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O QUE É CRER?

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
• SABER DEFINIR BIBLICAMENTE QUAL O CONCEITO DE TER FÉ EM DEUS E COMO
ISSO IMPACTA A VIDA CRISTÃ.
• ENTENDER DE QUE MODO A FÉ PERMEIA TODA A CAMINHADA CRISTÃ E NOS
TRAZ A PERCEPÇÃO CORRETA DE NOSSAS MOTIVAÇÕES NO SERVIÇO A DEUS.
• PERCEBER DE MANEIRA CORRETA NOSSA RELAÇÃO COM DEUS PELA FÉ DA
FORMA COMO O PRÓPRIO SENHOR ESPERA.

INTRODUÇÃO
Crer está relacionado com ter fé. A palavra fé tem uma proporção de significado muito grande,
apesar de quase comumente ser usada apenas no âmbito religioso. Porém, quase tudo na
sociedade se baseia nas chamadas relações fiduciais (de fé; é o chamado “princípio de boa fé”
das/nas pessoas e das/nas organizações), ou seja, desde o ato de passar o cartão de crédito e
crer em um sistema financeiro e de telecomunicação de que seu dinheiro está no banco, até todo
um procedimento de cirurgia que requer crença no conhecimento da equipe médica.

De uma maneira geral, o conceito de fé pode


ser utilizado nas religiões em geral. Mas é a
forma como a relação com a divindade se dá
é que faz toda a diferença. Aliás, a grande
diferença das religiões monoteístas está aí,
pois a fé denota uma relação pessoal, ou
seja, Deus é um ser relacionável, uma
pessoa.

No cristianismo ainda, a fé não é tratada


como uma força ou poder interno. A fé
também não nasce por vontade do ser humano. Devemos entender que a fé é um presente, um
dom da parte de Deus para aqueles que querem se relacionar com Ele (Ef. 2.8).
Em Cl 2.6-7 “Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele,
nele radicados, e edificados, e confirmados na fé, tal como fostes instruídos,
crescendo em ações de graças”.
Por este texto, temos claramente a percepção de que a fé, além de estar presente no início da
caminhada cristã, está também presente ao longo de todo o caminho. E mais ainda, a fé nos é
apresentada como raiz e fundamento de nossa relação com Jesus.

Recebemos Cristo pela fé e nos relacionamos, vivemos nele, somos plantados nele, nosso
fundamento é nele; e tudo que é feito nele é pela fé.

O MESTRE DA FÉ
Quem seria um bom modelo de fé para nós? Tem que ser alguém bem humano o por meio de
quem Deus iniciou seu projeto de salvação. O nome desse homem é Abraão, ou melhor, como
antes era chamado, Abrão.

Abraão é conhecido como pai da fé. Isso significa que ele é o modelo, ou melhor, aquele que
inaugura a relação de fé com Deus. Isso significa que a espiritualidade da fé é a espiritualidade
abraâmica e, portanto, devemos ter em mente como foi a construção da fé de Abraão, como ela
começou e como ela se desenvolveu.

Aparentemente a gente percebe uma inconstância na fé de Abraão por causa de suas atitudes.
E assim como enxergamos nossas vidas, temos a tendência de enxergar a vida de Abraão da
seguinte forma:

Abraão
manda
O O Abrão
seu
Senhor Senhor tem um Abraão Abraão
Deus Abrão Deus Deus servo
faz faz filho interced mente Isaque
chama mente anima a prova buscar
promess aliança com a e pelos novame nasce
Abrão no Egito Abrão Abraão uma
as a com escrava homens nte
mulher
Abrão Abrão Agar
para
Isaque
. 5 -2 4 -1 5 -4 3 -2 10 10 10

No entanto, não é assim que devíamos ver, pois nosso crescimento em fé permanece, pois é
Deus quem atua em nós. Ou seja, nos pontos que Abraão falhou, Deus atuou para ele seguir
crescendo. Portanto, devemos enxergar nossos altos e baixos na vida de fé não como topo e
vale e sim como uma progressão, mesmo que não seja constante:

Abraão
manda
O O Abrão
seu
Senhor Senhor tem um Abraão Abraão
Deus Abrão Deus Deus servo
faz faz filho interced mente Isaque
chama mente anima a prova buscar
promess aliança com a e pelos novame nasce
Abrão no Egito Abrão Abraão uma
as a com escrava homens nte
mulher
Abrão Abrão Agar
para
Isaque
. 10 5 20 15 30 25 40 35 50 50 50

O que acontece é que Deus não nos deixa regredir na fé, apesar de nossos percalços. Portanto,
devemos manter firmes nossa confiança nele.
Mas há algumas características na fé cristã que precisamos ter sempre em mente e
continuaremos usando Abraão para essa percepção conforme o apóstolo Paulo teve:

Rm 4.1-8 “Que, pois, diremos ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne?
Porque, se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não
diante de Deus. Pois que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi
imputado para justiça. Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como
favor, e sim como dívida. Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que
justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça. E é assim também que
Davi declara ser bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça,
independentemente de obras: Bem-aventurados aqueles cujas iniquidades são
perdoadas, e cujos pecados são cobertos; bem-aventurado o homem a quem o
Senhor jamais imputará pecado”.
A primeira coisa que percebemos na fé de Abraão é que ela exclui o mérito. A justificação que
Abraão recebeu não foi por causa de suas obras e sim por causa da graça de Deus. Imputar é o
contrário de amputar. Ou seja, faltava justiça a Abraão e essa justiça foi acrescentada a ele por
meio da fé.

Entendendo que a fé é presente de Deus, temos que do princípio ao fim Deus atua em nós para
a nossa salvação. Continuando:

Rm 4.19-21 “E, sem enfraquecer na fé, embora levasse em conta o seu próprio
corpo amortecido, sendo já de cem anos, e a idade avançada de Sara, não
duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus; mas, pela fé, se fortaleceu,
dando glória a Deus, estando plenamente convicto de que ele era poderoso para
cumprir o que prometera”.
Outro elemento presente na fé de Abraão é que ele confiou que Deus era fiel ao que prometera.
Isso tem dois aspectos: primeiro que Deus é fiel às Suas promessas. Deus não era fiel a Abraão.
Deus é fiel a Si mesmo, ao Seu caráter imutável e por isto a relação de fé também é uma relação
de graça. Ou seja, Abraão sem merecer, recebeu a promessa de Deus e sem merecer ainda foi
que Deus cumpriu esta promessa. Isso porque a promessa é de Deus, ou seja, Seu plano e,
portanto, seria cumprida independente de obras humanas.

O segundo aspecto é que a fé traz a ideia de verdade


e realidade. Isso significa que verdade e realidade é
aquilo que Deus diz e Deus realiza
independentemente das circunstâncias. Como
ilustração, Deus nos disse que estaria conosco todos
os dias (Mt 28.20) e o caminho é um desfiladeiro
perigoso, escuro e tempestuoso, representando as
dificuldades da vida. Mas Deus nos guia, segurando
nossa mão. No entanto, às vezes, as tempestades
estão tão fortes e a escuridão tão densa que não
sentimos Deus segurando nossa mão e muito menos
o vemos conosco. Mas o que é a verdade e a realidade neste cenário? A verdade e a realidade
é que Deus está presente porque Ele disse que estaria como de fato está conosco nos
amparando, independente das circunstâncias.
ESSA É A BASE DA RELAÇÃO DE FÉ QUE ABRAÃO TINHA COM DEUS: UMA RELAÇÃO DE
CONFIANÇA.

FÉ É CONFIANÇA

Hb 11.1 “Ora, a fé é a certeza de coisas que se


Biblicamente então, o que é fé?
esperam, a convicção de fatos que se não veem”.
Nós temos duas premissas aqui:

FÉ É A CERTEZA DE COISAS QUE SE ESPERAM

FÉ É A CONVICÇÃO DE FATOS QUE NÃO VIMOS

A primeira premissa fala de “coisas que esperamos”. Se esperamos é porque ainda não
aconteceu. Se não aconteceu é futuro. Então, na primeira premissa temos que fé é a certeza de
que algo que não aconteceu ainda irá acontecer.

A segunda premissa fala de “fatos que não vimos”. Se é fato, já aconteceu. Se já aconteceu, é
passado. Então, na segunda premissa temos que fé é a certeza de algo que já aconteceu, mas
nós não estávamos lá para testemunhar.

Então, como é possível você ter certeza de que algo no futuro irá acontecer se não temos o
controle do futuro? E como é possível termos a certeza de que algo já aconteceu se não é
possível voltarmos ao passado para testemunhar?

Resposta: através de um interlocutor que tenha acesso ao futuro e acesso ao passado e que
este interlocutor seja confiável em suas informações.

Portanto, ter fé significa confiar neste interlocutor. Como cristãos, o que esperamos do futuro? A
volta de Cristo. E qual o fato do passado que cremos, mas não testemunhamos? A morte e
ressurreição de Cristo. Quem é o interlocutor que nos comunica essas verdades? Deus através
das Escrituras.

FÉ =
CONFIAR

Passado = Futuro =
Ressurreição Volta de
de Jesus Jesus

DEUS

A palavra fé no grego é PISTIS. Esta palavra varia seu significado de acordo com o objeto da
relação: quando ela estabelece uma relação do homem para com Deus, o significado
apresentado é de confiança. E quando ela apresenta a relação de Deus para com o homem, seu
significado se altera para fiel, confiável, leal.
Mas em que a gente confia? Não há espaço, neste caso para confiar na própria fé (“MINHA FÉ
MOVE A DEUS”, “VOU UTILIZAR MINHA FÉ”). O objeto de nossa fé é o próprio Deus e não
nossa fé. Logo, nossa fé, em um primeiro momento, é o reconhecimento de que Deus está
presente e da realidade do Seu amor.

Quando dizemos que confiamos em Deus, temos que ter em mente que isso tem a ver com Ele
mesmo, com Seu caráter confiável e com Sua lealdade. E o fato de Deus ser confiável faz com
que tenhamos a certeza de que Sua Palavra também seja confiável.

Se confiarmos no que Deus diz, algumas coisas afirmadas a nosso respeito são bem pesadas:
não queremos a Deus (Rm 3.11), não podemos fazer nada por nós mesmos (Jo 15.5), somos
criaturas completamente perversas (Rm 3.10-18). Por isso há essa necessidade de
desistência e, consequentemente, humilhação diante Dele.

A confiança trará este outro aspecto para a nossa vida que é


a desistência de fazermos algo a nosso favor. Com nossa
mente caída, sempre pensamos que temos que fazer algo
para merecermos a Deus. Mas como a relação é de confiar na
obra e nos méritos de Cristo, isso significa que temos que
desistir da ideia de fazer por onde merecermos as bênçãos de
Deus. E essa desistência de nós mesmos será aquilo que
chamados de autonegação ou, arrependimento.

Então este entendimento da virtude da fé irá nos levar a


questionar como sabemos que temos fé ou não. Não devemos
nos questionar se temos fé ou não, no sentido de
nos examinarmos. Como disse Charles Spurgeon “Eu
olhava para Cristo, e a pomba da
paz voava ao meu coração. Olhava para a pomba e está ia embora novamente”.

NÃO É A FÉ EM SI MESMA QUE IMPORTA. O QUE IMPORTA REALMENTE É O QUE DEUS


NOS APRESENTA. ENTÃO, SE QUEREMOS SABER SE TEMOS FÉ, DEVEMOS AVALIAR SE
CONFIAMOS NAQUILO QUE DEUS NOS APRESENTA: NÃO PODEMOS FAZER NADA, MAS
ELE MESMO TOMOU A INICIATIVA DE ROMPER TODAS AS BARREIRAS E NOS ALCANÇAR
EM SALVAÇÃO. SE CONFIARMOS NISTO, TEMOS FÉ!

FÉ É CONHECER
Estabelecer esta relação de confiança só é possível quando há em nós o mínimo de
conhecimento a respeito de Deus. E examinando novamente a história de Abraão, percebemos
que foi Deus quem se revelou para ele. Se Abraão é o modelo de fé, se torna muito importante
a forma como ele conheceu a Deus, e mais, significa que este modelo de fé se repete como uma
marca de autenticidade.

Na teologia, Deus é chamado de “O TOTALMENTE OUTRO”. Isso significa que é impossível


conhecer e alcançar a Deus sem que Ele mesmo tome a iniciativa de se revelar a nós. Além
disso, junte nossa indisposição de busca-lo, conforme Rm 3.11.

Nosso estado diante de Deus é de morte (Ef 2.1). Para permitir que o homem O perceba, é
necessário nada menos que a intervenção do próprio Deus agindo com plena liberdade e
decidindo soberanamente. Entregue às suas próprias forças, o homem poderá, no máximo,
segundo o grau de suas faculdades naturais, de seu entendimento e de sua intuição, reconhecer
a existência de um ser supremo, absoluto, de uma potência superior, de uma entidade que
domina toda a realidade.

Isto, no entanto, não tem nenhuma relação com o próprio Deus. Ela é fruto das intuições e das
possibilidades - limites do pensamento e do esforço do homem, que pode, com certeza, imaginar
um ser supremo sem que, apesar disso, tenha encontrado Deus. O risco de acharmos que nós
quem buscamos a Deus é de criamos um deus à nossa imagem e chama-lo de Jesus.

A linha divisória entre o verdadeiro Deus e os falsos deuses se estabelece já claramente a partir
do problema do conhecimento. Para Abraão, cuja família era fabricante de ídolos (Js 24.2), só
foi possível conhecer o Deus Vivo a partir do momento que Deus decidiu se revelar a ele. Este
processo de revelação de Deus é chamado na teologia de iluminação (2Co 4.6). É em Cristo
que temos esta iluminação, e Jesus é quem nos revela o Pai (Jo 14.9).
Para conhecermos a Deus, além
Dele se revelar, precisamos também
estar habilitados para isso. É
impossível para o ser humano se
aproximar de Deus, sem que Deus
providencie o meio para isso. Assim,
Jesus, além de nos revelar o Pai, é
também o meio, o caminho
(Jo14.6), a habilitação para nos
relacionarmos com Deus. Jesus é
quem nos introduz na relação que Ele
tem com o Pai.
CONHECIMENTO CRISTÃO SIGNIFICA VIVER NA VERDADE DE JESUS CRISTO. É NELE
QUE TEMOS A VIDA, O MOVIMENTO E O SER (AT 17.28), A
FIM DE QUE POSSAMOS SER NELE, POR ELE E PARA ELE (RM 11.36). ESSE
CONHECIMENTO COINCIDE, POIS, ABSOLUTAMENTE COM O QUE DENOMINAMOS A
CONFIANÇA EM DEUS E EM SUA PALAVRA.

FÉ É CONFESSAR
Conhecer a Deus que se revelou a nós e confiar Nele são os primeiros passos da fé. No entanto,
a fé enquanto virtude tem uma característica essencial: ela é operosa (1Ts 1.3). O fato de a fé
ser operosa significa que ela é visível externamente. Ela se traduz em obediência a Deus.

Um texto que nos traz uma ideia bastante apropriada é Rm


10.9 e 10 “Se, com a tua boca,
confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o
ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para
justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação”.
Quando Paulo diz que a fé é
operosa, em primeiro lugar eles está
dizendo que há uma necessidade de
se fazer algo comprometedor com
relação a fé. A fé produz efeitos,
ações na nossa vida que nos levam
a obedecer a Deus. Em um primeiro
momento, a fé é a abertura para
Deus e quanto mais ela vai se
tornando presente, ela vai
produzindo um impacto na nossa
vida. E é aqui que entra a confissão da fé.

CONFESSAR É SE COMPROMETER PUBLICAMENTE. HÁ A NECESSIDADE DO ATO


PÚBLICO QUE AUTENTIQUE E EFETIVE A FÉ. O ATO DE FALAR, CONFESSAR, TRAZ UM
IMPACTO INTERNO, TRAZ COMPROMETIMENTO E AUTOASSIMILAÇÃO. QUANDO HÁ A
CONFISSÃO, A FÉ DEIXA DE SER PARTICULAR PARA SE TORNAR HISTÓRICA. E A FÉ
HISTÓRICA É REPRESENTADA PELA OBEDIÊNCIA.
“Uma fé que não seja ela mesma história não é mais a fé cristã. A fé é OBEDIÊNCIA
e não adesão passiva. Obedecer é escolher. Escolher a fé e não a incredulidade,
decidir-se pela confiança contra a dúvida, pelo conhecimento contra a
ignorância. Crer é fazer um a escolha entre a fé e o que não é ela, o erro e a
superstição. A FÉ É O ATO DE OBEDIÊNCIA E DE DECISÃO PELO QUAL O HOMEM SE
APRESENTA A DEUS COMO DEUS O EXIGE. Esse ato implica que se deixe de ser
neutro face a face com Deus, que se abandone essa atitude de indiferença e de
irresponsabilidade que impede toda decisão verdadeira; que se deixe, enfim, seu
próprio universo para ousar escolher e se ligar abertamente, publicamente. Uma
fé que permaneça algo privado, que não se manifeste para o exterior, não será
mais do que uma incredulidade escondida, uma falsa fé, uma superstição. Pois
a fé que tem por objeto Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não pode não se
manifestar publicamente” – Karl Barth.

DÚVIDA E INCREDULIDADE
Ter fé não significa que nunca teremos dúvidas. Há um elemento na fé que atinge nossa finitude
que é o não saber, de “fatos que se não veem”. E por causa disso, há boas chances de
duvidarmos.

Nós podemos ter dúvidas porque não sabemos todas


as coisas e/ou porque as coisas que sabemos não as
experimentamos. Nossa estrutura é limitada e por
causa disso surge um tipo de dúvida a partir desta
limitação. Ou seja, uma incerteza decorrente da
nossa finitude, de não sabermos tudo nem podermos
controlar tudo e que nunca é pecaminosa em si
mesma.

Tomé, por exemplo, duvidou (Jo 20.19-29). Mas


observemos que qualquer dos discípulos teria tido a mesma reação. Tomé não estava com eles
quando Jesus apareceu. Então imagina: ele sai da casa, o clima é fúnebre, as pessoas estão
chocadas com a morte de Jesus. E, de repente, ele volta e as pessoas estão celebrando: vimos
o Senhor! Ele é quem fica em choque e questiona: “não, eu também tenho que ver. Vocês viram
e eu também tenho o direito de ver”. Essa dúvida de Tomé é honesta e não pecaminosa.

Esse tipo de dúvida também pode ser devido a um mau discipulado tirando das pessoas algumas
certezas (1Jo 5.13). É possível ter fé salvadora genuína e não ter certeza da salvação, devido
a um ensino falso, a pressões sociais ou dificuldades emocionais.

Porém há um tipo de dúvida que de fato é pecaminosa. Esta dúvida vem da desconfiança de que
Deus nos abandonou e estamos sozinhos, ou mesmo de que Deus não seja bom. Este tipo de
dúvida que vai contra o que Deus disse é pecaminosa.

É a dúvida que oscila (Tg 1.5-8). Tiago usa o termo “dispsychos” (duas almas, que foi traduzido
por “ânimo dobre”) para apontar a instabilidade de quem não sabe se ama ou não a sabedoria
divina que é pedida na oração. Esse tipo de dúvida é pecaminosa porque o sujeito não sabe se
quer ou não a Deus. Ou quer algo de Deus como bônus, mas não o ônus que se sucede.

Outra forma deste tipo de dúvida vem como uma cegueira baseada na soberba (Jo 9.39-41),
na reafirmação da própria competência e suficiência espiritual. A fé nos estabelece nus diante
de Deus e, se em algum momento pensarmos que estamos meritoriamente melhores diante de
Deus, entramos no estado de autossuficiência, e logo, nossa fé será falsificada, onde
sobrepujamos nossa crença na Palavra de Deus com nossos próprios esforços e soluções. No
caso, os fariseus duvidavam de que Jesus era quem dizia ser porque acreditavam que sua
própria forma de enxergar a Deus estava certa. Assim, nós duvidamos da Palavra de Deus
muitas vezes, em nossos atos ou valores, apenas porque cremos mais na forma como a gente
enxerga a Deus e não queremos abrir mão de tal forma.

Estas dúvidas levam para o lado da descrença, ou incredulidade. A incredulidade é o contrário


da fé e é a dúvida que leva para este estado. Ou seja, enquanto estamos na dúvida, ainda há
meio de retomar a fé, ou melhor, retomar a razão pela virtude da fé.

Portanto, a incredulidade então não é a causa, mas o resultado da dúvida sobre a presença ou
a bondade de Deus. Essa dúvida original se manifesta na ingratidão, a partir do momento que
não reconhecemos mais a presença ou a bondade de Deus. E isto vem de uma desordem
intelectual, noética (de “nous” = mente; cf. Rm 1.21-23; Ef 4.17,18). Há um “bug”, um defeito
na mente que faz com que nós simplesmente nos esqueçamos de tudo o que Deus é e fez e,
simplesmente, apagamos isso.

PORÉM, QUANDO HÁ A RESTAURAÇÃO DA CRENÇA E DA CONFIANÇA EM DEUS, ISTO


VEM DE FORMA SIMULTÂNEA, E ISTO REORGANIZA, OU MELHOR, RETOMA A RAZÃO E
OS MOTIVOS QUE TE FIZERAM CRER: EU SEI QUE HÁ UMA REDENÇÃO EM CRISTO, SEI
QUE HÁ UM FUTURO, SEI DO AMOR DE DEUS E SEI QUE SEM DEUS EU SOU MENOS QUE
HUMANO.

C.S. Lewis ilustra isso em seu Livros Cristianismo Puro e Simples: “eu
supunha que, a partir
do momento em que a mente humana aceita algo como verdadeiro, vai
automaticamente continuar considerando-o verdadeiro até encontrar um bom
motivo para reconsiderar essa opinião. Na verdade, eu partia do pressuposto de
que a mente é completamente regida pela razão, o que não é verdade. Vou dar
um exemplo. Minha razão tem motivos de sobra para acreditar que a anestesia
geral não me asfixiará e que os cirurgiões só começarão a operar quando eu
estiver completamente sedado. Isso, porém, não altera o fato de que, quando
eles me prendem na mesa da operação e me cobrem a face com sua tenebrosa
máscara, um pânico infantil toma conta de mim. Começo a pensar que vou me
asfixiar e que os médicos vão começar a cortar meu corpo antes que eu perca a
consciência. Em outras palavras, perco a fé na anestesia. Não é a razão que me
faz perder a fé: pelo contrário, minha fé é baseada na razão. São, isto sim, a
imaginação e as emoções. A batalha se dá entre a fé e a razão, de um lado, e
as emoções e a imaginação, de outro.

A mesma coisa acontece


no cristianismo. Não quero que
ninguém o aceite se, na balança da
sua razão, as provas pesarem contra
ele. Não é aí que entra a fé. Vamos
supor, entretanto, que a razão de um
homem decida a favor do
cristianismo. Posso prever o que vai
acontecer com esse sujeito nas
semanas seguintes. Chegará um momento em que receberá más notícias, terá
problemas ou será obrigado a conviver com pessoas descrentes; nesse
momento, de repente, suas emoções se insurgirão e começarão a bombardear
sua crença. Haverá, além disso, momentos em que desejará uma mulher, sentir-
se-á propenso a contar uma mentira, ficará vaidoso de si mesmo ou buscará
uma oportunidade para ganhar um dinheirinho de maneira não totalmente lícita;
nesses momentos, seria muito conveniente que o cristianismo não fosse a
verdade. Mais uma vez, suas emoções e desejos serão artilharia pesada contra
ele. Não estou falando de momentos em que ele venha a descobrir novas razões
contrárias ao cristianismo. Essas razões têm de ser enfrentadas, e isso, de
qualquer modo, é um assunto
A VIRTUDE DA FÉ
completamente diferente. Estou falando é
dos meros sentimentos que se insurgem
contra ele”.
A certeza da fé é decorrente da CONFIANÇA na
bondade de Deus, a qual se fundamenta na
GRATIDÃO diante de Sua revelação. Desse modo,
a certeza da fé convive com as incertezas das coisas
ou com a “falta de provas racionais” da presença de
Deus. Nós cremos que ele se faz presente não
porque sentimos, experimentamos ou
comprovamos, mas simplesmente porque Deus
disse que estaria presente (Mt 28.20).
A certeza da fé é uma forma de saber que confia e transcende a evidência (Hb 11.1ss; 2Co
5.7; 1Co 13.12). Apesar da nossa finitude, a virtude da fé subsiste na escuridão da incerteza
(Gn 12.1,4) porque confia em Deus. Abraão não sabia para onde ia e mesmo assim confiou na
palavra de Deus e obedeceu. Essa confiança leva ao conhecimento de Deus que é baseado no
ouvir (cf. o caso de Abraão e Rm 10.17), pois a “Voz” é a força original, que dá existência ao
mundo (Hb 11.3).
O CONHECIMENTO DE DEUS ALIMENTA E É ALIMENTADO PELA CONFIANÇA, SENDO
AMBOS FUNDADOS NA GRATIDÃO. OU SEJA, ESTA CONVICÇÃO É FUNDAMENTADA NA
CONFIANÇA DO CARÁTER DE DEUS E EM SUA BONDADE (RM 4.20,21) E ESTA
CONFIANÇA É EXPRESSA POR UM SÍMBOLO (HB 11.6), E ASSIM, DEVEMOS NOS
APROXIMAR DE DEUS RECONHECENDO QUE ELE É DADIVOSO.
É por isso que sem fé, sem a confiança em Deus e na obra da cruz é impossível agradar a Deus.
Porque se nossa confiança está em nós mesmos, na nossa própria fé em si mesma ao invés de
confiarmos em Deus e na obra da cruz, não passará de religiosidade.

“A fé, no sentido em que estou usando a palavra, é a arte de se apegar


firmemente, apesar das mudanças emocionais, àquilo que a razão já aceitou.
Pois as emoções sempre mudam, qualquer que seja o ponto de vista da razão.
Agora que sou cristão, há dias em que tudo na religião parece muito improvável.
Quando eu era ateu, porém, passava por fases em que o cristianismo parecia
probabilíssimo. A rebelião dos sentimentos contra o nosso eu verdadeiro virá de
um jeito ou de outro. E por isso que a fé é uma virtude tão necessária: se não
colocar os sentimentos em seus devidos lugares, você não poderá jamais ser um
cristão firme ou mesmo um ateu firme; será apenas uma criatura hesitante, cujas
crenças dependem, na verdade, da qualidade do clima ou da sua digestão
naquele dia. Consequentemente, temos de formar o hábito da fé” C.S. Lewis.
Quando a fé se torna uma virtude (hábito) em nossa vida, há a reversão da independência de
Deus e da ingratidão, pois Deus deseja se relacionar tendo a Sua iniciativa (graça, Rm 4.16)
como base. Por isso a fé implica reversão da ingratidão, ou melhor, em crescimento de ações de
graças (Cl 2.7).
A gratidão (pois tudo é graça!) pela bondade de um Deus abençoador é o veículo principal pelo
qual a realidade e confiabilidade de Deus é reconhecida (Rm 1.21 em contraste com At 14.15-
17). O reconhecimento da graça de Deus só é corretamente respondido com ações de graças,
portanto, quanto mais percebemos a graça pelas dádivas de Deus, mais gratidão e crescimento
na fé.

Ao avaliar a vida de Abraão, o crescimento de sua fé se deu à medida que a relação de fé em


gratidão com Deus aumentou. Ela começou com uma promessa de um filho (Gn 12.2; 15.7;
17.21; 18.10) e terminou no supremo ato de fé tendo como alvo a esperança da ressurreição
(Hb 11.19).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ESBOÇO DE UMA DOGMÁTICA - KARL BARTH

CRISTANISMO PURO E SIMPLES – C. S. LEWIS

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