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Medidas preventivas devem ser adotadas nas escolas - apresentar um plano detalhado de
medidas sanitárias, higienização e garantia de distanciamento entre as pessoas, de 1 a 2
metros, no ambiente escolar e salas de aula. Adotar medidas individuais com uso de
máscaras para todos os alunos, trabalhadores e profissionais da educação, não sendo
indicado para crianças abaixo de 2 anos e observando o aprendizado para o uso nas crianças
entre 2 e 10 anos (FIOCRUZ, 2020, p. 34)
A recomendação é clara e parece fácil de executar, mas bastaria que fossem observados os
ambientes em que é permitido o fluxo de pessoas com base nas mesmas recomendações para se
saber que não seria seguro o retorno presencial às escolas. Negar tal realidade ou relativizá-la de
algum modo é próprio de uma política que, além de naturalizar a morte, atrasa a retomada da
normalidade e causa sérios prejuízos também econômicos, embora o discurso capitalista neoliberal
do atual governo queira minorar o risco à saúde em prol de uma falsa garantia do emprego e do
crescimento econômico e em prol do sustento de setores do mercado, entre os quais está o da
educação privada, ávido pelo retorno de aulas presenciais, afinal, como registra o site Revista
Educação, o impacto financeiro no segmento foi percebido intensamente. Na educação infantil e no
ensino superior, a inadimplência alcança o patamar de 75% em nível nacional. (Revista Educação,
2020).
A respeito desse negacionismo e do preterimento da saúde em prol do mercado, são
esclarecedoras as palavras de Fonseca e Silva ao avaliarem o governo de Jair Bolsonaro durante a
pandemia:
Na F3, o deputado afirma estar o Brasil situado em um segundo lugar entre países que “não
retomaram atividades escolares presenciais e afirma também que a média de dias sem aula na
Europa em 2020 foi de 70 dias. Os dois argumentos, que mal pese sua incoerência, parecem
estatísticos, e sua estratégia é quase-lógica.
O argumento do desperdício é baseado na estrutura do real, uma vez que opina sobre ele. Na
F1, a escola é acusada de desperdiçar a conectividade garantida por um satélite. O parlamentar
opina sobre o real sem conhecê-lo ou no intuito de deturpá-lo. Há incompatibilidade entre suas
afirmações e as circunstâncias reais da escola, inclusive por confundir o setor público como
constituído unicamente do componente educação. Ele confunde o todo (o público) com uma de suas
partes (educação). Na F4, o argumento do desperdício se confirma por o deputado falar da
existência de uma conectividade que o professor desperdiçaria por não saber e não querer aproveitá-
la.
Os argumentos de vínculo causal são ligações de sucessão e são baseados na estrutura do real.
Perelmam e Tyteca (2005) subdividem esse tipo de argumento em três: a) os que relacionam
acontecimentos sucessivos; b) os que trazem um fato e lhe apontam a causa; c) os que trazem um
fato e lhe apontam efeito (p. 299-300). Nas falas F1, F2 e F4 do deputado, identificamos o subtipo b
de vínculo causal. Na F3, o argumento é do subtipo c.
Na F1, Ricardo Barros atribui o desperdício da conectividade de um satélite por gestoras
escolares ao desconhecimento destas para aproveitá-la e ao seu medo de serem substituídas por
professoras caso requisitem o benefício. Na F2, Barros se refere a o professor ser o único
profissional a não querer trabalhar e, em seguida, aponta o fato como causa para a votação de um
projeto de lei cuja proposta é tornar a educação um serviço essencial.
Na F4, o parlamentar afirma que as escolas não querem retomar aulas presenciais, para, em
seguida, apontar como causa para isso a inércia dos professores, acomodados por já terem obtido
aprovação em concurso e poderem aposentar-se futuramente, desinteressados por qualquer
aprendizado. O professor, diz categoricamente o representante do governo, “não quer aprender mais
nada”.
É apenas na F3 que a situação se inverte. Primeiro, o deputado faz referência a um fato, que é
o de o Brasil não ter retomado aulas presenciais até o momento da entrevista. Em seguida, atribui-se
a esse fato um efeito, que é o prejuízo causado à formação das crianças do país.
Nessa arena de lutas por representação, cabe refletir sobre a desigualdade e sobre o caráter
ético-político. O primeiro relaciona-se ao fato de que os profissionais de educação que são
retratados a partir de uma visão de mundo, não tem qualquer chance de retrucar, tendo apenas o
deputado o poder de fala, ao menos naquele espaço midiático. Isso demonstra que nem sempre a
representação é igualitária, visto que nem todos têm o mesmo acesso a espaços e poder para dizer,
uma vez que para muitos esses direitos são negados. O segundo refere-se a necessidade de uma
responsabilidade ético-político, o que não acontece por parte do deputado, em qualquer prática
discursiva, sobretudo quando parte de representantes políticos eleitos pelo povo.
Vejamos como essa discussão se dá em alguns trechos que tratam diretamente do professor. O
entrevistado cunha expressões como “Só o professor não quer trabalhar” (F2), “é um absurdo a
forma como nós estamos permitindo que professores causem tanto danos às nossas crianças” (F3)
e “o professor não quer se modernizar, não quer se atualizar” (F4). Essas expressões trazem
marcas de um grupo, excepcionalmente de direita, que ao se referir aos professores busca reduzi-los
a sua visão de mundo, como seres que não trabalham, não se modernizam, e que geram danos à
população. Essa ação discursiva busca angariar apoio popular, isto é, busca representar os
profissionais de educação como pessoas responsáveis pelos problemas relacionados à educação
nesse contexto pandêmico, retirando o principal responsável de jogo, o Estado.
Essa prática utiliza da argumentação apoiados em comparações e utilizando informações
como forma de autenticação. Por exemplo, ao realizar a seguinte comparação “O profissional de
saúde tá indo trabalhar; o profissional do transporte tá indo trabalhar; o profissional da segurança tá
indo trabalhar; o pessoal do comércio tá indo trabalhar. Só o professor não quer trabalhar!” (F2) e
ao utilizar comparações entre países que não se assemelham econimicamente e socialmente, como
no trecho a seguir “o Brasil é o segundo país do mundo que não voltou às aulas, que não teve aula
na pandemia. A média na Europa de período sem aula é de 70 dias no ano passado. O Brasil não
teve aula nenhum dia!” (F3).
Ao enfatizar que “o Brasil não teve aula nenhum dia!” (F3), Ricardo Sales ou desconsidera
toda a prática escolar desenvolvida de modo remoto durante esse contexto ou nega que essa modo
de ensino seja de fato ensino ou, meticulosamente, ignora esse fato visto que considerá-lo em sua
fala colocaria em questão a necessidade de tornar a educação um serviço essencial. Em todos os
casos, o deputado nega o cenário em que essas ações acontecem, a pandemia do COVID-19, pois
para Ricardo Sales e para a ala a qual ele representa, a pandemia não passa de uma “histeria”, a
doença não passa de uma “gripezinha” e a situação não passa de uma “fantasia”, como proferido
pelo presidente Jair Bolsonaro em diversas entrevistas.
Esses trechos reforçam o caráter negacionista, anti-ciência, e reafirma o governo e sua ala
como os principais propagadores de inverdades, as chamadas fake news. Demonstra um governo
que não tem compromisso com a sociedade, que se isenta de suas responsabilidades e que não se
comove com o mais de 500 mil mortos decorrentes da COVID-19. Reiteramos, por fim, que a fala
de Ricardo Sales não é apenas dele, não é despretenciosa, mas faz parte de um jogo político
ideológico que vem arquitetando um plano de destruição e de mortes, e esse plano se dá
principalmente por via discursiva, em que reforça a ideia de que o discurso é político, é ideológico,
é hegemônico.