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Células de perovskita
desenvolvidas
no Laboratório
de Nanotecnologia
e Energia Solar
do Instituto de
Química da USP
Luz
mais eficiente
Células solares de perovskita podem ser
uma alternativa mais barata e eficaz aos
módulos de silício que dominam o mercado
mundial de painéis fotovoltaicos
Yuri Vasconcelos
U
ma nova geração de células 20%, dependendo do grau de pureza do
solares feitas a partir de um silício usado na construção dos módulos.
material sintético cristalino Fabricantes de painéis solares e vários
conhecido como perovskita grupos de pesquisa no mundo, inclusive
foi escolhida como uma das no Brasil, trabalham no aprimoramento
10 tecnologias emergentes de 2016 pelo dessa tecnologia, que ainda precisa su-
Fórum Econômico Mundial, organização perar alguns obstáculos, como a baixa
suíça que reúne anualmente líderes em- durabilidade, para chegar ao mercado
presariais e políticos para discutir ques- consumidor. No Reino Unido, a Oxford
tões globais. O material tem provocado Photovoltaics, uma spin-off da Universi-
entusiasmo entre cientistas por causa dade de Oxford, montou células de pe-
de sua elevada capacidade de converter rovskita com índice de eficiência de 20%
fótons em elétrons, gerando eletricidade. e trabalha com a possibilidade de aco-
Em julho deste ano, o Instituto Nacional plá-las aos painéis de silício para elevar
de Ciência e Tecnologia de Ulsan (Unist), a conversão de energia. O fundador da
na Coreia do Sul, anunciou a produção empresa, o físico Henry Snaith, foi um
em escala laboratorial de células solares dos primeiros cientistas a reconhecer o
de perovskita com eficiência energética potencial do material como conversor de
de 22,1%, um recorde. Esse índice, obtido luz solar em eletricidade. A Oxford Pho-
em células de pequena dimensão, meno- tovoltaics espera lançar os primeiros mo-
res do que os modelos comerciais, supera delos comerciais dessas células no fim de
o dos painéis de silício, que dominam o 2018, segundo revelou Frank Averdung,
mercado, com 90% das vendas. A taxa presidente da companhia, à agência de
de conversão deles situa-se entre 15% e notícias Bloomberg em março deste ano.
Fonte Silvia Fernandes infográfico ana paula campos ilustração pedro hamdan
percentual cresceu mais de cinco ve-
zes (ver gráfico abaixo) e deve continuar
Ela é composta por um conjunto evoluindo. Os professores Yang Yang,
de filmes semicondutores transparentes da Universidade da Califórnia, em Los
que transformam a luz solar Angeles, nos Estados Unidos, e Jingbi
em corrente elétrica You, do Instituto de Semicondutores
n Vidro e- da Academia Chinesa de Ciências, es-
n FTO timam que essas células solares devem
n TiO2
1 Absorção da luz
n Perovskita
alcançar 25% de eficiência energética
A luz solar n Spiro-OMeTAD em dois anos, segundo artigo publicado
h+
atravessa o n Ouro na revista Nature de abril deste ano. As
substrato de vidro
pastilhas de silício, por sua vez, já estão
e é absorvida pelo 1 micrômetro
filme de perovskita no mercado há mais de 50 anos e pare-
(CH3NH3Pbl3) Contatos de ouro cem ter atingido seu limite. Nos últimos
15 anos, não foram registrados grandes
progressos em sua taxa de conversão.
2 separação de cargas 3 transporte das partículas 4 Geração de corrente
A energia da luz Os elétrons (e-) migram para Finalmente, os elétrons GRAU DE PUREZA
absorvida (fótons) o filme de dióxido de titânio migram pela camada FTO As células de perovskita também são
é suficiente para (TiO2) e os buracos (h+), (filme formado por óxido
gerar elétrons para a camada de de estanho dopado com
mais baratas e fáceis de produzir do que
(cargas negativas) Spiro-OMeTAD. Uma vez flúor) em direção aos as de silício. “Para que se obtenha alta
e buracos (cargas separados, é difícil que se contatos de ouro, gerando eficiência energética, as células de si-
positivas) na célula recombinem e se anulem a corrente elétrica lício precisam ter um grau de pureza
muito elevado, o que aumenta o con-
sumo de energia durante a fabricação e
“As células solares de perovskita são é retirada da natureza, mas sintetizada eleva seu custo”, explica a química Ana
uma tecnologia recente e promissora”, em laboratório. Elas são construídas em Flávia Nogueira, professora do Institu-
atesta o químico Rodrigo Lopes Sauaia, camadas, com diferentes filmes finos to de Química da Universidade Esta-
presidente-executivo da Associação Bra- com composição química e funções di- dual de Campinas (Unicamp) e líder de
sileira de Energia Solar Fotovoltaica (Ab- ferentes (ver infográfico acima). um dos grupos de pesquisa desse tipo
solar), entidade que reúne empresas do A evolução dessa tecnologia em cur- de dispositivo no país, o Laboratório de
setor. “É positivo que existam inovações to espaço de tempo chama a atenção Nanotecnologia e Energia Solar (LNES).
e projetos em desenvolvimento como es- dos cientistas. Quando a perovskita foi A pureza do silício é necessária porque
se no segmento fotovoltaico, ainda mais aplicada pela primeira vez a uma célu- pequenas imperfeições no cristal inter-
no Brasil, um país com enorme poten- la solar, em 2009, o índice de conversão ferem em sua capacidade de transformar
cial de geração de energia solar”, diz de luz em energia elétrica era inferior a a luz absorvida em eletricidade.
(ver Pesquisa Fapesp nº 258). A pro- Já as células solares de perovskita não
dução nacional desse tipo de energia no requerem elevada pureza, uma vez que
país ainda é pequena, de 176 megawatts defeitos em sua estrutura não reduzem
(MW), e corresponde a 0,1% da matriz sua eficiência. Elas são feitas com compos-
elétrica, mas tem crescido em ritmo ace- Alto rendimento tos químicos baratos e podem ser elabo-
lerado. “Até o fim do ano deve atingir 1 radas com métodos simples que reduzem
gigawatt (GW)”, informa Sauaia. Em ju- Confira a evolução da eficiência seu custo. Além disso, o processo produ-
nho, começou a operar o Parque Solar da energética da perovskita em tivo não contribui para o aquecimento
Lapa, no sertão baiano, o maior do país, testes de laboratório (em %) global. Durante a produção das lâminas
com capacidade para produzir 158 MW, de silício, o dióxido de silício (SiO2), ma-
o suficiente para atender às necessidades 25 téria-prima básica do dispositivo, precisa
22,1
de 166 mil famílias por ano. ser fundido a altas temperaturas, em torno
A perovskita usada em células solares 20 19,3 de 1.500 °C, liberando dióxido de carbo-
21,1
é um material semicondutor, de fórmula 15,7
20,1 no (CO2) na atmosfera. “A fabricação das
química CH3NH3PbI3, cuja estrutura se 15 15,6
15
células de perovskita não emite CO2”, diz
assemelha à do mineral titanato de cálcio a pesquisadora da Unicamp.
(CaTiO3) descoberto nos Montes Urais, 12,3
10 9 O grupo de Ana Flávia Nogueira foi o
na Rússia, em 1836. Esse mineral foi ba- 6,5 primeiro a fazer células solares de perovs-
tizado de perovskita em homenagem ao 5 kita no Brasil, em 2016. “Esse estudo co-
mineralogista russo Lev Alexeievitch 3,8 meçou com a dissertação de mestrado do
Perovski (1792-1856). A matéria-prima 0 químico Rodrigo Szostak. Não foi difícil
empregada na produção das células não 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 iniciar o desenvolvimento dessas células,
Um grupo de pesquisadores do Instituto ondas da luz na faixa do visível, do o protótipo apresentou um índice de
de Tecnologia de Massachusetts (MIT), violeta ao vermelho; o restante é eficiência relativamente baixo, de
liderado pela engenheira mecânica perdido. O dispositivo é capaz de 6,8%, mas seus inventores acreditam
Evelyn Wang, o físico Marin Soljacic e o absorver a energia de todo espectro que ele tem potencial para evoluir.
aluno de doutorado David Bierman, está solar para gerar eletricidade. Alguns obstáculos precisam ainda
trabalhando em um novo tipo de célula Outra vantagem é que esse tipo de ser ultrapassados, como o elevado
solar, capaz, segundo eles, de gerar o célula poderia ser eficiente também em custo de fabricação do novo sistema.
dobro de energia do que os painéis de dias sem sol. Embora dependa da Outro é que a tecnologia se mostre
silício existentes. O segredo da nova radicação solar para gerar eletricidade, viável em condições ambientais normais,
tecnologia é sua elevada capacidade de uma vez que o material absorvedor já que, até o momento, os testes
absorção da radiação solar, de acordo tenha captado essa luz, ele gera calor. foram realizados apenas no vácuo
com a publicação MIT Tech Review. Esse calor pode ser armazenado para e não no ambiente. O novo dispositivo
As células fotovoltaicas modernas produzir energia em dias nublados ou foi avaliado pela MIT Tech Review como
absorvem apenas comprimentos de mesmo durante a noite. Em laboratório, uma tecnologia promissora.