhum ônibus. Aliás, quando meu pai chegou, eu me lembro que a
estrada era de terra, a rio-magé era de terra, imagina… A Rio-Petrópolis já era asfaltada. Então o
onibus que ia pra cidade passava aqui na Rio-Petrópolis, longe daqui, a gente tinha um amigo da
escola que morava perto, a gente ia de bicicleta até a casa dele, deixava a bicicleta lá, pegava o
onibus, do onibus a gente saltava ali na rodoviária, e de la até a escola técnica são uns 3 ou 4
quilometros, a gente ia a pé, todo dia, andava ali, subia a quinta da boa vista, a gente atravessava
toda a quinta da boa vista, entorno de uma hora.

Marcia: Vocês eram jovens né.


Peter: E quando chove? Como faz? Pega a bicicleta né… A gente saía de madrugada, para chegar 7,
8 horas né.

Ferdinand: A gente tinha que sair umas 4.

Peter: Mas a minha mãe fazia isso. “Olha, vocês tem que se esforçar, tem que estudar”.

Ferdinand: Isso que tem que ficar registrado aí “A única saída nossa era o estudo”.

Peter: Então, hoje estamos aqui, somos 4 engenheiros, então, como uma pessoa consegue ganhando
miseravelmente, um salario minimo as vezes menos que um salário minimo, formar 4 engenheiros,
depois da escola técnica a gente fez concurso para a UFRJ, fiz engenharia química pela UFRJ,
Ferdinand fez engenharia mecanica pela URFJ, Anton também, o Danilo que é da outra escola.

Danilo: É, na época era muito difícil passar, era brabo lá. Eu fiz Veiga de Almeida.

Peter: A gente chegou da escola, na universidade, aí nossa vida melhorou um pouco, porque lá tinha
o alojamento, a gente não precisava mais voltar, então a gente morava na universidade, e tinha lá,
almoço, café da manhã, jantar, café da manhã não, mas tinha almoço e jantar, praticamente de
graça. Aí a gente já não tinha mais essa despesa, isso que nos ajudou, porque se tivesse que pagar
onibus, almoçar, não iam ter condições porque a gente não tinha esse dinheiro não.

Danilo: Tem até hoje o alojamento lá né?

Peter: Tem até hoje, na universidade federal do Rio, até hoje tem alojamento, mas, nossa vida foi
muito difícil, mas o que salvou a gente? O estudo. Isso aqui é o princípio disso tudo, a escola é o
princípio de tudo, todos tem que ser incentivados a estudar, o Ferdinand disse, esse é o principal
exemplo que a gente tem que dar, que todo mundo tem que estudar, o máximo que puder, o Brasil
só vai ser uma grande potência no dia que conseguir colocar educação de qualidade para todos.
Infelizmente isso vai levar muito tempo.

Rosangela: O Anton fez o curso de ferramentaria lá na Eslovênia?

Peter: Sim.

Rosangela: E quando ele ficou preso?

Ferdinand: Ele não ficou preso na Eslovênia. Ele não ficou preso…

Danilo: No pós guerra, ele foi preso na Polonia…

Ferdinand: Ah, isso foi no tempo da guerra, antes de ser ferramenteiro.

Rosangela: Isso que eu to perguntando, ele estudou, serviu ao exército alemão…

Ferdinand: Não, não. Ele serviu o exército antes.

Rosangela: Isso, com 16 anos ele estava servindo ao exército, então depois ele foi preso?

Peter: Não, é que ele foi pro “front”, ele foi para a Polônia, o exército alemão ia avançando, ele foi
para a Polônia, chegou lá o exército começou a regredir, a Rússia começou a vir para cima da
Alemanha, ele foi preso lá nos campos de concentração na Polônia.
Ferdinand: Ele ficou preso em Moscou, ele foi transferido para um campo de concentração em
Moscou.

Rosangela: E você tem alguma memória, alguma história que ele tenha contado desse campo de
concentração?

Ferdinand: Oh. Sempre que a gente não queria comer, criança quando não quer comer né, ele dizia
assim “ó, eu já disputei comida com rato”, imagina, campo de concentração não tem o que comer!
Eles iam revirando tudo que era possível, aí você tem uma criança que não quer comer uma comida
boa. Aí você fica né, não dá pra entender.

Peter: Uma passagem boa que você conta, que você já aqui no Brasil perguntou: “pai, na guerra
você atirou em alguém? Você matou alguém?”.

Ferdinand: É, eu, digamos, a criança sempre quer saber, é curiosa, é uma coisa que sei lá, a gente
tem uma certa atração né, pela ação, aí mais de uma vez eu perguntei ao meu pai, como é que foi?
Ele dizia que a guerra era muito chata, dias que não acontece nada, depois tem um dia de operação,
você corre, é tiro para tudo quanto é lado, eu perguntei assim “quantos você matou?”. Ele falava
assim, “nunca matei ninguém, porque eu atirava para assustar as pessoas, poderia ter matado,
porque eu olhava as pessoas na linha de frente, mas eu pensava assim, aquele cara lá, é meu irmão,
ele pode ser pai, porque eu vou matar uma pessoa?”. Ele foi para a guerra obrigado, ele não tinha
opção, ele era da Iugoslávia, não tinha nada a ver com a Alemanha, mas o exército chegou lá e…

Danilo: Hitler chegou lá, dominou, pegava os estrangeiros e botava no front.

Ferdinand: Então, era uma guerra que não era dele, entende?

Marcia: E como ele sai do campo de concentração?

Ferdinand: Ah, quando acabou a guerra eles liberaram, só que olha só o que aconteceu, em agosto,
setembro, de 45, eles abriram, em Moscou, “vai”, não tinha transporte, não tinha comida, não tinha
nada, simplesmente, é, todo doente, a mãe conta que ele chegou todo doente em março de 46 ele
chegou em casa.

Peter: Em março de 46?

Ferdinand: É, 46, quase 6 meses depois, todo doente porque veio, pega carona, anda a pé, digamos,
tem que se defender porque você é mal visto, numa terra estranha, soldados para tudo quanto é lado,
tinha muita gente ruim, imagina o que as mulheres não sofreram quando soltaram esses caras, não
tinha lei.

Rosangela: A guerra acabou em setembro de 45?

Ferdinand: Não, em 8 de maio de 45.

Rosangela: A guerra acabou em maio de 45 e ele só chegou em março de 46?

Peter: Na Eslovênia.

Marcia: De Moscou para a Eslovênia, sem mapa sem nada, são…


Ferdinand: São mais de 3 mil quilômetros.

Marcia: 4 mil km.

Ferdinand: Sem transporte, imagina.

Danilo: Só a base de carona.

Peter: Obvio que não se levar quase 9 meses pra chegar.

Ferdinand: É, ele tem que trabalhar para sobreviver.

Peter: Trabalha aqui, pega comida ali e vai indo embora.

Danilo: Ele depois foi considerado, na Sérvia onde ele morava, como partisano...

Peter: Aí ele ficou marcado como alemão, e isso não era verdade, isso incomodava muito ele,
depois que a guerra acabou ele foi muito discriminado, isso era uma das razões que ele dizia “eu
tenho que sair daqui, eu nunca vou ser ninguém aqui, vou ser descriminado”, e era, na fábrica ele
nunca ia chegar a ser gerente, não ia ser nada, porque ele ia ser descriminado. Isso é uma das
razões.

Danilo: Quando ele chegou, os sérvios pegaram ele de novo pra ser prisioneiro lá na Sérvia.

Peter: Não, foi para servir o exército.

Ferdinand: Quando ele voltou, ficou dois anos servido ao exército da Sérvia.

Danilo: Os sérvios eram os que dominavam a Iugoslávia na época.

Peter: Então ele foi, voltou, Ferdinand nasceu e minha mãe não tinha casado com ele, porque ele
teve que ir pra servir mais dois anos fora.

Danilo: Quando ele voltou, que você veio né.

Peter: É, a diferença minha pra dele.

Ferdinand: Eu fui no casamento deles. No colo da tia.

Anton: Hoje é até comum né, mas naquela época não era não.

Ferdinand: A mamãe foi posta para fora de casa por causa disso, por estar grávida fora do
casamento.

Peter: Naquela época não era fácil não. Mas, essa é basicamente a história de um imigrante que no
final semeou esse semente aqui é etérea, saber que o estudo é importante, ele ficava inconformado
de ver criança sem estudo por tudo que ele passou na vida dele, apesar de jovem. As vezes eu fico
pensando, eu tenho um filho de 42 anos, agora ele casou, eu digo “seu avô, com 33 anos fez isso,
isso, isso…” , construiu uma casa na Eslovênia, fugiu pela fronteira, tinha ido pra guerra, imigrou
pro Brasil, chegou aqui fez escola, olha quanta coisa, teve 4 filhos, com 33 anos, você com 42 não
fez nada disso.
Marcia: Vocês falaram que quando chegaram aqui na primavera, tinha um centro pra receber
imigrante?

Ferninand: Não.

Marcia: Vocês estavam falando da moradia, dos moradores?

Peter: Dos moradores, tinham uns vizinhos.

Danilo: Na cidade tinha, recebia os imigrantes…

Ferdinand: Lá tinha, aqui não.

Danilo: O fundado daqui…

Marcia: Nelson Cintra.

Danilo: Isso, Nelson Cintra, tinha muito gringo, porque ele vinha mostrar o loteamento, aí ele ia
catar lá. Ia vender, aí ia lá catar os imigrantes.

Peter: No final dos anos 60, 50~60, isso aqui era uma grande floresta. Aqui nessa rua, conde…
tinham 2 ou 3 casas, a gente andava até a escola de primavera, era tudo mato, dos dois lados. Hoje
na casa do Danilo, lá de cima do apartamento você olha em volta, tudo povoado, virou uma cidade,
inacreditável, pra quem viu aquilo, tudo floresta, agora ver tudo uma cidade, imensa a cidade,
realmente, é uma transformação. 60 anos.

Rosangela: E os imigrantes que também eram daqui?

Danilo: Acho que se esqueceram, saíram, os filhos foram para a faculdade, foram embora.

Rosangela: Eu não sei se existe ainda, ou se tem o mesmo nome, era a rua do Comércio, que era
toda habitada por imigrantes.

Danilo: É ainda é rua do comércio, ali do lado do primavera, ali aquela rua tinha cinema, boliche.

Peter: Ah, é.

Rosangela: Tinha um cinema, que segundo a pesquisa que eu fiz, foi inaugurado por um iugoslavo.
Tinha também uma moça que fugiu de Maribor, ela era secretária, tem depoimento dela numa
página de jornal, morava em (impossível ouvir)…

(Ferdinand, Peter, Anton e Danilo concordam com um nome estrangeiro, falam outro…)

Rosangela: Era irmã do Seu (nome não compreendido).

Danilo: … Era vizinho de lá ué, vizinho de lá onde meu pai faleceu.

Rosangela: (Nome não compreendido) é falecida.

Danilo: Eles eram vizinhos da mesma rua, vieram lá da terra, vieram pra cá também.

Matea: Essa família eslovena, (impossível compreender o que é dito)?


Peter: Não, e o Bosco(Bojo?) irmão dela.

Rosangela: O Bojo faleceu também. Esse iugoslavo não cita o nome, não cita nada sobre ele, mas
diz que o dono do cinema era iugoslavo.

Ferdinand: É, mas não era o senhor Bojo não.

Peter: Mas do cinema eu me lembro muito bem, de vez em quando eu ia lá.

Rosangela: Onde é essa rua do comércio que você falou, perto do COC?

Danilo: É a transversal ali, sabe o prédio que tem uma cerca ali?

Rosangela: Sim.

Danilo: Tu vai em direção, é logo a primeira.

Rosangela: Da secretaria de obras?

Danilo: É, não tem uma ruazinha com negócio de troca de óleo…

Cristina: É a rua da fábrica de gelo agora.

Rosangela: Ah, sim!

Danilo: Não, um pouco mais pra cá, é a outra, logo em seguida. Saindo daqui a primeira a esquerda.

Marcia: E onde era o cinema?

Peter: Era na transversal a essa, mais pra frente tinha o morro.

Danilo: Na principal tinha o boliche, primavera boliche, o pessoal competia, inclusive era um
boliche que fazia parte do circuito sul-americano de boliche. Porque aqui era um lugar assim, que
tinha gente com recurso, primavera era um lugar assim, bem-conceituado com os estrangeiros
daqui. Essa escola de primavera, o pessoal vinha da cidade pra estudar aqui. Porque tinha
condições, o pessoal aqui botava recursos.

Marcia: Na propaganda de jornal do colégio dizia que haveria um onibus que pegaria o aluno, ou na
rodovia, ou na estação de trem, quem não morasse aqui. Aí eu fiquei curiosa se isso funcionou
mesmo, ou era só propaganda?

Peter: Tinha um ônibus sim, mas era pago, não era de graça não. Vinha lá de Caxias o onibus,
passava em frente a escola, só tinha um de manhã, no almoço e o ultimo de noite.

Marcia: Tinha um padre que dava aula lá? Padre Monsue?

Peter: Provavelmente tinha um padre, porque o Heitor era muito católico.

Marcia: O professor Alvaro Lopes, deu aula lá?

Peter: Não lembro de nome não.


Marcia: Olga Teixeira.

Peter: Eu sei que tinha alguma coisa Quadros.

Marcia: Pedro Quadros?

Peter: Alguma coisa assim. Ele era professor de matemática não era?

Marcia: Ele deu aula no colégio estadual Alexander Granbell.

Peter: Mas quando ele deu aula, Pedro Quadros, lembra?

Ferdinand: Pô, adorava! Muito bom professor.

Peter: Mas ele já deve ter falecido a um bom tempo. Ele já era um senhor.

Ferdinand: Pedro Quadros Morettison.

Marcia: Eu só sei Pedro Quadros.

Peter: Os professores eram de primeira lá.

Marcia: E o professor Alvaro Lopes dava aula lá? Nem Olga Teixeira?

Peter: Não me lembro não.

Danilo: Você tinha aula de latim lá não é?

Peter: Tinha latim, francês…

Marcia: E o Padre Monsueto? Monsuer… acho que é assim.

Peter: Não me lembro não, tinha um frei, ele jogava bola com a gente.

Matea: Esses professores eram brasileiros? Todos eram brasileiros?

Ferdinand: Não, não. Tinham dois italianos. O de ciências era italiano, Pietro, não me lembro o
sobrenome.

Peter: Mas ele sabia falar português perfeitamente.

Ferdinand: Tinha um outro de história, mas eu não lembro o nome dele, ele acabou até casando com
uma das alunas que era da minha sala, é foi…

Marcia: Me deixa tirar uma dúvida com vocês, era ginásio primavera na época ou era colégio
primavera?

Peter: Ginásio Primavera.

Marcia: Ele era muito conceituado.

Ferdinand: Era.
Marcia: A gente pesquisou, ele foi um dos primeiros a ter curso normal aqui em Caxias, formação
de professores. Tinha o curso normal?

Peter: Na nossa época não tinha não, acho que foi depois.

Anton: Na sua época tinha só o ginásio.

Peter: Era só até o ginásio, acabava aí.

Marcia: Gostaria de aproveitar vocês, pra gente estudar um pouco mais a história aqui da Anton,
vocês sabem, com precisão, a data em que ela foi fundada? Porque a gente encontra, o que eu to
trazendo aqui são dados que a gente encontrou em um acervo da secretaria municipal de educação.
São documentos oficiais, a gente tá aproveitando aqui pra saber quanto é fato mesmo ou não, consta
que ela foi criada em 61 mas ela só foi inaugurada em 62, vocês lembram como foi esse processo?

Peter: Foi, ela foi iniciada a construção em 59, 60, a construção, meu pai morreu em dezembro de
61, as salas estavam quase prontas.

Ferdinand: Isso é 62 mesmo.

Danilo: Quando foi que a gente bateu essa lage?

Ferdinand: Ah, isso deve ter sido novembro.

Rosangela: Quando a gente olha os livros, o primeiro registro é de 62. Inclusive a matricula do
Anton, que foi no primeiro ano.

Peter: Primeira turma.

Danilo: Tem o registro aí?

Rosangela: Tem. Tá de 62.

Marcia: Vocês lembram a data da inauguração?

Anton: Eu não lembro porque eu era pequeno, eu tinha sete anos.

Rosangela: Porque o registro é de novembro, eu queria saber se a escola funcionou o ano todo e só
foi homologar em novembro ou se começou em novembro?

Peter: Funcionou o ano todo.

Rosangela: Imagino que deve ter sido isso, botaram para funcionar, mas só foram inaugurar em
novembro. Oficialmente, a data de aniversário é em novembro.

Peter: Eu vou relatar aqui um episódio muito interessante, coincidências ao cubo, uns oito anos
atrás eu estava na casa de um amigo em angra, e esse amigo me recebeu em casa, Samuquinha. Aí o
Samuquinha, tava meio triste, mas por que ele tava meio triste? Ele tava bebendo? Samuquinha, na
época que eu encontrei com ele, tinha sido deputado estadual, o pai dele tinha morrido, o Samuca,
que falava que bandido bom era bandido morto.

Rosangela: Na rádio Tupi né? Samuquinha foi vereador aqui em Caxias.


Peter: Depois ele foi deputado estadual?

Danilo: Ele ou o irmão, são dois irmãos.

Peter: Aí ele começou a falar do pai dele, eu falei po você tá assim, seu pai morreu você já está
adulto, pior fui eu que meu pai morreu, eu com onze anos. Eu falei rapidamente com ele a história
da escola, ele perguntou “onde é a escola Anton Dworsak? Ninguém nunca me contou, eu tava
querendo mudar o nome dessa escola.”. Ele foi secretário de educação uma época. Ele falou assim,
“poxa, nunca me contaram, eu ficava pensando, por que tem um nome de um estrangeiro na
escola?”. Ele queria trocar o nome da escola, aí eu passei para ele toda a história, porquÊ que tinha
o nome Anton Dworsak.

Marcia: Outra duvida que eu tenha, já que estamos falando do nome. Ela é Escola Municipal Anton
Dworsak, ela sempre teve esse nome? Desde 62? Ela é escola municipal desde o mutirão?

Peter: Desde o início.

Marcia: Voces sabem como se deu o processo da inserção da prefeitura nessa escola construída pela
comunidade? Como se deu esse processo?

Cristina: Desde o início, a prefeitura cedeu o terreno. Veio uma pessoa que tinha influencia na
prefeitura e ela cedeu o terreno.

Marcia: Então, ela cede o terreno, mas esse processo de começar uma escola oficialmente
municipal, vocês sabem?

Peter: Era desde o início, porque depois que ela começa a funcionar os professores tem que ser
pagos pela prefeitura e todas as outras despesas, não podia ser diferente, tanto é que tinham umas
fotos lá, a escola era um pouco menor, a foto E. M, de municipal, então a foto daquela época já era
municipal.

Marcia: Eu estou perguntando, porque muitas das escolas na medida que a gente vai pesquisando a
gente vai vendo, ela começa a funcionar, inclusive com professores voluntários pagos pela própria
comunidade, as vezes a prefeitura até cede o professor, mas só depois que ela é municipalizada. Até
porque quando a gente le esses documentos que a gente encontrou, são muitas contradições, a gente
encontrou um histórico dizendo que em 64 recebe ajuda da prefeitura para a ampliação de sala,
então dá a entender que ela ainda não era municipal.

Peter: Não, já era municipal, tanto que tem até foto lá, escola municipal.

Ferdinand: é, nós temos uma foto dias depois que papai morreu, a gente veio ali pra frente.

Danilo: E tem aquele documentário, tá lá, a fotografia.

Marcia: Voces vão nos emprestar para a gente digitalizar essa foto.

Danilo: Voce assistiu o documentário?

Marcia: Ah é, fala o nome do documentário por favor, para deixar registrado.

Rosangela: Tem naquele jornalzinho, naquele site que vocês colocaram no jornalzinho.
Peter: O site é dvorsak.com

Danilo: A fotografia da escola no final. Esse aqui é o Ferdinand.

Ferdinand: De calção e short. Descalço, a gente só andava descalço. Não tinha esse negócio de
sapato não. Entrando no site você vai ver essa foto.

Marcia: Eu entrei aqui. Contra um pouco pra gente como foi esse começo da escola, o Sr. Anton fez
parte da primeira turma, o Sr. Danilo estudou depois. Queria saber nome de professores, de quem
vocês lembram, de como era a escola, o espaço, a dinâmica da escola, o que vier a memoria é
pérola.

Anton: Eu comecei na primeira turma da escola, eu lembro muito bem ainda dos amigos, meninos,
brincando, pra mim foi uma novidade muito grande né, os primeiros anos de colégio, é muito
bacana, as crianças gostam muito, uma coisa que me marcou muito foi a diretora, era Dona Nair,
primeira diretora do colégio, ela sabia da história toda porque ela morava aqui perto, então como ela
conhecia a nossa história, ela dava muita importância a tudo que aconteceu e tal, como eu era filho
do fundador então ela tinha uma ligação muito forte comigo, ela já conhecia o papai, eu lembro que
sempre que tinha alguma visita aqui na escola, alguma comemoração, algum evento, ela fazia
questão de ir na minha sala, para pedir licença a professora e me apresentar as pessoas que estavam
visitando, alguma autoridade, pessoas de fora, “oh aquele ali é o Anton, filho do fundador, tal”, ela
fazia questão, em função disso, eu lembro que eu estudava até mais, pra não fazer feio, acho que por
conta até disso, o incentivo, eu me esforçava mais, eu não me formei aqui, os quatro anos eu fiz
aqui, aqui só tinha os quatro primeiros anos, só tinha o primário. Aí eu fui pra escola que eles
estudaram, o ginásio Primavera lá, que na época já tinha sido vendido, virou Colégio Padre
Anchieta.

Marcia: O senhor lembra o ano?

Anton: Eu fui pra lá era 64, 64 para 65. Fiz os quatro anos de ginásio lá, depois fui pra escola
técnica que eles tinham ido.

Ferdinand: Ah, a escola técnica faz a diferença na vida de uma pessoa. Pena que tem poucas.

Peter: é verdade.

Anton: E nessa época, eu lembro de sair daqui pro ginásio, minha mãe tinha essa missão dela de
formar, ela falava muito “eu não vou ter nada na minha vida, mas meus filhos vão se formar”, isso
aí era uma condição básica dela. Por conta disso ela não deixava a gente ir para rua sempre não.
Porque criança nessa época quer ficar brincando toda hora né, quando chegava da escola, ela ficava
monitorando a gente, ficava junto ali, mesmo sem entender direito, ela fingia que entendia o que a
gente estava fazendo, como ela era de fora ela não entendia direito, mas ela sentava lá e ficava
acompanhando “e aí?”. Por conta disso a gente foi aprimorando os estudos, então isso nos ajudou
muito a seguir, mas a base toda começou aqui, no meu caso foi nessa escola, todo o meu ensino,
minha formação e toda minha carreira profissional, começou aqui, eu tive também, isso já bem mais
tarde, eu já tinha filho, eu tive a oportunidade de lecionar, eu cheguei a dar aula por 3 anos, lá em
brasilia, eu dei aula lá, pra quem é professor, pra quem já lecionou, diretora já passou por isso, esses
3 anos lá em brasilia, eu tive uma experiencia muito boa, porque aí quando você passa a ser
professor, aí você ve como professor pena, porque ele se desgasta muito, e a sua responsabilidade
dentro de sala de aula, porque os alunos precisam aprender, não é só estar ali, foi uma fase muito
bacana.
Peter: A sua aula era de física né?

Anton: é, no segundo grau.

Ferdinand: Conta o lance da aula inaugural, esse tem que contar.

Anton: Tem que saber se a gente tem tempo.

Ferdinand: Conta rapidinho.

Danilo: é, esse daqui…

Rosângela: Pode falar…

Anton: Eu tive essa oportunidade né, e naquela época eu lia muito, estava lendo muito, tinha me se
separado da minha ex-esposa, filhos já adultos, todos formados em engenharia hoje, isso vai
passando de pai pra filho né, isso é importante também. Então eu fiquei com as noites mais livres
né, e recebi um convite para lecionar física, para o segundo grau, a noite, de dia eu tinha a minha
profissão né, como engenheiro e a noite eu lecionava, eu lembrava muito dos meus professores,
durante todo esse período, muitos fazem diferença, então quando eu tive a oportunidade de entrar
em sala de aula, eu lembrava dos que mais me marcaram, pessoas bem preparadas, pessoas que
motivavam a turma, eu pensava que eu tinha que fazer alguma coisa assim e contribuir com os
alunos, isso era o mais importante. Então na primeira aula, as turmas eram semestrais, no segundo
semestre eu estava lendo muito, coisas sobre educação, motivação, como a gente consegue ganhar o
aluno, pra quando você chegar na sala de aula o aluno dizer que bom que o professor chegou,
porque tem professor que não está muito preparado, isso é uma questão importante também, o
professor tem que estar bem preparado, por isso tem que ter uma valorização, tem que ganhar bem,
a gente sabe que isso é a maior dificuldade aqui, o salário, que isso motiva mais, a pessoa entra na
sala sem problema de conta, essas coisas. Eu lembro que eu entrava na sala de aula escrevia meu
nome de um lado e do outro lado do quadro botava física, que era a matéria que eu lecionava, eu
falava pros alunos “olha esse é o nosso primeiro dia, a gente vai só bater um papo para se conhecer,
eu vou me apresentar, vou contar um pouquinho da minha história”, eu falava um pouco daqui da
escola, então eu tinha já uma meia dúzia de assuntos, coisas que eu já tinha lido, me preparado para
falar, para marcar coisas novas que os alunos nunca tinham ouvido falar na época, eu colocava ali
pro pessoal ver que era uma coisa diferente, porque física como matemática hoje existe uma
dificuldade para pessoa aprender, eu senti isso naquela época, em poucos professores, sabemos que
o pessoal não é motivado, eu começava lá, tinha as quatro fases do aprendizado, vocês devem
conhecer isso aí, “eu vou contar essas fases aqui pra gente integrar a primeira aula”. 1 fase, eu
escrevia no quadro, é a fase da ignorancia, você não sabe nada sobre a matéria então você ignora
aquilo, isso em qualquer profissão, se você não aprendeu nada você é ignorante. Aí passa para a
segunda fase, é a fase das dúvidas, você começa a ter informação sobre a matéria, começa a ocorrer
dúvidas, aí eu falava “oh, tá vendo, o aprendizado são 4, você tá na fase de dúvida, muita gente
chega numa prova, em um concurso, em algum lugar, tá nessa fase ainda, você não percorreu todas
as fases, você vai levar pau, vai mal na prova”. Então a terceira, é a repetição, fazer exercícios,
repetir aquilo dali, fazer de várias formas diferentes, aquela mesma coisa, vai martelando, você faz
tantas vezes aquilo, que você passa para a quarta fase que é o aprendizado pleno, você nem lembra
que já sabe daquilo, você lembra tão bem, aí eu vou te dar um exemplo: Todas vocês dirigem né?
Carro. Lembra do primeiro dia, que você entrou num carro, nós somos ignorantes de direção né. Aí
o instrutor fala passa a marcha, pisa na embreagem, vai soltando e o carro morre, não é? E é dificil
dirigir, olha quantas variáveis em na direção, tem o volante, tem a marcha, tem a estrada em sí,
retrovisor, freio, sinal, pedestre, tem mil coisas, depois que voce aprende isso tudo, você nem
lembra que foi de carro, você pega o carro e vai embora, a gente chegou aqui de carro, é tão
automático. Então eu falei “oh, na nossa cadeira, a física, vai ser assim também, qualquer matéria,
qualquer desenvolvimento profissional, você começa assim, com dúvida”, aí eu dei outro exemplo:
“Oh, algum de vocês reparou que eu entrei caminhando aqui na sala?”, aí o pessoal olhando assim,
que negócio esquisito, como assim caminhando? Eu falei “pois é, eu entrei caminhando porque eu
aprendi a andar, mas andar não é fácil”, uma criança quando tá na fase de desenvolvimento, seis ou
sete meses, ela vê os adultos, eu contava isso com detalhe, eu to acelerando aqui, pra ficar na cabeça
deles, então, a criança para ela ficar em pé, não é porque o pai disse que tem que andar não, ela
percebe que ela é igual aos adultos, eu li num livro de desenvolvimento sobre isso, aí ela se esforça,
ela cai, anda, cai e anda até que começa a andar, o equilíbrio é muito difícil, mas o equilíbrio que e
muito difícil, você nem pensa nisso, mas a gente aprende a equilibrar, é como andar de bicicleta
também, mesma coisa né, só que andar, a gente aprende de muito pequenininho, mas nem lembra
que a gente anda mais, então tudo é assim, eu falava essas questões pro pessoal ver que o que a
gente ia estudar ali, a gente ia passar por isso também e isso é importante, outra coisa que eu dizia,
não se nessa ordem mas tinha uma sequencia, eu vou ter dois compromissos com vocês, primeiro eu
não vou faltar nenhum dia, meu compromisso com vocês, se por acaso eu não chegar um dia, é
porque aconteceu alguma coisa, a gente repõe essa aula, o segundo, é o compromisso de vocês
comigo, é a presença de cada um, o aluno também não pode faltar aula, porque vai perder partes,
mas tem um detalhe, não adianta estar presente só, a pessoa precisa estar prestando atenção, porque
o nosso cérebro é uma máquina perfeita, se você se dedicar, com vontade prestando atenção, você
vai dar um show, tudo que você pega pra valer com atenção absoluta, você aprende, nosso cérebro é
perfeito, o cérebro de toda pessoa é praticamente a mesma coisa, e a pessoa só consegue isso se
tiver essa introdução, se não a pessoa fica perdida, então a atenção na sala de aula dificulta, o
professor pra manter a atenção na sala de aula é difícil, eu lembro que eu saía da sala de aula
exausto, mas realizado porque eu conseguia avanços, eu sentia que o pessoal avançava, consegui
em todas as turmas, eu fui paraninfo em várias delas, porque eu conseguia entrosar e conquistar a
turma de tal forma que quando eu entrava só faltava aplaudir, porque você sentia aquela satisfação
porque eu sempre trazia uma história de vida, as vezes até fora da cadeira de física, porque imagina,
sexta-feira, dez horas da noite, a última turma, eu falava “gente, vocês estão aqui, sexta-feira,
estudando física, olha o valor que isso tem na vida da gente, vocês podiam estar, tomando uma
cerveja num bar, em casa dormindo, qualquer coisa menos aqui, mas vocês estão aqui e isso tem um
valor danado”. Tinha gente que falava, mas eu vou fazer medicina, eu vou estudar outra coisa, eu
não vou precisar de física, eu falava “não adianta, porque está dentro do currículo, vai ter no
vestibular, não tem escapatória, física, matemática, essas matérias básicas vão ter, mas pra ser bem
sucedido tem que se apegar a matéria, porque a vida da gente dá voltas, veja o meu exemplo, eu
nunca pensei em estar aqui na sala de aula”. Como engenheiro eu tive autorização para dar aula no
segundo grau, porque tinha carencia de professores de física, aí eu fiz um contrato, foi até numa
escola do estado, eu tive uma autorização para dar aula como professor né, a vida da gente da
voltas, a gente pensa uma coisa, por exemplo a Matea tá aqui, quando que ela pensou que ia estar
aqui alguma vez na vida dela? Nunca. A gente não sabe o que vai acontecer amanhã, eu nunca me
imaginei numa sala de aula, porque eu fiz engenharia a fazer os negócios de engenharia lá, mas eu
tive essa oportunidade importantíssima, no final, eu tinha um roteiro, eu falava por 50 minutos, aí
eu falava assim, a turma caladinha, trinta pessoas, “gente para fechar, eu aposto de cada um de
vocês daqui uns 20, 30 anos, vão lembrar de tudo que eu falei nessa aula aqui, nessa primeira aula,
quem de vocês sabe por quê eu estou chegando nessa conclusão?”, um aluno levantou a mão e
falou “professor, eu sei, porque nós estamos prestando atenção”. Esse dia eu tinha dado um toque
no inicio da aula, quando você abre a sua cabeça para um negócio, grava, e eu tenho certeza que
gravava, aí pronto, com isso gera o primeiro passo para “oh, chegou um cara diferente aqui”, e
muitos nem tinham ouvido falar, de uma forma ou de outra.

Danilo: O mais interessante quando você terminava uma aula, ia para outra aula, o que aconteceu?
Anton: O primeiro dia, era a aula que eu mais gostava, depois que eu já estava bem desenrolado no
negócio, eu não lembro muito os detalhes, eram cinquenta minutos né, eu terminei a aula, e a turma
seguinte era da sala do lado, eu entrei lá coloquei meu nome e física, aí eu notei um vulto passando
assim e sentando, aí eu virei assim e notei que aquele aluno, estava na aula anterior, aí perguntei
“ué, o que você está fazendo aqui? O que eu vou falar aqui é a mesma coisa que eu falei lá.”, ele
respondeu assim, “por isso mesmo, eu quero ouvir tudo de novo”. Para você ver o que é, como é, o
compromisso que o professor tem, por isso que eu valorizo muito, porque eu passei por essa
experiencia, então depois que acabou esse contrato com a fundação, eu fiz um curriculo de
professor e fui em outros colégios lá e lecionei mais dois anos, só não continuei porque eu fui
transferido para brasília aí tive que encerrar essa minha carreira, mas eu me identifiquei muito,
gostei muito de dar aula, conhecia os professores todos, batia papo, cada aula trazia uma coisa
diferentes, as vezes até aqueles bombons Garoto, eu comprava com meu dinheiro, as vezes fazia
aquelas questões, dividia a turma em turma a e turma b, quem acertar, uma contra a outra, quem
acertar leva um bombom, fazia dinâmica. O importante é você bolar coisas assim que acabam
motivando os alunos.

Rosangela: Como que era em 62, aqui, no inicio, as turmas, os professores, as turmas eram
seriadas? Voce lembra o nome da sua professora? Se era uma turma, ou várias turmas na mesma
sala?

Anton: Eu lembro da diretora, que ela me puxava muito.

Rosangela: E quem era a diretora? Em 62.

Anton: Professora Nair, o sobrenome eu não lembro.

Rosangela: Nair Chambarelli?

Anton: Nair, só pode ser essa, não deve ter outra.

Rosangela: O senhor entrou aqui em que ano?

Anton: Em 62.

Rosangela: Voce lembra se ela morava perto da escola.

Anton: Aqui atras? Eu não lembro direito.

Ferdinand: Mas ela se mudou para aquela casa em frente a nossa, lembra? Que a gente jogava
aquelas bolinhas de barro, oh o nosso terreno era aqui e tinha uma casa do lado, mais alta.

Matea: Essa diretora era brasileira ou era imigrante?

Anton: Brasileira.

Matea: Pelo sobrenome…

Ferdinand: Devia ser filha.

Matea: Porque aqui tem o nome italiano mas também tem o nome (nome não compreendido).

Peter: é, não sei.


Rosângela: O senhor estudou aqui também, o senhor não falou quando o senhor nasceu, o senhor é
o brasileiro, conta pra gente quando você nasceu.

Danilo: Eu sou a ovelha negra daqui né, eu nasci na casa já do meu pai Anton, em 61, mesmo dia
dele, do Peter, 5 de junho de 1961.

Ferdinand: E a parteira, foi o papai.

Márcia: O Anton Dvorsak fez o parto do filho?

Ferdinand: Foi! A gente foi expulso de casa, foi ver televisão no seu Edson.

Márcia: O senhor foi privilegiado.

Danilo: é, mas olha a obra dele aqui no meu umbigo. Ele não soube emendar meu umbigo. Aí ficou
uma hérnia aqui.

Rosângela: Mas ele já tinha feito o parto, o umbigo é outra história.

Ferdinand: Foi num domingo de tarde, isso eu me lembro.

Rosângela: Colocou vocês pra casa do vizinho…

Cristina: A dona Marja me contou, o Danilo teve uma hemorragia no umbigo porque foi mal
amarrado. Mas ela conta que passou mal em casa, já para ter o filho e o pai tava na escola, na obra
aqui, correram aqui e chamaram ele.

Ferdinand: Com certeza cheio de cimento.

Rosângela: Tem uma foto dele, em cima de um andaime fazendo uma obra aqui.

Ferdinand: Isso é lá em casa.

Rosângela: Ah tá, não é aqui na escola não. Vocês não tem nenhum registro desse não?

Ferdinand: Daqui não, naquela época era difícil tirar foto.

Danilo: Tem uma foto quando ainda estava no tijolo.

Ferdinand: Po, a gente precisa pegar isso daí.

Rosângela: Se conseguir, nem que a gente possa fotografar, já dá para ter a imagem assim, escaneia
a foto e devolve, ou chega lá e tira foto e devolve na hora.

Márcia: Essas fotos e documentos que vocês falaram que tem, não precisa doar, a gente só escaneia
para trazer para a memória da escola, e até para pesquisadores e tudo o mais quando forem
pesquisar a escola, por que isso aí é um lugar de afeto né, um lugar de memória da família, não é
para se desfazer. Mas continuando, o senhor estudou aqui.

Danilo: Então, até os quatro eu não me lembro não, mas eu lembro que a gente passou uma fase
terrível, mamãe teve um problema.
Ferdinand: Mamãe chegou a ser internada num hospital psiquiátrico. Teve um “break down” ficou
bem ruim da cabeça, ficou 9 meses internada em um hospital psiquiátrico em jurujuba.

Rosângela: Mas isso quando? Depois que seu pai faleceu?

Ferdinand: Isso foi em 63.

Peter: Agora imagina ele, era bebe ainda.

Danilo: E agora, quem que me cuidava? Não tem tia, não tem parente nenhum.

Peter: E nós três ficamos sozinhos aqui, eu cozinhava, Ferdinand também, nós três que fazíamos as
coisas.

Rosângela: E quem cuidou do Danilo?

Danilo: Se fosse diferente né, umas irmãs elas cuidavam direitinho, mas eles eram moleques né,
queriam soltar pipa, pescar… Eu me lembro que eu fiquei aqui, onde tinha o seu Roque, eu fiquei
um tempo na casa dele, um tempo na casa da dona Judite, vivia nas casas dos outros.

Anton: é, porque como a gente ia cuidar de um bebe, pequeno…

Rosângela: Já andava?

Danilo: Já, já andava, eu tinha uns 3, 4 anos.

Cristina: No caso quem fez papel de pai para ele foi o Ferdinand né.

Anton: Ah, o irmão mais velho teve que...né.

Danilo: Mais velho 13 anos…

Ferdinand: Isso eu devia ter uns 15.

Márcia: Quando seu pai faleceu o Ferdinand tinha quantos anos?

Danilo: Essa época você já estava indo para a escola técnica, 15 para 16 anos.

Ferdinand: Eu já estava no primeiro ano da escola técnica, eu me lembro que todo fim de semana eu
ia a Niterói visitar a mãe.

Rosângela: Niterói?

Ferdinand: é, Jurujuba.

Peter: Num domingo fomos os três visitar ela, aí pegamos o ônibus para ir para Caxias, Piabeta, aí
passando em cima do rio iguaçu, surgiu uma moto, aí o ônibus perdeu o freio, bateu de frente um no
outro, em cima da ponte, a gente ia lá visitar a mãe, a gente foi parar no hospital todo arrebentado,
ele quebrou o nariz, que azar.

Ferdinand: Acabou que vocês ficaram lá com os Carmam(?) e eu fui pra lá sozinho.
Peter: aí você pode ir sozinho.

Rosângela: E como vocês conciliavam, estudar no maracanã e ainda sozinhos…

Peter: Só ele, eu cozinhava…

Rosângela: Você foi criado por quem? Pelo seu padrinho?

Danilo: Eu ia e vinha.

Anton: é ué, fazer o que? E foi bem cuidado oh, o mais forte de todos hahaha.

Danilo: Eu me lembro que depois que mamãe voltou, eu estava sempre muito fraquinho, andava de
ônibus vomitava, ficava tonto, vivia no hospital, mamãe costurava…

Cristina: costurava para fora?

Peter: Era a forma de ganhar dinheiro.

Ferdinand: Aquilo paga mal, meu deus do céu, recebe 200 peças para fazer e o salário
pequenininho.

Danilo: Costurava para fora, ela ia no mercado do Saara, pra vender pros comerciantes, mamãe ia
passar em caxias para comprar mantimentos, aí eu me lembro, uma fome danada, tinha uma horta
lá, eu vi uma cebolinha, comecei a comer, daqui a pouco comecei a passar mal, fui no banheiro, aí
fui no vazo, uma dor, eu olhei assim, saiu a solitária.

Rosângela: Solitária?

Cristina: é porque ele tinha um verme que fazia mal, que chama solitária.

Ferdinand: Por isso era magrinho, muito ruinzinho.

Danilo: é a cobra, solitária. por isso eu era magrinho, doentinho. Comia toda a minha energia.

Rosângela: Não sabia que cebolinha fazia isso.

Danilo: eu comi e botou pra fora.

Ferdinand: Botou pra fora…

Danilo: Hahaha, chega, chega...

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