(trecho de uma palestra do Reverendo Augusto Nicodemus, membro da Comissão
Permanente de Doutrina da IPB)
Quando se diz que um culto é teocêntrico queremos dizer que gira em
torno da pessoa de Deus. Quando dizemos que o culto é antropocêntrico estamos querendo dizer que aquele culto pode ser feito em nome de Deus, mas gira em torno do homem; Deus não recebeu a glória e a honra que lhe eram devida. Destacamos um movimento teológico que se chama arminianismo e que é adotado por algumas denominações oficialmente, mas que é instintivo à tendência do nosso coração. O arminianismo leva esse nome por causa do seu idealizador, um teólogo holandês chamado Tiago Armínio. Era um homem extremamente piedoso que que estava preocupado com o avanço do calvinismo na Holanda. Seus seguidores disseram o seguinte: Vamos falar sobre religião, sobre salvação e vamos dizer cinco coisas a respeito de salvação. Primeiro, livre-arbítrio; o homem, mesmo sendo pecador, tem a habilidade para escolher a Deus, pode escolher o bem ou o mal: ele é pecador mas é agente um livre, ele não precisa de nenhuma ajuda, nem de Deus, nem do diabo, ele faz isso por ele mesmo. Segundo, Deus não predestinou ninguém, o homem faz o seu próprio destino; Cristo morreu pelos pecados de todos os homens indistintamente e o homem será salvo se ele quiser ser salvo. Ele pode resistir à graça de Deus e como resultado ele pode cair da graça, pode perder a salvação. Então, ele pode escolher a Cristo, ele pode perder a sua salvação. Esse sistema que depende do homem recebeu o nome de arminianismo. É o sistema que predomina no evangelicalismo brasileiro hoje, que a salvação é vista como se dependesse inteiramente do homem. Cristo morreu pelos pecadores, mas o sacrifício de Cristo não adianta nada se o homem não decidir aceitar a Cristo, se não resolver ser salvo. Então, a ênfase deixa de ser na soberania de Deus, na vontade de Deus e na eficácia da cruz e passa a ser sobre o homem e sobre a responsabilidade que o homem tem. E o resultado desse sistema de salvação nós percebemos em muitas práticas de diversas igrejas. Se o homem é senhor do seu destino, se ele se converte quando ele quer, as pessoas podem inclusive fazer o planejamento de quantas conversões vão haver dentro de um ano, porque se quem vai decidir é o homem, você estuda o homem e vê o que pode levá-lo a tomar a decisão e aí você já pode prever que se começar um trabalho em determinado local, apresentar a mensagem da forma certa, em um ano você vai ter 30 conversões, em dois anos 60, com três você tem uma igreja, etc., porque a salvação é uma questão para o homem resolver, é o homem que vai decidir se quer ser salvo. Nessas igrejas você encontra também a idéia do perfeccionismo cristão, a crença na possibilidade de perfeição aqui neste mundo. Se o homem é capaz de decidir, ele é capaz de dominar-se e controlar a sua vontade de tal maneira que ele pode atingir o estado de perfeição aqui neste mundo. Curiosamente, essas mesmas igrejas que dizem que o homem pode alcançar a perfeição são as que dizem que ele pode perder a salvação se ele pecar. Essas inconsistências, essas contradições partem do arminianismo. Essa é a idéia, que o homem é senhor da salvação e que pode por ele mesmo decidir quando ele vai ser salvo. Deus está subordinado ou subjugado à vontade humana. Vamos supor: Deus gostaria que você fosse salvo, mas na verdade vai depender de você; Cristo morreu pelo mundo, mas infelizmente se o mundo não quiser, então, o sangue de Cristo foi derramado em vão. Deus torna-se dependente da vontade humana; não se fala de um Deus que intervém, um Deus que chama, que quebranta, que converte, que traz o pecador. Não se fala da eficácia da morte de Cristo; Deus fica subordinado à vontade humana.
O desejo de reavivamento é bíblico. É correto. O livro do
profeta Habacuque: “Aviva, oh Deus, a tua obra no decorrer dos anos. Faze notória a tua força e o teu nome entre as nações”, Hc 3. O profeta Isaías, freqüentemente, diz: “Oh, Deus! Se tu fendesse os céus e descesse”, “manifesta teu poder entre as nações”, “o teu povo se esqueceu de ti”, “o teu povo está adorando falsos deuses. Reaviva-nos, Senhor. Traze-nos de volta à verdadeira religião”. O mesmo nos Salmos. Salmo 85: “Não tornará a vivificar-nos, oh Deus, para que um dia se alegre o teu povo?”; Salmo 119, várias vezes o salmista diz: “vivifica-me, Senhor, com a tua palavra”, “vivifica-me para que eu obedeça aos seus mandamentos”. Então, o desejo de reavivamento, de ter a sua fé reavivada, de ver a verdadeira religião implantada na Terra, o reino de Deus crescendo, os pecadores se convertendo, o nome de Deus sendo glorificado, é um desejo legítimo que está no coração de todo verdadeiro cristão. Foi assim que Jesus nos ensinou a orar: “Venha o teu reino, seja feita a sua vontade aqui na terra como no céu”. São pedidos de reavivamento, por visitações poderosas de Deus aqui na Terra. As grandes reformas que aconteceram no Antigo Testamento, com o Rei Josias, Rei Ezequias, Rei Josafá, são exemplos dessas viradas que Deus faz quando tudo parece perdido; Ele visita o seu povo, o seu povo se arrepende dos seus pecados, abandona os ídolos, a igreja cresce, ela aparece com uma nova glória, com um novo vigor, poder extraordinário, causando impacto neste mundo. Historicamente temos muitos exemplos de reavivamentos espirituais: na China, na Europa, na África, África do Sul, em quantos lugares através da história isso não aconteceu? Mas, no século passado, houve um homem que se destacou na história da igreja por seu ministério na área de reavivalismo espiritual. O nome dele é Charles Finney. Talvez não tenha nome mais conhecido nessa área do que dele. Ele era uma advogado nascido em Nova Jersey, nos EUA. Nasceu na última década do século XVIII. Em 1821, ele teve uma experiência extraordinária de conversão. Finney fora criado na Igreja Presbiteriana e saiu da igreja cedo, pois não concordava com as idéias dos presbiterianos, especialmente com relação à predestinação. Vale dizer que a Igreja Congregacional nos EUA nessa época também era extremamente calvinista. Em 1821, já sendo um advogado, já na faixa dos 35 anos mais ou menos, ele começou a se sentir angustiado com relação a sua salvação. Tudo que ele aprendera na infância e na adolescência, começou a perturbá-lo. Num determinado dia, numa determinada hora, ele resolveu colocar a sua vida em ordem diante de Deus. E foi para um bosque onde passou o dia orando e ali decidiu aceitar a Cristo como seu salvador. Voltou para casa e ele nos narra – na sua autobiografia – que quando entrou no seu escritório, ele sentiu atravessado por ondas de amor, quase tão sensíveis como um choque elétrico. E ele disse que aquilo era um batismo com o Espírito Santo, de poder. Ele disse que sentiu a presença de Cristo tão fortemente que ele quase podia tocar nos pés e na túnica de Jesus. Ele, então, entendeu sua conversão como um resultado da decisão da sua vontade. Foi o dia que “ele decidiu” se converter a Cristo e que Deus lhe aquele batismo com o Espírito Santo. A partir daí, Finney começou a pregar e começou a impressionar as pessoas com o seu zelo e com sua ênfase no poder do homem para tomar a decisão. Lembrem que no ambiente calvinista e, infelizmente, o tipo de calvinismo que prevalecia na época de Finney era o hipercalvinismo ou ultracalvinismo, que enfatiza erradamente a doutrina da predestinação ao ponto de dizer que nós nem precisamos pregar, porque aqueles que Deus elegeu e predestinou se salvarão de qualquer jeito. Essa não é a doutrina da predestinação ensinada na Bíblia, nem a ensinada por João Calvino. Já é uma deturpação, porque o verdadeiro calvinismo tem produzido os maiores evangelistas que o mundo já viu: George Whitefield, Hudson Taylor, William Carey... todos eles eram calvinistas e deram suas vidas para levar o evangelho ao mundo inteiro. Então, é uma falsa interpretação do calvinismo essa que diz que a doutrina da predestinação é contrária à pregação do evangelho e à obra missionária. Então, o Finney reagiu contra esse ambiente hipercalvinista, foi para o outro lado e colocou toda a questão da salvação no homem. Reavivando então o arminianismo, que havia sido derrotado na Holanda. Finney reacendeu o arminianismo e foi mais além: ele disse que o homem é moralmente neutro, desenvolvendo uma doutrina próxima à de um herege do séc. IV, chamado Pelágio – que foi combatido por Agostinho. Pelágio – um líder da igreja pós-apostólica – disse que o homem nasce uma tabula rasa, uma folha em branco: ele não nasce com o pecado; o homem aprende a pecar, mas ele nasce neutro. E, nesse sentido, Finney é um pelagiano, tem essa mesma idéia com relação à natureza humana. Por isso que ele enfatizava que o homem era capaz de decidir. E interpretou sua conversão como sendo resultado da sua própria vontade. Mas essas idéias de Finney ainda não eram muito claras quando ele se converteu evidentemente. Em 1824, ele foi ordenado pastor presbiteriano, apesar de no exame da sua aprovação ter negado todas as doutrinas principais do presbiterianismo: a doutrina da depravação total – que é fundamental no calvinismo -, a doutrina da eleição, a doutrina da morte vicária de Cristo (vamos falar depois sobre isto, ele tinha uma outra idéia). Mas mesmo assim os presbiterianos estavam impressionados com ele. Era um evangelista tão zeloso e que atraía multidões. Os presbiterianos pensaram assim: “Vamos ordenar o rapaz, ele tá só começando e com o tempo ele vai amadurecer e se tornará um presbiteriano de verdade”. Foi o contrário: Finney influenciou todo o presbiterianismo daquela época, assim como os evangélicos do mundo todo até o dia de hoje. Alguém já disse que a influência dele é maior que a do teólogo suíço Karl Barth. Muito maior a influência de Finney que qualquer outro homem neste último século. Ordenado pastor, ele começou a pregar. Atraía multidões. Vocês todos estão familiarizados com o ministério de Finney. A Editora Betânia publicou aqui no Brasil, há muitos anos, algumas obras relacionadas com o nome dele. A mais conhecida é “Reavivamento: a Ciência de um Milagre”, também “Batismo de Poder” e outras obras dele ou sobre ele. Especialmente as palestras de Finney, que se tornaram a Bíblia dos reavivalistas e dos evangelistas; os métodos e princípios que ele coloca ali para produzir reavivamento. Até Finney, reavivamento era alguma coisa que a igreja esperava que Deus fizesse; podia orar e pedir a Deus, mas quem fazia era Deus. Depois de Finney, reavivamento é uma coisa que nós podemos produzir. Essa é a diferença entre reavivamento e reavivalismo. O reavivalismo é simplesmente o resultado do uso dos meios apropriados para se produzir conversões. No reavivamento as pessoas esperam que Deus abra os céus e soberanamente venha a terra. Muito bem, aqui estão algumas das convicções de Finney. Deixa eu contar um pouco mais da sua história. Ele saiu daquela ordenação para se tornar o maior evangelista da igreja moderna, segundo a avaliação de alguns. Calcula-se que mais de um milhão de pessoas tomou decisões por Cristo através do ministério de Finney. No fim da sua vida, o Finney foi para (...) onde começou a dar aulas no seminário e publicou alguns livros. Os dois mais importantes da sua carreira são a sua “Teologia Sistemática”, pouco conhecida aqui no Brasil – não sei se é traduzida aqui -, por isso muitos dos seus admiradores ficam surpresos quando falamos do seu pensamento, porque o que se conhece dele tem a ver com o seu ministério como evangelista e pouco se fala da sua teologia; outro livro importante é “Cartas Sobre Avivamento”, onde ele, amargamente, tristemente, reflete sobre os resultados do seu ministério. Ele volta atrás em muitas das suas posições, critica alguns dos seus seguidores e reconhece que muitos daqueles convertidos eram um problema para a igreja. Mas por que é importante sabermos sobre suas idéias? Porque vamos ver que a influência de Finney permanece até hoje dentro do movimento de reavivamento. Em primeiro lugar, com relação ao pecado, o que ele pensava? Ele dizia que o homem não é pecador por natureza. Ele comete pecado, mas não é pecador por natureza. Vejam vocês, que o ensino até antes de Finney – pelo menos nas igrejas históricas – era que o homem nasce pecador, porque ele é filho de pecador e nós transmitimos aos nossos filhos a corrupção que nós mesmos já recebemos dos nossos pais. Nós transmitimos não somente a culpa que vem desde Adão – somos uma raça culpada por causa dos pecados dos nossos primeiros pais -, mas transmitimos também a corrupção, a tendência para o pecado. Quer dizer, que o meu filho já nasce pecador e inclinado para o mal. Essa é a doutrina do Pecado Original e da Depravação Total da raça humana. Depravação Total quer dizer: cada aspecto da personalidade humana foi afetado pelo pecado; toda dimensão da existência humana é afetada pelo pecado, daí depravação total. E isso é passado para os nossos filhos por geração ordinária. Mas Finney disse: “Não, isso não é verdade. O homem é moralmente neutro, ele não nasce pecador, se torna pecador a medida que usa sua vontade, quando ele livre e espontaneamente começa a praticar o pecado”. Esse ponto é extremamente importante. O homem é neutro e sua vontade é livre; a sua natureza não é necessariamente corrompida. Essa perspectiva de Finney está na base do seu método para produzir avivamento. Segunda coisa, o pensamento de Finney sobre a regeneração. O que entendemos por isso? Bem, se acreditamos que o homem é degenerado, que sua natureza é corrompida, entendemos que ele não pode ser salvo se não houver uma regeneração. A regeneração é a obra miraculosa pela qual Deus transforma o nosso coração, nos dá uma nova vida, nos faz uma nova criatura. Nós acreditamos – essa é a crença conservadora, tradicional, histórica – que no processo de salvação Deus é que regenera o pecador. É o que chamamos de Novo Nascimento, essa mudança é tão grande que é como se a pessoa nascesse outra vez. Mas se você não acredita que o homem é corrompido no seu coração, não há espaço para a doutrina da regeneração. Regenerar o quê? Não tem nada degenerado. Se o homem é neutro moralmente, então, não precisa você falar de uma transformação operada pelo Espírito Santo. É exatamente assim que Finney via. Não há milagre de regeneração, o que existe é uma decisão do homem. Para Finney, é aquela decisão que o homem toma que a partir desse momento ele vai obedecer a Deus e fazer a vontade de Deus. Ele vai crer em Deus e para isso não precisa regeneração porque o homem é moralmente neutro. É simplesmente mudança de intenção. O homem decide a partir daquela data que ele vai seguir a Deus, ele vira as costas para o pecado e pra isso não precisa ser regenerado, a mudança é na vontade e não na natureza do homem. O que acontece, então, na obra da regeneração? Finney diz que Deus apenas persuade, o máximo que o Espírito Santo pode fazer é tentar persuadir o pecador mostrando as belezas do Evangelho, as promessas de Deus, as perspectivas da vida eterna e os horrores da condenação. É máximo que o Espírito Santo pode fazer. Mas entrar no coração e transformar a vontade do homem, Finney não acredita nisso. Então, a tarefa do pregador passa a ser exatamente essa: o pregador tem como objetivo – especialmente o avivalista – quebrar a vontade dos seus ouvintes e persuadir os seus ouvintes a tomar uma decisão e naquele momento seguir a Cristo, deixar o pecado e se voltar para Deus. Por que essa pressão? Porque ele acredita que qualquer pecador, a qualquer momento, pode por si mesmo, decidir aceitar a Cristo. Se você acredita que o homem é pecador, que está morto em seus pecados, que ele está preso ao pecado, que ele está cego, você que o homem por si mesmo não pode fazer isso, a não ser que Deus venha, ilumine o seu coração, avive o sua vontade e regenere para que ele possa tomar essa decisão. Se não, ele está morto. Finney ensinou exatamente o contrário. Porque ele acreditava que o homem não é depravado no seu coração, o homem pode tomar a decisão caso ele queira. E a tarefa do evangelista é exatamente persuadir os pecadores a tomar essa decisão aqui e agora. Os primeiros livros que li quando me converti foram os livros dele. E durante três anos, como novo convertido, queria ser igual a ele, pregava parecido com ele e queria ter os mesmos resultados que ele tinha. E como não deu certo eu vi que alguma coisa estava errada. Depois descobri que Deus me chamou. Muito bem, com relação à Justificação, a doutrina tradicional diz o seguinte: nós somos pecadores, mortos em nossas ofensas, incapazes de nos convertermos por nós mesmos, incapazes de achar a Deus por nós mesmos e Deus não tem como nos receber a não ser imputando sobre nós a justiça de outro homem, que é Cristo. Então, o que é a Justificação? É o ato pelo qual Deus pega a justiça de Cristo e transfere pra nós. Lutero chamava isso de Justiça Alienígena (hoje o nome tem outra conotação). É uma justiça que vem de fora, não minha, mas de outra pessoa. Eu sou justificado não pela minha justiça, mas pela justiça de um estranho, que é Cristo. Então, no processo da Salvação, Deus toma a justiça de Cristo, os méritos de Cristo, e os imputa a mim. E agora Deus olha pra mim e me vê em Cristo. É por isso que ele me perdoa, me recebe, me adota como seu filho, me abençoa e me salvará eternamente, porque eu sou justificado através de Jesus. A justiça de Cristo me foi dada e o meu pecado foi lançado sobre Cristo. Lá na cruz, Deus o fez pecado em meu lugar para que nele eu fosse feito justiça de Deus. Ora, partindo do pressuposto de que o homem é moralmente neutro e não pecador por natureza, Finney não podia aceitar esse tipo de doutrina. Então, em vez de falar em Justificação ele fala em Anistia. Pode ser uma distinção muito fina, mas a diferença é enorme. Quer dizer, quando eu resolvo seguir a Cristo e aceitar o Evangelho, quando eu, pela minha própria vontade, me converto a Deus, Deus perdoa os meus pecados. Não há essa noção de que a justiça do outro me é dada. Deus simplesmente perdoa os meus pecados e eu sou uma pessoa perdoada. A idéia de que o sacrifício, as virtudes de Cristo me são dadas não existe, o homem é anistiado em vez de justificado. Santificação. Finney acreditava na perfeição cristã. Que era o resultado lógico de todo esse pensamento. Se você vem nessa linha, o próximo passo é você dizer que esse homem todo-poderoso, que tem poder para se converter por si mesmo e se voltar para Deus na hora que ele queira, ele também pode pela sua vontade se manter no estado onde ele não peca. Veja bem, se ele é livre para decidir a hora que ele quer seguir a Deus, se a sua vontade é tão livre que ele pode a qualquer momento tomar a decisão, significa que essa mesma vontade pode mantê-lo livre do pecado: quem pode o maior, pode o menor. Então, ele acreditava que o cristão, uma vez que ele tomou essa decisão de se voltar pra Deus ele podia se manter nessa decisão sem pecar. Porque ele atribuía á vontade do homem um poder extraordinário. Então, o processo de Santificação para Finney era manter-se nesse patamar. Tradicionalmente, o processo de Santificação é entendido como sendo inacabado aqui neste mundo. Nós todos estamos no processo de Santificação, mas ele é incompleto. Por que? Porque admitimos que temos pecado, a nossa natureza é corrompida, ela é pecadora. Por mais que mortifiquemos essa natureza, com a graça do Espírito Santo, sempre ela pode emergir, ela não é extirpada quando nos convertemos, ela é mortificada. A Bíblia fala de um processo de Santificação que vai até o fim nesta vida. Mas já que Finney não acreditava numa natureza corrompida, ele podia falar em termos de perfeição. Só que esse crente perfeito pode cair desse estado e perder a salvação. Era o pensamento que Finney desenvolveu mais no fim da sua vida, que é a conclusão lógica: se a vontade do crente é todo-poderosa tanto para um lado quanto para o outro [ele pode escolher mudar de idéia]. Não é à toa que alguns críticos se perguntam se ele era de fato evangélico. Mas, como disse, não estou aqui para isso, quero apenas ver como essas idéias começaram o reavivalismo. Para vocês não pensarem que eu estou exagerando, a Teologia de Finney pode ser encontrada nas bibliotecas de seminários de denominações que seguem essa linha. Como é que isso influenciou seu ministério? Ele começou a promover reuniões de reavivamento espiritual. Por que? Porque ele acreditava – já que religião é uma obra do homem – ele acreditava que se você influenciar o homem da forma certa, você vai fazer com que ele se converta. Nessas reuniões ele começou a promover o emocionalismo religioso nos seus ouvintes. Ele começou a usar meios para quebrar a vontade das pessoas através de apelos, músicas e o famoso “banco dos ansiosos”. Atacava violentamente (...) e introduziu novos métodos. Vocês sabem como é que começou o sistema de apelos? Com o Finney. Pra nós hoje parece que foi uma coisa que a igreja sempre praticou. Vocês sabem, não é? Após uma pregação evangelística, “quem quer aceitar a Cristo levante a mão”, “decida agora”, ou “fique em pé”, “venha à frente”. Então, esse método de colocar pressão, pedir uma decisão imediata, começa com ele. Deixa eu contar uma história que ilustra esse ponto. Um homem que viveu um pouco antes de Finney foi o famoso batista calvinista Charles Spurgeon. Spurgeon tinha uma congregação de 3 mil pessoas e ele batizava anualmente 100 novos convertidos. Nunca fazia apelo, nem os batistas, presbiterianos, congregacionais e outros. O apelo estava na linguagem: ele pregava o evangelho e durante a mensagem dizia: “Você precisa converter-se a Jesus. Venha a Cristo Jesus. A graça de Deus lhe convida. A Bíblia diz que se você vier a Cristo não será lançado fora”; ele encerrava o sermão e dizia: “Segunda-feira estarei no meu escritório. Quem quiser vir conversar comigo pode vir. Mas pedir uma decisão imediata, na bucha, isso nunca foi feito. Quando Spurgeon morreu, seus diáconos elegeram outro pastor influenciado pelos métodos de Finney. Não deu outra. No primeiro domingo o homem pregou o sermão, bam! Apelo na hora, para os pecadores se converterem. Aí os diáconos chamaram o pastor e disseram: “Pastor, nós não fazemos isso aqui não”, aí o Pastor disse: “Eu acredito que a gente tem que bater no ferro enquanto ele está quente”. Aí os diáconos de Spurgeon responderam: “Se o ferro foi aquecido pelo Espírito Santo, vai ficar quente até a segunda-feira”. Percebem a diferença? Porque Finney entendia que religião é algo da decisão humana, você tem que esquentar a vontade do homem, persuadi-lo e naquela hora levá-lo a uma decisão. Se você entende que o homem é um pecador, preso ao seu pecado e que ele não pode se converter por ele mesmo, você vai pregar o evangelho do mesmo jeito, mas você vai esperar que o Espírito Santo produza uma verdadeira convicção de pecado e uma regeneração na consciência. Você tem medo de produzir falsas decisões. O sistema de apelo provocou um rebuliço naquela época. Muitos protestaram. Vocês sabem quando começou música na hora do apelo? Com o Finney, claro. Porque, veja bem, o objetivo da música é impressionar psicologicamente o pecador e dispor a vontade dele a tomar uma decisão. Veja como isso influencia o evangelicalismo de hoje: vocês sabiam que algumas dessas grandes cruzadas em estádios na hora que o evangelista diz “fecha os seus olhos”, “tome essa decisão” ou “venha para Cristo”, tem pessoas chaves, obreiros, espalhados pelo estádio que se levantam e vem para frente? Pra quê ? Para, pelo seu exemplo, estimular o pecador a fazer a mesma coisa. Alguns colocam até o barulho de passos, de gente se levantando e descendo, nas caixas de som. Pra quê? Pra provocar um ambiente em que o pecador se estimule a tomar uma decisão. Então, isso que vocês fazem na sua igreja – e vocês não sabiam – começou com o Finney e tem origem nesse conceito que conversão é uma coisa que depende exclusivamente da vontade do homem. Ele não tem que ser preparado pelo Espírito Santo. Ele pode se decidir a hora que ele quiser. Então, sua tarefa é usar de todos os meios possíveis pra que ele tome a decisão na hora. Vocês estão percebendo porque eu disse que Finney é a pessoa mais importante dentro do movimento de reavivamento moderno? Então, Finney produziu esse tipo de coisa: o reavivamento é uma coisa que pode ser produzida. Ouvi uma vez uma história contada pelo famoso avivalista, Edwin Orr; ele é da geração anterior a nós. Ele esteve no Brasil muitas vezes. Ele conta sobre a influência de Finney: uma vez, viajando nos EUA, ele passou numa cidade e estava escrito: “Reavivamento aqui todas às segundas- feiras”; na próxima cidade estava uma placa dizendo: “Reavivamento aqui todos os dias da semana, menos na segunda-feira”. O que está por detrás dessa idéia? Que reavivamento é uma coisa que a igreja produz. Para encerrar essa parte vou dizer o seguinte: quando uma igreja vai mal, tem poucos convertidos, reunião de oração está fraca, há problemas, pecado na igreja, os filhos dos crentes estão desviados, a igreja está numa situação muito ruim; antigamente, antes de Finney, sabe o que é que se fazia? Os diáconos e presbíteros se reuniam e diziam: “Alguma coisa está errada. Deus está triste conosco. O que vamos fazer?” Eles examinavam suas vidas, colocavam-se diante de Deus, confessando seus pecados, buscando a Deus – às vezes em jejum e oração – dizendo: “Oh, Deus! Por que estamos assim? Por que estás triste conosco? Tem compaixão de nós! Visita o seu povo! Aviva-nos, Senhor!” Mas depois de Finney, quando as coisas vão mal, a gente faz uma campanha evangelística. A gente separa uma determinada semana, traz um grande pregador, prepara todo o ambiente, faz uns convites, prepara o culto... tem que ter o apelo, não é isso? Não é essa a prática normal – normalíssima – nas igrejas hoje? Ou seja, em vez da igreja examinar-se ela resolve produzir um avivamento chamando um especialista para pregar uma semana. E o pior é que quando o avivalista vai embora o avivamento vai com ele. Depois de duas semanas a igreja está do mesmo jeito de antes da chegada dele, porque não é assim que vai se resolver o problema. Quando a igreja aceita esses pressupostos de Finney e acredita que deve levar o homem a uma decisão, então, tudo é feito para agradá-lo – até escrevi um artigo sobre isso na revista Ultimato, “Discípulos ou consumidores” – as igrejas passam a ver as pessoas que a freqüentam da mesma maneira da mesma maneira como as firmas no mercado vêem os seus consumidores: procuram agradar e promover uma variedade cada vez maior de programações para que as pessoas continuem nas igrejas e se sintam atraídas. A ênfase em programações variadas, pessoas diferentes, um cardápio bem diversificado para que os membros da igreja se sintam à vontade. Porque, hoje em dia, as pessoas mudam de igreja com muita facilidade. As pessoas estão indo para a igreja, não porque elas querem ouvir à verdade, mas porque elas querem se sentir bem: elas vão lá porque a música é boa, o pregador as faz se sentirem à vontade. Não querem nem saber se o pregador pregou a verdade, querem saber se sentiram-se bem com a pregação, e quando começam a se desagradarem com ela, muda de igreja. A rotatividade hoje é muito grande e os pastores se sentem muito pressionados a ceder à tentação de dar ao povo o que o povo quer e fazer esse tipo de coisa. Pelo menos, na minha avaliação, existe uma coisa boa no movimento de reavivamento moderno que é o fato de chamar a atenção da igreja para a realidade e a possibilidade do nosso Deus poder vir ao nosso socorro quando tudo parece ir mal na vida da igreja. Então, o movimento mostra que nós não devemos ficar passivamente esperando uma solução, mas usando os meios legítimos para buscar a presença de Deus na nossa igreja. Mas precisamos fazer reparo em algumas coisas para esse movimento baseado na teologia de Charles Finney. Em primeiro lugar, quanto aos resultados. Igrejas incendiadas por um fogo falso passam a ter medo do verdadeiro fogo do Espírito Santo. Muitas das igrejas tradicionais hoje que são contra a renovação espiritual é porque no passado elas foram rachadas, divididas e passaram por crises relacionadas com esse movimento de reavivamento. São igrejas que foram queimadas com um fogo falso. Traduzindo: gato escaldado tem medo de água fria. Infelizmente, esse movimento de reavivamento, de reavivalismo, tem produzido esse tipo de coisa em muitos lugares. No próprio ministério de Finney e também nas próprias campanhas dos grandes evangelistas de hoje que tem adotado seus métodos, vemos que aqueles que um dia tomaram uma decisão pressionados por um apelo que foi feito e que decidiram movidos pelo sentimento do momento e que uma vez que o sentimento produzido no calor do momento passou e tudo voltou a ser como era antes, muitas dessas pessoas estão desanimadas: “Já fui à frente uma vez, nada aconteceu comigo. Levantei a mão, nada aconteceu, não vou tentar uma segunda vez”. Então, os resultado têm sido poucos, temporários e superficiais. Estou dizendo isso porque o próprio Finney, no livro que ele escreveu, “Cartas sobre reavivamento” – é uma compilação de cartas que ele escrevia diariamente num jornal – ele admite que muitos dos seus convertidos haviam voltado atrás, esfriados na fé e eram uma pedra de tropeço nas igrejas que eles se encontravam. Isso não recebe divulgação no Brasil, parece que não há interesse em publicar esse tipo de coisa. Um outro reparo a essa metodologia é a introdução desse elemento psicológico na produção de conversões. Nesse livro, Finney conta uma experiência que ele teve. Ele foi o primeiro a criar o sistema de ter uma equipe que ia na frente do evangelista para preparar o ambiente, depois o evangelista chegava para pregar o evangelho. Tinha uma equipe de pastores que ia na frente dele na cidade onde ia fazer as grandes campanhas e essa equipe armava o palco, fazia os convites, procurava botar os pastores da região para orar e estarem juntos convidando as pessoas. E Finney foi fazer uma campanha dessas em Nova York, a equipe foi na frente e ele, por alguma razão, chegou mais cedo do que era para chegar. Ele foi entrando pelo meio da multidão que estava reunida nesse grande espaço onde ele era esperado como pregador principal. Lá no meio da multidão ele viu o que seus pastores estavam fazendo para preparar o ambiente. Eles já haviam, durante três dias, tentado de tudo para produzir um ambiente psicologicamente favorável no meio da multidão e não estava dando certo. E, finalmente, os pastores se reuniram na plataforma e conversaram entre si. Um, o mais alto e com voz mais forte, começou a gritar: “Poder! Poder! Poder!”, várias vezes, aí a multidão começou também: “Poder! Poder! Poder!”, batendo as palmas, “Poder! Poder”, aí a multidão entrou em delírio, êxtase; as mulheres começaram a gritar, caíram no chão, os homens também começaram a gritar e aquele emocionalismo todo. Então, aquele pastor disse: “Meus irmãos, o Deus de poder, está entre nós; o Espírito Santo acaba de chegar para nos abençoar”. E Finney escreve depois: “Poder de Deus coisa nenhuma! Nenhuma oração foi feita, não houve pregação da Palavra, nada, nada. Isso foi simplesmente psicologia humana”. O próprio Finney criticando o movimento que ele mesmo havia começado. Vocês notam, por exemplo, como os dirigentes de louvor, às vezes recebem uma tarefa muito difícil que é exatamente fazer o povo se sentir bem, fazer o povo entrar numa boa psicologicamente. Então, se utiliza uma série de técnicas para isso; tem até aeróbica evangélica, não é? A idéia é fazer com que o povo se sinta bem. Alguns contam até umas piadas engraçadas para o povo rir e relaxar um pouco. Mas tudo isso num nível psicológico. Não é que psicologia em si esteja errada, a pergunta é se esse é o tipo de preparação que o povo de Deus precisa para ouvir a Palavra de Deus. Às vezes dirigimos as coisas no culto querendo que o povo entre num estado emocional apropriado. Há um risco de produzirmos aquele tipo de crente como aquela mulher que saiu do culto e disse para o pastor: “Pastor, seu sermão foi uma benção! Não entendi nada do que o senhor disse, mas o culto... Olha, me senti tão bem!” Outra coisa que precisamos falar sobre sua teologia é que ela acaba diminuindo o sobrenatural e a ação de Deus, a morte substitutiva e vicária de Cristo e anulando a operação do Espírito Santo na conversão. Isso já chega perto da heterodoxia. Sei que muitos irmãos que adotaram esses métodos amam a Deus, fizeram isso com o coração sincero. E espero que essas informações produzam reflexões sobre seus ministérios, sobre suas metodologias e a razão pela qual vocês fazem as coisas na sua igreja.