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Cassiano Menke
Doutor e Mestre em Direito Tributário pela UFRGS, professor do curso de Especialização
em Direito Tributário do PUCRS-IET, professor de Direito Tributário na Fundação do
Ministério Público do RS e advogado, Rio Grande do Sul
E-mail: menke@advmmm.com.br.
Louise Lerina
Graduada com Láurea Acadêmica em Direito pela PUCRS, especializanda em Direito
Tributário pela PUCRS-IET e advogada, Rio Grande do Sul
E-mail: louiselerina@advmmm.com.br.
Resumo
1
Abstract
Keywords
INTRODUÇÃO
O IDPJ foi regulado a partir dos enunciados normativos dos arts. 133 a 137
do Código de Processo Civil (CPC). Em matéria de execuções fiscais, a
aplicação do referido incidente encontra amparo no art. 1º, da Lei nº. 6.830, de
1980. Segundo tal dispositivo legal, as execuções judiciais para a cobrança da
dívida fazendária são regidas subsidiariamente pelo CPC. Inexistindo, na LEF,
disposição normativa com base na qual seja possível regular eventos
juridicamente relevantes que ocorrem no processo fiscal, é devida a aplicação
do CPC. A inclusão de terceiro no polo passivo da ação de execução pendente
é uma dessas hipóteses de eventos juridicamente relevantes. Quanto a ela, não
há, na LEF, disposição destinada à regulá-la. Logo, deve ser aplicado o CPC
nesse caso. E, sendo assim, impõe-se a instauração do IDPJ.
2
Contudo, em que pese essas ligeiras considerações preliminares, o Poder
Judiciário e seus agentes, em sua maioria, têm se manifestado em sentido
contrário ao acima exposto, conforme é demonstrado adiante.
1São considerados, pelo CNJ, como tribunais de grande porte as seguintes Cortes: TJ/RJ,
TJ/SP, TJ/RS, TJ/MG e TJ/PR. Vide: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-
de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao/justica-estadual
3
construídas a partir da Constituição Federal de 1988 e a partir da legislação
infraconstitucional, especialmente da LEF, do CTN e do Código Civil brasileiro
(CCB).
2TRF4, AG 5030662-48.2016.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relatora CLÁUDIA MARIA DADICO, juntado aos autos em
24/08/2016.
3 TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 588441 - 0017374-
48.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em
06/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/06/2017;
TJPR - 3ª C.Cível - AI - 1580160-6 - Cianorte - Rel.: Sérgio Roberto N Rolanski - Unânime - J.
04.04.2017.
4 Agravo de Instrumento Nº 70075721993, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
4
Nesse sentido, haveria incompatibilidade procedimental, segundo referidas
decisões, ainda que o pedido de redirecionamento da execução fiscal fosse
baseado nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica do art. 50,
do CCB. Em tais situações, mesmo que se considerasse a existência de lacuna
normativa na LEF quanto ao procedimento para imputação judicial de
responsabilidade tributária, os problemas relativamente à discrepância entre os
ritos procedimentais acima destacados persistiriam11 .6 E o IDPJ não deveria,
por isso, ser instaurado no campo tributário.
FuK1YUk&index=1 – 2h32min
8 TJSP; Agravo de Instrumento 2129103-36.2017.8.26.0000; Relator (a): Geraldo Xavier; Órgão
Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Espírito Santo do Pinhal - 2ª Vara; Data do
Julgamento: 19/10/2017; Data de Registro: 26/10/2017;
TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70075240028, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 25/10/2017;
TJPR - 1ª C.Cível - AI - 1642067-8 - Terra Roxa - Rel.: Rubens Oliveira Fontoura - Por maioria
- J. 27.06.2017.
9 TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 584088 - 0012087-
5
A segunda razão para a inaplicabilidade do IDPJ nas execuções fiscais está
relacionada à diferença supostamente existente entre a responsabilidade do
sócio-gerente ou do administrador baseada no art. 135, III, do CTN, e aquela
disposta pelo artigo 50, do CCB.10 Há decisões que afirmam que o IDPJ “foi
criado para regular a hipótese prevista no artigo 50 do Código Civil.”11 Diversas
dessas decisões dos Tribunais têm sustentado que, nos casos de
responsabilidade tributária, bastaria verificar a presença dos requisitos
estabelecidos pelo CTN para que houvesse o redirecionamento da execução.
Para tanto, porém, não seria necessário desconsiderar a personalidade
jurídica12. Isso visto que, segundo tais decisões, a mencionada responsabilidade
seria pessoal. Ela decorreria da qualidade de sócio administrador da empresa e
geraria situação legal e processual de redirecionamento, a significar sujeição
passiva tributária, nos termos do art. 121, II, do CTN13. Por outro lado, nos casos
de responsabilidade civil, o dever seria patrimonial e não pessoal. Os bens
particulares de determinados administradores e sócios da pessoa jurídica
passariam a responder por dívida desta em face de certas circunstâncias
fundamentadas na regra de direito societário previstas no art. 50, do CCB14.
Por essa razão, segundo tal posicionamento, que, no art. 4.º da LEF, o
responsável tributário seria arrolado como legitimado passivo e que, no art. 790,
do CPC, haveria distinção entre a responsabilidade patrimonial do sócio e os
casos de responsabilidade patrimonial em razão de desconsideração da
personalidade jurídica15.
1ª C.Cível - AI - 1642067-8 - Terra Roxa - Rel.: Rubens Oliveira Fontoura - Por maioria - J.
27.06.2017.
6
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua vez, editou a Súmula
112, segundo a qual: “A responsabilização dos sócios fundada na dissolução
irregular da pessoa jurídica (art. 135 do CTN) prescinde de decretação da
desconsideração de personalidade jurídica da empresa e, por conseguinte,
inaplicável o incidente processual previsto nos arts. 133 a 137 do CPC/15”. Em
tal Súmula, há a seguinte peculiaridade que merece destaque: além da suposta
diferença acima apontada entre a responsabilidade do sócio administrador em
face do CTN e do CCB, os precedentes que originaram tal enunciado sumular
realçam que, nos termos da Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça17, seria
legítimo o imediato redirecionamento da execução fiscal para o sócio
administrador nos casos em que a empresa não é encontrada em seu domicílio
fiscal. Isso porque, nessas hipóteses, haveria uma presunção de dissolução
irregular. Logo, com fundamento na referida Súmula do STJ, não haveria falar
em aplicação do IDPJ, pois a presunção de dissolução irregular, por si só,
autorizaria o imediato redirecionamento da execução fiscal ao sócio
administrador. Bastaria, para tanto, por exemplo, mera certidão do oficial de
justiça informando que a empresa não mais funciona em seu domicílio fiscal18.
17 Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar
no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o
redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
18 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5026989-47.2016.4.04.0000/PR;
16h50min.
7
execuções fiscais não se sustentam. Passa-se, agora, a alinhar as referidas
razões, uma a uma, para, no final, apresentar a síntese conclusiva nelas
apoiada.
20 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução José Lamego. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 519 e ss.
21 GUASTINI, Ricardo. Il diritto come linguaggio: lezioni. Torino: G. Giappichelli, 2001, p. 155.
22 CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell´interpretazione giuridica. Bologna: Il Mulino, 2007, p. 208.
23 CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell´interpretazione giuridica. Bologna: Il Mulino, 2007, p. 209.
24 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução José Lamego. Lisboa:
8
devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Nesse caso, referida
questão poderia ser chamada de juridicamente relevante. E, por isso, deveria ser
objeto de disciplina jurídica.
Primeira: a nova lei criou, por meio da regra estabelecida a partir dos arts.
133 a 137 do CPC, incidente processual a ser instaurado nos casos de atribuição
10
judicial de responsabilidade pessoal ao sócio-gerente ou administrador de
empresa por dívidas destas. E estabeleceu, expressamente, que o aludido
procedimento é aplicável à execução fundada em título executivo extrajudicial
(art.134, caput do CPC), como é o caso da execução fiscal. Lembre-se, nesse
aspecto, que a cobrança tributária é lastreada em Certidão da Dívida Ativa. Esta,
por sua vez, como se sabe, foi considerada, por lei, título executivo extrajudicial,
conforme estabelece o art. 784, IX do CPC. Vale dizer, o novo CPC visou a regrar
a questão juridicamente relevante antes mencionada, em relação à qual inexistia
regulação jurídica.
25 PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. 2. ed. Springer, 2008, p. 131-133; sobre a
necessidade de integrar as diferentes normas e regulações0 dentro de um corpo coerente do
Direito: RAZ, Joseph. Between Authority and Interpretation. New York: Oxford, 2010, p. 318.
26 ÁVILA, Humberto. Estatuto do Contribuinte: conteúdo e alcance. Revista Diálogo Jurídico,
11
Ao dispor sobre a defesa do executado em face da cobrança judicial
tributária (arts. 16 e 17), a LEF, de 1980, silenciara relativamente ao efeito com
que os embargos deveriam ser recebidos, se suspensivo da execução ou não.
Havia lacuna normativa nesse ponto. Quanto ao tema, discutiu-se por anos. Em
1994, contudo, a Lei n.º 8.953/94 colmatou tal omissão. Ela incluiu o § 1.º ao art.
739 do CPC de 1973 e, sendo assim, estabeleceu, no âmbito da execução civil,
que “os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo”. Em face
dessa disposição normativa, o Poder Judiciário passou a determinar a
suspensão “automática” da execução fiscal quando opostos os embargos pelo
sujeito passivo. Isto é, o Judiciário, com base no sistema processual tributário
acima mencionado, aplicou as normas jurídicas reconstruídas a partir do CPC
no âmbito da execução fiscal. E o fez, ressalte-se, por se tratar de questão
jurídica (efeito suspensivo) da mais alta relevância na tramitação da cobrança
tributária.
12
A primeira conclusão é de que, até o advento do CPC vigente, havia
lacuna normativa quanto ao procedimento para atribuição judicial, em execuções
fiscais pendentes, de responsabilidade tributária aos sócios de empresas por
dívidas destas.
13
conforme determinado na LEF. Ao terceiro, possível responsável tributário, por
sua vez, não é exigida a garantia do juízo da execução para realizar a sua
defesa. Isso, justamente, porque este não faz parte da execução até que a
decisão de procedência do IDPJ, se assim for, transite em julgado e, portanto,
não está sujeito às regras da LEF.
Isso significa que, de um lado, a norma jurídica baseada no art. 16, §1.º, da
LEF exige a garantia do juízo para o exercício de defesa daquele que já é parte
da execução fiscal. A situação regulada por essa norma é a do indivíduo em face
do qual o crédito tributário já foi constituído e que, sendo assim, é réu da
execução fiscal. Este, para discutir o mérito da cobrança mediante dilação
probatória deve assegurar previamente o juízo. Nesse caso, a execução fiscal e
os atos de expropriação a serem praticados em face desse sujeito podem ser
suspensos somente após a perfectibilização de tal garantia.
14
redirecionar a cobrança. Com relação à empresa, o processo de cobrança não
deve ser suspenso. A execução prossegue normalmente com todos os seus
efeitos contra a pessoa jurídica. Logo, não há falar em prejuízo ao erário
relativamente à prescrição, pois o crédito tributário continua exigível em face da
empresa, mesmo se instaurado o IDPJ relativamente ao sócio-gerente ou ao
administrador desta.
Volume 3. p. 10.
29 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª edição. Rio de Janeiro:
15
Passou-se de um modelo centrado na observância rigorosa à forma e ao rito,
para um modelo centrado preponderantemente em critérios materiais. Esses
critérios materiais, por sua vez, dizem respeito, como mencionado acima, à
consideração da necessidade de tutela do conteúdo dos direitos fundamentais.
A partir dessa necessidade é que se identifica a técnica processual adequada à
promoção do fim almejado e, sendo assim, que se “ajusta” o procedimento de
modo a efetivamente tutelar o direito das partes.
artigos 1º ao 69. Volume 1. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 67
16
como instrumento, à justiça humana e concreta, a que se reduz, na verdade, sua
única e fundamental razão de ser.”33
Maio de 2005, conferência proferida em 15.7.1983, Porto Alegre, UFRGS, p. 33-38, p. 35.
17
adequação procedimental visa a permitir ao devedor a oportunidade de reação
em face da cobrança fiscal, de tal modo a evitar a lesão ao seu direito subjetivo-
processual.34 Ou seja, a adaptação do rito da execução fiscal à exigência de
tutela de direitos individuais já é admitida em nosso sistema processual.
artigos 1º ao 69. Volume 1. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 140.
37 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15.
18
necessárias devem ser realizadas. Isso também porque o direito ao andamento
célere do processo deve ser necessariamente harmonizado com outras
garantias constitucionais. Trata-se de direito que, segundo posicionamento do
STF, não pode ser “considerado de maneira isolada e descontextualizada dos
demais valores e princípios constitucionais”.39
Um bom número das decisões dos tribunais que vem afastando o IDPJ
das execuções fiscais está baseado no fundamento de que a atribuição judicial
de responsabilidade tributária ao sócio-gerente ou ao administrador, com base
no art. 135, III, do CTN, dispensaria a desconsideração da personalidade jurídica
da empresa. Isso porque, conforme exposto na parte inicial deste trabalho, tal
39STF, HC 95045, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25.09.2008.
40 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 1º ao 69. Volume 1. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 127.
19
responsabilidade, por decorrer diretamente de lei, teria no texto desta os
requisitos para sua caracterização. O texto do CTN, por sua vez, não faz menção
expressa à necessidade de desconsideração da personalidade jurídica.
Segundo essas decisões, o IDPJ se destinaria especificamente a
disciplinar os casos regulados pela norma fundamentada no art. 50, do Código
Civil Brasileiro (CCB) e às demais hipóteses de responsabilidade de sócios-
gerentes ou administradores em que, da mesma forma, os requisitos atinentes
ao uso fraudulento ou abusivo da personalidade jurídica “devem ficar
comprovados”. Como exemplo dessas outras hipóteses, tais decisões apontam
aquelas estabelecidas pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º
8.078/90), pelo art. 4.º da Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98) e pelo art.
34 da Lei Antitruste (Lei n.º 12.529/2011)41. Nas aludidas situações existiria, aí
sim, a necessidade de desconsideração da personalidade da empresa, por
expressa disposição legal, para se estender as obrigações desta aos bens
particulares dos sócios. E, sendo assim, seria devida a instauração do incidente
aqui examinado apenas em tais âmbitos de regulação jurídica.
Esse posicionamento, contudo, precisa ser repensado. Tanto nos casos
regidos pelo Direito civil e pelas demais leis citadas acima, quanto nas situações
regradas pelo Direito Tributário, o IDPJ deve ser instaurado. O ponto central a
ser aqui realçado é o seguinte: ao contrário do que sustentam as decisões
judiciais acima referidas, não há diferença juridicamente relevante entre as
hipóteses estabelecidas pelo art. 50 do CCB, art. 28 do CDC, art. 4.º da Lei de
Crimes Ambientais, art. 34 da Lei Antitruste e pelo art. 135, III, do CTN para
reponsabilidade pessoal do administrador ou do sócio-gerente da empresa por
obrigações desta. Mais precisamente, é correto afirmar que não existe, entre
esses grupos de casos, distinção capaz de determinar a não aplicação do IDPJ
no âmbito da responsabilidade tributária do sócio-gerente ou do administrador.
A rigor, os “fenômenos” que ocorrem em tais situações são muitíssimos
semelhantes. Essa similitude impõe o tratamento uniforme do tema nos aludidos
campos da disciplina jurídica. Isso para que o IDPJ seja instaurado também no
âmbito tributário.
As semelhanças começam no modo pelo qual a responsabilidade do sócio
é concretamente imputada. Trata-se, nos casos acima mencionados, de
responsabilidade atribuída por decisão judicial. Presentes os pressupostos
estabelecidos por lei e pendente processo judicial, cabe ao juiz da causa
determinar a responsabilidade patrimonial em exame. E o que ocorria, nessas
hipóteses, até o advento do IDPJ, era, essencialmente, algo muito similar, a
saber: o juiz, por meio da aludida decisão, desconsiderava a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica relativamente aos bens dos sócios ou
administradores desta. Assim decidindo, ele estendia certos efeitos de
obrigações civis, ambientais, concorrenciais, consumeristas e tributárias da
41 TRF4,
AG 5030662-48.2016.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relatora CLÁUDIA MARIA DADICO, juntado aos autos em
24/08/2016.
20
empresa aos bens do sócio-gerente ou do administrador. O patrimônio particular
deste passava a responder pelos débitos próprios da pessoa jurídica, vale dizer,
pelos débitos cuja causa originária para sua constituição tinha referência, em
tese, à operação da empresa. Tal consequência – eis o essencial - é idêntica
nas situações de responsabilização pessoal antes aludidas, seja no campo do
Direito Civil, Ambiental, do Consumidor ou Concorrencial, seja no que se refere
ao Direito Tributário.
Essa identidade, vale frisar, é verificada, na prática, independentemente
da denominação que a lei estipula para os fenômenos em exame. Isto é, a
constatação dessas consequências independe de os eventos serem ou não
juridicamente qualificados como “desconsideração da personalidade jurídica”. O
título a eles estipulado não é o mais relevante. Desimporta, nesse sentido, a
circunstância de o dispositivo legal que regula a responsabilidade examinada
estabelecer ou não, expressamente, a necessidade de “desconsideração da
personalidade jurídica da empresa” como premissa para imputar deveres aos
sócios ou administradores. Esse não é o ponto crucial para se verificar se o IDPJ
deve ser instaurado no curso de um processo judicial de cobrança. O ponto
realmente fulcral a ser considerado é o seguinte: em razão de determinadas
circunstâncias cuja verificação demanda, no mais das vezes, a produção de
prova (fraude, confusão patrimonial, infração de lei, etc.), a legislação autoriza
que sejam desconsiderados os efeitos da já referida autonomia patrimonial que
o Direito associa à personalidade jurídica da empresa.42 Isso para que os bens
de terceiros (sócios-gerentes ou administradores) passem a responder pela
dívida da pessoa jurídica, quer se trate de obrigações civis, ambientais,
concorrenciais, de direito do consumidor, quer se refira a obrigações de natureza
tributária.
Nessa mesma linha de raciocínio, vale destacar que também é
desimportante, para fins de instauração do IDPJ, a circunstância de a
responsabilidade tributária fundada no art. 135, III, do CTN, ser, segundo a lei,
denominada de “pessoal”. Lembre-se, nesse aspecto, que, de acordo com certas
decisões judiciais, a circunstância de o CTN, no dispositivo acima citado,
estabelecer “responsabilidade pessoal”, tornaria desnecessária a instauração do
IDPJ nas execuções fiscais43. Segundo fazem crer essas decisões, nas
situações em que há expressa disposição legal quanto à desconsideração da
personalidade jurídica, como, por exemplo, no art. 50 do CCB, a
responsabilidade do sócio ou do administrador não seria pessoal, mas, isto sim,
uma extensão dos efeitos das obrigações da empresa ao patrimônio deste. Por
outro lado, na hipótese do art. 135, III, do CTN, tal “extensão” não ocorreria. A
responsabilidade do sócio-gerente ou do administrador pelo crédito tributário
estaria desconectada do vínculo obrigacional que envolve a empresa com
relação ao mesmo débito. Ou seja, o sócio gerente ou o administrador para o
42 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2, 8ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 55.
4343
AI 00121304120164030000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 -
TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2016.
21
qual se quer redirecionar a cobrança teria uma obrigação autônoma e pessoal
em relação ao crédito tributário discutido na execução fiscal. Quanto a tal ponto,
contudo, é preciso fazer as seguintes considerações, as quais demonstram a
desimportância do caráter “pessoal” da responsabilidade tributária acima
mencionada para fins de determinar a aplicação do IDPJ às execuções fiscais.
Primeiro, que, a despeito de a responsabilidade ser denominada, por lei,
de pessoal ou não pessoal, o que importa, a rigor, é que o dever imputável ao
sócio não nasce independentemente da relação obrigacional que envolve a
empresa. A responsabilidade daquele está vinculada à obrigação desta. No
âmbito tributário, por exemplo, a obrigação de pagar certo tributo não é
constituída autônoma e isoladamente em face do sócio. A responsabilidade do
sócio-gerente ou do administrador pelo pagamento do tributo devido pela
empresa está relacionada ao fato gerador tributário que esta realizou no curso
das suas atividades econômicas. Vale dizer, os fatos, por assim dizer,
“geradores” da responsabilidade tributária baseada no art. 135, III, do CTN
(excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos) estão
ligados ao fato gerador tributário cuja realização, pela empresa, ensejou o
nascimento do dever de pagar o tributo. Há relacionamento entre esses dois
grupos de fatos (fato gerador da responsabilidade tributária e fato gerador da
obrigação tributária principal). Esse relacionamento é confirmado, inclusive, pelo
enunciado do caput do art. 135, do CTN, segundo o qual só há responsabilidade
tributária do sócio quanto às “obrigações tributárias resultantes de atos
praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos”. E mais, tal relação é igualmente constatada a partir da circunstância
de que, mesmo após o redirecionamento da execução fiscal, a pessoa jurídica
permanece no pólo passivo da demanda. Isso evidencia que não há falar em
responsabilidade autônoma do sócio-gerente ou do administrador no caso
previsto no CTN. Os deveres da empresa e do sócio-gerente ou administrador
estão, em tal hipótese, visivelmente relacionados.
Segundo, que a circunstância de o enunciado do art. 135, III, do CTN,
estabelecer serem os sócios “pessoalmente responsáveis” por certos créditos
tributários não significa que só nesse âmbito de regulação jurídica a
responsabilidade esteja ligada à pessoa desse terceiro. Ora, em todas as demais
situações antes referidas (de Direito ambiental, do consumidor, concorrencial e
civil), também há, a rigor, responsabilidade, por assim dizer, pessoal. É este, o
sócio, por meio do seu patrimônio, que responde pelos débitos cuja origem está
relacionada à operação da pessoa jurídica. A referida responsabilidade “pessoal”
pode ser chamada, por essa razão, de patrimonial. Busca-se o adimplemento da
obrigação por meio dos bens do sócio, isto é, por meio do patrimônio deste.
Sendo assim, mesmo nos casos em que a disposição normativa não determina
que o sócio-gerente responda “pessoalmente” pelos débitos da empresa, como
ocorre nos campos de regulação jurídica anteriormente mencionados, a
responsabilidade do terceiro é, nos termos já expostos, pessoal. E, se se admite
que o IDPJ seja instaurado nesses outros campos em que a responsabilidade é,
22
então, pessoal, não parece correto que se negue a aplicação do aludido
incidente no âmbito tributário sob o argumento de o art. 135, caput, do CTN,
denominar a responsabilidade do sócio-gerente e do administrador exatamente
de “pessoal”. Tal negativa caracteriza verdadeiro contrassenso, com o qual não
se pode concordar.
Além desses pontos comuns, a similitude entre os grupos de situações
aqui examinadas não para por aí. No que se refere aos pressupostos, as
responsabilidades do sócio-gerente ou administrador no âmbito civil,
concorrencial, ambiental, do Direito do consumidor e do Direito Tributário são
muito semelhantes. A começar que, em todas essas situações, tem-se
responsabilidade estabelecida por lei. É esta que fixa os requisitos segundo os
quais poderá o credor requerer ao juiz que este estenda os efeitos das
obrigações da empresa ao patrimônio dos sócios ou dos administradores da
pessoa jurídica.
Ademais, quanto aos requisitos legais em si, a semelhança entre os
grupos de casos é notável. Veja-se, nesse aspecto, o que dispõe o art. 34 da Lei
Antitruste. A norma jurídica nele baseada regula casos em relação aos quais o
Poder Judiciário admite a instauração do IDPJ.44 Referida norma estabelece
pressupostos praticamente iguais àqueles definidos pelo art. 135, III, do CTN. A
lei concorrencial permite a responsabilização do sócio em casos de “abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social’.45 O art. 135, caput, CTN, de sua parte, enuncia
critérios muitíssimo semelhantes: “excesso de poderes ou infração de lei,
contrato social ou estatutos”. A leitura comparativa dos referidos grupos de
requisitos evidencia a identidade quase total entre eles. No âmbito da legislação
civil, essa similaridade é, também, visível. O art. 50, do CCB, estabelece, como
pressupostos, “o abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade ou pela confusão patrimonial”. Tais requisitos também se aproximam
em muito aos estabelecidos pelo art. 135, III, do CTN, conforme acima transcrito.
A análise dos dispositivos legais antes citados permite constatar que, a
rigor, em tais enunciados normativos, foram abarcados pela legislação os casos
em que os sócios-gerentes ou os administradores abusam do direito de liberdade
de empresa. Mais precisamente, foram reguladas as situações dos sujeitos que
praticam atos intencionais no sentido de se valerem da personalidade jurídica da
sociedade, ocultando-se por detrás desta, para obterem benefícios econômicos
em proveito próprio. Tudo em prejuízo dos credores da empresa e em arrepio às
finalidades do direito de liberdade empresarial.
Trata-se de casos em que esses sócios praticam, por exemplo, atos que
implicam desvio de finalidade relativamente aos objetivos da empresa. São atos
44
TRF4, AG 5030662-48.2016.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relatora CLÁUDIA MARIA DADICO, juntado aos autos em
24/08/2016.
45 Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser
desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou
ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.
23
que contrariam os propósitos do estatuto da sociedade ou que, ao infringirem a
lei, geram intencionalmente o prejuízo aos credores em benefício pessoal do
administrador. Seja em qual ramo da disciplina jurídica for, o que o Direito visa a
estabelecer com a configuração dessas hipóteses de responsabilidade é o
seguinte: o sócio ou o administrador que, em seu benefício, praticar atos
contrários aos fundamentos e às finalidades do direito de empresa para,
intencionalmente, prejudicar os credores da pessoa jurídica, terá de responder
com seus bens pelos débitos dessa pessoa jurídica.
As expressões utilizadas, seja pela legislação civil e concorrencial, seja
pela tributária, conforme visto acima, levam à essa conclusão. Em outras
palavras, as locuções “abuso de personalidade jurídica caracterizado pelo desvio
de finalidade ou pela confusão patrimonial” e “infração de lei, contrato ou
estatutos” conduzem ao sentido normativo antes mencionado. Veja-se, inclusive,
que o critério envolvendo a “confusão patrimonial”, estabelecido pelo texto do
art. 50 do Código Civil, é considerado também em decisões judiciais que tratam
da responsabilidade tributária. Neste âmbito, tal parâmetro funciona como uma
espécie de indicador para se aferir a presença dos requisitos enunciados pelo
art. 135 do CTN no que se refere à responsabilidade do sócio-gerente.46 Vale
dizer, a confusão patrimonial caracteriza infração de lei, contrato ou estatutos,
de tal sorte que é possível constatar, como se disse, que os pressupostos
normativos de ambas as responsabilidades se confundem.
Nesse mesmo sentido e no contexto dessas semelhanças, é importante
mencionar que, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a atribuição da
responsabilidade ao sócio ou ao administrador, no âmbito civil, exige a
comprovação de que a sociedade foi utilizada de forma dolosa por ele. Vale
dizer, é necessário que fique comprovado que a pessoa jurídica foi usada como
instrumento para dissimular a prática de lesões aos direitos dos credores
mediante desrespeito intencional à lei ou ao contrato social.47 No âmbito do
Direito Tributário, referido tribunal tem entendimento em sentido muitíssimo
semelhante. Segundo o STJ, a responsabilidade tributária estabelecida pelo art.
135 do CTN não é objetiva. Ela, para ser caracterizada, exige a demonstração
de que o sócio-gerente ou administrador agiu com dolo, mais precisamente no
sentido de visar à lesão do Fisco em proveito próprio.48 Exatamente nesse
contexto, aliás, é que o STJ fixou o entendimento da súmula 430. Ao examinar
o sentido da expressão “infração de lei”, contida no caput do art. 135 do CTN,
afirmou o tribunal:
“O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera,
por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”
A expressão linguística “por si só”, utilizada no texto da citada súmula, é
esclarecedora. Ela evidencia que não basta o mero não pagamento do tributo
46 STJ, RESP 1648557, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 05.05.2017.
47 STJ, Resp n.º 1526287, 3.ª Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, Dje 26.05.2017.
48 STJ, AgRg no Resp n.º 1268688, 1.ª Turma, Min. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho, Dje 29.06.2016; AgRg
no Resp n.º 1340390, 2ª Turma, Min. Rel. Castro Meira, Dje 22.08.2013.
24
para que se estendam os efeitos da obrigação tributária da empresa aos bens
do sócio. É preciso mais. É necessário comprovar o já mencionado abuso de
personalidade jurídica. Cumpre à Fazenda Pública demonstrar que o sócio-
gerente ou o administrador agiu intencionalmente, em benefício próprio, para
lesá-la quanto ao direito à arrecadação do crédito tributário.
Verifica-se, portanto, que há estreita similitude entre os casos em que o
Poder Judiciário vem admitindo a instauração do IDPJ e os casos, como o
tributário, em que a maioria das decisões judiciais não admitem a realização do
aludido incidente. Em todos eles, a imputação de responsabilidade depende da
comprovação de requisitos legais. E para que essa prova seja feita, o IDPJ é
essencial.
E mais, a alegada diferença no que se refere à possibilidade de extensão
da responsabilidade aos sócios que não são administradores, mas meros
quotistas, conforme estabelece o enunciado normativo no art. 50 do CCB, é
irrelevante para afastar o IDPJ das execuções fiscais. Isso porque este mesmo
dispositivo do CCB também permite que seja atribuída a responsabilidade
apenas aos administradores da pessoa jurídica. Logo, verifica-se que o art.50
CCB apenas tem abrangência maior do que o CTN, tendo em vista que permite
que a responsabilidade seja atribuída ao administrador, como no CTN, e/ou ao
mero sócio quotista.
49 Nesse sentido, vide: STJ, ERESP 1306553/SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, Dje 12.12.2014.
25
diferenças não são capazes de determinar o afastamento do IDPJ do âmbito das
execuções fiscais.
50 Súmula 112: A responsabilização dos sócios fundada na dissolução irregular da pessoa jurídica (art. 135
do CTN) prescinde de decretação da desconsideração de personalidade jurídica da empresa e, por
conseguinte, inaplicável o incidente processual previsto nos arts. 133 a 137 do CPC/15.
51 Enunciado n.º 20, segundo o qual “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no
art. 133 do NCPC, não se aplica aos casos em que há pedido de inclusão de terceiros no polo passivo da
execução fiscal de créditos tributários, com fundamento no art. 135 do CTN, desde que configurada a
dissolução irregular da executada, nos termos da Súmula 435 do STJ”.
26
passar a ser descartada. Há, desde 2015, procedimento cuja instauração
precede à decisão judicial de redirecionamento da execução fiscal. E este
procedimento, por todas as razões acima expostas, é aplicável no campo
tributário.
Ademais, a necessidade de revogação da aludida súmula também se
deve ao posicionamento do STJ com relação ao conceito de “dissolução irregular
para fins de desconsideração da personalidade jurídica”. O tribunal, no
julgamento do RESP 1526287/SP, datado de 16.05.2017, ao tratar de caso
envolvendo a aplicação da regra jurídica baseada no art. 50, do CCB,
manifestou-se no seguinte sentido:
“A mera insolvência da sociedade ou sua dissolução irregular sem a devida
baixa na junta comercial e sem a regular liquidação dos ativos, por si sós, não
ensejam a desconsideração da personalidade jurídica, pois não se pode
presumir o abuso da personalidade jurídica da verificação dessas
circunstâncias”52 grifo nosso
Esse posicionamento é, na realidade, ratificação do que já decidira o STJ
nos autos do ERESP 1306553/SC, em 10.12.2014, ao uniformizar sua
jurisprudência sobre o tema.53 Nessas duas ocasiões, o tribunal manifestou
entendimento de que a dissolução irregular da empresa, sem a devida baixa na
junta comercial, não configura, por si só, abuso de personalidade jurídica. A
desconsideração desta exige prova cabal do abuso doloso e fraudulento de
personalidade, conforme exposto anteriormente. Trata-se de elemento que, ao
contrário do que preconiza a Súmula n.º 435, não pode ser presumido.
Veja-se que, em que pese esse recente julgamento se refira às relações
jurídicas de natureza civil-empresarial, as conclusões a que chegou o STJ em
tal situação repercutem diretamente no campo da responsabilidade tributária.
Isso porque a discussão de mérito reside, na realidade, na definição de
“dissolução irregular para fins de desconsideração da personalidade jurídica”.
Isto é, cuida-se de discussão que envolve, nitidamente, instituto de direito
privado, o que acaba atraindo a aplicação da norma jurídica baseada no art. 109
do CTN54. Segundo estabelece o referido dispositivo legal, os princípios gerais
de direito privado devem ser utilizados para pesquisa da definição, do conteúdo
e do alcance de seus institutos, conceitos e formas. Isso significa que a
legislação tributária, ao mencionar institutos típicos de direito privado, não pode
desprezar a definição e o conteúdo estabelecidos por este para os referidos
institutos. “Dissolução irregular para fins de desconsideração da personalidade
jurídica da empresa” é instituto de direito privado. Sendo assim, o legislador
tributário deve observar a definição estipulada pela lei e pela jurisprudência de
direito privado com relação ao referido instituto.
52 STJ, RESP 1526287/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 26.05.2017.
53 STJ, ERESP 1306553/SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, Dje 12.12.2014.
54 Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do
conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos
respectivos efeitos tributários.
27
Cumpre frisar, nesse contexto, que a norma jurídica baseada no aludido
art. 109, do CTN, visa a estabelecer um padrão conceitual no Sistema Tributário
a partir da consideração deste como parte de um todo, vale dizer, como parte do
Sistema Jurídico brasileiro. Nesse contexto, tal norma adota, especialmente, o
critério da coerência no que se refere às definições dos institutos de direito
privado utilizados pelo Direito Tributário. Por coerência, entenda-se, aqui, o
postulado hermenêutico que estabelece ao intérprete e ao legislador o dever,
dentre outros, de utilização de conceitos não particularizados, mas universais.55
Em outras palavras: o legislador tributário e o julgador das causas tributárias
estão vinculados às definições estabelecidas pelo direito privado. Mais
precisamente, ao lidarem, no campo tributário, com institutos, por exemplo, de
direito empresarial, eles devem adotar as definições empregadas pelo direito
privado para esses institutos. Tudo visando a obter o referido padrão conceitual
e a definição universal antes mencionada.
No caso aqui examinado, a aplicação do postulado da coerência significa
o seguinte: por ser um instituto de direito empresarial, a “dissolução irregular
para fins de desconsideração da personalidade jurídica” deve ser entendida, no
Direito Tributário, segundo a definição empregada pelo direito privado. Logo,
considerando a hodierna definição adotada pelo STJ com relação ao aludido
instituto, parece evidente que também nas causas tributárias a mera mudança
de endereço não deve, mais, configurar infração dolosa de lei. É preciso mudar.
É devido que os tribunais universalizem a referida definição, padronizando-a, a
partir do Direito empresarial, para o Direito Tributário. Esse dever de
padronização, ressalte-se, também decorre do disposto no art. 926, do CPC.
Lembre-se que tal dispositivo determina que os tribunais mantenham sua
jurisprudência coerente. Para tanto, a padronização conceitual acima referida,
alicerçada também na regra baseada no art. 109 do CTN, deve ser feita. A
súmula n.º 435 deve ser revogada, dando-se lugar à aplicação do IDPJ para que,
nos casos concretos, seja aferida a presença real e não presumida dos
pressupostos para imputação de responsabilidade tributária por dissolução
irregular de empresa.
Em sentido semelhante ao acima exposto, vale destacar decisão proferida
pelo STJ ainda no ano de 2013 com relação à aplicação da Súmula n.º 435. Em
tal caso, o tribunal manifestou entendimento de que a não localização da
empresa no endereço fiscal é apenas indício de sua dissolução irregular.56
Porém, esse indício, por si só e independente de qualquer outro elemento, é
insuficiente para o pronto redirecionamento da execução fiscal. Para imputar a
responsabilidade tributária ao sócio ou ao administrador, é devido que haja
prévia apuração das razões pelas quais tal fato ocorreu, bem como é necessária
a comprovação do elemento subjetivo na conduta ilícita deste. Ou seja, o STJ,
55 PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. Dordrecht: Springer, 2009, p. 133 e ss.
56 STJ, AgRg no Resp n.º 16.808/GO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe
28.02.2013.
28
nessa decisão, mesmo diante do enunciado da Súmula 435, decidiu vedar o
redirecionamento da cobrança fiscal, em vista de que a dissolução irregular para
fins de desconsideração da personalidade jurídica pressupõe abuso de
personalidade jurídica. E este abuso não pode ser presumido, mas, isto sim,
deve ser provado. Com o advento do novo CPC, essa prova dever ser produzida
no bojo do IDPJ.
d.2) Quanto à Súmula n.º 430 do STJ:
Cumpre realçar que a aplicação do IDPJ nas execuções fiscais não visa
a tutelar apenas os interesses do particular. Tal incidente pode e deve ser
utilizado igualmente para proteger o direito do poder público à arrecadação do
crédito tributário. Veja-se, nesse aspecto, a seguinte situação: como visto
anteriormente, a Súmula n.º 430 do STJ, de um lado, veda o redirecionamento
da execução fiscal ao sócio-gerente em casos de mero inadimplemento da
obrigação tributária por parte da pessoa jurídica. Isso porque o não pagamento
do tributo não gera, “por si só”, a responsabilidade tributária estabelecida pelo
art. 135, III, do CTN. É sabido, de outro lado, que algumas empresas
deliberadamente deixam de pagar os tributos a que, em face da operação das
suas atividades econômicas, estariam sujeitas. Elas exercem seus negócios,
praticam fatos geradores tributários, declaram o tributo devido ao Fisco, mas não
recolhem aos cofres públicos esse tributo. E o fazem deliberadamente.
Repetidamente.
Assim agindo, em tese, os administradores dessas empresas não
estariam praticando infração dolosa de lei, haja vista o enunciado da Súmula n.º
430, do STJ. Seus casos seriam enquadrados na situação em que o
inadimplemento da obrigação tributária não gera, “por si só”, a responsabilidade
do art. 135, III, do CTN. Ocorre, contudo, que, com o advento do IDPJ, caberia
ao Fisco requerer a instauração do aludido incidente em tais situações. Isso para
examinar se o inadimplemento contumaz da obrigação tributária não está
acompanhado de outros elementos que possam vir a possibilitar a aplicação da
regra baseada no art. 135, III, do CTN. Vale dizer, o IDPJ possibilita ao poder
público a produção de eventual prova capaz de afastar a aplicação da Súmula
n.º 430 do STJ nos casos em que, em tese, ela seria aplicável. Pode o Fisco, por
meio do IDPJ, provar, por exemplo, que, em certa situação, não se verifica o
inadimplemento da obrigação tributária “por si só”, mas, isto sim, um
descumprimento dessa obrigação acompanhado de outros eventos capazes de
demonstrar o abuso de personalidade jurídica. Em tais hipóteses, como se disse,
a instauração do incidente possibilitaria tutelar o interesse do Erário e, sendo
assim, propiciaria a aplicação do Direito de tal sorte a promover justiça no caso
concreto.
29
As decisões judiciais que afastam o IDPJ das execuções fiscais parecem
pressupor, implicitamente, quanto às razões de decidir, a ideia de supremacia
do interesse público em face do interesse do particular. Essas decisões não
negam que a criação do IDPJ visa a promover mais intensamente a ampla
defesa e o contraditório. Elas não negam, igualmente, que a instauração do
referido incidente seria, em tese, meio capaz de oportunizar a proteção da
liberdade e da propriedade do sujeito passivo da obrigação tributária. O que as
mencionadas decisões acabam conjecturando em alguns dos seus pontos, isto
sim, é que, na realidade, no caso do IDPJ, haveria uma relação de prevalência
do interesse do Erário perante a possível ampliação do direito de defesa do
particular por meio do IDPJ. Ao invocar, por exemplo, argumentos relacionados
à celeridade na cobrança do crédito tributário, essa ideia de supremacia parece
ficar clara. A arrecadação das receitas públicas tributárias deveria ocorrer do
modo mais rápido possível. Dever-se-ia dar preferência à promoção dessa
finalidade. Em razão de tal dever de celeridade, não se poderia admitir, como se
disse acima, a instauração de um incidente que retardasse o andamento do
processo de execução.
57ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15.
ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 101 e 129.
30
caso do IDPJ. Veja-se que, ao criar referido incidente, o legislador decidiu
priorizar a promoção da ampla defesa e do contraditório em face de outras
finalidades públicas, tais como a célere arrecadação das receitas tributárias. Foi
exatamente nesse sentido que o CPC estabeleceu, expressamente, que o
aludido procedimento é aplicável à execução fundada em título executivo
extrajudicial (art.134, caput do CPC), como o é a execução fiscal.
31
constitucionais. O art. 150 previu as referidas limitações “sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte”. Ou seja, o subsistema tributário
(externo) foi conectado explicitamente aos princípios fundamentais, como o do
Estado de Direito e o da Dignidade Humana (art. 1.º, caput e inciso III). Mas não
apenas a eles. Foi conectado, também, aos direitos e garantias fundamentais,
tais como a liberdade, a propriedade, o devido processo legal, a ampla defesa e
o contraditório.
Os limites estabelecidos a partir desses direitos e dessas garantias
fundamentais condicionam a atuação estatal no campo tributário. Quer dizer, o
exercício do poder de tributar só é juridicamente válido se for harmonizado com
o dever de preservação de tais direitos e garantias. Juntamente com os demais
princípios fundamentais, as normas jurídicas baseadas no art. 5.º, da CF/88,
compõem o sistema tributário denominado de “interno”. Trata-se de um grupo de
normas que, embora não sejam reconduzidas aos dispositivos do Sistema
Tributário Nacional (externo), são aplicáveis, direta ou indiretamente, às relações
obrigacionais tributárias.59
32
se, a esse respeito, que, não bastasse o abrangente rol de direitos e garantias
individuais do cidadão enunciados no art. 5.º, do qual já se deduzem princípios
jurídicos como a legalidade, a igualdade e a segurança jurídica, todos aplicáveis
em qualquer campo da disciplina jurídica, o legislador constitucional foi enfático
no âmbito tributário. Além de criar direitos “adicionais”, como, por exemplo, os
que se referem à imunidade tributária, a CF/88 repetiu e especificou, no art. 150,
algumas garantias já estabelecidas a partir do art. 5º. Esse é, por exemplo, o
caso, como dito, da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica. Trata-se
de princípios cujos fundamentos textuais constam do rol do art. 5º. Inobstante a
isso, no art. 150 eles foram reiterados e tiveram seu conteúdo pormenorizado
em matéria tributária. Houve, nitidamente, um reforço de proteção pela
reiteração e especificação de garantias. Ou, como destaca Borges, foi
estabelecido, no campo Tributário, um adensamento do conteúdo de princípios
fundamentais.60
33
Dentre os possíveis significados a serem estipulados ao texto legal, o intérprete
deve escolher aquele que mais promova os estados de coisas visados pela
liberdade, propriedade, ampla defesa e pelo contraditório.63 Ao decidirem sobre
aplicar ou não determinada regra jurídica em certa situação, como é o caso sobre
instaurar o IDPJ no processo tributário, os julgadores devem adotar a solução
mais compatível com o conteúdo desses princípios constitucionais.
Nesse contexto, os princípios jurídicos da liberdade, da propriedade, da
ampla defesa e do contraditório cumprem função argumentativa. E, por serem
fundamentais, eles atribuem um peso maior às regras que os concretizam (como
são as regras do IDPJ). Consequentemente, atribuem um peso maior aos
argumentos que suportam conclusões compatíveis com o seu conteúdo. A
recondução de tais argumentos aos direitos e às garantias fundamentais cria um
relacionamento unidirecional e coerente entre eles.64 Ou seja, cria-se um
alinhamento entre os argumentos em direção às finalidades de tais princípios
jurídicos.65 E, sendo assim, faz-se com que a balança mencionada no início
deste ponto penda em favor do contribuinte, vale dizer, faz com que se aplique
o referido incidente às execuções fiscais.
O que parece ficar claro é que há, de acordo com o texto constitucional,
uma espécie de “regra argumentativa” que determina a preferência em favor da
instauração do IDPJ no campo tributário. Segundo essa regra, havendo dúvida
quanto a aplicar ou não o IDPJ ao processo tributário, deve-se optar por soluções
que mais protejam a liberdade, a propriedade, a ampla defesa e o contraditório.
Isso em face das finalidades estatais que, supostamente, afastariam a aplicação
do aludido incidente nas execuções fiscais.
Essas considerações também conduzem à conclusão, de acordo com o
que afirmou Wróblewski, que, no âmbito das decisões judiciais, as regras de
argumentação não servem apenas para dirigir formalmente o trabalho do
intérprete. Mais do que isso, elas se destinam a fixar os valores que a
interpretação e que as decisões devem implementar.66 Cria-se, com elas, uma
“ideologia/teoria da interpretação”. Isto é, um grupo de regras coerentes por meio
das quais são adotadas soluções jurídicas em vista de certas finalidades
constitucionalmente protegidas. A “teoria da interpretação” privilegiada pela
CF/88 no campo tributário, relativamente ao assunto envolvendo o IDPJ, parece
ser clara: cuida-se da “teoria” cujo critério fundamental para tomada de decisões
é a proteção e a promoção dos direitos de liberdade e de propriedade e das
garantias da ampla defesa e do contraditório. Vale dizer, a partir desses
fundamentos extraídos do ordenamento jurídico, conforme acima exposto, fica
evidente que o IDPJ é uma garantia que visa a tutelar a liberdade e a propriedade
63 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15.
ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 123-125.
64 PECZENIK, Aleksander. Scientia Juris: legal doctrine as knowledge of law and as a source of
2011, p. 54 et seq.
66 WRÓBLEWSKI, Jerzy. The Judicial Aplication of Law. Dorderecht: Kluwer, 1992, p. 96.
34
do indivíduo e que, sendo assim, deve ser aplicado às execuções fiscais. Foi
exatamente por essas razões que o legislador criou referido incidente e
determinou fosse aplicável às execuções fundadas em título executivo
extrajudicial, como o é a execução fiscal.
Por tudo o que se disse, é forçoso aqui concluir o seguinte: se se admite aplicar
referido incidente nos casos de responsabilidade do sócio ou administrador
quanto às obrigações civis, com muito mais razão ainda se deve admitir sua
instauração no campo das obrigações tributárias, haja vista o reforço de tutela
do particular estabelecido pela CF/88. Além disso, ainda que se desconsidere
tudo o que foi dito acima e que, assim, se entenda que o interesse arrecadatório
do Erário deve prevalecer em face dos direitos fundamentais do contribuinte, não
há razão para a não aplicação do IDPJ. Isso porque, conforme exposto no tópico
anterior (d.2), o IDPJ também poderá ser utilizado para tutelar o interesse do
próprio Fisco.
CONCLUSÕES
Com base em todas as considerações acima expostas, é possível
formular as seguintes conclusões:
1. As regras jurídicas baseadas nos arts. 133 a 137, do CPC, que
instituíram e que regulam o IDPJ, visaram a preencher lacuna
normativa que existia com relação ao procedimento para atribuição
judicial, em execuções fiscais pendentes, de responsabilidade
tributária baseada no art. 135, III, do CTN, aos sócios administradores
de empresas por dívidas destas;
2. O Superior Tribunal de Justiça reconhece, no contexto do Sistema
Jurídico brasileiro, a existência de um subsistema processual
tributário, com base no qual as lacunas porventura existentes no
âmbito da LEF são colmatadas por normas jurídicas fundamentadas
no CPC. Esse preenchimento de lacunas no âmbito processual
tributário já foi adotado, pelo tribunal, no caso envolvendo o efeito
suspensivo dos embargos à execução fiscal. Por essa razão,
considerando os deveres impostos pelo art. 926, do CPC, mais
precisamente quanto à coerência e à integridade do Direito, cumpre
ao STJ, no caso do IDPJ, reconhecer a aplicação deste às execuções
fiscais;
3. Não há incompatibilidade entre o rito da LEF e o procedimento
estabelecido pelo CPC para processamento do IDPJ, mais
precisamente no que se refere à exigência, pela LEF, de prévia
garantia do juízo para que o devedor tenha oportunidade de defesa na
execução fiscal. Garantia do juízo só é exigível de quem é parte da
cobrança tributária e que, sendo assim, deseja discutir o débito. No
caso do IDPJ, o terceiro ao qual o Fisco almeja redirecionar a
execução ainda não é parte desta. Por isso, o IDPJ serve como
35
oportunidade para que esse terceiro discuta não o débito em si, mas,
isto sim, as questões relativamente à sua legitimidade como
responsável tributário.
4. Os procedimentos referentes à defesa do executado na execução
fiscal e ao IDPJ são complementares um ao outro, pois visam a tutelar
o particular em situações diversas.
5. Considerado o “novo” paradigma sincrético no qual está inserido o
direito processual civil brasileiro atual, os enunciados normativos da
LEF devem ser reinterpretados. Isso para que as normas jurídicas
estabelecidas a partir de tais enunciados sejam reconstruídas de
acordo as bases estruturais desse paradigma. Em face do mencionado
paradigma, é correto afirmar que a necessidade de tutela efetiva dos
direitos da propriedade e da liberdade do sócio-gerente ou
administrador da empresa determina que haja uma harmonização
procedimental entre a LEF e o CPC relativamente ao incidente em
exame. Isso para permitir a promoção da ampla defesa e do
contraditório previamente à decisão judicial que implica
redirecionamento da execução fiscal nos casos do art. 135, III, do CTN;
6. A garantia constitucional da duração razoável do processo,
estabelecida a partir do art. 5.º, LXXVIII, da CF/88, impõe a
instauração do IDPJ no âmbito do processo de cobrança tributário. Tal
garantia fundamental, combinada com os direitos de liberdade, de
propriedade e com as garantias da ampla defesa e do contraditório,
determina que o processo dure o tempo necessário à verificação dos
pressupostos que autorizam o redirecionamento da execução fiscal ao
sócio gerente ou ao administrador da pessoa jurídica, nos casos de
aplicação da norma jurídica baseada no art. 135, III, do CTN. Sendo
assim, é correto afirmar que o processamento do IDPJ implica, nesses
casos, dilação devida e razoável, que poderá ser verificada tanto em
favor do contribuinte, quanto em favor do Fisco, esta última nas
hipóteses de aplicação da Súmula 430 do STJ.
7. Não há diferença juridicamente relevante entre a responsabilidade do
sócio ou administrador baseada no art. 50, do CCB, no art. 28 do
Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), no art. 4.º da Lei
de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98) e no art. 34 da Lei Antitruste
(Lei n.º 12.529/2011) e a responsabilidade tributária fundamentada no
art. 135, III, do CTN, capaz de determinar a não aplicação do IDPJ no
âmbito da execução fiscal.
8. Seja no âmbito do Direito Civil, do Direito concorrencial, do consumidor
e ambiental, seja quanto ao Direito Tributário, a imputação judicial de
responsabilidade ao sócio-gerente ou administrador por débitos da
empresa implica extensão dos efeitos das obrigações desta aos bens
particulares do referido sócio. Há, nessas situações, relativização da
autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Nesse sentido, a expressão
36
“desconsideração da personalidade jurídica” deve ser entendida como
relativização da autonomia patrimonial da empresa em favor da
extensão dos efeitos de suas obrigações aos seus sócios gerentes ou
administradores.
9. Os casos de redirecionamento da execução fiscal baseados na norma
jurídica referida ao art. 135, III, do CTN, devem ser enquadrados no
conceito de desconsideração da personalidade jurídica, sendo este
concebido no sentido exposto no item 8 supra.
10. A Súmula 435 do STJ deve ser revogada, seja em face da criação,
pelo CPC, do IDPJ, o qual passou a regular o procedimento para
apuração real, não presumida de dissolução irregular da empresa, seja
em face da hodierna definição judicial, oriunda do direito privado, de
dissolução irregular para fins de desconsideração da personalidade
jurídica. Essa nova definição de instituto típico de direito privado exige
a demonstração e a comprovação, por parte do credor, do abuso de
personalidade jurídica havido pelo responsável e, por força do art. 109
do CTN e do postulado da coerência, deve ser aplicada ao Direito
Tributário, precisamente nos casos regulados pelo art. 135, III, do
CTN.
11. O CPC, a partir do disposto no art. 134, caput, determinou,
expressamente, a aplicação do IDPJ às execuções fundadas em título
executivo extrajudicial, hipótese na qual está enquadrada a execução
fiscal. Esse enunciado normativo, combinado com o texto do art. 1.º
da LEF, fundamentam a existência de regra jurídica que impõe a
instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica nos casos do redirecionamento da execução fiscal baseado no
art. 135, III, do CTN. Por ser regra jurídica, a aplicação de tal norma é
devida independentemente da necessidade de ponderação entre os
direitos e garantias individuais que a fundamentam, de um lado, e o
interesse do poder público na célere arrecadação das receitas
tributárias, de outro lado.
12. As regras jurídicas que regulam o IDPJ são justificadas pelos
princípios constitucionais da liberdade, da propriedade, do devido
processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Tais regras,
portanto, devem ter seu conteúdo definido e devem ser aplicadas no
contexto do Sistema Constitucional Tributário, de acordo com o qual a
proteção do particular em face dos efeitos das normas tributárias é
reforçada. Sendo assim, ainda que, por hipótese, sejam invocadas
razões relacionadas ao interesse público para fins de afastar a
aplicação do IDPJ das execuções fiscais, é certo que o peso das
razões em favor da aplicação de tal incidente no campo tributário é
maior.
13. IDPJ pode até vir a não ser aplicado nos casos de atribuição judicial
de responsabilidade tributária do sócio-gerente baseada no art. 135,
37
III, do CTN. Contudo, pelo que se viu no presente artigo, é preciso que
sejam apresentadas outras razões para suportar essa não aplicação.
As razões até então apresentadas, decididamente, não se sustentam.
Referências bibliográficas
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Saraiva, 2012.
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