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Aspectos da História da Paisagem e do Paisagismo do Recife

Resumo

A história da paisagem do Recife revela fases da evolução da ocupação humana sobre os


ecossistemas naturais – águas ribeirinhas e marítimas, restinga, manguezal e a Mata Atlântica.
Essa ocupação vai mostrando, paulatinamente, como aconteceu a formação de uma paisagem
urbana contendo além dos elementos naturais, as edificações, pontes, fortes, muralhas e espaços
públicos. A descrição dessas alterações no sítio primitivo, obedeceu a observações em mapas
históricos, iconografias e desenhos de paisagens que representassem momentos expressivos e
pontuais. Procediam assim de ações espontâneas e de projetos de cunho paisagístico ocorridos
no intervalo que vai do século XVII durante o governo do holandês Mauricio de Nassau até a
atuação do paisagista Roberto Burle Marx na década de 1930. Também foram levados em conta
os relatos de visitantes estrangeiros e de estudiosos em diferentes períodos. O conteúdo da
pesquisa constitui material para a identificação de unidades de paisagem que permaneceram e
precisam ser conservadas como referências históricas. As unidades de paisagem são recortes
significativos que retém atributos e valores a serem preservados porque perpetuaram ao longo do
tempo as ações primitivas do homem na paisagem natural, no sitio, com determinado tipo de
constituição física, caracterizando assim combinações especificas de componentes sociais e
físicos do Recife. Os jardins projetados pelo paisagista Burle Marx constituem expressões
artísticas do paisagismo brasileiro e caracterizam paisagens diferenciadas no Recife.
INTRODUÇÃO

O Recife é uma cidade nascida das águas, do mar e dos rios, elemento predominante no sítio
original e traço característico de sua paisagem urbana. O sítio primitivo limitava-se a uma estreita
faixa de areia protegida por uma linha de arrecifes formando um ancoradouro, que lhe deu o
nome e definiu a função de porto. Continha também nos terrenos alagadiços o verde da mata, do
manguezal e da restinga. O caminho das águas, portanto, delineou o sentido de expansão da
malha urbana, com a ampliação da atividade comercial do açúcar, enveredando ao interior onde
se implantaram os engenhos com o verde das canas de açúcar, o que alterou a cobertura vegetal
original de Mata Atlântica. Assim, a expansão da cidade aconteceu sobre as margens dos seus
cursos d’água por engenhos e pequenas casas (Atlas Ambiental da Cidade do Recife, 2000,p.13).

São esses os primeiros elementos de uma paisagem natural que foi sendo, aos poucos, ocupada
e modificada pelo homem ao estabelecer laços de convivência com o sítio caracterizando um
gesto de morar. Confirma-se com isso a compreensão de cidade de Ítalo Calvino como morada
dos homens (Calvino, 1990). Na visão de Josué de Castro (1969), a paisagem cultural se faz com
a ação do homem sobre a paisagem natural. Então ela é uma forma que perpassa ação humana
e, portanto, uma referência cultural. A morfologia da paisagem, portanto, agrega de maneira
acumulativa as fases de sua construção, o seu conteúdo histórico.

O estudo da história da paisagem da cidade do Recife busca mostrar as paisagens que


permaneceram até os dias atuais e merecem ser conservadas como patrimônio cultural porque
constituem materialidades que conseguiram se sobrepor às necessidades de mudanças por
representarem construções significativas para os habitantes. Entre estas paisagens se encontram
aquelas resultantes de intervenções paisagísticas ou paisagismo, em que a arte foi um elemento
determinante da concepção, a exemplo dos jardins de Nassau e do paisagista Burle Marx. A
compreensão da paisagem, segundo Augustin Berque (1996), vai mais além do que a simples
associação de formas naturais e culturais porque inclui o componente artístico seja da poesia, da
música, da pintura, enfim das artes. Desse componente surgiu a noção de paisagem na China no
século V a partir da exaltação da natureza.

Na busca de identificar unidades de paisagem adotou-se os seguintes critérios: espaços


densamente vegetados remanescentes, sítios e praças históricos em especial as praças
projetadas pelo paisagista Burle Marx e os espaços com água – rios, lagoas, canais. Tais
critérios, basicamente, decorrem da identificação de elementos naturais e construídos
significativos na composição da estrutura urbana hoje. Por unidade de paisagem, segundo o
Prototipus de Catàleg de Paisatge da Catalunha (2006) se entende aquelas porções do território
caracterizadas por uma combinação específica de componentes físicos e sociais constituídos ao
longo da história e de dinâmica própria atrelados também ao sentimento de pertencimento da
população com o local.

Esses critérios foram pontos de partida para a análise dos mapas de épocas marcantes na
história do Recife e de iconografias, desde o século XVII. Então os mapas e as iconografias, além
dos relatos de viajantes estrangeiros e escritores são as fontes que foram interpretadas para a
leitura de uma paisagem que conserva algumas características históricas e artísticas originais que
resistiram até os dias atuais. Esses dados estão revelando o caráter das paisagens em sua
diversidade urbana. Entende-se por caráter da paisagem, o que a distingue de outras paisagens,
combinação de elementos naturais e construídos que resistiram no tempo.

Recorreu-se também a várias fontes de informação mais recentes. Entre elas está o Mapa das
Unidades Ambientais do Recife de 1993, que diagnostica os diferentes tipos de relevo
decorrentes das mudanças temporais e ação antrópica: o ambiente de morros, de planícies, de
águas e do baixo estuário, e do litoral. Por sua vez, o Mapa dos Espaços Livres do Recife (Sá
Carneiro e Mesquita, 2000), que gerou a interpretação das linhas de força da paisagem confirma
padrões de traçados urbanos estruturadores e tipos diferentes de espaços livres. As linhas de
força, elementos contínuos que reportam à paisagem de origem assim se revelam: um cordão
verde de unidades de conservação que marca o lado oeste do território da cidade configurando o
que ainda permanece com cobertura vegetal representativa, a serpentina do rio Capibaribe
cortando a cidade de leste a oeste e a faixa do litoral. Ainda fortalecendo o componente social, o
Mapa das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS (2001) denuncia as áreas pobres em
terrenos alagados, próximos a canais, ou com ausência de infra-estrutura, recortes diferenciados
de paisagem.

Com essas informações atuais e recorrendo-se à leitura da ocupação do sítio ao longo da história
acredita-se ser possível identificar unidades de paisagem em diferentes escalas que precisam ser
preservadas para guardar as características históricas e significativas da paisagem dos bairros da
cidade. Além disso, nem sempre as unidades de paisagem estão inseridas nas configurações dos
bairros, pois, muitas vezes, saltam dos seus limites e, ainda, dentro de duas unidades de
paisagem pode surgir uma unidade de paisagem especial, aquela que se destaca pelo caráter
particular e excepcional.

1. A paisagem do século XVII e a arte paisagística de Nassau

A água foi o elemento natural familiar e, ao mesmo tempo sedutor, que encantou os holandeses
pela sua função de proteção do território, proporcionando isolamento militar e atraindo-os a se
estabelecerem na ilha de Antonio Vaz situada na confluência dos rios Capibaribe e Beberibe
(Castro, 1969,p.205).

Do período holandês, um conjunto de mapas foi selecionado: 1631, 1637,1639, 1641 e 1644. É o
de 1644 que mostra o Plano Diretor da Cidade Maurícia elaborado por Pieter Post, arquiteto da
comitiva do Conde João Maurício de Nassau Siegen. Nele está evidente o desenho geométrico
do traçado das vias e quadras sobre o terreno alagado e vegetado, os canais, além dos fortes, da
ponte, do Parque de Friburgo e da muralha protetora (Fig.3). No projeto de Pieter Post fica
evidenciada a utilização de um eixo estruturador estabelecido com a construção de uma ponte.

Esse eixo é representado pela confluência natural vinda da linha de terra desde o istmo que liga
Recife a Olinda, e que faz uma curva natural em direção à Ilha de Antônio Vaz intensificada com
a construção de uma ponte ligando a porção de terra mais antiga ao continente. O projeto de
Pieter Post para o Parque de Friburgo, onde hoje está a Praça da República, trazia traços típicos
do renascimento italiano e do francês, além do aspecto utilitário e produtivo dos jardins medievais
(Mesquita, 2000,p.39). Guardava uma disposição militar e defensiva como uma praça cívica. O
grande jardim reunia coqueiros, maciços arbóreos, plantas medicinais e espécies da fauna do
Brasil e de outros países para criar um microcosmo da história natural do mundo (Silva e Alcides,
2003). Segundo Liana Mesquita (1998,p.11), a obra de Mauricio de Nassau constitui o primeiro
período áureo da arte paisagística recifense.

O Plano Diretor da Cidade Maurícia para a ilha de Antonio Vaz, mostra essa preocupação com a
estrutura urbana que é valorizada pela presença de um jardim situado em uma ponta da ilha
bastante favorável ao desfrute da paisagem em várias direções. No Plano se observa a
implantação de um traçado barroco, um sistema de canais que direcionava as águas tão
presentes na aldeia, e um grande jardim nos arredores do Palácio de Friburgo atingindo
aproximadamente 6,4 ha, algo inédito no Brasil até então (Zancheti, 2000).

E nas pinturas de Frans Post, artista da comitiva de Nassau, tem-se o olhar do paisagista
holandês retratando para o mundo a paisagem idílica brasileira exaltando os rios, a flora, a fauna
e os engenhos (Sette, 1948, p.34). Segundo Reis (2000, p.21), é “uma pintura de paisagem que
carrega ensinamentos de uma cultura pictórica específica, com planos e elementos formais
predefinidos, não importando as manifestações adversas circundantes”.

Fig. 3 - Planta do Plano Diretor da Cidade Maurícia (1644). Fonte: Reis Filho, 2000, pág.333.

Fig. 4 e 5 – Planta e Vista do Parque de Friburgo. Fonte: Reis Filho, 2000.


Com a expulsão dos holandeses muitas de suas construções foram destruídas, porém o seu
legado permaneceu e ajudou a definir uma idéia sobre cidade que até então não havia no Recife
e no Brasil. Esse avanço no ordenamento do espaço, muito embora já se adotando a opção pelos
aterros, orienta a futura expansão do território.

3. A paisagem da modernização: do século XIX ao século XX

A análise parte para o século XIX quando a urbanização saiu do núcleo inicial e seguiu o caminho
das águas para o norte por Santo Amaro, pelo rio Beberibe, para o oeste em direção a Dois
Irmãos, pelo rio Capibaribe e para o sul em direção à Caxangá pelo rio Jiquiá, principais bacias
para onde correm, hoje, os 66 canais que compõem a macrodrenagem da cidade (Fig. 6).
Naquele momento, houve a preocupação em tornar a cidade capaz de receber as novas
tecnologias trazidas da Europa em termos de transporte. Isto decorreu principalmente por conta
da chegada da Família Real no Brasil, que disseminou para as principais cidades litorâneas, os
avanços na arquitetura, urbanismo e paisagismo que se fazia no Rio de Janeiro. Com isso,
começa a se estabelecer o sistema de transporte junto ao sistema viário na paisagem da cidade.

Fig 6 - Planta do Recife com os engenhos ao longo das margens do rio Capibaribe em 1876, mostrando a
expansão norte (rio Beberibe); oeste (rio Capibaribe) e sul (rio Jiquiá). Fonte: Cidade do Amanhã , Fidem,
1987. (Editado pelo Laboratório da Paisagem)
Por essa época um dos espaços públicos mais freqüentados pelos habitantes era o cais,
mantendo ainda a forte relação com as águas. E o adensamento construtivo já se fazia notar face
à exigüidade de terreno firme em meio a um conjunto de ilhas.

A linha de força das águas do rio Capibaribe direcionou a implantação dos engenhos de açúcar
que por sua vez originou os núcleos dos bairros. Isso fica mais evidente no mapa de 1906
elaborado por Douglas Fox (Fig.7). Esse traçado já difere do desenho barroco holandês, mas os
rios permanecem guiando os assentamentos.

No conjunto dos espaços livres ressaltam-se o Cemitério de Santo Amaro, o terreno destinado ao
Passeio Público 13 de Maio e o jardim do Campo das Princesas (Fig.7). Em meados do século
XIX vários jardins foram construídos seguindo um plano de aformoseamento e embelezamento
dirigido pelo Conde da Boa Vista começando pela Praça da República no Campo das Princesas
(1872). E no final do século XIX, os morros e áreas ribeirinhas começaram a ser ocupados com
as moradias espontâneas de antigos escravos de onde surgem aglomerados fixos como o do
Morro da Conceição que hoje tem intensa participação social.

Fig.7 - Mapa elaborado por Douglas Fox (1906). Fonte: Menezes, 1988. (Editado pelo Laboratório da
Paisagem)
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No século XX aumentam as intenções de criar um Recife novo. Em 1924, foi implantado o Parque
do Derby, um empreendimento de grande escala incluindo o parque central e os lotes residenciais
delineados por vias arborizadas compondo grandes eixos de circulação, uma influência do jardim
francês. A concepção do projeto relacionava o loteamento com o rio Capibaribe, o canal Derby-
Tacaruna e edifícios monumentais do entorno, já diagnosticado pelo engenheiro sanitarista
Saturnino de Brito em 1910.

Novos espaços urbanos foram construídos para receber a população que deixava o centro da
cidade, o qual passava a ser ocupado principalmente por estabelecimentos comerciais. Esse
direcionamento se apoiou nos princípios higienistas da legislação urbanística em vigor no início
do século XX (Outtes, 1997), que estabelecia novas regras para construção de casas, exigindo
ambientes abertos para o exterior a fim de melhor arejar e iluminar os espaços internos diferentes
das antigas construções do período colonial. Assim, novas moradias contendo jardins, quintais e
recuos laterais foram criadas em terrenos afastados do centro urbano do Recife.

A cidade moderna continua sendo um parâmetro urbanístico, arquitetônico e paisagístico a seguir


e em 1935, na gestão do governador Carlos de Lima Cavalcanti, é criado o Departamento de
Arquitetura e Construção sob a direção do arquiteto Luis Nunes. Para a intervenção nos espaços
públicos fica responsável o paisagista Roberto Burle Marx que encontra uma cidade com vários
espaços livres distribuídos na malha urbana caracterizando as paisagens dos bairros, tais como:
Praça da República e Campo das Princesas (1), Praça Sérgio Loreto (2), Parque Amorim (3),
Praça de Casa Forte (4), Praça do Derby (5), Praça Osvaldo Cruz (6), Praça Maciel Pinheiro (7),
Praça do Entroncamento (8), Largo do Viveiro (9), Praça Adolfo Cirne (10), entre outras
identificadas na planta de 1932 (Fig.8). Ao lado destas, estavam os pátios das igrejas e largos de
mercados além dos elementos lineares aquáticos, os canais. O nível de elaboração do mapa de
1932 pronuncia o rio Capibaribe como um vetor de expansão e as vias tronco como
determinantes da configuração atual, aproximando à visualização do estado atual de urbanização.
E o destaque dado aos espaços livres apontando os núcleos dos bairros parece acusar a
relevância e a intenção de articulação entre eles. São os núcleos ainda existentes que precisam
ser preservados para guardar um compromisso com a história da paisagem. O mapa nos fornece
uma compreensão do nível de urbanização pelas manchas na cor laranja indicando o espaço
construído, ao lado dos espaços livres das águas urbanas presentes em todo o território e das
praças na cor verde também ilustrando os bairros. O ritmo da localização das praças demonstra a
intenção de amenizar os espaços construídos existentes e futuros, dentro de uma visão sistêmica.
Fig. 8 - Mapa do Recife de 1932, elaborado no governo do prefeito Antônio de Goes, mostrando a expansão
a partir da morfologia do rio Capibaribe. Fonte: Museu da Cidade do Recife. Editado pelo Laboratório da
Paisagem.

2. O paisagismo moderno de Roberto Burle Marx

É essa paisagem de águas e de muitas praças e pátios que Roberto Burle Marx encontrou
quando chegou ao Recife em 1934 com apenas 25 anos de idade, indicado pelo arquiteto e
urbanista Lúcio Costa. Da Alemanha, onde viveu por três anos – de 1928 a 1930 –, Burle Marx
trouxe conhecimentos da arte paisagística e de outras artes como a música, a pintura, a poesia.
Seu ímpeto em criar um jardim brasileiro levou-o a excursionar pelo interior do estado de
Pernambuco explorando a flora regional para idealizar jardins temáticos como o de Casa Forte
(Fig.9 e 10) com espécies exóticas, da Mata Atlântica e da Amazônia no bairro de Casa Forte; o
de Euclides da Cunha (Fig.11) com plantas da caatinga, na Madalena e o do Artur Oscar com
plantas marinhas no centro do Recife. Ainda realiza mais 13 projetos de jardins públicos nesse
período.

O jardim de Burle Marx como natureza organizada priorizava o emprego da vegetação da região e
tinha como funções básicas a higiene, a educação e a arte. Segundo ele, o jardim é um elemento
educativo e de interface entre a arquitetura e a natureza e, portanto, antes de tudo é preciso
entender a natureza, admirando-a para tirar dela a grande lição (Lemos e Schwarzstein,
1996,p.74). A concepção de jardim de Burle Marx tem relação forte com os princípios do jardim
chinês no qual a referência é a natureza, a harmonia dos elementos como a vegetação, a água e
a pedra e voltados para a contemplação, fatores que também foram registrados por Glaziou,
botânico francês que atuou no Rio de Janeiro e que foi referência paisagística para Burle Marx
(Frota, 1994). Burle Marx afirma “minha conceituação filosófica da paisagem construída, seja o
jardim, o parque ou o desenvolvimento de áreas urbanas, baseia-se na direção histórica de todas
as épocas, reconhecendo, em cada período, a expressão do pensamento estético que se
manifesta nas demais artes. Neste sentido, a minha obra reflete a modernidade, a data em que se
processa, porém jamais perde de vista as razões da própria tradição, que são válidas e
solicitadas” (Marx, 1987,p.12).

O jardim moderno nasceu com o olhar de Burle Marx sobre a paisagem brasileira, mais
especificamente sobre a paisagem pernambucana, na qual ele reconheceu a grande contribuição
dos holandeses na urbanização do Recife, na primeira metade do século XVII. De estudos
artísticos, na Europa, ele trouxe influências de paisagistas e pintores ingleses, franceses e
alemães que somou às aspirações do Movimento Moderno no Brasil. Construiu conhecimento
sobre as coleções de plantas agrupadas segundo critérios geográficos no Jardim Botânico de
Dahlem, na Alemanha, de onde trouxe várias lições de botânica e ecologia. A partir da
observação dos exemplares da flora brasileira, lá expostos, que não eram usados no paisagismo,
decidiu defender e priorizar essa flora riquíssima nos seus projetos (Marx,1987, p.47). Seria,
portanto, uma resposta coerente ao momento brasileiro em que se pretendia investir na produção
artística de caráter nacional, democratizando-a para todas as classes e rompendo com as
influências estrangeiras.

Fig. 9 – Planta baixa da Praça de Casa Forte, 1935. Fonte: Acervo do Laboratório da Paisagem/UFPE,
cedida pelo Escritório Burle Marx & Cia Ltda.
Fig. 10 – Desenho de Burle Marx para a Praça de Casa Forte, 1935. Fonte: Acervo do Laboratório da
Paisagem/UFPE, cedida pelo Escritório Burle Marx & Cia Ltda.

Fig. 11 – Desenho de Burle Marx para a Praça Euclides da Cunha, 1935. Fonte: Acervo do Laboratório da
Paisagem/UFPE, cedida pelo Escritório Burle Marx & Cia Ltda.
3. Na perspectiva da conservação da história da paisagem e do paisagismo

Até hoje se pode notar a permanência das ações originais dos primeiros habitantes mantendo o
caráter da paisagem histórica em seus pátios, largos, ruas estreitas, praças. Tais marcas foram
preservadas com o instrumento das Zonas Especiais do Patrimônio Histórico Cultural – ZEPHs
que protege áreas históricas ou melhor conjuntos históricos, e que podem ser compreendidos
como unidades de paisagem (Fig. 12). No mapa abaixo se vê as zonas históricas em cinza, os
imóveis especiais de preservação em vermelho, os monumentos tombados estaduais em rosa e
os monumentos tombados federais em amarelo.

As ZEPHs mostram uma concentração de conjuntos urbanos e monumentos históricos na área de


ocupação mais antiga. E esta seleção está apoiada em um dos sistemas mencionados, o sistema
construído, e não apresenta relação com o sistema natural e até certo ponto com o espírito do
lugar. Estas na maioria são áreas designadas por especialistas e que carregam valores nacionais
pertencentes a fatos da história do país.

Fig. 12 – Mapa dos Bens Culturais Tombados e Preservados, PCR, Secretaria de Planejamento, Urbanismo
e Meio Ambiente. Junho/ 2002 (recorte).

Além disso, não podemos esquecer das paisagens que trazem um valor simbólico para
segmentos da população de diferentes níveis de renda. Entre eles salienta-se: o Morro da
Conceição, a ilha de Deus e Brasília Teimosa, paisagens emblemáticas para seus habitantes e
para os habitantes da cidade do Recife que são registros históricos que guardam nas suas formas
características originais da ocupação inicial e que são mantidas e preservadas com especial trato
nas possibilidades encontradas. Esses aspectos mostram a necessidade da introdução de novos
instrumentos de proteção da paisagem e mais específicos, entre os quais está o inventário de
jardins históricos.

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