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IDPJ: POR QUE APLICÁ-LO AOS CASOS DE REDIRECIONAMENTO DA

EXECUÇÃO FISCAL BASEADOS NO ART. 135, III, DO CTN?

Cassiano Menke
Doutor e Mestre em Direito Tributário pela UFRGS, professor do curso de Especialização
em Direito Tributário do PUCRS-IET, professor de Direito Tributário na Fundação do
Ministério Público do RS e advogado, Rio Grande do Sul
E-mail: menke@advmmm.com.br.

Louise Lerina
Graduada com Láurea Acadêmica em Direito pela PUCRS, especializanda em Direito
Tributário pela PUCRS-IET e advogada, Rio Grande do Sul
E-mail: louiselerina@advmmm.com.br.

Resumo

O presente artigo visa a demonstrar que o incidente de desconsideração da


personalidade jurídica, criado e regulado pelo CPC, deve ser, em regra, aplicado
aos casos de imputação judicial de responsabilidade tributária do sócio-gerente
ou administrador baseada no art. 135, III, do CTN. Isso diferentemente do que
vêm decidindo grande parte dos tribunais federais e estaduais do nosso país. Na
maior parte dessas decisões judiciais se constata o entendimento de que o rito
processual do IDPJ seria incompatível com o procedimento estabelecido pela
LEF. Além disso, haveria diferença entre os casos de responsabilidade do sócio-
gerente ou administrador regulados pelo art. 50, do CCB, e aqueles regrados
pelo art. 135, III, do CTN. Essa diferença determinaria a aplicação do aludido
incidente apenas no âmbito do Direito Civil. Contudo, esses argumentos não são
capazes de afastar o IDPJ dos mencionados casos de atribuição judicial de
responsabilidade tributária do sócio-gerente ou administrador. O CPC de 2015,
com a criação do IDPJ, preencheu lacuna normativa até então existente na LEF
no que se refere ao procedimento para atribuição da aludida responsabilidade.
O IDPJ veio para ser aplicado às execuções fiscais. Nesse sentido, em face da
ideia de processo civil orientado à efetiva tutela dos direitos fundamentais, deve
haver harmonização entre os procedimentos do IDPJ e da LEF para fins dessa
aplicação, tendo em vista a inexistência de incompatibilidade entre ambos ritos
processuais. E mais: esse incidente regula não só os casos de responsabilidade
do administrador fundamentados nos artigos 50 do CCB, 28 do CDC, 4º da Lei
de Crimes Ambientais e 34 da Lei Antitruste, como também aqueles
fundamentados no art. 135, III, do CTN, haja vista a identidade de consequências
entre essas situações.

Palavras-chave: Incidente de desconsideração da personalidade jurídica –


atribuição judicial de responsabilidade tributária - aplicação

1
Abstract

Keywords

Sumário: INTRODUÇÃO. I- DAS RAZÕES PARA NÃO APLICAÇÃO DO IDPJ


AOS CASOS DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL BASEADO
NO ART. 135, III, DO CTN. II – DA APLICABILIDADE DO IDPJ AOS CASOS DE
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS-GERENTES
FUNDAMENTADA NO ART. 135, III, DO CTN – A) A lacuna normativa na LEF e
o seu preenchimento pelo CPC de 2015; B) Ausência de incompatibilidade
procedimental entre a LEF e o CPC no que se refere ao IDPJ; C) A eficácia dos
direitos e das garantias fundamentais e a aplicação do IDPJ às execuções
fiscais; D) O redirecionamento da execução fiscal ao sócio-gerente (art. 135, III,
do CTN) e a desconsideração da personalidade jurídica. CONCLUSÕES.
Referências bibliográficas

INTRODUÇÃO

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) é uma


das mais relevantes inovações da lei instrumental civil vigente no que se refere
à promoção do contraditório e da ampla defesa. Visa a tutelar, dentre outros, os
direitos do sócio e do administrador de pessoa jurídica aos quais o Fisco objetiva,
no curso de execução fiscal pendente, imputar responsabilidade tributária quanto
aos débitos próprios dessa pessoa jurídica. Com o IDPJ, quer-se garantir ao
sócio e ao administrador acima mencionados o direito de se defenderem antes
de sua eventual inclusão no polo passivo da execução tributária. Quer-se, assim,
assegurar a eles o direito de defesa antes de ocorrer o chamado
redirecionamento da execução fiscal. Antes, portanto, da prática de atos
processuais restritivos do seu patrimônio.

O IDPJ foi regulado a partir dos enunciados normativos dos arts. 133 a 137
do Código de Processo Civil (CPC). Em matéria de execuções fiscais, a
aplicação do referido incidente encontra amparo no art. 1º, da Lei nº. 6.830, de
1980. Segundo tal dispositivo legal, as execuções judiciais para a cobrança da
dívida fazendária são regidas subsidiariamente pelo CPC. Inexistindo, na LEF,
disposição normativa com base na qual seja possível regular eventos
juridicamente relevantes que ocorrem no processo fiscal, é devida a aplicação
do CPC. A inclusão de terceiro no polo passivo da ação de execução pendente
é uma dessas hipóteses de eventos juridicamente relevantes. Quanto a ela, não
há, na LEF, disposição destinada à regulá-la. Logo, deve ser aplicado o CPC
nesse caso. E, sendo assim, impõe-se a instauração do IDPJ.

2
Contudo, em que pese essas ligeiras considerações preliminares, o Poder
Judiciário e seus agentes, em sua maioria, têm se manifestado em sentido
contrário ao acima exposto, conforme é demonstrado adiante.

Em face disso, surgem algumas indagações da mais alta relevância para a


análise do sentido prático desse instituto: É ou não aplicável o IDPJ no âmbito
das execuções fiscais nas hipóteses normativas fundamentadas no artigo 135,
III, do Código Tributário Nacional (CTN)? Haveria, realmente, conforme
apregoam certas decisões judiciais, incompatibilidade entre o procedimento
estabelecido pelo CPC para tramitação do IDPJ e o procedimento definido pela
LEF nos casos acima referidos (art. 135, III, do CTN)? A existência da súmula
n.º 435, do STJ, que criou presunção em matéria de dissolução irregular de
empresa e, com isso, de responsabilidade tributária aos sócios gerentes, seria
razão suficiente para afastar a aplicação do IDPJ em tais casos (de dissolução
irregular de pessoa jurídica)? Seria o aludido incidente processual aplicável
apenas aos casos de responsabilidade patrimonial dos sócios da empresa no
âmbito das obrigações civis? Ainda: a falta de referência textual direta, pelo art.
135, III, do CTN, à desconsideração da personalidade jurídica para fins de
responsabilidade tributária afastaria, por si só, a aplicação do IDPJ no âmbito
das execuções fiscais?

A resposta a essas e a outras questões a elas relacionadas constituem o


objetivo do presente artigo. Com ele, pretende-se demonstrar que o IDPJ deve,
sim, em geral, ser aplicado no âmbito do processo de execução fiscal. Isso para
que se apure, anteriormente à eventual constrição patrimonial, a presença ou
não das hipóteses estabelecidas a partir do art. 135, III, do CTN no que se refere
à reponsabilidade tributária dos sócios das pessoas jurídicas. Há razões de
sobra para tanto.

A fim de demonstrar tais razões, o plano de trabalho contém duas partes.

Na primeira, são apresentadas pormenorizadamente as razões pelas quais


boa parte das decisões do Poder Judiciário tem rejeitado a aplicação do IDPJ
nas cobranças judiciais da dívida ativa tributária. Quanto a essas decisões, foram
selecionados, de um lado, no âmbito dos Tribunais Federais das cinco regiões,
casos nos quais foi afastada a aplicação do IDPJ. Com relação aos Tribunais
Estaduais, por outro lado, a pesquisa restringiu-se às Cortes consideradas, pelo
Conselho Nacional de Justiça, como de grande porte.1

Na segunda parte do presente trabalho, o texto se volta à apresentação


das razões segundo as quais os argumentos dessa boa parte das aludidas
decisões judiciais não se sustentam. Isso em face das normas jurídicas

1São considerados, pelo CNJ, como tribunais de grande porte as seguintes Cortes: TJ/RJ,
TJ/SP, TJ/RS, TJ/MG e TJ/PR. Vide: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-
de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao/justica-estadual

3
construídas a partir da Constituição Federal de 1988 e a partir da legislação
infraconstitucional, especialmente da LEF, do CTN e do Código Civil brasileiro
(CCB).

I – DAS RAZÕES PARA NÃO APLICAÇÃO DO IDPJ AOS CASOS DE


REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL BASEADO NO ART. 135, III,
DO CTN

A maior parte das decisões proferidas pelos Tribunais Federais e pelos


Tribunais estaduais objeto da presente pesquisa tem sido contrárias à aplicação
do IDPJ no âmbito das Execuções Fiscais. As razões que embasam tal
entendimento podem ser resumidas nos seguintes termos:

(a) Incompatibilidade do procedimento do IDPJ com o rito processual


da LEF (Lei n.º 6.830, de 1980); e
(b) Existência de diferença entre a responsabilidade do sócio-gerente
ou do administrador baseada no CTN (artigo 135, III) e a
fundamentada no CCB (artigo 50), no art. 28 do Código de Defesa
do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), no art. 4.º da Lei de Crimes
Ambientais (Lei n.º 9.605/98) e no art. 34 da Lei Antitruste (Lei n.º
12.529/2011)2, de tal sorte que só haveria, a rigor,
desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses
descritas nas leis que não a tributária.

Com relação à primeira razão, sustenta-se que haveria uma


incompatibilidade entre o rito processual definido pela LEF e o rito estabelecido
pelo Código de Processo Civil para fins de apuração da responsabilidade do
sócio-gerente ou do administrador da pessoa jurídica por atos cometidos durante
a sua gestão. Conforme esse posicionamento, a referida incompatibilidade
consistiria no seguinte: instaurado o IDPJ, o processo de execução seria, em
regra, suspenso sem a garantia do juízo, diferentemente do disposto na LEF,
cujas normas nela baseadas exigem a referida garantia para que o sócio
executado possa promover sua defesa3. Ademais, sustenta-se que a
inaplicabilidade do IDPJ no âmbito das execuções fiscais não prejudicaria a
ampla defesa e o contraditório..4 Isso porque tais garantias fundamentais podem
ser asseguradas por meio dos embargos à execução5.

2TRF4, AG 5030662-48.2016.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relatora CLÁUDIA MARIA DADICO, juntado aos autos em
24/08/2016.
3 TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 588441 - 0017374-
48.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em
06/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/06/2017;
TJPR - 3ª C.Cível - AI - 1580160-6 - Cianorte - Rel.: Sérgio Roberto N Rolanski - Unânime - J.
04.04.2017.
4 Agravo de Instrumento Nº 70075721993, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 30/10/2017.


5 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5022098-80.2016.4.04.0000/RS.

4
Nesse sentido, haveria incompatibilidade procedimental, segundo referidas
decisões, ainda que o pedido de redirecionamento da execução fiscal fosse
baseado nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica do art. 50,
do CCB. Em tais situações, mesmo que se considerasse a existência de lacuna
normativa na LEF quanto ao procedimento para imputação judicial de
responsabilidade tributária, os problemas relativamente à discrepância entre os
ritos procedimentais acima destacados persistiriam11 .6 E o IDPJ não deveria,
por isso, ser instaurado no campo tributário.

Além disso, argumenta-se que o mencionado incidente seria incompatível


com a sistemática célere preconizada pela LEF em relação aos processos de
execução fiscal, os quais representam cerca de 30% do número de demandas
judiciais em tramitação no Brasil7. A alegada ofensa à celeridade se deveria ao
fato de que se teria, antes mesmo dos embargos à execução e sem prejuízo a
eles, a instauração do IDPJ. O processamento do incidente causaria, assim, o
retardamento da cobrança fiscal. Em face desse fundamento, a Escola Nacional
de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) aprovou, no
seminário nacional intitulado de “O Poder Judiciário e o Novo CPC”, o enunciado
n.º 53, que assim dispõe: “O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-
gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
previsto no artigo 133 do CPC/2015”. Registre-se que o referido enunciado vem
sendo utilizado pelos tribunais como fundamento para suas decisões. 8

E mais, há decisões dos Tribunais Federais que sustentam o seguinte:


ainda que se entendesse pela compatibilidade do IDPJ com o rito de tramitação
das execuções fiscais, a instauração do incidente prejudicaria o Erário
relativamente ao prazo prescricional para cobrança do crédito tributário. É que o
IDPJ, embora suspenda o curso da execução, não suspenderia a prescrição e a
exigibilidade do crédito tributário9. Sendo assim, de um lado, haveria contagem
do prazo prescricional em desfavor do Fisco, sem que, de outro lado, o poder
público pudesse promover a cobrança executiva.

6 TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 584088 - 0012087-


07.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA RIBEIRO, julgado em
08/11/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/11/2016.
7https://www.youtube.com/watch?v=rM3ckfgbOFc&list=PLHvsuDTAmOfNsMJwAuwmRnsmCM

FuK1YUk&index=1 – 2h32min
8 TJSP; Agravo de Instrumento 2129103-36.2017.8.26.0000; Relator (a): Geraldo Xavier; Órgão

Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Espírito Santo do Pinhal - 2ª Vara; Data do
Julgamento: 19/10/2017; Data de Registro: 26/10/2017;
TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70075240028, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 25/10/2017;
TJPR - 1ª C.Cível - AI - 1642067-8 - Terra Roxa - Rel.: Rubens Oliveira Fontoura - Por maioria
- J. 27.06.2017.
9 TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 584088 - 0012087-

07.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA RIBEIRO, julgado em


08/11/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/11/2016);
TJRJ: AI n.º 0054947-09.2017.8.19.0000, Décima Câmara Cível, Rel. Des. Pedro Saraiva de
Andrade Lemos, Julgamento em 28.09.2017.

5
A segunda razão para a inaplicabilidade do IDPJ nas execuções fiscais está
relacionada à diferença supostamente existente entre a responsabilidade do
sócio-gerente ou do administrador baseada no art. 135, III, do CTN, e aquela
disposta pelo artigo 50, do CCB.10 Há decisões que afirmam que o IDPJ “foi
criado para regular a hipótese prevista no artigo 50 do Código Civil.”11 Diversas
dessas decisões dos Tribunais têm sustentado que, nos casos de
responsabilidade tributária, bastaria verificar a presença dos requisitos
estabelecidos pelo CTN para que houvesse o redirecionamento da execução.
Para tanto, porém, não seria necessário desconsiderar a personalidade
jurídica12. Isso visto que, segundo tais decisões, a mencionada responsabilidade
seria pessoal. Ela decorreria da qualidade de sócio administrador da empresa e
geraria situação legal e processual de redirecionamento, a significar sujeição
passiva tributária, nos termos do art. 121, II, do CTN13. Por outro lado, nos casos
de responsabilidade civil, o dever seria patrimonial e não pessoal. Os bens
particulares de determinados administradores e sócios da pessoa jurídica
passariam a responder por dívida desta em face de certas circunstâncias
fundamentadas na regra de direito societário previstas no art. 50, do CCB14.

Por essa razão, segundo tal posicionamento, que, no art. 4.º da LEF, o
responsável tributário seria arrolado como legitimado passivo e que, no art. 790,
do CPC, haveria distinção entre a responsabilidade patrimonial do sócio e os
casos de responsabilidade patrimonial em razão de desconsideração da
personalidade jurídica15.

Tais argumentos levaram, inclusive, alguns Tribunais Federais a editarem


súmulas ou a criarem enunciados nesse sentido.

Veja-se que o Tribunal Federal da 2ª Região emitiu o enunciado de n.º 6,


aprovado pelo Fórum de Execuções Fiscais da Segunda Região (Forexec),
edição 2015, que assim dispõe: "a responsabilidade tributária regulada no artigo
135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade
jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no artigo 133 do CPC/2015”.16

10 TJPR - 3ª C.Cível - AI - 1627382-4 - Guarapuava - Rel.: Osvaldo Nallim Duarte - Unânime -


J. 30.05.2017.
11 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5026989-47.2016.4.04.0000/PR, p. 2.
12 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5026989-47.2016.4.04.0000/PR. AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 5022099-65.2016.4.04.0000/RS.
13 AI 00121304120164030000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 -

TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2016.


14 AI 00121304120164030000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 -

TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2016. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº


5022099-65.2016.4.04.0000/RS.
15 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5026989-47.2016.4.04.0000/PR
16 Vide decisão do TJPR na qual o referido enunciado é utilizado como razão de decidir: TJPR -

1ª C.Cível - AI - 1642067-8 - Terra Roxa - Rel.: Rubens Oliveira Fontoura - Por maioria - J.
27.06.2017.

6
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua vez, editou a Súmula
112, segundo a qual: “A responsabilização dos sócios fundada na dissolução
irregular da pessoa jurídica (art. 135 do CTN) prescinde de decretação da
desconsideração de personalidade jurídica da empresa e, por conseguinte,
inaplicável o incidente processual previsto nos arts. 133 a 137 do CPC/15”. Em
tal Súmula, há a seguinte peculiaridade que merece destaque: além da suposta
diferença acima apontada entre a responsabilidade do sócio administrador em
face do CTN e do CCB, os precedentes que originaram tal enunciado sumular
realçam que, nos termos da Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça17, seria
legítimo o imediato redirecionamento da execução fiscal para o sócio
administrador nos casos em que a empresa não é encontrada em seu domicílio
fiscal. Isso porque, nessas hipóteses, haveria uma presunção de dissolução
irregular. Logo, com fundamento na referida Súmula do STJ, não haveria falar
em aplicação do IDPJ, pois a presunção de dissolução irregular, por si só,
autorizaria o imediato redirecionamento da execução fiscal ao sócio
administrador. Bastaria, para tanto, por exemplo, mera certidão do oficial de
justiça informando que a empresa não mais funciona em seu domicílio fiscal18.

Nesse mesmo sentido, o II Fórum Nacional de Execuções Fiscais (FONEF)


editou o enunciado n.º 20, segundo o qual “o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, previsto no art. 133 do NCPC, não se aplica aos casos
em que há pedido de inclusão de terceiros no polo passivo da execução fiscal
de créditos tributários, com fundamento no art. 135 do CTN, desde que
configurada a dissolução irregular da executada, nos termos da Súmula 435 do
STJ”19.

Diante da demonstração sintetizada do posicionamento dos Tribunais


Regionais Federais e pelos tribunais estaduais que entendem pela
inaplicabilidade do IDPJ nas execuções fiscais, passa-se então a apresentar os
argumentos contrários às referidas razões.

II – DA APLICABILIDADE DO IDPJ AOS CASOS DE RESPONSABILIDADE


TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS ADMINISTRADORES – art. 135, III, do CTN

Há, pelos menos, cinco grupos de razões cuja consideração permite


constatar que os argumentos utilizados para afastar o IDPJ do âmbito das

17 Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar
no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o
redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
18 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5026989-47.2016.4.04.0000/PR;

TJPR - 2ª C.Cível - AI - 1594240-8 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Central de Londrina


- Rel.: Guimarães da Costa - Unânime - J. 25.04.2017.
TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0386.05.001134-8/001, Relator(a): Des.(a) Adriano de
Mesquita Carneiro (JD Convocado), 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/05/2017, publicação
da súmula em 04/07/2017.
19 http://www.ajufe.org/fonef/enunciados-fonef/191-enunciados-ii-fonef, acesso em 07.03.2018,

16h50min.

7
execuções fiscais não se sustentam. Passa-se, agora, a alinhar as referidas
razões, uma a uma, para, no final, apresentar a síntese conclusiva nelas
apoiada.

A) A lacuna normativa na LEF e o seu preenchimento pelo CPC de 2015

Até o advento do novo CPC, não havia disposição no âmbito da legislação


processual (inclusive da LEF) visando a regular o procedimento a ser seguido
para atribuição judicial de responsabilidade tributária a terceiros nos casos do
chamado “redirecionamento” da execução fiscal. Não havia, a rigor, norma
jurídica nesse sentido. Existia, pode-se assim dizer, uma espécie de lacuna, mais
precisamente, uma lacuna normativa, conforme passa a ser aqui demonstrado.

Com relação ao assunto envolvendo as lacunas em matéria jurídica, é


preciso, inicialmente, lembrar do seguinte: trata-se de tema amplo, repleto de
posicionamentos doutrinários a respeito da sua definição e de suas espécies,
sabe-se disso.20 Não se pretende, aqui, evidentemente, investigá-lo por inteiro.
Não há “espaço” para tanto. E o presente trabalho nem tem esse propósito.
Todavia, ainda assim, cumpre destacar definição de certo modo consensual na
doutrina que aborda o referido tema.

Segundo Guastini, lacuna normativa é verificada sempre que há um caso


concreto para o qual nenhuma norma jurídica do ordenamento preveja
consequência jurídica qualquer.21 Nesse sentido, lacuna normativa envolve
situações nas quais, em certo sistema jurídico, falta uma norma que deveria
existir para regular questão juridicamente relevante.22 O sistema carece daquilo
que Chiassoni denomina de norma axiologicamente ótima. Isto é, falta a norma
jurídica que, se existente, apresentaria âmbito de aplicação ajustado
especificamente à solução da questão relevante e cuja presença no sistema
jurídico promoveria as finalidades valorativas a ela sub e sobrejacentes.23

A questão jurídica relevante, por sua vez, diz respeito à determinada


situação de reiterada ocorrência concreta. Além disso, se refere a eventos que,
segundo a intenção reguladora do legislador e de acordo com as finalidades a
serem perseguidas pela regulação, deveriam ter sido disciplinados.24 Imagine-
se, por exemplo, no âmbito processual, questão jurídica que se repete na prática
e que implica consideração de eventos diretamente relacionados com a matéria
objeto da regulação. E considere-se, ainda, que a disciplina jurídica dessa
questão é meio adequado e necessário para promover as finalidades ligadas ao

20 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução José Lamego. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 519 e ss.
21 GUASTINI, Ricardo. Il diritto come linguaggio: lezioni. Torino: G. Giappichelli, 2001, p. 155.
22 CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell´interpretazione giuridica. Bologna: Il Mulino, 2007, p. 208.
23 CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell´interpretazione giuridica. Bologna: Il Mulino, 2007, p. 209.
24 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução José Lamego. Lisboa:

Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 526 e 528.

8
devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Nesse caso, referida
questão poderia ser chamada de juridicamente relevante. E, por isso, deveria ser
objeto de disciplina jurídica.

O tema envolvendo o procedimento a ser observado nos casos de


redirecionamento da execução fiscal para a pessoa do sócio-gerente ou
administrador da pessoa jurídica se ajusta à configuração acima apresentada no
que se refere à lacuna normativa. Trata-se de situação não regulada pela
legislação processual. E, de acordo com os critérios acima expostos, pode ser
chamada de juridicamente relevante, conforme se passa a demonstrar.

Em primeiro lugar, é correto afirmar que a atribuição judicial de


responsabilidade tributária aos sócios ou administradores de pessoa jurídica, tal
qual já mencionada, é, como se sabe, situação reiterada na prática forense. Há
muitos casos envolvendo esse tipo de evento. Cuida-se de fato, por assim dizer,
notório, com alto grau de reiteração na rotina judiciária.

Em segundo lugar, é fácil perceber que esses eventos estavam no intuito


regulatório do legislador. Veja-se que a LEF estabeleceu enunciados normativos
visando a regular a execução judicial da dívida ativa do Poder Público. Referida
lei buscou estabelecer o devido processo a ser observado na cobrança do crédito
tributário. Isso para assegurar que a intervenção estatal em face da propriedade
e da liberdade do particular tenha de observar certo procedimento.

Nesse intento regulatório, o legislador fez menção expressa à hipótese de


a cobrança judicial ser proposta originariamente contra os responsáveis
tributários (art. 4º, V). Em outras palavras, a LEF contemplou a hipótese de a
execução fiscal relativamente aos débitos de pessoa jurídica ser ajuizada contra
o sócio-gerente ou administrador desta. Se o nome do aludido sócio ou
administrador constar expressamente da Certidão da Dívida Ativa na qualidade
de devedor, então a cobrança pode ser ajuizada contra ele. Isso desde que
referido sócio tenha participado do procedimento administrativo pelo qual o
crédito tributário foi constituído e desde que, nesse procedimento, lhe tenham
sido assegurados a ampla defesa e o contraditório. A LEF regulou essa hipótese
de legitimação passiva originária.

Contudo, a lei especial não estabeleceu o procedimento a ser seguido nos


casos em que referida reponsabilidade tributária é definida supervenientemente
ao início da cobrança judicial. Vale dizer, a lei foi omissa quanto às hipóteses em
que há o denominado “redirecionamento” da execução fiscal baseado no art.
135, III, do CTN. Nessas situações, o nome do responsável tributário não consta
da CDA. Ainda assim, ele é chamado a responder por dívida da pessoa jurídica
no curso do processo de execução. Este terceiro é incluído no processo para,
somente após essa inclusão, poder apresentar sua defesa. Para tais casos,
tampouco o CPC de 1973 apresentava disposições normativas com base nas
quais seria possível regrá-los.
9
Essas considerações revelam que, de um lado, a legislação instrumental
especial tratou da legitimidade passiva processual originária do responsável
tributário. Mas, de outra sorte, “faltou” dispor exatamente quanto à hipótese da
legitimação passiva superveniente no processo de execução fiscal. Quer dizer,
faltou regular assunto que estava, como se vê, compreendido no campo das
matérias tratadas pelo legislador.

Em terceiro lugar, é inequívoco que, além da reiteração do caso na prática


e do aludido intuito regulatório acima mencionados, referida omissão do
legislador prejudicou e ainda prejudica a realização mais intensa dos estados de
coisas visados por princípios jurídicos constitucionais.

A falta de regulação jurídica da questão aqui examinada restringe, por


exemplo, o exercício da ampla defesa pelo sócio-gerente ou administrador. Isso
porque, diferentemente dos casos em que o nome dele consta originariamente
da CDA, em que lhe é assegurado o direito à ampla defesa na fase administrativa
de constituição do crédito tributário, o sistema jurídico, sem o IDPJ, não
estabelece ao indivíduo meios para a adequada tutela do patrimônio do
particular. Em geral, no caso de redirecionamento da execução fiscal, o
responsável tributário só pode se defender e fazer ampla produção de provas
depois da penhora dos seus bens. Na referida hipótese, a obrigação tributária do
sócio-gerente ou do administrador é constituída por decisão judicial e sem que
lhes seja garantido o direito à defesa prévia, como seria devido nessas situações,
caso se tratasse de constituição administrativa do crédito.

A falta de regulação acima mencionada restringe igualmente a garantia do


contraditório. Isso porque deixa de dispor ao particular a oportunidade de que
este, não sendo, originariamente, réu do processo de execução fiscal, reaja
antecipadamente à agressão do seu patrimônio. Em outras palavras, a LEF e o
CPC de 1973 deixaram de dispor sobre questão cuja disciplina jurídica visaria à
promoção do estado de coisas buscado pelos princípios do devido processo
legal, do contraditório e da ampla defesa, finalidades inequivocamente
perseguidas pelo legislador.

Consideradas, portanto, todas essas afirmações, é imperioso reconhecer


que a lei processual deixara de regular questão juridicamente relevante,
conforme a definição acima exposta. Daí porque, então, se falar na aludida
lacuna normativa.

Com o advento da Lei nº. 13.105/2015, todavia, referida lacuna foi


preenchida. O IDPJ foi criado para ser aplicado também às execuções fiscais.
Há, pelo menos, duas razões que suportam essa constatação e que, neste
ponto do presente artigo, devem ser apresentadas.

Primeira: a nova lei criou, por meio da regra estabelecida a partir dos arts.
133 a 137 do CPC, incidente processual a ser instaurado nos casos de atribuição

10
judicial de responsabilidade pessoal ao sócio-gerente ou administrador de
empresa por dívidas destas. E estabeleceu, expressamente, que o aludido
procedimento é aplicável à execução fundada em título executivo extrajudicial
(art.134, caput do CPC), como é o caso da execução fiscal. Lembre-se, nesse
aspecto, que a cobrança tributária é lastreada em Certidão da Dívida Ativa. Esta,
por sua vez, como se sabe, foi considerada, por lei, título executivo extrajudicial,
conforme estabelece o art. 784, IX do CPC. Vale dizer, o novo CPC visou a regrar
a questão juridicamente relevante antes mencionada, em relação à qual inexistia
regulação jurídica.

Segunda: por determinação expressa da LEF, esses novos enunciados


normativos do CPC devem atuar no âmbito da execução fiscal. Como se sabe,
a LEF estabelece a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil à
execução judicial da Dívida Ativa do Poder Público (art. 1º da LEF). A lei
instrumental civil deve regular as situações importantes que acabaram não
sendo disciplinadas na legislação especial, como é o caso acima exposto.

Note-se, a esse respeito, que o legislador interligou as disposições do CPC


com os enunciados normativos da LEF. Ele compôs aquilo que se pode aqui
denominar de sistema processual tributário. Este sistema é integrado por dois
grupos conectados de normas. De um lado, há normas processuais especiais,
que regulam especificamente o procedimento de cobrança judicial dos créditos
tributários. De outro lado, há normas processuais gerais, que disciplinam
questões inerentes à cobrança judicial desses créditos nas situações não
contempladas pela LEF. As normas jurídicas de tal sistema têm seu conteúdo
reconstruído a partir da interação entre enunciados do CPC e da LEF, de tal sorte
que, entre elas, haja unidade e coerência.25 E assim determinou o legislador,
vale ser realçado, para tutelar a propriedade e a liberdade do particular em face
da concretização das normas tributárias. Isso porque referidas normas têm
eficácia capaz de restringir direitos individuais, conforme é demonstrado mais
detalhadamente no próximo ponto do presente trabalho.26

Precisamente quanto a essa segunda razão, cumpre lembrar do caso


envolvendo a atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal.
Trata-se de questão que, como se passa a demonstrar, envolveu o
preenchimento de lacuna normativa verificada no âmbito da LEF a partir de
disposições do CPC.

25 PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. 2. ed. Springer, 2008, p. 131-133; sobre a
necessidade de integrar as diferentes normas e regulações0 dentro de um corpo coerente do
Direito: RAZ, Joseph. Between Authority and Interpretation. New York: Oxford, 2010, p. 318.
26 ÁVILA, Humberto. Estatuto do Contribuinte: conteúdo e alcance. Revista Diálogo Jurídico,

Salvador, v. 1, n. 3, junho, 2001, p. 11. Disponível em:


http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-12-NOVEMBRO-2007-
HUMBERTO%20AVILA.pdf> Acesso em 16 agosto. 2017; GUASTINI, Riccardo. Interpretare e
Argomentare. Milano: Giuffrè, 2011, pp. 292 e 293.

11
Ao dispor sobre a defesa do executado em face da cobrança judicial
tributária (arts. 16 e 17), a LEF, de 1980, silenciara relativamente ao efeito com
que os embargos deveriam ser recebidos, se suspensivo da execução ou não.
Havia lacuna normativa nesse ponto. Quanto ao tema, discutiu-se por anos. Em
1994, contudo, a Lei n.º 8.953/94 colmatou tal omissão. Ela incluiu o § 1.º ao art.
739 do CPC de 1973 e, sendo assim, estabeleceu, no âmbito da execução civil,
que “os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo”. Em face
dessa disposição normativa, o Poder Judiciário passou a determinar a
suspensão “automática” da execução fiscal quando opostos os embargos pelo
sujeito passivo. Isto é, o Judiciário, com base no sistema processual tributário
acima mencionado, aplicou as normas jurídicas reconstruídas a partir do CPC
no âmbito da execução fiscal. E o fez, ressalte-se, por se tratar de questão
jurídica (efeito suspensivo) da mais alta relevância na tramitação da cobrança
tributária.

Em 2006, entretanto, o CPC de 1973 foi alterado relativamente à essa


questão. A Lei n.º 11.382/2006 modificou enunciados normativos no que se
refere ao efeito suspensivo dos embargos à execução civil (art. 739-A). Os
embargos do executado passaram a não ter mais efeito suspensivo como regra
geral, apenas como exceção. Diante dessa mudança na legislação processual
civil, o Superior Tribunal de Justiça, mais uma vez, com base no sistema
processual tributário antes referido, decidiu aplicar as novas disposições
processuais civis também às execuções fiscais. O tribunal, no julgamento do
RESp n.º 1272827 (Recurso Repetitivo – tema 526), entendeu que a atribuição
de efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal depende da
demonstração, pelo interessado, dos requisitos excepcionais fixados pelo CPC.
Ou seja, o tribunal entendeu, novamente, que o CPC deveria ser aplicado no
âmbito do processo tributário nas questões de relevo em que a LEF foi silente.

Parece ficar claro na situação acima exposta que o STJ agiu


coerentemente ao longo do tempo no que se refere à interação entre normas
jurídicas baseadas na LEF e no CPC. Tanto no momento da inclusão, pelo CPC,
do efeito suspensivo aos embargos à execução, quanto na ocasião da
modificação dessa regra, o Poder Judiciário adotou posicionamento uniforme.
Nas duas oportunidades, os julgadores adotaram como razão de decidir o dever
de aplicação das normas reconstruídas a partir dos enunciados do CPC no
processo de cobrança tributária. Veja-se que o STJ entendeu que os eventos
juridicamente relevantes ocorridos no âmbito da execução fiscal devem ser
regulados por normas jurídicas baseadas no CPC, caso a LEF não os regule.
Esse é o ponto central a ser aqui destacado.

Todas as considerações feitas acima permitem, já neste ponto do presente


trabalho, que se apresente três conclusões parciais.

12
A primeira conclusão é de que, até o advento do CPC vigente, havia
lacuna normativa quanto ao procedimento para atribuição judicial, em execuções
fiscais pendentes, de responsabilidade tributária aos sócios de empresas por
dívidas destas.

A segunda conclusão é de que há, no Sistema Jurídico brasileiro, um


subsistema processual tributário. Este é composto pela conexão de normas
processuais especiais e gerais, conforme acima exposto. Exatamente com base
nesse subsistema é que a lacuna normativa em exame (quanto ao IDPJ) foi
preenchida pelo CPC de 2015.

E a terceira conclusão é de que a Corte judicial a quem compete


uniformizar a interpretação da legislação federal, o STJ, não só admite a
existência desse subsistema processual tributário, como também se vale dele
para solucionar problemas envolvendo o relacionamento entre normas
fundamentadas na LEF e no CPC. Há, como visto acima, precedente do STJ
nesse sentido. E justamente por existir tal precedente é que é correto aqui
afirmar o seguinte: pelos deveres de integridade e de coerência aos quais estão
submetidos os tribunais (art. 926 do CPC), o STJ, no presente caso, igualmente
deverá se pronunciar pela aplicação do IDPJ às execuções fiscais. Isso parece
ser o mais coerente a fazer.

B) Ausência de incompatibilidade procedimental entre a LEF e o CPC


no que se refere ao IDPJ

Como visto anteriormente, segundo certas decisões judiciais, o


procedimento aplicável ao IDPJ seria incompatível com o rito concebido pela
LEF para cobrança do crédito tributário. Isso precisamente porque a instauração
do aludido incidente no âmbito das execuções fiscais implicaria oportunidade de
defesa por parte do sujeito passivo, com possibilidade de dilação probatória para
apuração de sua responsabilidade tributária, sem prévia garantia do juízo. Tal
possibilidade, contudo, não seria admitida de acordo com as regras jurídicas
baseadas na LEF. Além disso, instaurar o IDPJ impediria a promoção da
finalidade supostamente precípua buscada pelo legislador especial, qual seja, a
celeridade na arrecadação das receitas tributárias.

Esses argumentos, todavia, não se sustentam. Isso em face de, pelo


menos, três razões.

A primeira razão diz respeito à suposta incompatibilidade procedimental


acima mencionada, mais precisamente sobre a vedação estabelecida pela LEF
quanto à dilação probatória sem prévia garantia do juízo. Cumpre esclarecer,
com relação a esse ponto, que os ritos do IDPJ e da LEF são conciliáveis. Trata-
se de procedimentos complementares um ao outro, tendo em vista que garantem
o direito de defesa do particular em momentos processuais distintos. Ao
executado, para que se oponha à cobrança, é necessária a garantia do juízo,

13
conforme determinado na LEF. Ao terceiro, possível responsável tributário, por
sua vez, não é exigida a garantia do juízo da execução para realizar a sua
defesa. Isso, justamente, porque este não faz parte da execução até que a
decisão de procedência do IDPJ, se assim for, transite em julgado e, portanto,
não está sujeito às regras da LEF.

Isso significa que, de um lado, a norma jurídica baseada no art. 16, §1.º, da
LEF exige a garantia do juízo para o exercício de defesa daquele que já é parte
da execução fiscal. A situação regulada por essa norma é a do indivíduo em face
do qual o crédito tributário já foi constituído e que, sendo assim, é réu da
execução fiscal. Este, para discutir o mérito da cobrança mediante dilação
probatória deve assegurar previamente o juízo. Nesse caso, a execução fiscal e
os atos de expropriação a serem praticados em face desse sujeito podem ser
suspensos somente após a perfectibilização de tal garantia.

De outro lado, as regras jurídicas que disciplinam o IDPJ visam a regular a


situação daquele que ainda não é parte no processo de execução. Trata-se do
sócio-gerente ou administrador para o qual se quer redirecionar a cobrança. Em
face deles, a decisão judicial que implica sua responsabilidade tributária tem a
função de, por assim dizer, constituir a obrigação tributária. Isso porque tais
sujeitos não constavam do lançamento tributário originariamente havido. A
discussão a ser realizada no curso do IDPJ visará à tomada de decisão quanto
a incluir ou não o terceiro como réu da execução fiscal. Ela não tem a ver com o
mérito da cobrança propriamente dito. Tem a ver, isto sim, com a legitimidade
passiva do terceiro. E mais, no caso da instauração do aludido incidente, o
processo de execução não é (e não deve ser) suspenso em face do contribuinte,
que já é réu na execução fiscal. Contra este, o processo deve prosseguir, em
que pese a tramitação do IDPJ. A suspensão da cobrança deve “beneficiar”
apenas o terceiro, exatamente porque não se sabe, enquanto perdurar o IDPJ,
se ele será ou não incluído no polo passivo da execução fiscal. Contra esse
terceiro, mas não contra aquele que já figura como executado, é que é vedada
a prática de atos de constrição patrimonial antes de o IDPJ ser encerrado. Não
há, sendo assim, suspensão da cobrança em face do devedor principal,
tampouco ocorre discussão sobre o mérito da dívida sem garantia do juízo. Por
essa razão, instaurar o incidente não implica qualquer tipo de incompatibilidade
com a regra do art. 16, §1.º, da LEF.

E não se diga, como sustentam algumas decisões judiciais, que a


instauração do IDPJ, por implicar suspensão do processo, causaria prejuízo ao
poder público no que se refere à contagem da prescrição. Segundo essas
decisões, com o aludido incidente, a execução fiscal ficaria paralisada. Isso
impediria que o Credor pudesse cobrar a dívida, enquanto, por outro lado, o
prazo prescricional continuaria a fluir. Ocorre, todavia, que tal argumento não
parece correto. Isso porque, na realidade, a instauração do IDPJ impõe a
suspensão da execução apenas em face do terceiro para o qual se busca

14
redirecionar a cobrança. Com relação à empresa, o processo de cobrança não
deve ser suspenso. A execução prossegue normalmente com todos os seus
efeitos contra a pessoa jurídica. Logo, não há falar em prejuízo ao erário
relativamente à prescrição, pois o crédito tributário continua exigível em face da
empresa, mesmo se instaurado o IDPJ relativamente ao sócio-gerente ou ao
administrador desta.

Como se vê pelas considerações acima, a LEF, ao exigir garantia do juízo,


visa a regular os casos daqueles que são devedores e que pretendem discutir o
débito. Já o CPC, com o IDPJ, visou a preencher a lacuna antes demonstrada.
Para tanto, regulou as hipóteses dos indivíduos que ainda não são devedores e
aos quais deve ser assegurado o direito de discutirem, antes da penhora dos
seus bens, sobre se são realmente responsáveis tributários. Cuida-se, portanto,
não de incompatibilidade de institutos, mas, isto sim, de complementariedade de
um em relação ao outro.

A segunda razão diz respeito ao seguinte: ainda que, por hipótese, se


admitisse a existência da incompatibilidade acima mencionada, é certo afirmar
que referida ideia não deve se sobrepor à necessidade de se assegurar o
contraditório e a ampla defesa do terceiro para qual o Fisco pretende redirecionar
a cobrança. Isso porque, na realidade, o entendimento com relação à
mencionada incompatibilidade é resultado da adoção de um paradigma
superado de estruturação do sistema processual brasileiro. Trata-se de um
paradigma formalista, que inspirou a criação do Código de Processo Civil de
1973 e a LEF, de 1980. Segundo os formalistas, como Chiovenda, a forma se
sobreporia ao conteúdo. O processo deveria observar o que se pode aqui
chamar de “pureza de procedimento”. Falava-se no “interesse público” à
preservação de um rito puro.27 E, conforme adverte Chiovenda, o sentimento
subjetivo da justiça alimentado pelos intérpretes não deveria servir como
pretexto para combater o formalismo ou para adaptar elasticamente as formas à
substância.28 Processo justo era processo cujo rito estava rigorosamente
respeitado.

O formalismo, contudo, foi, ao longo do tempo, substituído pela ideia de


processo ajustado à tutela específica dos direitos fundamentais. Nesse novo
paradigma, processo justo não é sinônimo de respeito ao direito formal, mas, isto
sim,29 processo substancializado pela busca de promoção e de proteção dos
referidos direitos.30 O formalismo é, hoje, moderado, relativizado, valorativo.

27 LACERDA, Galeno. “O Código e o formalismo processual.” Revista Processo e Constituição.


Maio de 2005, conferência proferida em 15.7.1983, Porto Alegre, UFRGS, p. 33-38, p. 35.
28 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1998.

Volume 3. p. 10.
29 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª edição. Rio de Janeiro:

Forense, 1998, vol. 8, t.I.


30 MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógico e éticos. 2ª

Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 50.

15
Passou-se de um modelo centrado na observância rigorosa à forma e ao rito,
para um modelo centrado preponderantemente em critérios materiais. Esses
critérios materiais, por sua vez, dizem respeito, como mencionado acima, à
consideração da necessidade de tutela do conteúdo dos direitos fundamentais.
A partir dessa necessidade é que se identifica a técnica processual adequada à
promoção do fim almejado e, sendo assim, que se “ajusta” o procedimento de
modo a efetivamente tutelar o direito das partes.

Tal mudança de paradigma foi incorporada pelo CPC de 2015. Adotou-se


esse novo modelo para tutela dos direitos.31 Atualmente, admite-se uma mescla
de atividades de execução e de cognição no mesmo âmbito de atuação do Juiz,
vale dizer, no mesmo “processo”. Aceita-se, nesse contexto, a relativização da
forma em face das já referidas necessidades materiais. Há, pois, aquilo que se
denomina de processo sincrético.32 Exatamente nesse sentido é que, por
exemplo, o art. 139 do CPC vigente autorizou ao juiz, em diálogo com as partes,
adequar o procedimento segundo escolha destas, a fim de promover uma tutela
jurisdicional efetiva e tempestiva. Ou seja, os aspectos rituais, em que pese
relevantes, devem ser adaptados, de tal sorte que a proteção aos direitos
fundamentais realmente venha a ocorrer.

No contexto dessas considerações, é correto afirmar que a suposta


“incompatibilidade procedimental” não é razão suficiente para afastar o IDPJ das
execuções fiscais. Os enunciados normativos da LEF e do CPC devem ser
interpretados em conjunto e de acordo com o novo paradigma acima exposto. A
LEF, editada há mais de trinta anos, deve ser reexaminada à luz dessa nova
concepção de processo. É devido que haja conciliação entre procedimentos,
visando a possibilitar a tutela dos direitos nas diferentes situações previstas pelo
legislador, conforme acima demonstrado. Sendo assim, alegados problemas
concernentes à defesa do terceiro (possível responsável tributário), sem a prévia
garantia do juízo, devem ser superados em face da necessidade de proteger a
liberdade e a propriedade individuais.

Nesse quadro, a “pureza do rito” instituído pela LEF, supostamente


justificada pelo interesse público na arrecadação do crédito tributário, deve ceder
lugar à necessidade da defesa de direitos fundamentais. Em tal aspecto, aliás,
as palavras de Lacerda são precisas. Segundo o autor, “certa, sem dúvida, a
presença de interesse público na determinação do rito. Mas, acima dele, se
ergue outro, também público, de maior relevância: o de que o processo sirva,

31 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil:


artigos 1º ao 69. Volume 1. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 63
32 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil:

artigos 1º ao 69. Volume 1. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 67

16
como instrumento, à justiça humana e concreta, a que se reduz, na verdade, sua
única e fundamental razão de ser.”33

Na esteira do raciocínio estabelecido por Lacerda, é acertado afirmar que,


se, por hipótese, existe alguma incompatibilidade entre os procedimentos da LEF
e do IDPJ, o que se admite, aqui, apenas para fins de argumentação, há razões
relacionadas à acima referida “justiça humana concreta” que determinam a
necessidade de conciliação entre os ritos em exame.

Veja-se, nesse sentido, o caso, muito comum na prática, da execução fiscal


a ser redirecionada ao sócio-gerente ou administrador na qual o crédito tributário
em cobrança foi constituído por lançamento de ofício. Nessa hipótese, há razões
envolvendo a igualdade tributária que impõem a instauração do IDPJ antes de o
processo ser voltado contra o possível responsável tributário. Em tal caso, note-
se que, ao réu da execução, contribuinte contra o qual o Fisco já constituiu o
crédito administrativamente, é assegurado o direito de “defesa prévia”, ainda na
esfera administrativa, via impugnação. Ele tem garantida a oportunidade de
contestar a cobrança antes de sofrer constrições no seu patrimônio na esfera
judicial. Já ao sócio-gerente ou ao administrador para o qual a cobrança judicial
passa a ser direcionada sem a instauração do IDPJ, esse mesmo direito de
“defesa prévia” não é assegurado. O terceiro, possível responsável,
diferentemente do contribuinte, não tem, sem o incidente, oportunidade para
discutir sua legitimidade antes de ser incluído no polo passivo da ação judicial e
antes de sofrer restrições no seu patrimônio. Isso porque não houve lançamento
de ofício em relação a ele. Logo, não foi oportunizada defesa administrativa ao
aludido indivíduo. Daí porque, então, falar-se em problemas ligados à igualdade,
já que tanto ao contribuinte quanto ao responsável deve ser assegurado referido
direito de defesa prévia, o que, como se viu, não ocorre sem o IDPJ nos casos
em que há redirecionamento da execução fiscal. Daí porque ser devido, então,
instaurar o aludido incidente e afastar alegados óbices de natureza
procedimental. Tudo visando, em tais hipóteses, a assegurar o tratamento
uniforme entre indivíduos que, a rigor, se encontram em situações semelhantes.

Por outro lado, note-se que a necessidade de harmonização procedimental


acima referida não é nova. Já há compatibilização entre ritos, na execução fiscal,
nos casos em que o contribuinte opõe exceção de pré-executividade. Veja-se
que, em tais situações, admite-se a defesa do réu antes de o juízo estar
garantido pela penhora. Há, igualmente, “conhecimento”, com direito ao
contraditório, no curso da execução. E, em não raras vezes, o processo de
cobrança é suspenso até que se julgue a exceção oposta. Tudo para adequar o
procedimento supostamente “puro” da execução fiscal à necessidade específica
de tutela que deve ser prestada ao particular. Mais precisamente, a referida

LACERDA, Galeno. “O Código e o formalismo processual.” Revista Processo e Constituição.


33

Maio de 2005, conferência proferida em 15.7.1983, Porto Alegre, UFRGS, p. 33-38, p. 35.

17
adequação procedimental visa a permitir ao devedor a oportunidade de reação
em face da cobrança fiscal, de tal modo a evitar a lesão ao seu direito subjetivo-
processual.34 Ou seja, a adaptação do rito da execução fiscal à exigência de
tutela de direitos individuais já é admitida em nosso sistema processual.

E não se diga, nesse aspecto, que a possibilidade de oposição da exceção


de pré-executividade dispensaria a necessidade de instauração do IDPJ. Não
dispensa. Isso porque trata-se de meios de defesa diversos, com finalidades
diferentes. A referida exceção, assim como os embargos à execução, só pode
ser oposta por aquele que já é parte na execução fiscal, vale dizer, pelo sujeito
já citado e em desfavor do qual cabe penhora de bens. O IDPJ, por sua vez, é
incidente no qual cabe defesa pelo sujeito que ainda não é parte na execução.
É procedimento que antecede a citação e, consequentemente, que antecede a
possibilidade de penhora. Ainda: a exceção de pré-executividade, segundo
decisões judiciais35, não comporta dilação probatória; no IDPJ, diferentemente
disso, a fase de instrução pode ser alongada, caso necessário. Há, como se vê,
diferenças relevantes entre ambos, as quais fazem, desses dois meios de
defesa, institutos que, em vez de se excluírem um ao outro, se complementam
no que se refere aos procedimentos adequados à tutela de direitos.

A terceira razão diz respeito ao argumento envolvendo a garantia


fundamental de duração razoável do processo e a consequente busca pela
tramitação célere da execução fiscal (art. 5º, LXXVIII, da CF/88). É preciso,
nesse ponto, esclarecer que a referida garantia constitucional visa a assegurar
às partes do processo o direito à tutela jurisdicional efetiva e tempestiva.
Processo com duração razoável é aquele cujo tempo de tramitação, mais ou
menos alongado, é compatível com certos critérios, dentre os quais está o da
complexidade da causa.36 Vale dizer, o tempo de duração da causa é graduado
em razão da sua complexidade. Há relação necessária de equivalência entre
complexidade (critério) e tempo (medida).37 Processo em relação ao qual a tutela
efetiva dos direitos fundamentais de autor e réu envolve a necessidade de
análise de certos argumentos e de certas provas, deve, sim, durar o tempo
exigido para que esse exame seja feito.

A garantia fundamental de duração razoável do processo significa, nesse


contexto, duração idônea à prática de atos processuais. São vedadas as
“dilações” indevidas e desnecessárias no processo.38 Porém, as dilações

34 KNIJNIK, Danilo. A exceção de pré-executividade. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 137.


35 STJ, RESP 1136144/RJ, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 01.02.2010. Recurso Repetitivo –
Tema nº. 262.
36 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil:

artigos 1º ao 69. Volume 1. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 140.
37 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15.

ed. São Paulo: Malheiros, 2014, pp. 200-201.


38 STF, HC nº. 85237, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 29.04.2005.

18
necessárias devem ser realizadas. Isso também porque o direito ao andamento
célere do processo deve ser necessariamente harmonizado com outras
garantias constitucionais. Trata-se de direito que, segundo posicionamento do
STF, não pode ser “considerado de maneira isolada e descontextualizada dos
demais valores e princípios constitucionais”.39

Essas considerações permitem afirmar que a norma jurídica fundamentada


no enunciado normativo do art. 5º, LXXVIII da CF/88 não assegura apenas direito
aos meios que garantam celeridade da tramitação do processo, mas igualmente
direito aos meios que assegurem a adequada e suficiente participação no
processo para proteção efetiva da liberdade e da propriedade.40 Duração
razoável é, portanto, duração adequada à promoção do conteúdo dos direitos do
cidadão.

Nesse sentido, a garantia baseada no art. 5º, LXXVIII da CF/88, em vez de


servir de fundamento para afastar o IDPJ do procedimento das execuções
fiscais, serve, isto sim, como argumento para que o referido incidente seja
aplicado nesse campo específico do processo. Os princípios da liberdade e da
propriedade, considerados em conjunto com a ampla defesa e com o direito ao
contraditório, determinam essa aplicação. Eles impõem que a duração do
processo pressuponha, antes da prática de atos de constrição patrimonial, a
análise quanto aos pressupostos para atribuição de responsabilidade tributária
ao sócio da pessoa jurídica que é ré da execução fiscal. A instauração do IDPJ
é, portanto, caso de “dilação” devida, que visa a oportunizar a adequada
participação do devedor no processo.

Todas as considerações feitas no presente ponto permitem afirmar,


portanto, que a alegada incompatibilidade entre os procedimentos estabelecidos
pela LEF e, quanto ao IDPJ, pelo CPC não é razão para que o incidente em
questão tenha sua aplicação vedada no âmbito da execução fiscal.

C) “Redirecionamento” da execução fiscal ao sócio-gerente ou ao


administrador: uma hipótese de desconsideração da personalidade
jurídica:

Um bom número das decisões dos tribunais que vem afastando o IDPJ
das execuções fiscais está baseado no fundamento de que a atribuição judicial
de responsabilidade tributária ao sócio-gerente ou ao administrador, com base
no art. 135, III, do CTN, dispensaria a desconsideração da personalidade jurídica
da empresa. Isso porque, conforme exposto na parte inicial deste trabalho, tal

39STF, HC 95045, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25.09.2008.
40 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 1º ao 69. Volume 1. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 127.

19
responsabilidade, por decorrer diretamente de lei, teria no texto desta os
requisitos para sua caracterização. O texto do CTN, por sua vez, não faz menção
expressa à necessidade de desconsideração da personalidade jurídica.
Segundo essas decisões, o IDPJ se destinaria especificamente a
disciplinar os casos regulados pela norma fundamentada no art. 50, do Código
Civil Brasileiro (CCB) e às demais hipóteses de responsabilidade de sócios-
gerentes ou administradores em que, da mesma forma, os requisitos atinentes
ao uso fraudulento ou abusivo da personalidade jurídica “devem ficar
comprovados”. Como exemplo dessas outras hipóteses, tais decisões apontam
aquelas estabelecidas pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º
8.078/90), pelo art. 4.º da Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98) e pelo art.
34 da Lei Antitruste (Lei n.º 12.529/2011)41. Nas aludidas situações existiria, aí
sim, a necessidade de desconsideração da personalidade da empresa, por
expressa disposição legal, para se estender as obrigações desta aos bens
particulares dos sócios. E, sendo assim, seria devida a instauração do incidente
aqui examinado apenas em tais âmbitos de regulação jurídica.
Esse posicionamento, contudo, precisa ser repensado. Tanto nos casos
regidos pelo Direito civil e pelas demais leis citadas acima, quanto nas situações
regradas pelo Direito Tributário, o IDPJ deve ser instaurado. O ponto central a
ser aqui realçado é o seguinte: ao contrário do que sustentam as decisões
judiciais acima referidas, não há diferença juridicamente relevante entre as
hipóteses estabelecidas pelo art. 50 do CCB, art. 28 do CDC, art. 4.º da Lei de
Crimes Ambientais, art. 34 da Lei Antitruste e pelo art. 135, III, do CTN para
reponsabilidade pessoal do administrador ou do sócio-gerente da empresa por
obrigações desta. Mais precisamente, é correto afirmar que não existe, entre
esses grupos de casos, distinção capaz de determinar a não aplicação do IDPJ
no âmbito da responsabilidade tributária do sócio-gerente ou do administrador.
A rigor, os “fenômenos” que ocorrem em tais situações são muitíssimos
semelhantes. Essa similitude impõe o tratamento uniforme do tema nos aludidos
campos da disciplina jurídica. Isso para que o IDPJ seja instaurado também no
âmbito tributário.
As semelhanças começam no modo pelo qual a responsabilidade do sócio
é concretamente imputada. Trata-se, nos casos acima mencionados, de
responsabilidade atribuída por decisão judicial. Presentes os pressupostos
estabelecidos por lei e pendente processo judicial, cabe ao juiz da causa
determinar a responsabilidade patrimonial em exame. E o que ocorria, nessas
hipóteses, até o advento do IDPJ, era, essencialmente, algo muito similar, a
saber: o juiz, por meio da aludida decisão, desconsiderava a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica relativamente aos bens dos sócios ou
administradores desta. Assim decidindo, ele estendia certos efeitos de
obrigações civis, ambientais, concorrenciais, consumeristas e tributárias da

41 TRF4,
AG 5030662-48.2016.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relatora CLÁUDIA MARIA DADICO, juntado aos autos em
24/08/2016.

20
empresa aos bens do sócio-gerente ou do administrador. O patrimônio particular
deste passava a responder pelos débitos próprios da pessoa jurídica, vale dizer,
pelos débitos cuja causa originária para sua constituição tinha referência, em
tese, à operação da empresa. Tal consequência – eis o essencial - é idêntica
nas situações de responsabilização pessoal antes aludidas, seja no campo do
Direito Civil, Ambiental, do Consumidor ou Concorrencial, seja no que se refere
ao Direito Tributário.
Essa identidade, vale frisar, é verificada, na prática, independentemente
da denominação que a lei estipula para os fenômenos em exame. Isto é, a
constatação dessas consequências independe de os eventos serem ou não
juridicamente qualificados como “desconsideração da personalidade jurídica”. O
título a eles estipulado não é o mais relevante. Desimporta, nesse sentido, a
circunstância de o dispositivo legal que regula a responsabilidade examinada
estabelecer ou não, expressamente, a necessidade de “desconsideração da
personalidade jurídica da empresa” como premissa para imputar deveres aos
sócios ou administradores. Esse não é o ponto crucial para se verificar se o IDPJ
deve ser instaurado no curso de um processo judicial de cobrança. O ponto
realmente fulcral a ser considerado é o seguinte: em razão de determinadas
circunstâncias cuja verificação demanda, no mais das vezes, a produção de
prova (fraude, confusão patrimonial, infração de lei, etc.), a legislação autoriza
que sejam desconsiderados os efeitos da já referida autonomia patrimonial que
o Direito associa à personalidade jurídica da empresa.42 Isso para que os bens
de terceiros (sócios-gerentes ou administradores) passem a responder pela
dívida da pessoa jurídica, quer se trate de obrigações civis, ambientais,
concorrenciais, de direito do consumidor, quer se refira a obrigações de natureza
tributária.
Nessa mesma linha de raciocínio, vale destacar que também é
desimportante, para fins de instauração do IDPJ, a circunstância de a
responsabilidade tributária fundada no art. 135, III, do CTN, ser, segundo a lei,
denominada de “pessoal”. Lembre-se, nesse aspecto, que, de acordo com certas
decisões judiciais, a circunstância de o CTN, no dispositivo acima citado,
estabelecer “responsabilidade pessoal”, tornaria desnecessária a instauração do
IDPJ nas execuções fiscais43. Segundo fazem crer essas decisões, nas
situações em que há expressa disposição legal quanto à desconsideração da
personalidade jurídica, como, por exemplo, no art. 50 do CCB, a
responsabilidade do sócio ou do administrador não seria pessoal, mas, isto sim,
uma extensão dos efeitos das obrigações da empresa ao patrimônio deste. Por
outro lado, na hipótese do art. 135, III, do CTN, tal “extensão” não ocorreria. A
responsabilidade do sócio-gerente ou do administrador pelo crédito tributário
estaria desconectada do vínculo obrigacional que envolve a empresa com
relação ao mesmo débito. Ou seja, o sócio gerente ou o administrador para o

42 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2, 8ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 55.
4343
AI 00121304120164030000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 -
TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2016.

21
qual se quer redirecionar a cobrança teria uma obrigação autônoma e pessoal
em relação ao crédito tributário discutido na execução fiscal. Quanto a tal ponto,
contudo, é preciso fazer as seguintes considerações, as quais demonstram a
desimportância do caráter “pessoal” da responsabilidade tributária acima
mencionada para fins de determinar a aplicação do IDPJ às execuções fiscais.
Primeiro, que, a despeito de a responsabilidade ser denominada, por lei,
de pessoal ou não pessoal, o que importa, a rigor, é que o dever imputável ao
sócio não nasce independentemente da relação obrigacional que envolve a
empresa. A responsabilidade daquele está vinculada à obrigação desta. No
âmbito tributário, por exemplo, a obrigação de pagar certo tributo não é
constituída autônoma e isoladamente em face do sócio. A responsabilidade do
sócio-gerente ou do administrador pelo pagamento do tributo devido pela
empresa está relacionada ao fato gerador tributário que esta realizou no curso
das suas atividades econômicas. Vale dizer, os fatos, por assim dizer,
“geradores” da responsabilidade tributária baseada no art. 135, III, do CTN
(excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos) estão
ligados ao fato gerador tributário cuja realização, pela empresa, ensejou o
nascimento do dever de pagar o tributo. Há relacionamento entre esses dois
grupos de fatos (fato gerador da responsabilidade tributária e fato gerador da
obrigação tributária principal). Esse relacionamento é confirmado, inclusive, pelo
enunciado do caput do art. 135, do CTN, segundo o qual só há responsabilidade
tributária do sócio quanto às “obrigações tributárias resultantes de atos
praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos”. E mais, tal relação é igualmente constatada a partir da circunstância
de que, mesmo após o redirecionamento da execução fiscal, a pessoa jurídica
permanece no pólo passivo da demanda. Isso evidencia que não há falar em
responsabilidade autônoma do sócio-gerente ou do administrador no caso
previsto no CTN. Os deveres da empresa e do sócio-gerente ou administrador
estão, em tal hipótese, visivelmente relacionados.
Segundo, que a circunstância de o enunciado do art. 135, III, do CTN,
estabelecer serem os sócios “pessoalmente responsáveis” por certos créditos
tributários não significa que só nesse âmbito de regulação jurídica a
responsabilidade esteja ligada à pessoa desse terceiro. Ora, em todas as demais
situações antes referidas (de Direito ambiental, do consumidor, concorrencial e
civil), também há, a rigor, responsabilidade, por assim dizer, pessoal. É este, o
sócio, por meio do seu patrimônio, que responde pelos débitos cuja origem está
relacionada à operação da pessoa jurídica. A referida responsabilidade “pessoal”
pode ser chamada, por essa razão, de patrimonial. Busca-se o adimplemento da
obrigação por meio dos bens do sócio, isto é, por meio do patrimônio deste.
Sendo assim, mesmo nos casos em que a disposição normativa não determina
que o sócio-gerente responda “pessoalmente” pelos débitos da empresa, como
ocorre nos campos de regulação jurídica anteriormente mencionados, a
responsabilidade do terceiro é, nos termos já expostos, pessoal. E, se se admite
que o IDPJ seja instaurado nesses outros campos em que a responsabilidade é,

22
então, pessoal, não parece correto que se negue a aplicação do aludido
incidente no âmbito tributário sob o argumento de o art. 135, caput, do CTN,
denominar a responsabilidade do sócio-gerente e do administrador exatamente
de “pessoal”. Tal negativa caracteriza verdadeiro contrassenso, com o qual não
se pode concordar.
Além desses pontos comuns, a similitude entre os grupos de situações
aqui examinadas não para por aí. No que se refere aos pressupostos, as
responsabilidades do sócio-gerente ou administrador no âmbito civil,
concorrencial, ambiental, do Direito do consumidor e do Direito Tributário são
muito semelhantes. A começar que, em todas essas situações, tem-se
responsabilidade estabelecida por lei. É esta que fixa os requisitos segundo os
quais poderá o credor requerer ao juiz que este estenda os efeitos das
obrigações da empresa ao patrimônio dos sócios ou dos administradores da
pessoa jurídica.
Ademais, quanto aos requisitos legais em si, a semelhança entre os
grupos de casos é notável. Veja-se, nesse aspecto, o que dispõe o art. 34 da Lei
Antitruste. A norma jurídica nele baseada regula casos em relação aos quais o
Poder Judiciário admite a instauração do IDPJ.44 Referida norma estabelece
pressupostos praticamente iguais àqueles definidos pelo art. 135, III, do CTN. A
lei concorrencial permite a responsabilização do sócio em casos de “abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social’.45 O art. 135, caput, CTN, de sua parte, enuncia
critérios muitíssimo semelhantes: “excesso de poderes ou infração de lei,
contrato social ou estatutos”. A leitura comparativa dos referidos grupos de
requisitos evidencia a identidade quase total entre eles. No âmbito da legislação
civil, essa similaridade é, também, visível. O art. 50, do CCB, estabelece, como
pressupostos, “o abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade ou pela confusão patrimonial”. Tais requisitos também se aproximam
em muito aos estabelecidos pelo art. 135, III, do CTN, conforme acima transcrito.
A análise dos dispositivos legais antes citados permite constatar que, a
rigor, em tais enunciados normativos, foram abarcados pela legislação os casos
em que os sócios-gerentes ou os administradores abusam do direito de liberdade
de empresa. Mais precisamente, foram reguladas as situações dos sujeitos que
praticam atos intencionais no sentido de se valerem da personalidade jurídica da
sociedade, ocultando-se por detrás desta, para obterem benefícios econômicos
em proveito próprio. Tudo em prejuízo dos credores da empresa e em arrepio às
finalidades do direito de liberdade empresarial.
Trata-se de casos em que esses sócios praticam, por exemplo, atos que
implicam desvio de finalidade relativamente aos objetivos da empresa. São atos

44
TRF4, AG 5030662-48.2016.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relatora CLÁUDIA MARIA DADICO, juntado aos autos em
24/08/2016.
45 Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser

desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou
ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

23
que contrariam os propósitos do estatuto da sociedade ou que, ao infringirem a
lei, geram intencionalmente o prejuízo aos credores em benefício pessoal do
administrador. Seja em qual ramo da disciplina jurídica for, o que o Direito visa a
estabelecer com a configuração dessas hipóteses de responsabilidade é o
seguinte: o sócio ou o administrador que, em seu benefício, praticar atos
contrários aos fundamentos e às finalidades do direito de empresa para,
intencionalmente, prejudicar os credores da pessoa jurídica, terá de responder
com seus bens pelos débitos dessa pessoa jurídica.
As expressões utilizadas, seja pela legislação civil e concorrencial, seja
pela tributária, conforme visto acima, levam à essa conclusão. Em outras
palavras, as locuções “abuso de personalidade jurídica caracterizado pelo desvio
de finalidade ou pela confusão patrimonial” e “infração de lei, contrato ou
estatutos” conduzem ao sentido normativo antes mencionado. Veja-se, inclusive,
que o critério envolvendo a “confusão patrimonial”, estabelecido pelo texto do
art. 50 do Código Civil, é considerado também em decisões judiciais que tratam
da responsabilidade tributária. Neste âmbito, tal parâmetro funciona como uma
espécie de indicador para se aferir a presença dos requisitos enunciados pelo
art. 135 do CTN no que se refere à responsabilidade do sócio-gerente.46 Vale
dizer, a confusão patrimonial caracteriza infração de lei, contrato ou estatutos,
de tal sorte que é possível constatar, como se disse, que os pressupostos
normativos de ambas as responsabilidades se confundem.
Nesse mesmo sentido e no contexto dessas semelhanças, é importante
mencionar que, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a atribuição da
responsabilidade ao sócio ou ao administrador, no âmbito civil, exige a
comprovação de que a sociedade foi utilizada de forma dolosa por ele. Vale
dizer, é necessário que fique comprovado que a pessoa jurídica foi usada como
instrumento para dissimular a prática de lesões aos direitos dos credores
mediante desrespeito intencional à lei ou ao contrato social.47 No âmbito do
Direito Tributário, referido tribunal tem entendimento em sentido muitíssimo
semelhante. Segundo o STJ, a responsabilidade tributária estabelecida pelo art.
135 do CTN não é objetiva. Ela, para ser caracterizada, exige a demonstração
de que o sócio-gerente ou administrador agiu com dolo, mais precisamente no
sentido de visar à lesão do Fisco em proveito próprio.48 Exatamente nesse
contexto, aliás, é que o STJ fixou o entendimento da súmula 430. Ao examinar
o sentido da expressão “infração de lei”, contida no caput do art. 135 do CTN,
afirmou o tribunal:
“O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera,
por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”
A expressão linguística “por si só”, utilizada no texto da citada súmula, é
esclarecedora. Ela evidencia que não basta o mero não pagamento do tributo

46 STJ, RESP 1648557, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 05.05.2017.
47 STJ, Resp n.º 1526287, 3.ª Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, Dje 26.05.2017.
48 STJ, AgRg no Resp n.º 1268688, 1.ª Turma, Min. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho, Dje 29.06.2016; AgRg

no Resp n.º 1340390, 2ª Turma, Min. Rel. Castro Meira, Dje 22.08.2013.

24
para que se estendam os efeitos da obrigação tributária da empresa aos bens
do sócio. É preciso mais. É necessário comprovar o já mencionado abuso de
personalidade jurídica. Cumpre à Fazenda Pública demonstrar que o sócio-
gerente ou o administrador agiu intencionalmente, em benefício próprio, para
lesá-la quanto ao direito à arrecadação do crédito tributário.
Verifica-se, portanto, que há estreita similitude entre os casos em que o
Poder Judiciário vem admitindo a instauração do IDPJ e os casos, como o
tributário, em que a maioria das decisões judiciais não admitem a realização do
aludido incidente. Em todos eles, a imputação de responsabilidade depende da
comprovação de requisitos legais. E para que essa prova seja feita, o IDPJ é
essencial.
E mais, a alegada diferença no que se refere à possibilidade de extensão
da responsabilidade aos sócios que não são administradores, mas meros
quotistas, conforme estabelece o enunciado normativo no art. 50 do CCB, é
irrelevante para afastar o IDPJ das execuções fiscais. Isso porque este mesmo
dispositivo do CCB também permite que seja atribuída a responsabilidade
apenas aos administradores da pessoa jurídica. Logo, verifica-se que o art.50
CCB apenas tem abrangência maior do que o CTN, tendo em vista que permite
que a responsabilidade seja atribuída ao administrador, como no CTN, e/ou ao
mero sócio quotista.

Todas as considerações feitas acima quanto às hipóteses de


responsabilidade patrimonial do sócio e do administrador conduzem a, pelo
menos, duas conclusões parciais.
A primeira conclusão é a de que a expressão “desconsideração da
personalidade jurídica”, utilizada pelo art. 133, do CPC, deve ser entendida em
sentido amplo. Ela deve contemplar todos os casos em que, mediante a
necessidade de comprovação de certos requisitos legais, há a relativização e/ou
desconsideração da autonomia patrimonial da empresa em favor da extensão
dos efeitos de suas obrigações aos seus sócios gerentes.49 Por isso, o
redirecionamento da execução fiscal nos casos baseados no art. 135, III, do
CTN, deve ser entendido como hipótese de desconsideração da personalidade
jurídica da empresa, razão pela qual a ele também deve ser aplicado o IDPJ.
A segunda conclusão é a de que a não aplicação do IDPJ às execuções
fiscais relativamente aos casos regidos pelo art. 135, III, do CTN, não pode ser
baseada nas supostas distinções existentes entre a responsabilidade do sócio
no Direito Tributário e essa mesma responsabilidade no Direito Concorrencial,
Ambiental, do Consumidor e Civil. Isso porque, como visto, não há diferença
juridicamente relevante entre tais hipóteses de responsabilidade pessoal. Há,
isto sim, pontos de identidade entre elas. Ainda que, para fins de argumentação,
se possa sustentar a presença de certas diversidades entre os institutos, essas

49 Nesse sentido, vide: STJ, ERESP 1306553/SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, Dje 12.12.2014.

25
diferenças não são capazes de determinar o afastamento do IDPJ do âmbito das
execuções fiscais.

D) Da aplicação do IDPJ aos casos regulados pelas Súmulas n.º 435 e


n.º 430 do STJ:
d.1) Quanto à súmula n.º 435 do STJ:
Grande parte das decisões judiciais citadas na primeira parte deste
trabalho manifestam entendimento de que o IDPJ é inaplicável nos casos de
dissolução irregular da empresa. Há, inclusive, súmula do TRF4 nesse sentido.50
O II Fórum Nacional de Execuções Fiscais (FONEF) editou, na mesma linha,
enunciado sobre o tema.51 Esses entendimentos estão baseados na aplicação
da Súmula 435 do STJ, a qual afastaria a necessidade de instauração do IDPJ
nos casos por ela regulados. Todavia, tal posicionamento deve ser alterado, haja
vista as razões que passam a ser abaixo alinhadas.
Segundo o enunciado da referida súmula, “presume-se dissolvida
irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem
comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da
execução fiscal para o sócio-gerente.” Há, nesse enunciado, como se vê, duas
presunções. A primeira é a seguinte: o fato de a empresa deixar de funcionar no
seu domicilio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, faz presumir
sua dissolução irregular. E a segunda é a de que, havendo a referida dissolução
irregular, se presume existir infração fraudulenta de lei para fins de aplicação do
art. 135, III, do CTN.
Ocorre, todavia, que, com o advento do IDPJ, a aludida súmula deve ser
revogada. Isso inicialmente porque o entendimento judicial nela consolidado foi
estabelecido ao tempo (2010) em que não havia, no Sistema Processual
Tributário brasileiro, normas jurídicas quanto ao procedimento próprio a ser
seguido para o redirecionamento da execução fiscal. Em outras palavras: existia,
conforme demonstrado no início deste trabalho, a lacuna normativa com relação
ao assunto. Por essa razão, dada a ausência de regras acerca do rito para
produção das provas quanto à aludida dissolução irregular, foram estabelecidas
as presunções acima mencionadas. Nesse contexto, a súmula em exame foi
editada justamente para liberar o Fisco do ônus de provar a presença das
hipóteses do caput do art. 135, do CTN, dada a suposta ausência de meios para
produção dessa prova em juízo.
Recentemente, contudo, conforme exposto, tal lacuna foi preenchida pelo
CPC de 2015, mais precisamente pelas normas jurídicas que regulam o IDPJ.
Logo, em face dessa inovação regulatória, a aplicação da Súmula n.º 435 deve

50 Súmula 112: A responsabilização dos sócios fundada na dissolução irregular da pessoa jurídica (art. 135
do CTN) prescinde de decretação da desconsideração de personalidade jurídica da empresa e, por
conseguinte, inaplicável o incidente processual previsto nos arts. 133 a 137 do CPC/15.
51 Enunciado n.º 20, segundo o qual “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no

art. 133 do NCPC, não se aplica aos casos em que há pedido de inclusão de terceiros no polo passivo da
execução fiscal de créditos tributários, com fundamento no art. 135 do CTN, desde que configurada a
dissolução irregular da executada, nos termos da Súmula 435 do STJ”.

26
passar a ser descartada. Há, desde 2015, procedimento cuja instauração
precede à decisão judicial de redirecionamento da execução fiscal. E este
procedimento, por todas as razões acima expostas, é aplicável no campo
tributário.
Ademais, a necessidade de revogação da aludida súmula também se
deve ao posicionamento do STJ com relação ao conceito de “dissolução irregular
para fins de desconsideração da personalidade jurídica”. O tribunal, no
julgamento do RESP 1526287/SP, datado de 16.05.2017, ao tratar de caso
envolvendo a aplicação da regra jurídica baseada no art. 50, do CCB,
manifestou-se no seguinte sentido:
“A mera insolvência da sociedade ou sua dissolução irregular sem a devida
baixa na junta comercial e sem a regular liquidação dos ativos, por si sós, não
ensejam a desconsideração da personalidade jurídica, pois não se pode
presumir o abuso da personalidade jurídica da verificação dessas
circunstâncias”52 grifo nosso
Esse posicionamento é, na realidade, ratificação do que já decidira o STJ
nos autos do ERESP 1306553/SC, em 10.12.2014, ao uniformizar sua
jurisprudência sobre o tema.53 Nessas duas ocasiões, o tribunal manifestou
entendimento de que a dissolução irregular da empresa, sem a devida baixa na
junta comercial, não configura, por si só, abuso de personalidade jurídica. A
desconsideração desta exige prova cabal do abuso doloso e fraudulento de
personalidade, conforme exposto anteriormente. Trata-se de elemento que, ao
contrário do que preconiza a Súmula n.º 435, não pode ser presumido.
Veja-se que, em que pese esse recente julgamento se refira às relações
jurídicas de natureza civil-empresarial, as conclusões a que chegou o STJ em
tal situação repercutem diretamente no campo da responsabilidade tributária.
Isso porque a discussão de mérito reside, na realidade, na definição de
“dissolução irregular para fins de desconsideração da personalidade jurídica”.
Isto é, cuida-se de discussão que envolve, nitidamente, instituto de direito
privado, o que acaba atraindo a aplicação da norma jurídica baseada no art. 109
do CTN54. Segundo estabelece o referido dispositivo legal, os princípios gerais
de direito privado devem ser utilizados para pesquisa da definição, do conteúdo
e do alcance de seus institutos, conceitos e formas. Isso significa que a
legislação tributária, ao mencionar institutos típicos de direito privado, não pode
desprezar a definição e o conteúdo estabelecidos por este para os referidos
institutos. “Dissolução irregular para fins de desconsideração da personalidade
jurídica da empresa” é instituto de direito privado. Sendo assim, o legislador
tributário deve observar a definição estipulada pela lei e pela jurisprudência de
direito privado com relação ao referido instituto.

52 STJ, RESP 1526287/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 26.05.2017.
53 STJ, ERESP 1306553/SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, Dje 12.12.2014.
54 Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do
conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos
respectivos efeitos tributários.

27
Cumpre frisar, nesse contexto, que a norma jurídica baseada no aludido
art. 109, do CTN, visa a estabelecer um padrão conceitual no Sistema Tributário
a partir da consideração deste como parte de um todo, vale dizer, como parte do
Sistema Jurídico brasileiro. Nesse contexto, tal norma adota, especialmente, o
critério da coerência no que se refere às definições dos institutos de direito
privado utilizados pelo Direito Tributário. Por coerência, entenda-se, aqui, o
postulado hermenêutico que estabelece ao intérprete e ao legislador o dever,
dentre outros, de utilização de conceitos não particularizados, mas universais.55
Em outras palavras: o legislador tributário e o julgador das causas tributárias
estão vinculados às definições estabelecidas pelo direito privado. Mais
precisamente, ao lidarem, no campo tributário, com institutos, por exemplo, de
direito empresarial, eles devem adotar as definições empregadas pelo direito
privado para esses institutos. Tudo visando a obter o referido padrão conceitual
e a definição universal antes mencionada.
No caso aqui examinado, a aplicação do postulado da coerência significa
o seguinte: por ser um instituto de direito empresarial, a “dissolução irregular
para fins de desconsideração da personalidade jurídica” deve ser entendida, no
Direito Tributário, segundo a definição empregada pelo direito privado. Logo,
considerando a hodierna definição adotada pelo STJ com relação ao aludido
instituto, parece evidente que também nas causas tributárias a mera mudança
de endereço não deve, mais, configurar infração dolosa de lei. É preciso mudar.
É devido que os tribunais universalizem a referida definição, padronizando-a, a
partir do Direito empresarial, para o Direito Tributário. Esse dever de
padronização, ressalte-se, também decorre do disposto no art. 926, do CPC.
Lembre-se que tal dispositivo determina que os tribunais mantenham sua
jurisprudência coerente. Para tanto, a padronização conceitual acima referida,
alicerçada também na regra baseada no art. 109 do CTN, deve ser feita. A
súmula n.º 435 deve ser revogada, dando-se lugar à aplicação do IDPJ para que,
nos casos concretos, seja aferida a presença real e não presumida dos
pressupostos para imputação de responsabilidade tributária por dissolução
irregular de empresa.
Em sentido semelhante ao acima exposto, vale destacar decisão proferida
pelo STJ ainda no ano de 2013 com relação à aplicação da Súmula n.º 435. Em
tal caso, o tribunal manifestou entendimento de que a não localização da
empresa no endereço fiscal é apenas indício de sua dissolução irregular.56
Porém, esse indício, por si só e independente de qualquer outro elemento, é
insuficiente para o pronto redirecionamento da execução fiscal. Para imputar a
responsabilidade tributária ao sócio ou ao administrador, é devido que haja
prévia apuração das razões pelas quais tal fato ocorreu, bem como é necessária
a comprovação do elemento subjetivo na conduta ilícita deste. Ou seja, o STJ,

55 PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. Dordrecht: Springer, 2009, p. 133 e ss.
56 STJ, AgRg no Resp n.º 16.808/GO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe
28.02.2013.

28
nessa decisão, mesmo diante do enunciado da Súmula 435, decidiu vedar o
redirecionamento da cobrança fiscal, em vista de que a dissolução irregular para
fins de desconsideração da personalidade jurídica pressupõe abuso de
personalidade jurídica. E este abuso não pode ser presumido, mas, isto sim,
deve ser provado. Com o advento do novo CPC, essa prova dever ser produzida
no bojo do IDPJ.
d.2) Quanto à Súmula n.º 430 do STJ:
Cumpre realçar que a aplicação do IDPJ nas execuções fiscais não visa
a tutelar apenas os interesses do particular. Tal incidente pode e deve ser
utilizado igualmente para proteger o direito do poder público à arrecadação do
crédito tributário. Veja-se, nesse aspecto, a seguinte situação: como visto
anteriormente, a Súmula n.º 430 do STJ, de um lado, veda o redirecionamento
da execução fiscal ao sócio-gerente em casos de mero inadimplemento da
obrigação tributária por parte da pessoa jurídica. Isso porque o não pagamento
do tributo não gera, “por si só”, a responsabilidade tributária estabelecida pelo
art. 135, III, do CTN. É sabido, de outro lado, que algumas empresas
deliberadamente deixam de pagar os tributos a que, em face da operação das
suas atividades econômicas, estariam sujeitas. Elas exercem seus negócios,
praticam fatos geradores tributários, declaram o tributo devido ao Fisco, mas não
recolhem aos cofres públicos esse tributo. E o fazem deliberadamente.
Repetidamente.
Assim agindo, em tese, os administradores dessas empresas não
estariam praticando infração dolosa de lei, haja vista o enunciado da Súmula n.º
430, do STJ. Seus casos seriam enquadrados na situação em que o
inadimplemento da obrigação tributária não gera, “por si só”, a responsabilidade
do art. 135, III, do CTN. Ocorre, contudo, que, com o advento do IDPJ, caberia
ao Fisco requerer a instauração do aludido incidente em tais situações. Isso para
examinar se o inadimplemento contumaz da obrigação tributária não está
acompanhado de outros elementos que possam vir a possibilitar a aplicação da
regra baseada no art. 135, III, do CTN. Vale dizer, o IDPJ possibilita ao poder
público a produção de eventual prova capaz de afastar a aplicação da Súmula
n.º 430 do STJ nos casos em que, em tese, ela seria aplicável. Pode o Fisco, por
meio do IDPJ, provar, por exemplo, que, em certa situação, não se verifica o
inadimplemento da obrigação tributária “por si só”, mas, isto sim, um
descumprimento dessa obrigação acompanhado de outros eventos capazes de
demonstrar o abuso de personalidade jurídica. Em tais hipóteses, como se disse,
a instauração do incidente possibilitaria tutelar o interesse do Erário e, sendo
assim, propiciaria a aplicação do Direito de tal sorte a promover justiça no caso
concreto.

E) A eficácia dos direitos e das garantias fundamentais e a aplicação do


IDPJ às execuções fiscais

29
As decisões judiciais que afastam o IDPJ das execuções fiscais parecem
pressupor, implicitamente, quanto às razões de decidir, a ideia de supremacia
do interesse público em face do interesse do particular. Essas decisões não
negam que a criação do IDPJ visa a promover mais intensamente a ampla
defesa e o contraditório. Elas não negam, igualmente, que a instauração do
referido incidente seria, em tese, meio capaz de oportunizar a proteção da
liberdade e da propriedade do sujeito passivo da obrigação tributária. O que as
mencionadas decisões acabam conjecturando em alguns dos seus pontos, isto
sim, é que, na realidade, no caso do IDPJ, haveria uma relação de prevalência
do interesse do Erário perante a possível ampliação do direito de defesa do
particular por meio do IDPJ. Ao invocar, por exemplo, argumentos relacionados
à celeridade na cobrança do crédito tributário, essa ideia de supremacia parece
ficar clara. A arrecadação das receitas públicas tributárias deveria ocorrer do
modo mais rápido possível. Dever-se-ia dar preferência à promoção dessa
finalidade. Em razão de tal dever de celeridade, não se poderia admitir, como se
disse acima, a instauração de um incidente que retardasse o andamento do
processo de execução.

Empregando uma metáfora, é como se houvesse uma balança com dois


pratos. Em um dos pratos está a arrecadação do crédito tributário, finalidade
fiscal perseguida pelo Poder Público. No outro, os direitos de liberdade e de
propriedade do particular, associados às garantias da ampla defesa e do
contraditório, cuja eficácia determinaria a aplicação do IDPJ à execução fiscal.
O entendimento predominante no Judiciário, nesse contexto, é de que a referida
balança deve pender para o lado em que se encontra o interesse do Erário.
Haveria um desequilíbrio em favor do Fisco.

Todavia, o exame mais detido da presente questão revela que esse


entendimento merece os seguintes reparos.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que o procedimento referente ao


IDPJ foi regulado, a rigor, por meio de regras jurídicas. Como tais, essas normas
são aplicadas mediante a verificação de correspondência da construção factual
à descrição normativa. São, como define Ávila, normas preliminarmente
decisivas e abarcantes.57 Decisivas, porque geram uma solução específica para
o caso. Abarcantes, porque todos os casos que preencham as condições
descritas na regra serão por ela regulados.

Ademais, a aplicação da regra é rígida e afasta, em geral, a necessidade


de ponderação de bens. Isso precisamente porque tal norma consiste em uma
espécie de decisão parlamentar preliminar acerca de um conflito de interesses.
O parlamento, ao editar o texto com base no qual a regra é construída,
estabelece a solução desejada para determinada situação, como, aliás, foi o

57ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15.
ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 101 e 129.

30
caso do IDPJ. Veja-se que, ao criar referido incidente, o legislador decidiu
priorizar a promoção da ampla defesa e do contraditório em face de outras
finalidades públicas, tais como a célere arrecadação das receitas tributárias. Foi
exatamente nesse sentido que o CPC estabeleceu, expressamente, que o
aludido procedimento é aplicável à execução fundada em título executivo
extrajudicial (art.134, caput do CPC), como o é a execução fiscal.

Por isso, não há, na realidade, ponderação de bens a fazer no caso


envolvendo a aplicação do IDPJ aos processos judiciais de cobrança da dívida
ativa tributária. Descabe ao Poder Judiciário invocar argumentos como a
duração razoável do processo para afastar as regras do IDPJ da execução fiscal.
O legislador já fez a ponderação devida ao editar as referidas normas e, em tal
situação, preferiu dar primazia à tutela da liberdade e da propriedade do
particular. Em face, pois, dessas razões, por estar baseado em regra jurídica, o
procedimento que regula o IDPJ deve ser aplicado no âmbito tributário,
independentemente de ponderação.

Em segundo lugar, se, por hipótese, se admitisse a existência do conflito


normativo anteriormente mencionado, é devido concluir diversamente do que
concluem as decisões judiciais que afastam o IDPJ das execuções fiscais. O
exame da presente questão à luz do Sistema Constitucional Tributário revela que
a balança acima citada deve pender em favor do particular, conforme se passa
a demonstrar.

Como se sabe, a CF/88, por meio do “Sistema Tributário Nacional” (arts.


145 a 162), estabeleceu um agrupamento de disposições que visam a regular
especificamente a matéria tributária. Trata-se daquilo que Canaris denomina de
sistema “externo”, isto é, um subsistema destinado à disciplina de certa matéria
dentro do todo constitucional.58 Mais precisamente na Seção II desse capítulo
da Constituição, foram arroladas as “Limitações do Poder de Tributar”. A CF/88
estabeleceu, nesse ponto, por exemplo, a legalidade e a segurança jurídica
(desdobrada em irretroatividade e anterioridade) como garantias do contribuinte.
Isso para regular, especificamente no campo tributário, o exercício da
competência. Foi delimitado certo procedimento para instituição normativa. E foi
regrado o âmbito temporal de vigência das normas tributárias. A CF/88
estabeleceu, ainda, a igualdade, as imunidades e a proibição aos efeitos de
confisco visando a impor limites negativos ao exercício da competência estatal,
vale dizer, objetivando determinar, preponderantemente, o que não deve ser
feito pelo Estado no campo da tributação.

Contudo, as garantias do contribuinte não foram arroladas de modo


exaustivo nessa parte da CF/88. Isso porque a CF/88 instituiu, expressamente,
a abertura do sistema tributário, vale dizer, o vinculou às demais normas

58 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do


Direito. 3. ed. Tradução de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002, p. 26.

31
constitucionais. O art. 150 previu as referidas limitações “sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte”. Ou seja, o subsistema tributário
(externo) foi conectado explicitamente aos princípios fundamentais, como o do
Estado de Direito e o da Dignidade Humana (art. 1.º, caput e inciso III). Mas não
apenas a eles. Foi conectado, também, aos direitos e garantias fundamentais,
tais como a liberdade, a propriedade, o devido processo legal, a ampla defesa e
o contraditório.
Os limites estabelecidos a partir desses direitos e dessas garantias
fundamentais condicionam a atuação estatal no campo tributário. Quer dizer, o
exercício do poder de tributar só é juridicamente válido se for harmonizado com
o dever de preservação de tais direitos e garantias. Juntamente com os demais
princípios fundamentais, as normas jurídicas baseadas no art. 5.º, da CF/88,
compõem o sistema tributário denominado de “interno”. Trata-se de um grupo de
normas que, embora não sejam reconduzidas aos dispositivos do Sistema
Tributário Nacional (externo), são aplicáveis, direta ou indiretamente, às relações
obrigacionais tributárias.59

Nesse contexto, é correto afirmar que a CF/88 compôs, como se vê, um


sistema de preservação da liberdade e da propriedade do contribuinte com dois
grupos (conectados) de normas: primeiro, normas que visam a legitimar o
exercício do poder de tributar pela investidura e por aspectos precipuamente
formais (limitações constitucionais do art. 150); e, segundo, normas que visam a
privilegiar não o exercício do poder, mas o exercício dos direitos individuais e
sua eficácia jurídica (arts. 1.º e 5.º). Essa composição conectada de garantias
revela a existência daquilo que se denomina de Sistema Constitucional Tributário
(SCT). Em razão dele, a proteção destinada ao contribuinte não se restringe à
consideração apenas do subsistema estabelecido a partir do art. 150 da CF/88.
O SCT é configurado como um “todo” axiologicamente coerente, harmonizado
ao redor do dever de preservação da liberdade e da propriedade, e ordenado à
promoção desses direitos.

A existência dessa sistematização permite que se façam duas


constatações da mais alta relevância à análise do tema objeto do presente
trabalho.

A primeira constatação é a de que a CF/88 estabeleceu uma proteção


nitidamente reforçada da propriedade e da liberdade no âmbito tributário. Veja-

59 Os princípios da liberdade e da propriedade aplicam-se diretamente às relações obrigacionais


tributárias. A eficácia desses direitos atua sobre a obrigação tributária, protegendo o indivíduo.
Por outro lado, os princípios fundamentais, como o da segurança jurídica, aplicam-se
indiretamente sobre elas. Isso porque tal princípio promove, antes de tudo, um estado de
cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade. E, ao proteger esses estados de
coisas, acaba protegendo (mediatamente) a liberdade. Sendo assim, atua apenas
indiretamente sobre as obrigações tributárias. Sobre o assunto: ÁVILA, 2012, p. 131; ATALIBA,
Geraldo. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 7 e p.
9.

32
se, a esse respeito, que, não bastasse o abrangente rol de direitos e garantias
individuais do cidadão enunciados no art. 5.º, do qual já se deduzem princípios
jurídicos como a legalidade, a igualdade e a segurança jurídica, todos aplicáveis
em qualquer campo da disciplina jurídica, o legislador constitucional foi enfático
no âmbito tributário. Além de criar direitos “adicionais”, como, por exemplo, os
que se referem à imunidade tributária, a CF/88 repetiu e especificou, no art. 150,
algumas garantias já estabelecidas a partir do art. 5º. Esse é, por exemplo, o
caso, como dito, da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica. Trata-se
de princípios cujos fundamentos textuais constam do rol do art. 5º. Inobstante a
isso, no art. 150 eles foram reiterados e tiveram seu conteúdo pormenorizado
em matéria tributária. Houve, nitidamente, um reforço de proteção pela
reiteração e especificação de garantias. Ou, como destaca Borges, foi
estabelecido, no campo Tributário, um adensamento do conteúdo de princípios
fundamentais.60

E porque a CF/88 estabeleceu essa proteção reforçada exatamente no


campo do Direito Tributário? A resposta para tal indagação é a seguinte: o
referido realce protetivo se deve à eficácia interventiva inerente à concretização
das normas tributárias oneratórias. A aplicação de tais normas provoca restrição
à liberdade e à propriedade do indivíduo.61 Seja no âmbito da obrigação tributária
principal, seja no que se refere ao cumprimento dos deveres instrumentais, o
conteúdo dos direitos do particular é afetado pela eficácia das aludidas normas
jurídicas. Elas tendem a reduzir a disponibilidade que o indivíduo tem
relativamente aos bens protegidos por tais direitos.62 A eficácia interventiva das
obrigações tributárias prejudica, por exemplo, a disposição do contribuinte
relativamente aos seus ativos financeiros. Sendo assim, por se tratar de um
campo do Direito em que as obrigações provocam os efeitos acima
mencionados, a Constituição redobrou a proteção do particular. Ou seja, ela foi
mais enfática em tal sentido nesse campo da disciplina jurídica do que na maior
parte dos demais.

O reforço protetivo acima apresentado conduz à segunda constatação: os


direitos fundamentais da liberdade e da propriedade, assim como as garantias
da ampla defesa e do contraditório têm, no contexto antes exposto, atuação
decisiva para determinar a aplicação do IDPJ às execuções fiscais. Isso em
razão de esses direitos e de essas garantias serem normas que, na realidade,
fundamentam, isto é, suportam as regras jurídicas que regulam o IDPJ. O
conteúdo destas é definido pela atuação daquelas. Vale dizer, o sentido dos
enunciados normativos do CPC que tratam do IDPJ deve ser construído com
base no conteúdo dos direitos e das garantias fundamentais acima citados.

60 BORGES. José Souto Maior. O Princípio da Segurança jurídica na criação e aplicação do


tributo. RDDT, n. 22, p. 24-29, 1997, p. 25.
61 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. 3. ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2005. v. 3: os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia, p. 5.


62 ÁVILA. Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 59.

33
Dentre os possíveis significados a serem estipulados ao texto legal, o intérprete
deve escolher aquele que mais promova os estados de coisas visados pela
liberdade, propriedade, ampla defesa e pelo contraditório.63 Ao decidirem sobre
aplicar ou não determinada regra jurídica em certa situação, como é o caso sobre
instaurar o IDPJ no processo tributário, os julgadores devem adotar a solução
mais compatível com o conteúdo desses princípios constitucionais.
Nesse contexto, os princípios jurídicos da liberdade, da propriedade, da
ampla defesa e do contraditório cumprem função argumentativa. E, por serem
fundamentais, eles atribuem um peso maior às regras que os concretizam (como
são as regras do IDPJ). Consequentemente, atribuem um peso maior aos
argumentos que suportam conclusões compatíveis com o seu conteúdo. A
recondução de tais argumentos aos direitos e às garantias fundamentais cria um
relacionamento unidirecional e coerente entre eles.64 Ou seja, cria-se um
alinhamento entre os argumentos em direção às finalidades de tais princípios
jurídicos.65 E, sendo assim, faz-se com que a balança mencionada no início
deste ponto penda em favor do contribuinte, vale dizer, faz com que se aplique
o referido incidente às execuções fiscais.
O que parece ficar claro é que há, de acordo com o texto constitucional,
uma espécie de “regra argumentativa” que determina a preferência em favor da
instauração do IDPJ no campo tributário. Segundo essa regra, havendo dúvida
quanto a aplicar ou não o IDPJ ao processo tributário, deve-se optar por soluções
que mais protejam a liberdade, a propriedade, a ampla defesa e o contraditório.
Isso em face das finalidades estatais que, supostamente, afastariam a aplicação
do aludido incidente nas execuções fiscais.
Essas considerações também conduzem à conclusão, de acordo com o
que afirmou Wróblewski, que, no âmbito das decisões judiciais, as regras de
argumentação não servem apenas para dirigir formalmente o trabalho do
intérprete. Mais do que isso, elas se destinam a fixar os valores que a
interpretação e que as decisões devem implementar.66 Cria-se, com elas, uma
“ideologia/teoria da interpretação”. Isto é, um grupo de regras coerentes por meio
das quais são adotadas soluções jurídicas em vista de certas finalidades
constitucionalmente protegidas. A “teoria da interpretação” privilegiada pela
CF/88 no campo tributário, relativamente ao assunto envolvendo o IDPJ, parece
ser clara: cuida-se da “teoria” cujo critério fundamental para tomada de decisões
é a proteção e a promoção dos direitos de liberdade e de propriedade e das
garantias da ampla defesa e do contraditório. Vale dizer, a partir desses
fundamentos extraídos do ordenamento jurídico, conforme acima exposto, fica
evidente que o IDPJ é uma garantia que visa a tutelar a liberdade e a propriedade

63 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15.
ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 123-125.
64 PECZENIK, Aleksander. Scientia Juris: legal doctrine as knowledge of law and as a source of

law. Dordrecht: Springer, 2005, p. 118.


65 SILTALA, Raimo. Law, Truth, and Reason: a treatise on legal argumentation. [s.l.]: Springer,

2011, p. 54 et seq.
66 WRÓBLEWSKI, Jerzy. The Judicial Aplication of Law. Dorderecht: Kluwer, 1992, p. 96.

34
do indivíduo e que, sendo assim, deve ser aplicado às execuções fiscais. Foi
exatamente por essas razões que o legislador criou referido incidente e
determinou fosse aplicável às execuções fundadas em título executivo
extrajudicial, como o é a execução fiscal.
Por tudo o que se disse, é forçoso aqui concluir o seguinte: se se admite aplicar
referido incidente nos casos de responsabilidade do sócio ou administrador
quanto às obrigações civis, com muito mais razão ainda se deve admitir sua
instauração no campo das obrigações tributárias, haja vista o reforço de tutela
do particular estabelecido pela CF/88. Além disso, ainda que se desconsidere
tudo o que foi dito acima e que, assim, se entenda que o interesse arrecadatório
do Erário deve prevalecer em face dos direitos fundamentais do contribuinte, não
há razão para a não aplicação do IDPJ. Isso porque, conforme exposto no tópico
anterior (d.2), o IDPJ também poderá ser utilizado para tutelar o interesse do
próprio Fisco.

CONCLUSÕES
Com base em todas as considerações acima expostas, é possível
formular as seguintes conclusões:
1. As regras jurídicas baseadas nos arts. 133 a 137, do CPC, que
instituíram e que regulam o IDPJ, visaram a preencher lacuna
normativa que existia com relação ao procedimento para atribuição
judicial, em execuções fiscais pendentes, de responsabilidade
tributária baseada no art. 135, III, do CTN, aos sócios administradores
de empresas por dívidas destas;
2. O Superior Tribunal de Justiça reconhece, no contexto do Sistema
Jurídico brasileiro, a existência de um subsistema processual
tributário, com base no qual as lacunas porventura existentes no
âmbito da LEF são colmatadas por normas jurídicas fundamentadas
no CPC. Esse preenchimento de lacunas no âmbito processual
tributário já foi adotado, pelo tribunal, no caso envolvendo o efeito
suspensivo dos embargos à execução fiscal. Por essa razão,
considerando os deveres impostos pelo art. 926, do CPC, mais
precisamente quanto à coerência e à integridade do Direito, cumpre
ao STJ, no caso do IDPJ, reconhecer a aplicação deste às execuções
fiscais;
3. Não há incompatibilidade entre o rito da LEF e o procedimento
estabelecido pelo CPC para processamento do IDPJ, mais
precisamente no que se refere à exigência, pela LEF, de prévia
garantia do juízo para que o devedor tenha oportunidade de defesa na
execução fiscal. Garantia do juízo só é exigível de quem é parte da
cobrança tributária e que, sendo assim, deseja discutir o débito. No
caso do IDPJ, o terceiro ao qual o Fisco almeja redirecionar a
execução ainda não é parte desta. Por isso, o IDPJ serve como

35
oportunidade para que esse terceiro discuta não o débito em si, mas,
isto sim, as questões relativamente à sua legitimidade como
responsável tributário.
4. Os procedimentos referentes à defesa do executado na execução
fiscal e ao IDPJ são complementares um ao outro, pois visam a tutelar
o particular em situações diversas.
5. Considerado o “novo” paradigma sincrético no qual está inserido o
direito processual civil brasileiro atual, os enunciados normativos da
LEF devem ser reinterpretados. Isso para que as normas jurídicas
estabelecidas a partir de tais enunciados sejam reconstruídas de
acordo as bases estruturais desse paradigma. Em face do mencionado
paradigma, é correto afirmar que a necessidade de tutela efetiva dos
direitos da propriedade e da liberdade do sócio-gerente ou
administrador da empresa determina que haja uma harmonização
procedimental entre a LEF e o CPC relativamente ao incidente em
exame. Isso para permitir a promoção da ampla defesa e do
contraditório previamente à decisão judicial que implica
redirecionamento da execução fiscal nos casos do art. 135, III, do CTN;
6. A garantia constitucional da duração razoável do processo,
estabelecida a partir do art. 5.º, LXXVIII, da CF/88, impõe a
instauração do IDPJ no âmbito do processo de cobrança tributário. Tal
garantia fundamental, combinada com os direitos de liberdade, de
propriedade e com as garantias da ampla defesa e do contraditório,
determina que o processo dure o tempo necessário à verificação dos
pressupostos que autorizam o redirecionamento da execução fiscal ao
sócio gerente ou ao administrador da pessoa jurídica, nos casos de
aplicação da norma jurídica baseada no art. 135, III, do CTN. Sendo
assim, é correto afirmar que o processamento do IDPJ implica, nesses
casos, dilação devida e razoável, que poderá ser verificada tanto em
favor do contribuinte, quanto em favor do Fisco, esta última nas
hipóteses de aplicação da Súmula 430 do STJ.
7. Não há diferença juridicamente relevante entre a responsabilidade do
sócio ou administrador baseada no art. 50, do CCB, no art. 28 do
Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), no art. 4.º da Lei
de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98) e no art. 34 da Lei Antitruste
(Lei n.º 12.529/2011) e a responsabilidade tributária fundamentada no
art. 135, III, do CTN, capaz de determinar a não aplicação do IDPJ no
âmbito da execução fiscal.
8. Seja no âmbito do Direito Civil, do Direito concorrencial, do consumidor
e ambiental, seja quanto ao Direito Tributário, a imputação judicial de
responsabilidade ao sócio-gerente ou administrador por débitos da
empresa implica extensão dos efeitos das obrigações desta aos bens
particulares do referido sócio. Há, nessas situações, relativização da
autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Nesse sentido, a expressão

36
“desconsideração da personalidade jurídica” deve ser entendida como
relativização da autonomia patrimonial da empresa em favor da
extensão dos efeitos de suas obrigações aos seus sócios gerentes ou
administradores.
9. Os casos de redirecionamento da execução fiscal baseados na norma
jurídica referida ao art. 135, III, do CTN, devem ser enquadrados no
conceito de desconsideração da personalidade jurídica, sendo este
concebido no sentido exposto no item 8 supra.
10. A Súmula 435 do STJ deve ser revogada, seja em face da criação,
pelo CPC, do IDPJ, o qual passou a regular o procedimento para
apuração real, não presumida de dissolução irregular da empresa, seja
em face da hodierna definição judicial, oriunda do direito privado, de
dissolução irregular para fins de desconsideração da personalidade
jurídica. Essa nova definição de instituto típico de direito privado exige
a demonstração e a comprovação, por parte do credor, do abuso de
personalidade jurídica havido pelo responsável e, por força do art. 109
do CTN e do postulado da coerência, deve ser aplicada ao Direito
Tributário, precisamente nos casos regulados pelo art. 135, III, do
CTN.
11. O CPC, a partir do disposto no art. 134, caput, determinou,
expressamente, a aplicação do IDPJ às execuções fundadas em título
executivo extrajudicial, hipótese na qual está enquadrada a execução
fiscal. Esse enunciado normativo, combinado com o texto do art. 1.º
da LEF, fundamentam a existência de regra jurídica que impõe a
instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica nos casos do redirecionamento da execução fiscal baseado no
art. 135, III, do CTN. Por ser regra jurídica, a aplicação de tal norma é
devida independentemente da necessidade de ponderação entre os
direitos e garantias individuais que a fundamentam, de um lado, e o
interesse do poder público na célere arrecadação das receitas
tributárias, de outro lado.
12. As regras jurídicas que regulam o IDPJ são justificadas pelos
princípios constitucionais da liberdade, da propriedade, do devido
processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Tais regras,
portanto, devem ter seu conteúdo definido e devem ser aplicadas no
contexto do Sistema Constitucional Tributário, de acordo com o qual a
proteção do particular em face dos efeitos das normas tributárias é
reforçada. Sendo assim, ainda que, por hipótese, sejam invocadas
razões relacionadas ao interesse público para fins de afastar a
aplicação do IDPJ das execuções fiscais, é certo que o peso das
razões em favor da aplicação de tal incidente no campo tributário é
maior.
13. IDPJ pode até vir a não ser aplicado nos casos de atribuição judicial
de responsabilidade tributária do sócio-gerente baseada no art. 135,

37
III, do CTN. Contudo, pelo que se viu no presente artigo, é preciso que
sejam apresentadas outras razões para suportar essa não aplicação.
As razões até então apresentadas, decididamente, não se sustentam.

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