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léo ramos chaves

Células de perovskita
desenvolvidas
no Laboratório
de Nanotecnologia
e Energia Solar
do Instituto de
Química da USP

64  z  outubro DE 2017


tecnologia  ENERGIA y

Luz
mais eficiente
Células solares de perovskita podem ser
uma alternativa mais barata e eficaz aos
módulos de silício que dominam o mercado
mundial de painéis fotovoltaicos

Yuri Vasconcelos

U
ma nova geração de células 20%, dependendo do grau de pureza do
solares feitas a partir de um silício usado na construção dos módulos.
material sintético cristalino Fabricantes de painéis solares e vários
conhecido como perovskita grupos de pesquisa no mundo, inclusive
foi escolhida como uma das no Brasil, trabalham no aprimoramento
10 tecnologias emergentes de 2016 pelo dessa tecnologia, que ainda precisa su-
Fórum Econômico Mundial, organização perar alguns obstáculos, como a baixa
suíça que reúne anualmente líderes em- durabilidade, para chegar ao mercado
presariais e políticos para discutir ques- consumidor. No Reino Unido, a Oxford
tões globais. O material tem provocado Photovoltaics, uma spin-off da Universi-
entusiasmo entre cientistas por causa dade de Oxford, montou células de pe-
de sua elevada capacidade de converter rovskita com índice de eficiência de 20%
fótons em elétrons, gerando eletricidade. e trabalha com a possibilidade de aco-
Em julho deste ano, o Instituto Nacional plá-las aos painéis de silício para elevar
de Ciência e Tecnologia de Ulsan (Unist), a conversão de energia. O fundador da
na Coreia do Sul, anunciou a produção empresa, o físico Henry Snaith, foi um
em escala laboratorial de células solares dos primeiros cientistas a reconhecer o
de perovskita com eficiência energética potencial do material como conversor de
de 22,1%, um recorde. Esse índice, obtido luz solar em eletricidade. A Oxford Pho-
em células de pequena dimensão, meno- tovoltaics espera lançar os primeiros mo-
res do que os modelos comerciais, supera delos comerciais dessas células no fim de
o dos painéis de silício, que dominam o 2018, segundo revelou Frank Averdung,
mercado, com 90% das vendas. A taxa presidente da companhia, à agência de
de conversão deles situa-se entre 15% e notícias Bloomberg em março deste ano.

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4%. Menos de uma década depois, esse
Como a célula funciona

Fonte Silvia Fernandes  infográfico ana paula campos  ilustração pedro hamdan
percentual cresceu mais de cinco ve-
zes (ver gráfico abaixo) e deve continuar
Ela é composta por um conjunto evoluindo. Os professores Yang Yang,
de filmes semicondutores transparentes da Universidade da Califórnia, em Los
que transformam a luz solar Angeles, nos Estados Unidos, e Jingbi
em corrente elétrica You, do Instituto de Semicondutores
n Vidro e- da Academia Chinesa de Ciências, es-
n FTO timam que essas células solares devem
n TiO2
1 Absorção da luz
n Perovskita
alcançar 25% de eficiência energética
A luz solar n Spiro-OMeTAD em dois anos, segundo artigo publicado
h+
atravessa o n Ouro na revista Nature de abril deste ano. As
substrato de vidro
pastilhas de silício, por sua vez, já estão
e é absorvida pelo 1 micrômetro
filme de perovskita no mercado há mais de 50 anos e pare-
(CH3NH3Pbl3) Contatos de ouro cem ter atingido seu limite. Nos últimos
15 anos, não foram registrados grandes
progressos em sua taxa de conversão.
2 separação de cargas 3 transporte das partículas 4 Geração de corrente
A energia da luz Os elétrons (e-) migram para Finalmente, os elétrons GRAU DE PUREZA
absorvida (fótons) o filme de dióxido de titânio migram pela camada FTO As células de perovskita também são
é suficiente para (TiO2) e os buracos (h+), (filme formado por óxido
gerar elétrons para a camada de de estanho dopado com
mais baratas e fáceis de produzir do que
(cargas negativas) Spiro-OMeTAD. Uma vez flúor) em direção aos as de silício. “Para que se obtenha alta
e buracos (cargas separados, é difícil que se contatos de ouro, gerando eficiência energética, as células de si-
positivas) na célula recombinem e se anulem a corrente elétrica lício precisam ter um grau de pureza
muito elevado, o que aumenta o con-
sumo de energia durante a fabricação e
“As células solares de perovskita são é retirada da natureza, mas sintetizada eleva seu custo”, explica a química Ana
uma tecnologia recente e promissora”, em laboratório. Elas são construídas em Flávia Nogueira, professora do Institu-
atesta o químico Rodrigo Lopes Sauaia, camadas, com diferentes filmes finos to de Química da Universidade Esta-
presidente-executivo da Associação Bra- com composição química e funções di- dual de Campinas (Unicamp) e líder de
sileira de Energia Solar Fotovoltaica (Ab- ferentes (ver infográfico acima). um dos grupos de pesquisa desse tipo
solar), entidade que reúne empresas do A evolução dessa tecnologia em cur- de dispositivo no país, o Laboratório de
setor. “É positivo que existam inovações to espaço de tempo chama a atenção Nanotecnologia e Energia Solar (LNES).
e projetos em desenvolvimento como es- dos cientistas. Quando a perovskita foi A pureza do silício é necessária porque
se no segmento fotovoltaico, ainda mais aplicada pela primeira vez a uma célu- pequenas imperfeições no cristal inter-
no Brasil, um país com enorme poten- la solar, em 2009, o índice de conversão ferem em sua capacidade de transformar
cial de geração de energia solar”, diz de luz em energia elétrica era inferior a a luz absorvida em eletricidade.
(ver Pesquisa Fapesp nº 258). A pro- Já as células solares de perovskita não
dução nacional desse tipo de energia no requerem elevada pureza, uma vez que
país ainda é pequena, de 176 megawatts defeitos em sua estrutura não reduzem
(MW), e corresponde a 0,1% da matriz sua eficiência. Elas são feitas com compos-
elétrica, mas tem crescido em ritmo ace- Alto rendimento tos químicos baratos e podem ser elabo-
lerado. “Até o fim do ano deve atingir 1 radas com métodos simples que reduzem
gigawatt (GW)”, informa Sauaia. Em ju- Confira a evolução da eficiência seu custo. Além disso, o processo produ-
nho, começou a operar o Parque Solar da energética da perovskita em tivo não contribui para o aquecimento
Lapa, no sertão baiano, o maior do país, testes de laboratório (em %) global. Durante a produção das lâminas
com capacidade para produzir 158 MW, de silício, o dióxido de silício (SiO2), ma-
o suficiente para atender às necessidades 25 téria-prima básica do dispositivo, precisa
22,1
de 166 mil famílias por ano. ser fundido a altas temperaturas, em torno
A perovskita usada em células solares 20 19,3 de 1.500 °C, liberando dióxido de carbo-
21,1
é um material semicondutor, de fórmula 15,7
20,1 no (CO2) na atmosfera. “A fabricação das
química CH3NH3PbI3, cuja estrutura se 15 15,6
15
células de perovskita não emite CO2”, diz
assemelha à do mineral titanato de cálcio a pesquisadora da Unicamp.
(CaTiO3) descoberto nos Montes Urais, 12,3
10 9 O grupo de Ana Flávia Nogueira foi o
na Rússia, em 1836. Esse mineral foi ba- 6,5 primeiro a fazer células solares de perovs-
tizado de perovskita em homenagem ao 5 kita no Brasil, em 2016. “Esse estudo co-
mineralogista russo Lev Alexeievitch 3,8 meçou com a dissertação de mestrado do
Perovski (1792-1856). A matéria-prima 0 químico Rodrigo Szostak. Não foi difícil
empregada na produção das células não 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 iniciar o desenvolvimento dessas células,

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já que nosso laboratório pesquisa desde
Enel / Divulgação

2004 células solares orgânicas e células


sensibilizadas por corantes, duas tecno-
logias que serviram de inspiração para as
células de perovskita”, conta a pesquisa-
dora. O dispositivo desenvolvido no LNES
já atinge valores de eficiência próximos a
16% e deve alcançar 18% até o fim do ano.
Outra característica das células solares
de perovskita é sua espessura, em torno
de 1 micrômetro (a milionésima parte
do metro), diante de cerca de 180 mi-
crômetros das pastilhas de silício. “Elas
são produzidas na forma de filmes ultra-
finos e podem ser semitransparentes, o
que poderá levar à fabricação de painéis
leves e flexíveis, permitindo uma quan-
tidade maior de aplicações”, afirma a
química Silvia Letícia Fernandes, que
fez seu doutorado sobre o tema. Um dos O Parque Solar da Lapa
problemas das células fotovoltaicas de (BA), o maior do país, mercial e disputar espaço no mercado
gera energia suficiente
silício é que elas são pesadas e rígidas, o para atender 166 mil
de energia solar fotovoltaica. O principal
que dificulta e limita os lugares de ins- famílias por ano deles é a baixa durabilidade do material.
talação dos módulos solares. “Esse é o calcanhar de aquiles”, admite
Silvia defendeu no ano passado pela o químico Rodrigo Szostak, do grupo
Universidade Estadual Paulista (Unesp) de pesquisa da Unicamp. “Outro grande
a tese de doutorado “Desenvolvimento problema em relação ao silício é a esta-
de células solares de perovskita baseadas são pesquisadores do Centro de Desenvol- bilidade. A perovskita é sensível à água
em filmes de óxidos nanoestruturados”, vimento de Materiais Funcionais (CDMF), e à umidade, que causam sua degrada-
sob orientação da professora Maria Apa- um dos Centros de Pesquisa, Inovação e ção”, afirma. As primeiras células feitas
recida Zaghete, do Instituto de Química Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP. no mundo com o material permaneciam
da Unesp de Araraquara. O trabalho teve estáveis por apenas alguns minutos, mas
apoio do professor Carlos Frederico de CALCANHAR DE AQUILES alterações em sua estrutura elevaram a
Oliveira Graeff, da Faculdade de Ciências Mesmo com tantas vantagens, as célu- durabilidade para pouco mais de um ano.
da Unesp de Bauru, para preparação das las de perovskita ainda precisam vencer Recentemente, o grupo do professor
células solares. Maria Aparecida e Graeff desafios para se tornar um produto co- Michael Gratzel, da Escola Politécnica

Maior poder de absorção


Equipe do MIT usa nanotubos de carbono e cristais nanofotônicos para criar dispositivo solar mais eficiente

Um grupo de pesquisadores do Instituto ondas da luz na faixa do visível, do o protótipo apresentou um índice de
de Tecnologia de Massachusetts (MIT), violeta ao vermelho; o restante é eficiência relativamente baixo, de
liderado pela engenheira mecânica perdido. O dispositivo é capaz de 6,8%, mas seus inventores acreditam
Evelyn Wang, o físico Marin Soljacic e o absorver a energia de todo espectro que ele tem potencial para evoluir.
aluno de doutorado David Bierman, está solar para gerar eletricidade. Alguns obstáculos precisam ainda
trabalhando em um novo tipo de célula Outra vantagem é que esse tipo de ser ultrapassados, como o elevado
solar, capaz, segundo eles, de gerar o célula poderia ser eficiente também em custo de fabricação do novo sistema.
dobro de energia do que os painéis de dias sem sol. Embora dependa da Outro é que a tecnologia se mostre
silício existentes. O segredo da nova radicação solar para gerar eletricidade, viável em condições ambientais normais,
tecnologia é sua elevada capacidade de uma vez que o material absorvedor já que, até o momento, os testes
absorção da radiação solar, de acordo tenha captado essa luz, ele gera calor. foram realizados apenas no vácuo
com a publicação MIT Tech Review. Esse calor pode ser armazenado para e não no ambiente. O novo dispositivo
As células fotovoltaicas modernas produzir energia em dias nublados ou foi avaliado pela MIT Tech Review como
absorvem apenas comprimentos de mesmo durante a noite. Em laboratório, uma tecnologia promissora.

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Material criado mento das células solares de perovskita.

Sílvia Fernandes / Divulgação


pelo grupo da A inovação foi acrescentar um aerogel de
Unesp de
dióxido de titânio (ou titânia) na arqui-
Araraquara
alcançou 15% tetura do dispositivo a fim de elevar sua
de eficiência taxa de conversão. A pesquisa foi lidera-
da pela equipe do físico Carlos Rambo,
coordenador do Laboratório de Materiais
Elétricos (Lamate) do Departamento de
Engenharia Elétrica e Eletrônica, e teve a
parceria das físicas Maria Luísa Sartorelli
e Françoise Toledo Reis, do Laboratório
de Sistemas Nanoestruturados (LabSiN)
do Departamento de Física.
Federal de Lausanne (EPFL), na Suíça, “O aerogel é um material conhecido
um dos mais avançados no estudo de cé- como fumaça sólida por apresentar uma
lulas de perovskita, conseguiu fabricar elevada área superficial e ser muito le-
módulos solares de 10 por 10 centímetros ve. Desenvolvemos pela primeira vez
quadrados (cm2) por meio de um proces- O uso de chumbo no mundo células solares de perovskita
so adaptado para produção industrial. Os à base de aerogel”, afirma Rambo. “Adi-
dispositivos apresentaram eficiência de na célula e sua cionamos o aerogel de dióxido de titânio
11,2% e mostraram-se estáveis por mais de na arquitetura do dispositivo e duplica-
10 mil horas (415 dias). Apesar do avan-
reduzida mos sua eficiência em relação ao de uma
ço, a durabilidade ainda é muito inferior durabilidade são célula com camada compacta de titânia.”
à dos painéis de silício, que operam sem Para Rodrigo Sauaia, da Absolar, os es-
sofrer degradação por até 25 anos. problemas que forços de pesquisa no Brasil e no mundo
Outro problema a ser superado é o uso são fundamentais para melhorar as ca-
de chumbo na montagem da célula, um ainda precisam racterísticas físicas e químicas das células
elemento químico que traz riscos à saú- de perovskita e aperfeiçoar o processo
de e ao ambiente. “O chumbo é sempre
ser superados produtivo. “O desafio atual é transfor-
uma preocupação ambiental grande, mas mar células de pequeno porte, que apre-
a quantidade utilizada é muito pequena. sentam bons resultados em bancada de
Seu uso em células solares na forma de laboratório, em produtos comerciais, pro-
filmes finos seria muito menos impac- duzidos em larga escala”, aponta Sauaia.
tante para o ambiente do que as baterias De acordo com ele, o sucesso dessa nova
de chumbo-ácido usadas pela indústria para alimentar dispositivos elétricos”, tecnologia vai depender da existência de
automobilística”, frisa Silvia Fernandes. explica Silvia. “A maioria das células usa um módulo solar competitivo que atenda
O problema poderia ser contornado com como transportador de elétrons o dióxido às exigências do mercado. n
o descarte adequado e a utilização das de titânio [TiO2]. Nós introduzimos o pen-
células em locais seguros. “O uso do dis- tóxido de nióbio, que se mostrou muito
positivo em parques solares, com terre- eficiente e ainda melhorou a estabilidade.” Projetos
no preparado, tem baixo risco de causar O dispositivo montado na Unesp apre- 1. Nanoestruturas híbridas em células solares de terceira
dano ambiental”, afirma Ana Flávia. sentou eficiência de até 15%. Parte do geração (3G) (nº 14/21928-4); Modalidade Auxílio à
Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Ana Flá-
estudo foi feita no Laboratório Federal via Nogueira (Unicamp); Investimento R$ 291.986,83.
Mais estável Suíço de Ciência e Tecnologia de Ma- 2. Desenvolvimento de células solares híbridas basea-
Para ajudar a contornar a baixa estabili- teriais (Empa), sob orientação do pro- das em filmes nanoestruturados de ZnO e Nb2O5 (nº
12/07745-9); Modalidade Bolsa de Doutorado – Brasil;
dade das células de perovskita, o grupo fessor Frank Nüesch. “Em 2015, passei Pesquisadora responsável Maria Aparecida Zaghete
da Unesp inseriu na composição da célula cinco meses no laboratório do professor Bertochi (Unesp); Bolsista Silvia Letícia Fernandes
filmes de pentóxido de nióbio (Nb2O5), o Nüesch. Ele nos cedeu o espaço físico e (Unesp); Investimento R$ 106.393,98 e R$ 45.284,17
(Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior, nº 14/23336-7).
que a tornou mais estável. “A célula solar a experiência na montagem das células.
é formada basicamente por um filme de Nós utilizamos os filmes de pentóxido de Artigos científicos
perovskita e outros dois filmes, um res- nióbio preparados no Brasil e montamos SZOSTAK, R. et. al. Understanding perovskite formation
through the intramolecular exchange method in ambient
ponsável pelo transporte dos elétrons e as células lá. Hoje conseguimos fazer conditions. Journal of Photonics for Energy. v. 7, n. 2.
outro pelo de buracos [um buraco é uma toda a montagem e caracterização dos 24. mai. 2017.
partícula caracterizada pela ausência de dispositivos no Laboratório de Novos FERNANDES, S. L. et. al. Nb2O5 hole blocking layer for
hysteresis-free perovskite solar cells. Materials Letters.
um elétron, tendo carga de mesmo va- Materiais e Dispositivos (LNMD), com v. 181. 15. out. 2016.
lor, mas de sinal oposto à do elétron]. Es- a mesma qualidade”, diz Silvia. PINHEIRO, G. K. et. al. Increasing incident photon to
ses elétrons e buracos gerados pela luz Um terceiro grupo de pesquisa brasi- current efficiency of perovskite solar cells through TiO2
aerogel-based nanostructured layers. Colloids and Surfa-
migram para lados opostos do material, leiro, da Universidade Federal de Santa ces A: Physicochemical and engineering aspects. v. 527,
criando uma tensão que pode ser usada Catarina (UFSC), trabalha no aprimora- p. 89-94. 20. ago. 2017.

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