Você está na página 1de 11

PIZZA DA PADARIA IMPERATRIZ: TRADIÇÃO E SENTIMENTALISMO

THE PADARIA IMPERATRIZ’S PIZZA: TRADITION AND SENTIMENTALITY

Íris Ferreira de França¹


(Professora da Faculdade Metropolitana da Grande Recife – PE. Pesquisadora do NEPH –
Núcleo de Estudos e Práticas em Hospitalidade. E-mail: irisdefranca@metropolitana.edu.br)

Priscilla Carla Leite Marques²


(Professora da Faculdade Metropolitana da Grande Recife – PE. Pesquisadora do NEPH –
Núcleo de Estudos e Práticas em Hospitalidade. E-mail: priscilla@metropolitana.edu.br)

Roneide Gonzaga de Oliveira³


(Professora da Faculdade Metropolitana da Grande Recife – PE. Pesquisadora do NEPH –
Núcleo de Estudos e Práticas em Hospitalidade. E-mail: roneide@metropolitana.edu.br)

Resumo
Este artigo apresenta um resultado parcial de um projeto de pesquisa sobre “Padarias
Tradicionais do Recife e Região Metropolitana” em fase de desenvolvimento desde 2013 pelo
Núcleo de Estudos e Práticas em Hospitalidade – NEPH da Faculdade Metropolitana da Grande
Recife. O objetivo está centrado no delineamento da importância cultural da Pizza da Padaria
Imperatriz, produto principal da casa. Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa
predominantemente de ordem qualitativa, com uso de visitas in loco e entrevistas, além de
pesquisa bibliográfica. Entendemos a alimentação como base da cultura e da sociabilidade e o
espaço desta padaria como ponto de encontro e referência gastronômica passada de geração a
geração. É esse item da tradição que conforma a busca contínua por esse produto e o transforma
numa referência da cultura gastronômica local. Comentado [PM1]: Acho que temos que tirar isso, pq na
conclusão não fala disso

Palavras-chave: Pizza; Padaria Imperatriz; Padarias Tradicionais; Alimentação e Cultura. Comentado [IF2R1]:
Comentado [IF3R1]:

Abstract
This paper presents parcial results of the research project “Padarias Tradicionais do Recife e
Região Metropolitana”, in development since 2013 by the “Núcleo de Estudos e Práticas em
Hospitalidade (NEPH)” of Faculdade Metropolitana da Grande Recife. The objective here
presented is to trace the cultural importance invested upon the pizza produced in “Padaria
Imperatriz” as the bakery’s chief product. In order to accomplish this, research was developed
in a purely qualitative basis, composed of interviews and visitations, as well as bibliographic
research. Alimentation is here understood as the founding grounds of culture and sociability,
and that is well exemplified by the bakery as a gathering point and gastronomic reference
established from generation to generation. Even being a typical fast food product, high demand
for “Padaria Imperatriz” pizza shows itself as a counterpart to this movement and reveals that
a family-based management is a legitimizing factor regarding local market establishment.

Key-words: Pizza; Padaria Imperatriz; Traditional bakeries; Alimentation and Culture.

Introdução

O presente artigo tem como objetivo traçar a importância cultural, para os recifenses, da
Pizza da Padaria Imperatriz, estabelecimento localizado no centro da cidade do Recife. Sendo
considerada uma padaria tradicional pela sua longevidade e localização territorial, a Padaria
Imperatriz torna-se palco das representações culturais e sociais ligadas à alimentação do povo
recifense. A padaria, apesar dos vários produtos preparados, tem sua pizza como um dos
principais pratos que motivam um deslocamento de pessoas de variadas localizações para
apreciá-la. Na atualidade, ir ao Centro do Recife não é a única opção de lazer e compras da
cidade, pelo contrário. Com o crescimento dos shoppings centers e a falta de investimento nas
áreas centrais das cidades, muitas famílias optam por não mais passear no centro do Recife.
Percebe-se que, apesar desses fatores e de outros específicos na Rua da Imperatriz, endereço da
padaria, ainda há um grande movimento de consumidores em busca dos produtos da Padaria
Imperatriz, sendo a principal motivação da ida à zona central da cidade. Por ser tradicional,
nota-se também a presença de turistas e de jovens que aprenderam com seus pais e avós a comer
a pizza da padaria.
Verifica-se, dessa maneira, que a busca por essa pizza ultrapassa as barreiras impostas
aos estabelecimentos das áreas centrais. Nota-se que é a tradição que eles carregam que
continua a gerar o fluxo de clientes a esses espaços. O sentimento de pertencimento que a pizza
gera em seus apreciadores termina por legitimar essa iguaria como um patrimônio cultural e
sentimental do Recife.
Esse estudo é um recorte inicial de um projeto de pesquisa intitulado “Padarias
Tradicionais do Recife e Região Metropolitana” desenvolvido pelo Núcleo de Estudos e
Práticas em Hospitalidade – NEPH da Faculdade Metropolitana da Grande Recife. O objetivo
principal do projeto é realizar um levantamento das padarias consideradas tradicionais no
Recife e Região Metropolitana, atendendo ao principal requisito: que o estabelecimento tenha
50 anos de fundação, no mínimo. Além desse levantamento histórico, estão sendo realizadas
também entrevistas com os proprietários para o aprofundamento das questões mercadológicas,
históricas e culturais. A intenção é desenvolver um guia turístico e a produção de artigos que
discutam junto à população a representatividade dessas padarias em seu cotidiano familiar e em
sua vida social coletiva.
Para a coleta de dados inicial, foram identificadas as padarias que se incluem no
requisito apresentado acima. Após esse resultado, se inicia a etapa das entrevistas. Essas
entrevistas têm por base um roteiro preestabelecido e questões semiestruturadas, o que permite
que, ao longo de sua realização, outras questões sejam levantadas.
Além das entrevistas, estão sendo realizadas visitas às padarias, para avaliar a sua
dinâmica atual de relação com seu público e o seu espaço e entorno. Entender essa dinâmica
favorece a compreensão mais ampla da influência dessa padaria na história do bairro e de seus
moradores. A observação seguirá uma programação e utilizará formulários para que haja uma
coleta de dados mais sistemática.
Paralelas ao procedimento descrito acima, pesquisas bibliográficas são realizadas para
auxiliar na compreensão da alimentação como fator cultural e social. A partir do entendimento
da comida como expressão da cultura local é possível identificar a influência de
estabelecimentos comerciais e seus produtos, foco para exploração turística e formação do
gosto de gerações a fio.
Diante do exposto, apresentamos o questionamento que norteia este artigo: que fatores
estão envolvidos na formação da tradição e do sentimentalismo em torno da pizza da
Padaria Imperatriz? Iniciamos as considerações com a importância da alimentação na
formação da identidade cultural de um povo na sessão seguinte.

1. Alimentação e cultura

A comida está tão inserida na nossa personalidade que é através dela que nos revelamos,
tanto de maneira individual como coletiva. O célebre aforismo de Brillat-Savarin “diz-me o que
comes e te direi quem és” (1995, p. 15) assume uma perspectiva histórica e comportamental
que será derivada do pertencimento social e, ao mesmo tempo, revelada. Esses critérios, unidos,
garantirão a valoração do paladar, de caráter identitário e presos a símbolos sociais e
imaginários, onde “o paladar defende no homem a sua personalidade nacional [e regional]”
(FREYRE, 2002, p. 64). Essa identidade cultural cujo reconhecimento coletivo é baseado em
processos de construção imagético-discursivo que segundo Stuart Hall (2004) visa estabilizar e
unificar as relações sociais, tornando as ações previsíveis. A memória coletiva construída
através das interações sociais deve estar, segundo Renato Ortiz (1986), necessariamente
vinculada a um grupo social determinado. A memória coletiva é o abrigo da identidade cultural,
que em Pernambuco está estreitamente ligada à tradição e ao saber popular, “que não existe
fora das pessoas, mas entre elas” (ORTIZ, 1986, p. 134).
A comida permeia as relações sociais desenvolvidas à mesa, visto que não se alimenta
apenas pelo caráter nutricional, mas também pelo prazer, para buscar o entendimento da cultura
do outro, estreitando, assim, processos identitários e culturais. A tradição alimentar é passada
de geração a geração, antes de nascermos já existe uma pré-definição do “padrão culinário
mantido pela população que é repassado aos que nela acabaram de ingressar” (MARCENA,
2012, p. 57), porém todo esse sentido simbólico e imagético da alimentação é mutável e de
caráter múltiplo, pois os elementos culturais que o permeiam “só existem entre as pessoas e,
por isso, podem ser reinventados continuamente” (idem, 2012, p. 68). A partir do momento que
a comida define uma identidade, ela partilhará, também, papéis sociais que segundo Raul Lody
(2004) unirá desejo, fome, ritualidades, memória, comunicação, valores culturais, significados,
tendo em vista que a comida tem o caráter de tradutora universal no sentido de pertencimento.
O comer junto se torna um dos primeiros sinais de pertencimento ao grupo, mesmo que isso
não signifique estar em harmonia.
A carga simbólica da comida “é ainda mais forte quando ela é percebida como
instrumento de sobrevivência diária” (MONTANARI, 2008, p. 158). A inserção do fator
cultural da alimentação nos processos de construção da identidade social fortalece um modelo
alimentar que, segundo Poulain (2003), é uma configuração particular do espaço social
alimentar. A formação do gosto será implicada a partir da propensão cultural das classes sociais
no estabelecimento dos estilos de vida, que está ligada às marcas distintivas da alimentação,
música, política, etc. Segundo Bourdieu (2007), essas relações sociais seriam relações
econômicas ampliadas e estendidas a todos os âmbitos da vida social e das dimensões
simbólicas que norteiam a ação dos indivíduos e suas relações através de um sistema de valores.
Destacamos os serviços de alimentação como geradores desse artefato cultural
importante e que é a comida. A abrangência deste setor é relativamente expressiva e envolve
desde pequenos estabelecimentos comerciais que servem poucas refeições até grandes cozinhas
da indústria alimentícia. A classificação de tipos de estabelecimentos de alimentação é
significativa e encontramos desde o restaurante a quilo, passando pelas padarias e pizzarias até
aquele que oferece serviços de alta gastronomia (LODY, 2006).
O elemento tradição também é bastante relevante na construção de significados
importantes na conformação da gastronomia de um lugar. Bornhein (1987, p. 18) entende que
“através da tradição, algo é dito e o dito é entregue de geração a geração”. Com a comida, a
tradição também perpassa por essa questão de continuidade e repetição. Ser tradicional na
gastronomia também é significado como rito, repetição, passado de geração para geração.
Na próxima sessão, apresentamos a Padaria Imperatriz, nosso espaço de pesquisa, e sua
pizza, iguaria considerada produto de destaque da casa. Relatamos também as informações e
impressões colhidas durante a entrevista com o atual proprietário do estabelecimento.

2. A Padaria Imperatriz e sua Pizza

Imagens 1a – Fachada da Padaria Imperatriz e 1b – Escudo da Padaria Imperatriz 1

Houve um tempo em que a extinção das padarias de bairro foi anunciada e que, de
maneira suposta, elas seriam substituídas de forma incondicional pelas espaçosas delicatessens,
que unem supermercado, loja de presentes, restaurante e importadora, que abasteceria pequenas
e grandes necessidades da vizinhança (PADARIAS: MUITO ALÉM..., 2011). Com o passar
dos anos esse movimento não aconteceu e, em alguns casos, contribuiu para consolidar os
estabelecimentos tradicionais que resistiram investindo em conforto, ampliando seu portfólio
de produtos e, especificamente, apoiando-se em especialidades e serviços que conquistaram a
confiança de gerações. Hoje, muitas padarias tradicionais estão completando cem anos de
fundação e ainda nos acompanham desde as primeiras horas do dia até o jantar.
Com a Padaria Imperatriz não poderia ser diferente. Ela foi fundada 1897 e permaneceu
com o nome de “Padaria Japonesa” até o ano de 1944, quando teve que mudar por conta dos
conflitos da Segunda Grande Guerra e a padaria adotou o nome da rua em que está localizada,

1
Fonte: https://www.flickr.com/photos/mcdemoura/7018819321/
a Rua da Imperatriz Tereza Cristina, no imóvel número 240, conforme nos relatou seu Horácio
Amorim, atual proprietário e à frente do negócio desde 1969.
Uma ida à padaria vale por uma aula de História. O atual proprietário, sr. Horácio
Amorim, neto do fundador, é a terceira geração da família a administrar o negócio, está sempre
acompanhando a produção e o serviço para garantir a fidelidade e a tradição dos seus produtos.
Ele informa que o seu público é constituído em sua maioria por senhoras e senhores que ainda
residem nas áreas próximas, em pleno centro da cidade do Recife. Estes fregueses, como faz
questão de chamá-los, frequentam a casa diariamente em busca dos mesmos produtos, muitos
já conhecidos pelos balconistas.
Atualmente, a centenária padaria serve, além de pão francês, mais de 2.500 itens de
fabricação própria (PADARIA..., 2013). São bolachas e bolos variados, com particular destaque
para o pão-de-ló, além de biscoitos e lanches doces e salgados, estes últimos constituindo-se
um capítulo à parte. E é do balcão de lanches da Padaria Imperatriz que vimos emergir um de
seus pratos mais clássicos e que se tornou um patrimônio cultural e sentimental do Recife: a
pizza.
Para apreciá-la, há muitas pessoas que buscam diariamente o lanche rápido servido no
outro lado do salão, em frente ao balcão de pães. Ali, encontramos comerciários e outros tipos
de profissões, que estão no centro do Recife trabalhando ou fazendo compras e se permitem
uma parada para lanchar, já que a Imperatriz, de ascendência portuguesa, não oferece refeições.
Na rua de mesmo nome não é permitido o acesso de carros, mas o trânsito de pedestres é sempre
intenso. Entre este público, a pizza é o item mais procurado. De massa alta como um pão, porém
levíssima, feita sempre com o recheio de mussarela, não descansa na vitrine mais que alguns
minutos. É depressa “retalhada” – em Recife, um retalho de pizza significa um pedaço da
preparação – e servida aos ávidos apreciadores que a aguardam. A casa não aceita cartões, nem
de crédito nem mesmo de débito, mas nem por isso deixa de reunir multidões diariamente.
Imagem 2 – Pizza da Padaria Imperatriz2
A pizza é o grande trunfo do empreendimento. De acordo com a funcionária Maria das
Graças, há 35 anos na casa, tudo começou na década de 1970, quando um pasteleiro paulista
foi contratado e trouxe consigo a receita. O pasteleiro se foi, mas a pizza ficou como patrimônio
da Imperatriz até hoje (PRATOS CLÁSSICOS EM..., 2013). A definição de sabor único se
aplica aqui ao pé da letra, pois a pizza é feita apenas de mussarela e molho de tomate. O sr.
Horácio Amorim diz que “as pessoas até perguntam se não vamos ter outros sabores, mas não
teríamos estrutura pra isso" (PIZZA IMPERATRIZ..., 2012). Nesse caso, a tradição não abriu
espaço para a inovação e se consolidou no cardápio da casa.
Nossa entrevista foi realizada no mesmo dia da visita ao local, no mês de setembro de
2013 e foi orientada por um roteiro com questões semiestruturadas visando levantar respostas
para os seguintes pontos:
1. História da padaria.
2. Perfil do Público.
3. Principal produto, carro chefe da casa (o mais procurado / vendido / exclusivo da
casa).
4. Inovações em produtos e serviços ao longo dos anos (inclui refeições, delivery).
5. Estratégias de marketing.
6. Perfil dos funcionários (principalmente o padeiro): tempo de casa, formação,
incentivos.
Durante a visita, tivemos a oportunidade de observar o fluxo intenso de clientes e
buscamos compreender a importância da Padaria Imperatriz no bairro onde está instalada e no
seu entorno. Foi observado que há grupos de encontro, em sua maioria famílias, bem como
pessoas que frequentam a casa para tomar um café no meio da tarde. Observamos que há
possibilidades de sociabilidade na partilha da comida e do espaço, visto que os clientes são
convidados a utilizar o grande balcão da lanchonete e todos ficam sentados de frente às vitrines
irresistíveis de guloseimas doces e salgadas, conforme Imagem 3. Há também algumas mesas
para consumo em um pequeno espaço reservado ao fundo do salão.

Fonte:http://www.pernambuco.com/app/noticia/turismo/45,30,46,15/2013/08/02/interna_turismo,453910/p
ratos-classicos-em-lugares-classicos.shtml.
Imagem 3 – Interior da Padaria Imperatriz com balcão da lanchonete à esquerda e cardápio afixado na
parte superior da parede3

A memória coletiva construída (ORTIZ, 1986) aparece clara na relação dos funcionários
com os clientes. Muitos já se conhecem e se tratam pelo nome, tanto do lado da padaria como
na lanchonete. Um detalhe interessante é que, no balcão dos pães, somente atuam funcionários
homens enquanto na lanchonete, as mulheres garantem o bom e rápido atendimento. Em ambas
as frentes de venda, os colaboradores demonstram simpatia e respeito pelos clientes, além de
se orgulharem de conhecer os gostos dos mais fiéis e fazerem questão de recebê-los dizendo “o
de sempre?”.
A simplicidade da receita não tira a satisfação da degustação. Aproveitamos a visita para
degustar um retalho da pizza. O encantamento começa quando a fôrma chega à pequena vitrine
coberta, como pode ser observado na imagem 2. A pizza é cortada em quatro partes que vão
rapidamente para os pratos e para os clientes que a aguardam. Em um intervalo de poucos
minutos, chegam cerca de quatro ou cinco fôrmas redondas de pizza, rapidamente despachadas
por atendentes experientes.
O que observamos foi uma massa bem leve, quase sem óleo, onde o queijo se incorpora
de tal forma á massa que quase não a percebemos antes de levar o primeiro pedaço à boca. A
suavidade se estende ao molho de tomate, quase imperceptível, mas responsável por diferenciar
o sabor. No balcão e nas poucas mesas na lanchonete, observamos as pessoas que consumiam
a pizza demostravam a familiaridade que se tem com um velho amigo sem demonstrações de
perda da satisfação, que é renovada com a chegada do retalho no prato para ser consumido.

3
Fonte:
https://www.bing.com/images/search?q=padaria+imperatriz&FORM=HDRSC2#view=detail&id=6C156F3F5981
83CF7E5DC073BF3499E4DDD5657F&selectedIndex=23
Apesar de não haver nenhuma peça de marketing, tal como banner ou panfletos
específicos para a pizza dentro do estabelecimento, a não ser o cardápio afixado no alto da
parede, a pizza atrai centenas de pessoas diariamente, o que demonstra a relação de cultura e
estabelecida com a clientela, que é responsável por legitimar este quitute na tradição recifense
e pernambucana. Vale ressaltar que a padaria não possui site na internet, muito menos está
conectada às redes sociais. Sua estratégia de marketing reside na seguinte filosofia, nas palavras
de seu Horácio é “tradição, sem seguir tendências atuais, pois é o que o povo gosta”.
Sem estratégia de marketing exclusiva ou sugestão de um funcionário para influenciar
a decisão de compra, sentimos o sabor do passado em cada pedaço de pizza, o cheiro da antiga
função comercial e social exercida pela rua da Imperatriz na vida do Recife, a nostalgia expressa
por outros pratos do cardápio, além dos pães e bolos, muitos ainda com sotaque português, que
trazem de volta a construção de um universo bucólico capaz de envolver-nos nas mais doces
lembranças do passado.
Percebemos que é na simplicidade que reside a tradição dessa iguaria, que se torna
clássica e apreciada por residentes e turistas do Recife. É a tradição que ela carrega que continua
a gerar o fluxo de clientes ao espaço que a comercializa.

3. Considerações finais

Retomamos nosso questionamento inicial “que fatores estão envolvidos na formação


da tradição e do sentimentalismo em torno da pizza da Padaria Imperatriz?” com a
finalidade de tecer comentários a respeito dos resultados parciais obtidos até o estágio atual
deste projeto de pesquisa.
Nos últimos anos, o estudo dos serviços vem adquirindo uma ênfase expressiva na
economia mundial e brasileira, representando campo interessante de pesquisas, por sua
dinâmica e características específicas. Em uma relação de serviço, há interação direta do
fornecedor com o consumidor, onde o caráter subjetivo e sensorial destaca-se em detrimento de
relações racionais.
O desempenho, a continuidade e a competitividade de uma empresa estão fortemente
relacionados à gestão do estabelecimento e à proposta de atendimento aos seus clientes.
Especialmente para empresas que comercializam alimentos e bebidas, a diferenciação encontra-
se fundamentada nas pessoas e sua maneira de prestar o melhor serviço ao cliente.
Identificamos que o modelo de empresa familiar, apesar de complexo e contestável em
alguns casos, é típico no Brasil e consideramos que este modelo de gestão, especificamente
para a Padaria Imperatriz, é importante para a conservação da tradição que a casa carrega e que
continua a gerar o fluxo de clientes em seu espaço. Assim, é fundamental que a gestão
desenvolva uma consciência de valorização das pessoas, quer sejam colaboradores,
empresários, gerentes ou clientes, voltando seu foco empresarial para os resultados.
Além disso, percebe-se que a Padaria Imperatriz atua no fluxo contrário ao movimento
dos fast foods na medida em que mantém suas tradições de cardápio, localização, serviços de
atendimento ao cliente, apesar de a pizza ser um alimento típico dos estabelecimentos de
comida rápida, a Padaria Imperatriz consegue diferenciar seu produto não somente pelo modo
de preparação e serviço mas, principalmente, pelo sentimentalismo que o envolve. Muito mais
que a preservação das tradições culturais pernambucanas, podemos perceber também o valor
simbólico desta iguaria pelos vínculos estabelecidos entre aqueles que comem juntos.
A tradição alimentar, passada de geração a geração de consumidores, é outro fator
decisivo para a manutenção da tradição da pizza e para o desenvolvimento de laços de
sentimentalismo com os recifenses, chegando a contagiar também turistas. Para as novas
gerações, visitar a Padaria Imperatriz com os pais ou os avós contribui para o sentimento de
pertencimento a um grupo que valoriza tradições sem abrir mão de outras facilidades atuais,
pois que continuam a frequentar shoppings centres e delicatessens. A relação dos recifenses
com a pizza da Padaria Imperatriz é fortemente sentimental.
Finalmente, a pizza da Padaria Imperatriz é uma iguaria que promove sociabilidade por
seu caráter tradicional e pelo vínculo sentimental estabelecido com os recifenses e turistas, na
medida em que, ao ser compartilhada, promove permuta de hábitos e cultura em torno de um
estabelecimento comercial centenário, resistente às mudanças e inovações sem deixar de ser o
espaço para legitimação de amizades, perfeitamente inserido no contexto da hospitalidade.

Referências bibliográficas

Livros

BERNARDI, Luiz Antonio. Manual de Empreendedorismo e Gestão. São Paulo: Atlas,


2012. 2. ed. p. 107-135.
BORNHEIN, Gerd. O Conceito de Tradição. In: BORNHEIN, Gerd et all. Cultura Brasileira:
tradição e contradição. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1987.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.
FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
LODY, RAUL. Comer é pertencer. In: ARAÚJO, W. M. C.; TENSER, C. M. R. (org.). In:
Gastronomia: Cortes e recortes. Brasília, DF: Editora SENAC Distrito Federal. p. 144-155,
2006.
______. Comer é pertencer. In Coletânea de palestras do 1º Congresso de Gastronomia e
Segurança Alimentar, 20-23 de outubro de 2004, Brasília, UnB, 2004, p. 150.
MARCENA, Adriano. Mexendo o pirão: importância sociocultural da farinha de mandioca no
Brasil holandês (1637-1646). Recife: Funcultura, 2012.
MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. São Paulo: Editora SENAC São Paulo,
2008.
POULAIN, Jean Pierre. Sociologias da alimentação. Florianópolis: Editora UFSC, 2003.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1986.
SAVARIN, Brillat. A fisiologia do gosto. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

Endereços eletrônicos

PADARIA IMPERATRIZ. Disponível em<


http://vejabrasil.abril.com.br/recife/comidinhas/padaria-imperatriz-59973>. Acesso em 03
mar. 2014.
PADARIAS: muito além do pãozinho francês. Disponível em<
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/suplementos/boa-mesa/noticia/2011/10/07/padarias-
muito-alem-do-paozinho-frances-18236.php>. Acesso em 03 mar. 2014.
PELAS RUAS DO RECIFE. Disponível em <
https://www.flickr.com/photos/mcdemoura/6872713548/>. Acesso em 15 mar. 2014.
PIZZA IMPERATRIZ. Disponível em<http://gastroonline.ne10.uol.com.br/pizza-
imperatriz/>. Acesso em 03 mar. 2014.
PRATOS CLÁSSICOS EM LUGARES CLÁSSICOS: Dez comes e bebes imperdíveis para
quem está turistando em Pernambuco. Disponível em
<http://www.pernambuco.com/app/noticia/turismo/45,30,46,15/2013/08/02/interna_turismo,4
53910/pratos-classicos-em-lugares-classicos.shtml>. Acesso em 03 mar. 2014.

Você também pode gostar