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energia dada pela equação (5), maior será a tendência de o sólido ser solúvel. Portanto, ao
aumentarmos o valor de do meio, estaremos diminuindo a atração entre os íons do sólido
iônico. Isto explica a solubilidade destes sólidos em água, que possui uma constante de
permissividade elétrica alta.

Tabela 8. Constantes de permissividade elétrica de alguns meios.


Meio (C2/J.m)
Vácuo 8,85.10–12
Água 7,25.10–10
Acetonitrila 2,90.10–10
Amônia 2,20.10–10

Uma outra maneira de entender este mesmo fenômeno é considerando os dipolos


existentes nos solventes. Quanto maior é a constante de permissividade elétrica, mais intenso
é o dipolo. Como os íons têm carga, a existência de pólos positivos e negativos no solvente
favorece a dissociação.
Os sólidos iônicos costumam ser duros, porém quebradiços. Estes sólidos possuem
cristais característicos e, também, planos de clivagem característicos. A clivagem é um dos
métodos preliminares de se identificar minerais. Os planos de clivagem podem ser explicados
utilizando o modelo mostrado na Figura 18. Um sólido iônico (Figura 18a) é golpeado em um
local de seu cristal (Figura 18b). Suas camadas se modificarão de forma que íons de mesma
carga têm suas distâncias diminuídas, o que leva a grande repulsão dentro do sólido (Figura
18c). A repulsão é tanta que há a quebra do sólido (Figura 18d).

(a) (c)

(d)
(b)

Figura 18. O modelo de clivagem nos sólidos iônicos.

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Embora tenham propriedades gerais semelhantes, os sólidos iônicos apresentam


diversas estruturas cristalinas. Como o arranjo tridimensional dos elementos no cristal irá
influenciar diretamente algumas propriedades, é preciso se conhecer um pouco destas
estruturas cristalinas.

5.2 – As Estruturas Cristalinas dos Sólidos Iônicos


5.2.1 – A Estrutura do Cloreto de Sódio
O cloreto de sódio apresenta uma estrutura cristalina com célula unitária cúbica de face
centrada (cfc) (Figura 19). Cada átomo de sódio está ligado, diretamente, a seis átomos de
cloro; assim como cada átomo de cloro se liga a seis outros átomos de sódio, em arranjo
octaédrico, formando assim a estrutura tridimensional. Como existem seis átomos de cloro
ligado ao um de sódio, diz-se que o número de coordenação (NC) do sódio é seis. Nesta
estrutura, o NC do cloro também é seis.

Figura 19. A estrutura cristalina do cloreto de sódio em visão frontal e em perspectiva.

Um outro fator importante é a proporção entre sódio e cloro dentro da célula unitária.
Considere que os átomos de sódio sejam os vermelhos na Figura 19. Apenas 1/8 dos átomos
localizados no vértice do cubo está do lado de dentro da célula unitária. Como são oito os
vértices, tem-se um átomo do lado dentro. Cada átomo na face do cubo está com metade do
átomo do lado de dentro e a outra metade do lado de fora. Então, como são seis faces, a soma
total dá três átomos. Assim, o total de átomos de sódio dentro da célula unitária é de quatro
átomos (um dos vértices e três dos átomos da face). Fazendo o mesmo para os átomos de
cloro, chegaremos a conclusão que existem os mesmos quatro átomos. Portanto, a proporção
é de 4:4, como deveríamos esperar, o número de átomos de sódio é igual ao número de
átomos de cloro.
Outros sólidos iônicos que possuem a mesma estrutura do cloreto de sódio são: LiCl,
KBr, KCl, KI, RbI, AgCl, AgBr, MgO, CaO, TiO, FeO, etc.

5.2.2 – Estrutura do Cloreto de Césio


O cloreto de césio apresenta uma cristalização distinta da do cloreto de sódio
possivelmente pelo seu maior raio em relação ao sódio. Sua estrutura é cúbica e o número de
coordenação, tanto do cátion quanto do ânion, é oito para sólidos com este arranjo cristalino

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(Figura 20). A proporção cátion-ânion na célula unitária é de 1:1. São exemplos de outros
sólidos com esta estrutura o CsBr, CsI, CsCN, CaS, etc.

Figura 20. A estrutura cristalina do cloreto de césio em perspectiva.

5.2.3 – A Estrutura da Esfarelita


A esfarelita, mineral do sulfeto de zinco, também conhecido como blenda possui um
empacotamento cfc com os átomos de enxofre ocupando os vértices e faces do cubo e os de
zinco formando um tetraedro dentro da célula unitária (Figura 21). O número de coordenação
de ambos é quatro, em arranjo tetraédrico. A proporção de átomos de zinco e de enxofre na
célula unitária é semelhante àquela observada para o cloreto de sódio: 4:4.
O cloreto de cobre (I), sulfeto de cádmio e sulfeto de mercúrio (II) são alguns exemplos
de sólidos iônicos que cristalizam desta forma.
O sulfeto de zinco também pode cristalizar de outra forma, conhecida como wurtzita.
Na wurtzita há um empacotamento hexagonal expandido, sendo muito diferente da estrutura da
blenda. Como este é um empacotamento menos comum, não se detalhará seus aspectos.

Figura 21. A estrutura cristalina do ZnS em perspectiva, destacando o tetraedro dos átomos de zinco e um
dos tetraedros entre o zinco e átomos de enxofre.

5.2.4 – Estrutura da Fluorita e da Antifluorita


A fluorita, CaF2, apresenta um cristal com empacotamento cfc, com a célula unitária
contendo um cubo interno (Figura 22). Os átomos de cálcio ocupam o cubo externo e, portanto,
existe um total de quatro átomos de cálcio na célula unitária. Os átomos de flúor formam o
cubo interno e todos estão dentro da célula unitária e, portanto, a proporção entre cálcio e flúor
na célula unitária é de 4:8. O número de coordenação para cálcio e flúor também são
diferentes. Cada cálcio está ligado a oito átomos de flúor, enquanto o NC observado para o

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flúor é quatro. São exemplos de sólidos iônicos com estrutura da fluorita: UO2, BaCl2, CaCl2,
HgF2, PbO2, etc.
Na estrutura da antifluorita tem-se a posição de cátions e ânions invertida. Os
seguintes sólidos iônicos são exemplos da estrutura da antifluorita: K2O, K2S, Li2O, Na2O,
Na2S, etc.

Figura 22. A estrutura cristalina do fluoreto de cálcio em visão frontal e em perspectiva.

5.2.5 – Outras Estruturas


Apenas as estruturas mais comuns foram comentadas com detalhes, mas existem
diversas outras estruturas de sólidos iônicos, como a do rutilo, do arseneto de níquel ou da
wurtzita (Consulte livros de mineralogia para mais detalhes do assunto).

5.3 – Energia do Retículo Cristalino (U0)


Define-se energia do retículo cristalino como a energia liberada quando os íons de um
composto iônico no estado gasoso formam um cristal, como mostra a equação abaixo.

M+(g) + X–(g) MX(s) (6)

Para calcular esta energia, precisam-se levar em conta todos os aspectos envolvidos
na equação (6). Como já foi discutido, o modelo de força eletrostática é adequado para
descrever a atração entre os íons. Portanto, começaremos a análise com a equação (5),
apenas trocando as cargas dos íons pelo número de carga destes (Z+ e Z–) multiplicado pela
carga do elétron (e) e com o valor da constante de permissividade elétrica no vácuo ( 0) uma
vez que se está no estado gasoso. Com isso, tem-se:

Z .Z .e 2
E coulomb (7)
4.π . 0 .r

A equação (7), da Energia de Coulomb, representa a atração de um par iônico. Quanto


maior é o número de carga dos íons, maior é a atração. Da mesma forma, quanto maior é a
distância r entre os íons, menor é a atração e quanto menor for a distância, maior é a atração.
Para distâncias muito pequenas, a Energia de Coulomb torna-se cada vez menor (lembre-se
que esta energia é negativa! Mais atração = energia mais negativa). A Figura 23 mostra o perfil
de energia obtido com a equação (7). O mínimo de energia será para distâncias cada vez

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menores; e quando a distância tende a zero, a energia é infinitamente negativa. Isto, claro, é
impossível. O problema desta análise é considerar somente a atração entre os íons. Cátions e
ânions possuem elétrons que se repelem mutuamente conforme a distância entre o par iônico
diminui. Portanto, é preciso levar em conta a repulsão dos íons no cálculo da energia do
retículo cristalino. Para grandes valores de r, a repulsão será mínima, próxima de zero. A
repulsão irá aumentar conforme os íons se aproximam. Para distâncias muito pequenas, a
repulsão tenderá ao infinito, como mostra a Figura 24. Além da distância entre os íons, a
repulsão dependerá também do número de elétrons do sistema. Quanto maior o número de
elétrons, maior será a repulsão. Na Tabela 9 estão resumidos os fatores de repulsão em
função do número de elétrons do sistema.

Figura 23. Gráfico da energia de Coulomb para um par iônico em função da distância entre os íons

Então, para uma descrição correta da ligação iônica e para calcular a energia do
retículo cristalino, é preciso levar em consideração tanto a atração quanto a repulsão.
Reescrevendo a equação (7) com o termo de repulsão (n):

Z .Z .e 2 1
E total .1 (8)
4.π . 0 .r n

Mas a equação (8) ainda deixa de fora aspectos importantes como, por exemplo, a
estrutura cristalina dos sólidos iônicos. Como as estruturas são diferentes, desde o arranjo
espacial até o número de coordenação, as forças atuantes em cada átomo serão diferentes.
Portanto, é preciso considerar-se este fator geométrico nos cálculos. Isto se faz introduzindo a
constante de Madelung (A), que terá um valor para cada estrutura cristalina (Tabela 10).

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Figura 24. Energias de atração e repulsão em função da distância entre os íons.

Tabela 9. Fatores de repulsão.


Configuração eletrônica do íon Fator de Repulsão (n)
He 5
Ne 7
+
Ar, Cu 9
+
Kr, Ag 10
+
Xe, Au 12

Tabela 10. Constante de Madelung para algumas estruturas cristalinas.


Estrutura Cristalina Constante de Madelung (A)
Cloreto de Sódio 1,74756
Cloreto de Césio 1,76267
Esfarelita 1,63806
Wurtzita 1,64132
Fluorita 2,51939

A equação (8) mostra a energia da ligação para um par de íons. No entanto um par de
íons não forma um cristal. O cloreto de sódio, para citar um exemplo, precisa de no mínino 4
pares de íons para formar uma célula unitária de seu cristal. Por isso, precisa-se considerar um
grande número de íons para se ter a energia do retículo cristalino. Introduzindo a constante de
Avogadro (N) na equação (8), obtém-se o valor para um mol do sólido iônico. A equação (8)
com as constantes de Madelung e de Avogadro torna-se:

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Z .Z .e2 1
U0 AN .1 (9)
4.π . 0 .r0 n

onde r0 é a distância de ligação entre o cátion e o ânion no retículo cristalino. A Figura 25


mostra o resultado da equação (9) de maneira gráfica. Através da equação (9), tendo o valor
da distância da ligação ou dos raios iônicos, pode-se calcular o valor da energia do retículo
cristalino para um sólido iônico.

Figura 25. Perfil energético de uma ligação iônica em função da distância entre os íons. Há um mínimo de
energia, que corresponde à energia do retículo cristalino, quando se atinge o comprimento de ligação.

Por exemplo, a energia do retículo cristalino do cloreto de sódio pode ser calculada
facilmente apenas sabendo os raios iônicos típicos dos íons sódio (114 pm) e cloreto (167 pm).
A distância entre os íons, r0, será a soma entre os raios iônicos:

r0 = 114 pm + 167 pm = 281 pm (10)

O fator de Madelung para a estrutura cloreto de sódio pode ser encontrado na Tabela
10. Para usarmos o fator de repulsão, é preciso conhecer a configuração eletrônica do íon e
consultar a Tabela 9. O íon sódio, Na+, tem a seguinte configuração eletrônica:
+
11Na = 1s2 2s2 2p6
que é a mesma configuração eletrônica do Ne. Portanto, o fator de repulsão para o sódio é
igual a sete. O cloreto, Cl–, tem a seguinte configuração eletrônica:

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17Cl = 1s2 2s2 2p6 3s2 3p6
que é a configuração eletrônica do Ar. Segundo a Tabela 9, o fator de repulsão neste caso é
igual a nove. Então, o fator de repulsão (n) para o cloreto de sódio será a média daqueles
encontrados para seus íons:

7 9
n 8 (11)
2

Reunindo todos os dados e constantes para o NaCl:


A = 174756 n=8 r0 = 2,81.10-10 m
Z+ = +1 Z– = –1 N = 6,02.1023 /mol
e = 1,602.10–19 C 0 = 8,85.10–12 C2/J.m

e substituindo os valores na equação (9),


U0 = – 754 kJ/mol
O valor “experimental” para a energia do retículo cristalino do NaCl é – 787 kJ/mol. Isto
significa que se pode estimar a energia do retículo cristalino com erro muito pequeno (4,2%)
através da equação (9).
A energia do retículo cristalino pode ser utilizada como uma medida da estabilidade do
agregado iônico. Quanto mais energia for liberada durante a formação do retículo cristalino,
mais forte é a ligação entre os íons. Isto implica que, para separá-los, será preciso mais
energia.
Considere dois sólidos iônicos, MX e MZ. Suponha que o sólido MX tenha um valor de
U0 de – 500 kJ/mol enquanto o MZ libera 800 kJ/mol quando se forma. Se as energias de
hidratação dos íons X– e Z– são semelhantes, pode-se supor que o sólido MZ tenha uma
solubilidade inferior ao MX, uma vez que para separar seus íons é necessária uma quantidade
muito maior de energia. Da mesma forma, MZ terá um ponto de fusão maior que MX. Portanto,
conhecendo-se a energia do retículo cristalino é possível estimar o comportamento de sólidos
iônicos para diferentes propriedades.

5.4 – Raio Iônico


Quando um átomo perde ou ganha elétrons, seu tamanho varia em relação ao do
átomo neutro. Então, o raio atômico não serve como parâmetro para o tamanho dos íons. Ao
perder um ou mais elétrons, o tamanho do átomo diminui porque uma camada antes ocupada
pode ficar sem elétrons (casos dos grupos 1 e 2) e também por conta da maior atração
exercida pelo excesso de prótons em relação ao número menor de elétrons. Logo, quanto
maior for a carga do cátion, menor será seu raio.
No caso contrário, quando são formados ânions, o raio aumenta. A atração do núcleo
para cada elétron diminui, uma vez que existem mais elétrons para “dividir” a força de atração
do núcleo. Outro motivo é a repulsão entre os elétrons. Quanto maior for o número de elétrons
em excesso, maior será a repulsão. Portanto, quanto maior for a carga do ânion, maior será o
raio iônico.

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A medida de raios iônicos é muito mais complicada que a de raios atômicos. Fatores
como a estrutura dos sólidos iônicos, número de coordenação e caráter covalente devem ser
levados em conta.

5.5 – Entalpia de Formação e o Ciclo de Born-Haber


Além da energia do retículo cristalino, outro parâmetro energético muito utilizado para
análise da estabilidade de compostos iônicos é a variação de entalpia de formação, Hf. Por
definição, a variação de entalpia padrão de formação de um dado composto é a energia
envolvida na formação de um mol do composto a partir das substâncias simples dos elementos
que a constituem, em seus estados físicos e alotrópicos mais estáveis. Por exemplo, a entalpia
padrão do cloreto de sódio é definida segundo a reação:

Na(s) + ½ Cl2 (g) NaCl(s) Hf (NaCl)

A variação de entalpia ( H), para processos onde a pressão é constante, é igual à


quantidade de calor envolvida na transformação. Segundo a termodinâmica, se o calor entra do
ambiente para o sistema, este tem um sinal positivo. Se o sistema fornece calor para o
ambiente, então a quantidade de calor trocada terá sinal negativo. Em outras palavras, se o
calor é absorvido pelo sistema a pressão constante, H terá valores positivos. Tais processos
são ditos endotérmicos. Por outro lado, se o sistema libera calor (também com pressão
constante), o sinal de H será negativo; o que caracteriza um sistema exotérmico. Conhecer se
a formação de um composto se dá por um processo endotérmico ou exotérmico conduz a
importantes informações sobre a estabilidade do composto.
Além da entalpia (H), uma outra função termodinâmica importante em transformações
químicas é a entropia (S). A entropia é associada, na maioria das vezes, ao grau de ordem de
um sistema. Sistemas ordenados possuem valores menores de entropia do que sistemas onde
há desordem. Por exemplo, o estado sólido – mais organizado – possui um valor de entropia
menor que o estado gasoso. A segunda lei da termodinâmica estabelece que o aumento da
entropia do universo de análise é um processo espontâneo. A partir desta consideração,
define-se uma nova função termodinâmica, a Energia Livre de Gibbs (G):

G= H–T S (12)

A equação (12) é expressa em termos de variação da energia livre, entalpia e entropia, pois é
mais conveniente tratar da variação destas funções do que do valor em cada passo do
processo, uma vez que estas são funções de estado. Funções de estado são funções que
dependem apenas do estado inicial e final de um determinado processo. Considere um sistema
com suas propriedades definidas pelo ponto A (Figura 26). Se um dado procedimento leva o
sistema ao ponto B, agora suas propriedades serão definidas por este ponto. Para uma função
de estado, não importa como se deu processo de A para B, apenas que suas propriedades
antes eram definidas pelo ponto A e agora serão definidas pelo ponto B. Podem-se imaginar

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