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(trecho de uma palestra do Reverendo Augusto Nicodemus, membro da Comissão

Permanente de Doutrina da IPB)

Quando se diz que um culto é teocêntrico queremos dizer que gira em


torno da pessoa de Deus. Quando dizemos que o culto é antropocêntrico
estamos querendo dizer que aquele culto pode ser feito em nome de Deus, mas
gira em torno do homem; Deus não recebeu a glória e a honra que lhe eram
devida. Destacamos um movimento teológico que se chama arminianismo e
que é adotado por algumas denominações oficialmente, mas que é instintivo à
tendência do nosso coração. O arminianismo leva esse nome por causa do seu
idealizador, um teólogo holandês chamado Tiago Armínio. Era um homem
extremamente piedoso que que estava preocupado com o avanço do
calvinismo na Holanda. Seus seguidores disseram o seguinte: Vamos falar
sobre religião, sobre salvação e vamos dizer cinco coisas a respeito de
salvação. Primeiro, livre-arbítrio; o homem, mesmo sendo pecador, tem a
habilidade para escolher a Deus, pode escolher o bem ou o mal: ele é pecador
mas é agente um livre, ele não precisa de nenhuma ajuda, nem de Deus, nem
do diabo, ele faz isso por ele mesmo. Segundo, Deus não predestinou
ninguém, o homem faz o seu próprio destino; Cristo morreu pelos pecados de
todos os homens indistintamente e o homem será salvo se ele quiser ser salvo.
Ele pode resistir à graça de Deus e como resultado ele pode cair da graça,
pode perder a salvação. Então, ele pode escolher a Cristo, ele pode perder a
sua salvação.
Esse sistema que depende do homem recebeu o nome de arminianismo.
É o sistema que predomina no evangelicalismo brasileiro hoje, que a salvação
é vista como se dependesse inteiramente do homem. Cristo morreu pelos
pecadores, mas o sacrifício de Cristo não adianta nada se o homem não decidir
aceitar a Cristo, se não resolver ser salvo. Então, a ênfase deixa de ser na
soberania de Deus, na vontade de Deus e na eficácia da cruz e passa a ser
sobre o homem e sobre a responsabilidade que o homem tem. E o resultado
desse sistema de salvação nós percebemos em muitas práticas de diversas
igrejas. Se o homem é senhor do seu destino, se ele se converte quando ele
quer, as pessoas podem inclusive fazer o planejamento de quantas conversões
vão haver dentro de um ano, porque se quem vai decidir é o homem, você
estuda o homem e vê o que pode levá-lo a tomar a decisão e aí você já pode
prever que se começar um trabalho em determinado local, apresentar a
mensagem da forma certa, em um ano você vai ter 30 conversões, em dois
anos 60, com três você tem uma igreja, etc., porque a salvação é uma questão
para o homem resolver, é o homem que vai decidir se quer ser salvo. Nessas
igrejas você encontra também a idéia do perfeccionismo cristão, a crença na
possibilidade de perfeição aqui neste mundo. Se o homem é capaz de decidir,
ele é capaz de dominar-se e controlar a sua vontade de tal maneira que ele
pode atingir o estado de perfeição aqui neste mundo. Curiosamente, essas
mesmas igrejas que dizem que o homem pode alcançar a perfeição são as que
dizem que ele pode perder a salvação se ele pecar. Essas inconsistências, essas
contradições partem do arminianismo. Essa é a idéia, que o homem é senhor
da salvação e que pode por ele mesmo decidir quando ele vai ser salvo. Deus
está subordinado ou subjugado à vontade humana. Vamos supor: Deus
gostaria que você fosse salvo, mas na verdade vai depender de você; Cristo
morreu pelo mundo, mas infelizmente se o mundo não quiser, então, o sangue
de Cristo foi derramado em vão. Deus torna-se dependente da vontade
humana; não se fala de um Deus que intervém, um Deus que chama, que
quebranta, que converte, que traz o pecador. Não se fala da eficácia da morte
de Cristo; Deus fica subordinado à vontade humana.

O desejo de reavivamento é bíblico. É correto. O livro do


profeta Habacuque: “Aviva, oh Deus, a tua obra no decorrer dos anos. Faze notória
a tua força e o teu nome entre as nações”, Hc 3. O profeta Isaías, freqüentemente,
diz: “Oh, Deus! Se tu fendesse os céus e descesse”, “manifesta teu poder entre as
nações”, “o teu povo se esqueceu de ti”, “o teu povo está adorando falsos deuses.
Reaviva-nos, Senhor. Traze-nos de volta à verdadeira religião”. O mesmo nos
Salmos. Salmo 85: “Não tornará a vivificar-nos, oh Deus, para que um dia se
alegre o teu povo?”; Salmo 119, várias vezes o salmista diz: “vivifica-me, Senhor,
com a tua palavra”, “vivifica-me para que eu obedeça aos seus mandamentos”.
Então, o desejo de reavivamento, de ter a sua fé reavivada, de ver a verdadeira
religião implantada na Terra, o reino de Deus crescendo, os pecadores se
convertendo, o nome de Deus sendo glorificado, é um desejo legítimo que está no
coração de todo verdadeiro cristão. Foi assim que Jesus nos ensinou a orar: “Venha
o teu reino, seja feita a sua vontade aqui na terra como no céu”. São pedidos de
reavivamento, por visitações poderosas de Deus aqui na Terra. As grandes
reformas que aconteceram no Antigo Testamento, com o Rei Josias, Rei Ezequias,
Rei Josafá, são exemplos dessas viradas que Deus faz quando tudo parece perdido;
Ele visita o seu povo, o seu povo se arrepende dos seus pecados, abandona os
ídolos, a igreja cresce, ela aparece com uma nova glória, com um novo vigor,
poder extraordinário, causando impacto neste mundo.
Historicamente temos muitos exemplos de reavivamentos
espirituais: na China, na Europa, na África, África do Sul, em quantos lugares
através da história isso não aconteceu? Mas, no século passado, houve um homem
que se destacou na história da igreja por seu ministério na área de reavivalismo
espiritual. O nome dele é Charles Finney. Talvez não tenha nome mais conhecido
nessa área do que dele.
Ele era uma advogado nascido em Nova Jersey, nos EUA.
Nasceu na última década do século XVIII. Em 1821, ele teve uma experiência
extraordinária de conversão. Finney fora criado na Igreja Presbiteriana e saiu da
igreja cedo, pois não concordava com as idéias dos presbiterianos, especialmente
com relação à predestinação. Vale dizer que a Igreja Congregacional nos EUA
nessa época também era extremamente calvinista. Em 1821, já sendo um
advogado, já na faixa dos 35 anos mais ou menos, ele começou a se sentir
angustiado com relação a sua salvação. Tudo que ele aprendera na infância e na
adolescência, começou a perturbá-lo. Num determinado dia, numa determinada
hora, ele resolveu colocar a sua vida em ordem diante de Deus. E foi para um
bosque onde passou o dia orando e ali decidiu aceitar a Cristo como seu salvador.
Voltou para casa e ele nos narra – na sua autobiografia – que quando entrou no seu
escritório, ele sentiu atravessado por ondas de amor, quase tão sensíveis como um
choque elétrico. E ele disse que aquilo era um batismo com o Espírito Santo, de
poder. Ele disse que sentiu a presença de Cristo tão fortemente que ele quase podia
tocar nos pés e na túnica de Jesus. Ele, então, entendeu sua conversão como um
resultado da decisão da sua vontade. Foi o dia que “ele decidiu” se converter a
Cristo e que Deus lhe aquele batismo com o Espírito Santo.
A partir daí, Finney começou a pregar e começou a
impressionar as pessoas com o seu zelo e com sua ênfase no poder do homem para
tomar a decisão. Lembrem que no ambiente calvinista e, infelizmente, o tipo de
calvinismo que prevalecia na época de Finney era o hipercalvinismo ou
ultracalvinismo, que enfatiza erradamente a doutrina da predestinação ao ponto de
dizer que nós nem precisamos pregar, porque aqueles que Deus elegeu e
predestinou se salvarão de qualquer jeito. Essa não é a doutrina da predestinação
ensinada na Bíblia, nem a ensinada por João Calvino. Já é uma deturpação, porque
o verdadeiro calvinismo tem produzido os maiores evangelistas que o mundo já
viu: George Whitefield, Hudson Taylor, William Carey... todos eles eram
calvinistas e deram suas vidas para levar o evangelho ao mundo inteiro. Então, é
uma falsa interpretação do calvinismo essa que diz que a doutrina da predestinação
é contrária à pregação do evangelho e à obra missionária.
Então, o Finney reagiu contra esse ambiente hipercalvinista, foi
para o outro lado e colocou toda a questão da salvação no homem. Reavivando
então o arminianismo, que havia sido derrotado na Holanda. Finney reacendeu o
arminianismo e foi mais além: ele disse que o homem é moralmente neutro,
desenvolvendo uma doutrina próxima à de um herege do séc. IV, chamado Pelágio
– que foi combatido por Agostinho. Pelágio – um líder da igreja pós-apostólica –
disse que o homem nasce uma tabula rasa, uma folha em branco: ele não nasce
com o pecado; o homem aprende a pecar, mas ele nasce neutro. E, nesse sentido,
Finney é um pelagiano, tem essa mesma idéia com relação à natureza humana. Por
isso que ele enfatizava que o homem era capaz de decidir. E interpretou sua
conversão como sendo resultado da sua própria vontade. Mas essas idéias de
Finney ainda não eram muito claras quando ele se converteu evidentemente. Em
1824, ele foi ordenado pastor presbiteriano, apesar de no exame da sua aprovação
ter negado todas as doutrinas principais do presbiterianismo: a doutrina da
depravação total – que é fundamental no calvinismo -, a doutrina da eleição, a
doutrina da morte vicária de Cristo (vamos falar depois sobre isto, ele tinha uma
outra idéia). Mas mesmo assim os presbiterianos estavam impressionados com ele.
Era um evangelista tão zeloso e que atraía multidões. Os presbiterianos pensaram
assim: “Vamos ordenar o rapaz, ele tá só começando e com o tempo ele vai
amadurecer e se tornará um presbiteriano de verdade”. Foi o contrário: Finney
influenciou todo o presbiterianismo daquela época, assim como os evangélicos do
mundo todo até o dia de hoje. Alguém já disse que a influência dele é maior que a
do teólogo suíço Karl Barth. Muito maior a influência de Finney que qualquer
outro homem neste último século.
Ordenado pastor, ele começou a pregar. Atraía multidões.
Vocês todos estão familiarizados com o ministério de Finney. A Editora Betânia
publicou aqui no Brasil, há muitos anos, algumas obras relacionadas com o nome
dele. A mais conhecida é “Reavivamento: a Ciência de um Milagre”, também
“Batismo de Poder” e outras obras dele ou sobre ele. Especialmente as palestras de
Finney, que se tornaram a Bíblia dos reavivalistas e dos evangelistas; os métodos e
princípios que ele coloca ali para produzir reavivamento. Até Finney,
reavivamento era alguma coisa que a igreja esperava que Deus fizesse; podia orar e
pedir a Deus, mas quem fazia era Deus. Depois de Finney, reavivamento é uma
coisa que nós podemos produzir. Essa é a diferença entre reavivamento e
reavivalismo. O reavivalismo é simplesmente o resultado do uso dos meios
apropriados para se produzir conversões. No reavivamento as pessoas esperam que
Deus abra os céus e soberanamente venha a terra. Muito bem, aqui estão algumas
das convicções de Finney. Deixa eu contar um pouco mais da sua história.
Ele saiu daquela ordenação para se tornar o maior evangelista
da igreja moderna, segundo a avaliação de alguns. Calcula-se que mais de um
milhão de pessoas tomou decisões por Cristo através do ministério de Finney. No
fim da sua vida, o Finney foi para (...) onde começou a dar aulas no seminário e
publicou alguns livros. Os dois mais importantes da sua carreira são a sua
“Teologia Sistemática”, pouco conhecida aqui no Brasil – não sei se é traduzida
aqui -, por isso muitos dos seus admiradores ficam surpresos quando falamos do
seu pensamento, porque o que se conhece dele tem a ver com o seu ministério
como evangelista e pouco se fala da sua teologia; outro livro importante é “Cartas
Sobre Avivamento”, onde ele, amargamente, tristemente, reflete sobre os
resultados do seu ministério. Ele volta atrás em muitas das suas posições, critica
alguns dos seus seguidores e reconhece que muitos daqueles convertidos eram um
problema para a igreja.
Mas por que é importante sabermos sobre suas idéias? Porque
vamos ver que a influência de Finney permanece até hoje dentro do movimento de
reavivamento. Em primeiro lugar, com relação ao pecado, o que ele pensava? Ele
dizia que o homem não é pecador por natureza. Ele comete pecado, mas não é
pecador por natureza. Vejam vocês, que o ensino até antes de Finney – pelo menos
nas igrejas históricas – era que o homem nasce pecador, porque ele é filho de
pecador e nós transmitimos aos nossos filhos a corrupção que nós mesmos já
recebemos dos nossos pais. Nós transmitimos não somente a culpa que vem desde
Adão – somos uma raça culpada por causa dos pecados dos nossos primeiros pais
-, mas transmitimos também a corrupção, a tendência para o pecado. Quer dizer,
que o meu filho já nasce pecador e inclinado para o mal. Essa é a doutrina do
Pecado Original e da Depravação Total da raça humana. Depravação Total quer
dizer: cada aspecto da personalidade humana foi afetado pelo pecado; toda
dimensão da existência humana é afetada pelo pecado, daí depravação total. E isso
é passado para os nossos filhos por geração ordinária. Mas Finney disse: “Não, isso
não é verdade. O homem é moralmente neutro, ele não nasce pecador, se torna
pecador a medida que usa sua vontade, quando ele livre e espontaneamente começa
a praticar o pecado”. Esse ponto é extremamente importante. O homem é neutro e
sua vontade é livre; a sua natureza não é necessariamente corrompida. Essa
perspectiva de Finney está na base do seu método para produzir avivamento.
Segunda coisa, o pensamento de Finney sobre a regeneração. O que entendemos
por isso? Bem, se acreditamos que o homem é degenerado, que sua natureza é
corrompida, entendemos que ele não pode ser salvo se não houver uma
regeneração. A regeneração é a obra miraculosa pela qual Deus transforma o nosso
coração, nos dá uma nova vida, nos faz uma nova criatura. Nós acreditamos – essa
é a crença conservadora, tradicional, histórica – que no processo de salvação Deus
é que regenera o pecador. É o que chamamos de Novo Nascimento, essa mudança
é tão grande que é como se a pessoa nascesse outra vez. Mas se você não acredita
que o homem é corrompido no seu coração, não há espaço para a doutrina da
regeneração. Regenerar o quê? Não tem nada degenerado. Se o homem é neutro
moralmente, então, não precisa você falar de uma transformação operada pelo
Espírito Santo. É exatamente assim que Finney via. Não há milagre de
regeneração, o que existe é uma decisão do homem. Para Finney, é aquela decisão
que o homem toma que a partir desse momento ele vai obedecer a Deus e fazer a
vontade de Deus. Ele vai crer em Deus e para isso não precisa regeneração porque
o homem é moralmente neutro. É simplesmente mudança de intenção. O homem
decide a partir daquela data que ele vai seguir a Deus, ele vira as costas para o
pecado e pra isso não precisa ser regenerado, a mudança é na vontade e não na
natureza do homem. O que acontece, então, na obra da regeneração? Finney diz
que Deus apenas persuade, o máximo que o Espírito Santo pode fazer é tentar
persuadir o pecador mostrando as belezas do Evangelho, as promessas de Deus, as
perspectivas da vida eterna e os horrores da condenação. É máximo que o Espírito
Santo pode fazer. Mas entrar no coração e transformar a vontade do homem,
Finney não acredita nisso. Então, a tarefa do pregador passa a ser exatamente essa:
o pregador tem como objetivo – especialmente o avivalista – quebrar a vontade dos
seus ouvintes e persuadir os seus ouvintes a tomar uma decisão e naquele momento
seguir a Cristo, deixar o pecado e se voltar para Deus. Por que essa pressão?
Porque ele acredita que qualquer pecador, a qualquer momento, pode por si
mesmo, decidir aceitar a Cristo. Se você acredita que o homem é pecador, que está
morto em seus pecados, que ele está preso ao pecado, que ele está cego, você que o
homem por si mesmo não pode fazer isso, a não ser que Deus venha, ilumine o seu
coração, avive o sua vontade e regenere para que ele possa tomar essa decisão. Se
não, ele está morto. Finney ensinou exatamente o contrário. Porque ele acreditava
que o homem não é depravado no seu coração, o homem pode tomar a decisão
caso ele queira. E a tarefa do evangelista é exatamente persuadir os pecadores a
tomar essa decisão aqui e agora.
Os primeiros livros que li quando me converti foram os livros
dele. E durante três anos, como novo convertido, queria ser igual a ele, pregava
parecido com ele e queria ter os mesmos resultados que ele tinha. E como não deu
certo eu vi que alguma coisa estava errada. Depois descobri que Deus me chamou.
Muito bem, com relação à Justificação, a doutrina tradicional
diz o seguinte: nós somos pecadores, mortos em nossas ofensas, incapazes de nos
convertermos por nós mesmos, incapazes de achar a Deus por nós mesmos e Deus
não tem como nos receber a não ser imputando sobre nós a justiça de outro
homem, que é Cristo. Então, o que é a Justificação? É o ato pelo qual Deus pega a
justiça de Cristo e transfere pra nós. Lutero chamava isso de Justiça Alienígena
(hoje o nome tem outra conotação). É uma justiça que vem de fora, não minha,
mas de outra pessoa. Eu sou justificado não pela minha justiça, mas pela justiça de
um estranho, que é Cristo. Então, no processo da Salvação, Deus toma a justiça de
Cristo, os méritos de Cristo, e os imputa a mim. E agora Deus olha pra mim e me
vê em Cristo. É por isso que ele me perdoa, me recebe, me adota como seu filho,
me abençoa e me salvará eternamente, porque eu sou justificado através de Jesus.
A justiça de Cristo me foi dada e o meu pecado foi lançado sobre Cristo. Lá na
cruz, Deus o fez pecado em meu lugar para que nele eu fosse feito justiça de Deus.
Ora, partindo do pressuposto de que o homem é moralmente neutro e não pecador
por natureza, Finney não podia aceitar esse tipo de doutrina. Então, em vez de falar
em Justificação ele fala em Anistia. Pode ser uma distinção muito fina, mas a
diferença é enorme. Quer dizer, quando eu resolvo seguir a Cristo e aceitar o
Evangelho, quando eu, pela minha própria vontade, me converto a Deus, Deus
perdoa os meus pecados. Não há essa noção de que a justiça do outro me é dada.
Deus simplesmente perdoa os meus pecados e eu sou uma pessoa perdoada. A
idéia de que o sacrifício, as virtudes de Cristo me são dadas não existe, o homem é
anistiado em vez de justificado.
Santificação. Finney acreditava na perfeição cristã. Que era o
resultado lógico de todo esse pensamento. Se você vem nessa linha, o próximo
passo é você dizer que esse homem todo-poderoso, que tem poder para se
converter por si mesmo e se voltar para Deus na hora que ele queira, ele também
pode pela sua vontade se manter no estado onde ele não peca. Veja bem, se ele é
livre para decidir a hora que ele quer seguir a Deus, se a sua vontade é tão livre que
ele pode a qualquer momento tomar a decisão, significa que essa mesma vontade
pode mantê-lo livre do pecado: quem pode o maior, pode o menor. Então, ele
acreditava que o cristão, uma vez que ele tomou essa decisão de se voltar pra Deus
ele podia se manter nessa decisão sem pecar. Porque ele atribuía á vontade do
homem um poder extraordinário. Então, o processo de Santificação para Finney era
manter-se nesse patamar. Tradicionalmente, o processo de Santificação é entendido
como sendo inacabado aqui neste mundo. Nós todos estamos no processo de
Santificação, mas ele é incompleto. Por que? Porque admitimos que temos pecado,
a nossa natureza é corrompida, ela é pecadora. Por mais que mortifiquemos essa
natureza, com a graça do Espírito Santo, sempre ela pode emergir, ela não é
extirpada quando nos convertemos, ela é mortificada. A Bíblia fala de um processo
de Santificação que vai até o fim nesta vida. Mas já que Finney não acreditava
numa natureza corrompida, ele podia falar em termos de perfeição. Só que esse
crente perfeito pode cair desse estado e perder a salvação. Era o pensamento que
Finney desenvolveu mais no fim da sua vida, que é a conclusão lógica: se a
vontade do crente é todo-poderosa tanto para um lado quanto para o outro [ele
pode escolher mudar de idéia].
Não é à toa que alguns críticos se perguntam se ele era de fato
evangélico. Mas, como disse, não estou aqui para isso, quero apenas ver como
essas idéias começaram o reavivalismo. Para vocês não pensarem que eu estou
exagerando, a Teologia de Finney pode ser encontrada nas bibliotecas de
seminários de denominações que seguem essa linha.
Como é que isso influenciou seu ministério? Ele começou a
promover reuniões de reavivamento espiritual. Por que? Porque ele acreditava – já
que religião é uma obra do homem – ele acreditava que se você influenciar o
homem da forma certa, você vai fazer com que ele se converta. Nessas reuniões ele
começou a promover o emocionalismo religioso nos seus ouvintes. Ele começou a
usar meios para quebrar a vontade das pessoas através de apelos, músicas e o
famoso “banco dos ansiosos”. Atacava violentamente (...) e introduziu novos
métodos. Vocês sabem como é que começou o sistema de apelos? Com o Finney.
Pra nós hoje parece que foi uma coisa que a igreja sempre praticou. Vocês sabem,
não é? Após uma pregação evangelística, “quem quer aceitar a Cristo levante a
mão”, “decida agora”, ou “fique em pé”, “venha à frente”. Então, esse método de
colocar pressão, pedir uma decisão imediata, começa com ele. Deixa eu contar uma
história que ilustra esse ponto. Um homem que viveu um pouco antes de Finney
foi o famoso batista calvinista Charles Spurgeon. Spurgeon tinha uma congregação
de 3 mil pessoas e ele batizava anualmente 100 novos convertidos. Nunca fazia
apelo, nem os batistas, presbiterianos, congregacionais e outros. O apelo estava na
linguagem: ele pregava o evangelho e durante a mensagem dizia: “Você precisa
converter-se a Jesus. Venha a Cristo Jesus. A graça de Deus lhe convida. A Bíblia
diz que se você vier a Cristo não será lançado fora”; ele encerrava o sermão e
dizia: “Segunda-feira estarei no meu escritório. Quem quiser vir conversar comigo
pode vir. Mas pedir uma decisão imediata, na bucha, isso nunca foi feito. Quando
Spurgeon morreu, seus diáconos elegeram outro pastor influenciado pelos métodos
de Finney. Não deu outra. No primeiro domingo o homem pregou o sermão, bam!
Apelo na hora, para os pecadores se converterem. Aí os diáconos chamaram o
pastor e disseram: “Pastor, nós não fazemos isso aqui não”, aí o Pastor disse: “Eu
acredito que a gente tem que bater no ferro enquanto ele está quente”. Aí os
diáconos de Spurgeon responderam: “Se o ferro foi aquecido pelo Espírito Santo,
vai ficar quente até a segunda-feira”. Percebem a diferença? Porque Finney
entendia que religião é algo da decisão humana, você tem que esquentar a vontade
do homem, persuadi-lo e naquela hora levá-lo a uma decisão. Se você entende que
o homem é um pecador, preso ao seu pecado e que ele não pode se converter por
ele mesmo, você vai pregar o evangelho do mesmo jeito, mas você vai esperar que
o Espírito Santo produza uma verdadeira convicção de pecado e uma regeneração
na consciência. Você tem medo de produzir falsas decisões. O sistema de apelo
provocou um rebuliço naquela época. Muitos protestaram. Vocês sabem quando
começou música na hora do apelo? Com o Finney, claro. Porque, veja bem, o
objetivo da música é impressionar psicologicamente o pecador e dispor a vontade
dele a tomar uma decisão. Veja como isso influencia o evangelicalismo de hoje:
vocês sabiam que algumas dessas grandes cruzadas em estádios na hora que o
evangelista diz “fecha os seus olhos”, “tome essa decisão” ou “venha para Cristo”,
tem pessoas chaves, obreiros, espalhados pelo estádio que se levantam e vem para
frente? Pra quê ? Para, pelo seu exemplo, estimular o pecador a fazer a mesma
coisa. Alguns colocam até o barulho de passos, de gente se levantando e descendo,
nas caixas de som. Pra quê? Pra provocar um ambiente em que o pecador se
estimule a tomar uma decisão. Então, isso que vocês fazem na sua igreja – e vocês
não sabiam – começou com o Finney e tem origem nesse conceito que conversão é
uma coisa que depende exclusivamente da vontade do homem. Ele não tem que ser
preparado pelo Espírito Santo. Ele pode se decidir a hora que ele quiser. Então, sua
tarefa é usar de todos os meios possíveis pra que ele tome a decisão na hora. Vocês
estão percebendo porque eu disse que Finney é a pessoa mais importante dentro do
movimento de reavivamento moderno?
Então, Finney produziu esse tipo de coisa: o reavivamento é
uma coisa que pode ser produzida. Ouvi uma vez uma história contada pelo
famoso avivalista, Edwin Orr; ele é da geração anterior a nós. Ele esteve no Brasil
muitas vezes. Ele conta sobre a influência de Finney: uma vez, viajando nos EUA,
ele passou numa cidade e estava escrito: “Reavivamento aqui todas às segundas-
feiras”; na próxima cidade estava uma placa dizendo: “Reavivamento aqui todos os
dias da semana, menos na segunda-feira”. O que está por detrás dessa idéia? Que
reavivamento é uma coisa que a igreja produz. Para encerrar essa parte vou dizer o
seguinte: quando uma igreja vai mal, tem poucos convertidos, reunião de oração
está fraca, há problemas, pecado na igreja, os filhos dos crentes estão desviados, a
igreja está numa situação muito ruim; antigamente, antes de Finney, sabe o que é
que se fazia? Os diáconos e presbíteros se reuniam e diziam: “Alguma coisa está
errada. Deus está triste conosco. O que vamos fazer?” Eles examinavam suas
vidas, colocavam-se diante de Deus, confessando seus pecados, buscando a Deus –
às vezes em jejum e oração – dizendo: “Oh, Deus! Por que estamos assim? Por que
estás triste conosco? Tem compaixão de nós! Visita o seu povo! Aviva-nos,
Senhor!” Mas depois de Finney, quando as coisas vão mal, a gente faz uma
campanha evangelística. A gente separa uma determinada semana, traz um grande
pregador, prepara todo o ambiente, faz uns convites, prepara o culto... tem que ter
o apelo, não é isso? Não é essa a prática normal – normalíssima – nas igrejas hoje?
Ou seja, em vez da igreja examinar-se ela resolve produzir um avivamento
chamando um especialista para pregar uma semana. E o pior é que quando o
avivalista vai embora o avivamento vai com ele. Depois de duas semanas a igreja
está do mesmo jeito de antes da chegada dele, porque não é assim que vai se
resolver o problema.
Quando a igreja aceita esses pressupostos de Finney e acredita
que deve levar o homem a uma decisão, então, tudo é feito para agradá-lo – até
escrevi um artigo sobre isso na revista Ultimato, “Discípulos ou consumidores” –
as igrejas passam a ver as pessoas que a freqüentam da mesma maneira da mesma
maneira como as firmas no mercado vêem os seus consumidores: procuram
agradar e promover uma variedade cada vez maior de programações para que as
pessoas continuem nas igrejas e se sintam atraídas. A ênfase em programações
variadas, pessoas diferentes, um cardápio bem diversificado para que os membros
da igreja se sintam à vontade. Porque, hoje em dia, as pessoas mudam de igreja
com muita facilidade. As pessoas estão indo para a igreja, não porque elas querem
ouvir à verdade, mas porque elas querem se sentir bem: elas vão lá porque a
música é boa, o pregador as faz se sentirem à vontade. Não querem nem saber se o
pregador pregou a verdade, querem saber se sentiram-se bem com a pregação, e
quando começam a se desagradarem com ela, muda de igreja. A rotatividade hoje é
muito grande e os pastores se sentem muito pressionados a ceder à tentação de dar
ao povo o que o povo quer e fazer esse tipo de coisa.
Pelo menos, na minha avaliação, existe uma coisa boa no
movimento de reavivamento moderno que é o fato de chamar a atenção da igreja
para a realidade e a possibilidade do nosso Deus poder vir ao nosso socorro quando
tudo parece ir mal na vida da igreja. Então, o movimento mostra que nós não
devemos ficar passivamente esperando uma solução, mas usando os meios
legítimos para buscar a presença de Deus na nossa igreja. Mas precisamos fazer
reparo em algumas coisas para esse movimento baseado na teologia de Charles
Finney.
Em primeiro lugar, quanto aos resultados. Igrejas incendiadas
por um fogo falso passam a ter medo do verdadeiro fogo do Espírito Santo. Muitas
das igrejas tradicionais hoje que são contra a renovação espiritual é porque no
passado elas foram rachadas, divididas e passaram por crises relacionadas com
esse movimento de reavivamento. São igrejas que foram queimadas com um fogo
falso. Traduzindo: gato escaldado tem medo de água fria. Infelizmente, esse
movimento de reavivamento, de reavivalismo, tem produzido esse tipo de coisa em
muitos lugares. No próprio ministério de Finney e também nas próprias campanhas
dos grandes evangelistas de hoje que tem adotado seus métodos, vemos que
aqueles que um dia tomaram uma decisão pressionados por um apelo que foi feito
e que decidiram movidos pelo sentimento do momento e que uma vez que o
sentimento produzido no calor do momento passou e tudo voltou a ser como era
antes, muitas dessas pessoas estão desanimadas: “Já fui à frente uma vez, nada
aconteceu comigo. Levantei a mão, nada aconteceu, não vou tentar uma segunda
vez”. Então, os resultado têm sido poucos, temporários e superficiais. Estou
dizendo isso porque o próprio Finney, no livro que ele escreveu, “Cartas sobre
reavivamento” – é uma compilação de cartas que ele escrevia diariamente num
jornal – ele admite que muitos dos seus convertidos haviam voltado atrás, esfriados
na fé e eram uma pedra de tropeço nas igrejas que eles se encontravam. Isso não
recebe divulgação no Brasil, parece que não há interesse em publicar esse tipo de
coisa.
Um outro reparo a essa metodologia é a introdução desse
elemento psicológico na produção de conversões. Nesse livro, Finney conta uma
experiência que ele teve. Ele foi o primeiro a criar o sistema de ter uma equipe que
ia na frente do evangelista para preparar o ambiente, depois o evangelista chegava
para pregar o evangelho. Tinha uma equipe de pastores que ia na frente dele na
cidade onde ia fazer as grandes campanhas e essa equipe armava o palco, fazia os
convites, procurava botar os pastores da região para orar e estarem juntos
convidando as pessoas. E Finney foi fazer uma campanha dessas em Nova York, a
equipe foi na frente e ele, por alguma razão, chegou mais cedo do que era para
chegar. Ele foi entrando pelo meio da multidão que estava reunida nesse grande
espaço onde ele era esperado como pregador principal. Lá no meio da multidão ele
viu o que seus pastores estavam fazendo para preparar o ambiente. Eles já haviam,
durante três dias, tentado de tudo para produzir um ambiente psicologicamente
favorável no meio da multidão e não estava dando certo. E, finalmente, os pastores
se reuniram na plataforma e conversaram entre si. Um, o mais alto e com voz mais
forte, começou a gritar: “Poder! Poder! Poder!”, várias vezes, aí a multidão
começou também: “Poder! Poder! Poder!”, batendo as palmas, “Poder! Poder”, aí a
multidão entrou em delírio, êxtase; as mulheres começaram a gritar, caíram no
chão, os homens também começaram a gritar e aquele emocionalismo todo. Então,
aquele pastor disse: “Meus irmãos, o Deus de poder, está entre nós; o Espírito
Santo acaba de chegar para nos abençoar”. E Finney escreve depois: “Poder de
Deus coisa nenhuma! Nenhuma oração foi feita, não houve pregação da Palavra,
nada, nada. Isso foi simplesmente psicologia humana”. O próprio Finney criticando
o movimento que ele mesmo havia começado.
Vocês notam, por exemplo, como os dirigentes de louvor, às
vezes recebem uma tarefa muito difícil que é exatamente fazer o povo se sentir
bem, fazer o povo entrar numa boa psicologicamente. Então, se utiliza uma série
de técnicas para isso; tem até aeróbica evangélica, não é? A idéia é fazer com que o
povo se sinta bem. Alguns contam até umas piadas engraçadas para o povo rir e
relaxar um pouco. Mas tudo isso num nível psicológico. Não é que psicologia em
si esteja errada, a pergunta é se esse é o tipo de preparação que o povo de Deus
precisa para ouvir a Palavra de Deus. Às vezes dirigimos as coisas no culto
querendo que o povo entre num estado emocional apropriado. Há um risco de
produzirmos aquele tipo de crente como aquela mulher que saiu do culto e disse
para o pastor: “Pastor, seu sermão foi uma benção! Não entendi nada do que o
senhor disse, mas o culto... Olha, me senti tão bem!”
Outra coisa que precisamos falar sobre sua teologia é que ela
acaba diminuindo o sobrenatural e a ação de Deus, a morte substitutiva e vicária de
Cristo e anulando a operação do Espírito Santo na conversão. Isso já chega perto
da heterodoxia.
Sei que muitos irmãos que adotaram esses métodos amam a
Deus, fizeram isso com o coração sincero. E espero que essas informações
produzam reflexões sobre seus ministérios, sobre suas metodologias e a razão pela
qual vocês fazem as coisas na sua igreja.

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