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UNIVERSIDADE KATYAVALA BWILA

FACULDADE DE DIREITO

MONOGRAFIA PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE LICENCIADO EM DIREITO NA


OPÇÃO JURÍDICO-CIVIL

TEMA

PUNIBILIDADE DA TENTATIVA DE HOMICÍDIO COM RECURSO A


VENENO OU MEIOS INSIDIOSOS.

APRESENTADO POR: Manuel Alfredo Aspirante Correia Quimbundo

ORIENTADO POR: Eugénio Marcolino, Lic.

Benguela, Outubro de 2021


UNIVERSIDADE KATYAVALA BWILA

FACULDADE DE DIREITO

MONOGRAFIA PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE LICENCIADO EM DIREITO NA


OPÇÃO JURÍDICO-CIVIL

TEMA

PUNIBILIDADE DA TENTATIVA DE HOMICÍDIO COM RECURSO A


VENENO OU MEIOS INSIDIOSOS.

APRESENTADO POR: Manuel Alfredo Aspirante Correia Quimbundo

ORIENTADO POR: Eugénio Marcolino, Lic.

Benguela, Outubro de 2021


PENSAMENTO
A medida da organização de uma sociedade está na maneira porque previne ou
reprime os crimes. (anónimo)

iii
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu pai Manuel Alfredo Quimbundo, de feliz memória, a minha
mãe Arminda Aspirante, aos meus irmãos, colegas, amigos e professores, sem os quais este
trabalho não seria uma realidade.

iv
AGRADECIMENTOS
À Deus pela vida graciosa, pelos momentos felizes e tristes;
Ao meu pai, de feliz memória, pelo sacrifício.

À minha mãe pela coragem, e a toda minha família pelo carinho.

À minha namorada e aos meus amigos pelo apoio e por estarem sempre presentes.

A todos os meus Professores por terem tornado o meu sonho possível e me acompanharem
nas minhas realizações.

v
ABREVIATURAS
a.C. = antes de Cristo

Séc. = Século

IIª = Segunda

Artº = Artigo

C.P.P = Código Penal Português

Ex. = Exemplo

C.P.A = Código Penal Angolano

Ibidem = Na mesma obra, mas página diferente

Idem = Na mesma página e na mesma obra

Cfr = Conferir

vi
RESUMO
Os componentes, dos quais eram preparados medicamentos e venenos, eram de origem
vegetal, animal ou mineral. As vítimas dessas mortes misteriosas (por veneno), pertencentes às
mais diferentes classes sociais, eram preponderantemente em sua maioria homens, e os autores,
quase sem excepção, mulheres. A existência de novas leis que incluem o envenenamento como
um meio de prática do crime de homicídio e somente isso, sem debruçar-se sobre a questão do
uso de venenos não mortíferos causa uma luta mental ao intérprete destas novas leis. O conceito
de crime não é mais visto hoje da mesma forma que nos séculos passados; hoje o crime ou
delito é uma conduta humana individualizada mediante dispositivo legal que revela sua
proibição, e que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico é contrária à ordem
jurídica, que, por ser exigível do autor que agisse de maneira diversa diante das circunstâncias,
é reprovável. A tentativa consiste na realização incompleta do comportamento típico de um
determinado tipo de crime previsto na lei.

É ao olhar da lei que podemos entender a justiça existente em um Estado. Assim,


mediante o olhar no direito também, comparado, só haverá homicídio qualificado pelo
envenenamento, caso o veneno seja ministrado à vítima de maneira insidiosa ou sub-reptícia,
sem o seu conhecimento, buscando assim com isso a justiça da pena aplicada a tentativa.

Palavras Chaves (Crime, Homicídio, Veneno, Envenenamento, Tentativa)

vii
ABSTRACT
The components, from which medicines and poisons were prepared, were of
vegetable, animal or mineral origin. The victims of these mysterious deaths (by poison),
belonging to the most different social classes, were predominantly men, and the perpetrators,
almost without exception, were women. The existence of new laws that include poisoning as a
means of committing the crime of murder and that alone, without addressing the issue of the
use of non-deadly poisons, causes a mental struggle for the interpreter of these new laws. The
concept of crime is no longer seen today as it was in past centuries; today, the crime or offense
is a human conduct individualized by a legal provision that reveals its prohibition, and which,
as it is not allowed by any legal precept, is contrary to the legal order, which, as it is required
of the author to act differently under the circumstances, is reprehensible. The attempt consists
in the incomplete performance of the typical behavior of a certain type of crime foreseen by
law.
It is by looking at the law that we can understand the justice that exists in a State.
Thus, by looking at the law also, compared, there will only be qualified homicide by poisoning,
if the poison is administered to the victim in an insidious or surreptitious manner, without their
knowledge, thus seeking the justice of the penalty applied to the attempt.

viii
ÍNDICE

PENSAMENTO ........................................................................................................................iii

DEDICATÓRIA ........................................................................................................................ iv

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................... v

ABREVIATURAS .................................................................................................................... vi

RESUMO .................................................................................................................................vii

ABSTRACT ............................................................................................................................viii

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11

CAPÍTULO I. NOÇÕES GERAIS. ...................................................................................... 14

1.1 Evolução histórica da teoria do crime. ............................................................................ 14

1.2 Evolução histórica do crime de envenenamento............................................................. 19

1.3 Antecedentes históricos do crime de homicídio com recurso a veneno ou meios


insidiosos .............................................................................................................................. 21

1.4 Conceitos ........................................................................................................................ 22

1.4.1 Crime. ....................................................................................................................... 22

1.4.2 Tentativa ................................................................................................................... 24

1.4.2.1 Conduta punível .................................................................................................... 27

1.4.3 Classificação dos crimes .............................................................................................. 28

1.4.4 Sujeitos e objecto do crime de homicídio. ................................................................... 30

1.4.5 Veneno. ........................................................................................................................ 30

1.4.6 Meio insidioso.............................................................................................................. 31

1.4.7 Homicídio por envenenamento. ............................................................................. 31

1.4.8 Características dos crimes formais. ............................................................................. 31

CAPÍTULO II. CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO COM RECURSO A


VENENO OU MEIOS INSIDIOS NO DIREITO COMPARADO. .................................. 32

2.1 O crime de tentativa de homicídio com recurso a veneno ou meios insidiosos no


ordenamento jurídico português ........................................................................................... 32

ix
2.2 O crime de tentativa de homicídio com recurso a veneno ou meios insidiosos no
ordenamento brasileiro ......................................................................................................... 33

2.3 O crime de tentativa de envenenamento no ordenamento jurídico moçambicano ......... 34

CAPÍTULO III: A REALIDADE PENAL ANGOLANA. ................................................. 36

3.1 O crime de tentativa de homicídio com recurso a veneno ou meios insidiosos. ............ 36

3.2 Convergência e divergência no direito comparado da tentativa de homicídio com


recurso a veneno ou outros meios insidiosos. ....................................................................... 40

3.2 As fronteiras entre o crime de homicídio e o crime de envenenamento. ........................ 41

3.4 Posição adoptada quanto a punibilidade do crime de homicídio com recurso a veneno e
outros meios insidiosos ......................................................................................................... 42

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 45

RECOMENDAÇÕES............................................................................................................... 47

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 48

x
INTRODUÇÃO

O crime é na ordem social o que o vício é na ordem moral e a guerra na ordem política.
Uma incidência perturbadora do equilíbrio social. Fortuita como todas as incidências anormais,
tem por si o carácter de frequência, ganhando assim em quantidade o que lhe falta em
intensidade; e um resultado complexo em que o indivíduo, o meio cósmico e o meio social
colaboram largamente, e é a persistência destes agentes que de há muito tem animado as acções
dos que pretendem reduzir a um quadro sistemático as múltiplas formas deste agente
perturbador. Pois a medida da organização de uma sociedade está na maneira porque previne
ou reprime os crimes.

A moral política não pode proporcionar a sociedade nenhuma vantagem durável, se não
for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem. Toda lei que não for
estabelecida sobre essa base encontrará sempre uma resistência à qual será constrangida a ceder.
Consultemos, pois, o coração humano; acharemos nele os princípios fundamentais do direito
de punir.

Desde o século IV a.C., encontramos nas fontes, diversos acidentes fatais atribuídos à
ingestão de substâncias, que em sua maioria não podem ser definidas, ou aparentam ter causas
ainda mais obscuras. A distinção entre remédio e veneno é tênue, uma vez que a relação entre
eles é bastante estreita. Frequentemente, diferenciam-se apenas na dosagem, no modo de sua
prescrição ou na combinação com outras substâncias.

A disposição dos actos sugere uma cronológica sucessão das próprias etapas de uma
morte por veneno: um material é preparado, vendido por aquela pessoa que o produziu,
comprado pela pessoa que pretende fazer uso dele e, consequentemente, porta-o consigo e, por
fim, prescreve-o. Assim uma morte por veneno concluída está sujeita não apenas a um desfecho
negativo do crime de ameaça, mas também cada um dos referidos actos preparatórios são
considerados factos típicos autónomos. Era suficiente que, por meio da preparação, venda,
compra, posse ou prescrição de um veneno mortal, fosse posta uma vida em perigo.

Importa referir, que as normas incriminadoras prevêem, em regra, o crime consumado,


no qual se verificam todos os elementos constitutivos constantes da incriminação e, para evitar
uma maior extensão das incriminações na parte especial, antecipa a tutela penal, por uma norma
legal da parte geral, de maneira a que seja punível não somente o crime consumado, mas ainda
o crime tentado (tentativa).

11
O legislador poderia ter previsto a incriminação da tentativa na parte especial mediante
a descrição típica do delito consumado e a correspondente incriminação da tentativa. Ao invés,
decidiu-se por uma técnica legislativa mais apurada, ao prever a incriminação da Tentativa na
parte geral e dos seus elementos essenciais, combinando-a com elementos do tipo incriminador
que individualizam o núcleo do delito consumado. Assim a tentativa representa um alargamento
ou uma extensão do Direito Penal aos actos anteriores à consumação do crime, e a consumação
representa a realização completa de um tipo de ilícito em todos os seus elementos constitutivos
e a correspondência do facto concretamente verificado com a hipótese da norma incriminadora.

O fundamento da tentativa encontra-se na vontade contrária a uma norma de


comportamento, mas só é punível quando e na medida em que é apropriada para produzir na
generalidade das pessoas uma impressão juridicamente abaladora, isto é, quando põe em perigo
a paz jurídica e necessita por isso, de uma sanção correspondente a esta medida.

O tema a que nos propomos estudar é de extrema relevância, porquanto procura dar
resposta à um problema jurídico que há muito tem sido levantado pela comunidade jurídica,
mormente pelos doutrinadores das ciências jurídico-penais e que reclama de maior estudo e
compreensão.

Como é sabido, é de todo impossível estudar num trabalho científico-jurídico toda


factualidade jurídica que se circunscreve às condutas criminosas que reclamam a resolução do
problema da punibilidade da tentativa em tais factos e, como nos demais trabalhos científicos,
com este tema procuramos abordar exclusivamente, a punibilidade da tentativa de homicídio
quando se recorre a veneno ou meios insidiosos.

Ora, o envenenamento é o efeito produzido no organismo por um veneno, quer este seja
introduzido pela via digestiva, pela via respiratória ou pela pele. Sendo este o conceito, leva-
nos ao entendimento que só há envenenamento quando introduzido o veneno no organismo
humano mediante as vias acima elencadas. Mediante este facto, entendemos que há aqui uma
confusão entre a natureza e o tipo de crime em relação ao conceito de envenenamento. Portanto
levanta-se várias questões

O objecto deste trabalho é o crime de homicídio por envenenamento ou outros meios


insidiosos e a questão da punibilidade da tentativa, e procuramos responder a questão de saber
o que deve então ser ou não considerado veneno, a questão da aplicação da moldura penal à

12
tentativa neste tipo e como deverá o aplicador da lei reagir quando em determinado delido não
for empregue veneno mortal.

O objectivo desta investigação é de uma forma geral, estudar a questão da punibilidade


da tentativa no crime de homicídio por envenenamento, e de forma particular, compreender o
crime de envenenamento, identificar o crime de envenenamento enquanto crime formal e
determinar os fundamentos da existência ou inexistência da tentativa neste tipo crime.

Para tal estudo, o nosso tema está dividido em três capítulos composto por vários
subtítulos. No primeiro capítulo cujo título é noções gerais, nos propusemos a tratar de questões
gerais, mormente históricas, conceituais e, trasemos também a tona características dos
diferentes assuntos nele contidos; o segundo capítulo é o crime de tentativa de homicídio com
recurso a veneno ou meios insidiosos no direito comparado; este, está reservado a um estudo
comparado dos diferentes sistemas jurídico-penais em volta do assunto em questão, no terceiro
e último capítulo cujo título é a realidade penal angolana, tratamos de forma mais acentuada e
aprofundada a questão da punibilidade, trazendo em reflexão a nossa posição concernente ao
problema levantado, fazendo também assim um estudo com base nos conceitos e estudos
comparados, feitos nos capítulos anteriores.

Importa referir que, para a realização deste trabalho nos servimos dos métodos
bibliográfico ou documental, descritivo, comparativo, dedutivo e indutivo.

13
CAPÍTULO Iº- NOÇÕES GERAIS.

1.1 Evolução histórica da teoria do crime.


A teoria geral do crime, aparece pela primeira vez nos tratados de Direito Penal do
século XVI, através de Tiraqueau (1488-1558). Tiraqueau já definia crime através da distinção
dos seus elementos, o que encontramos depois na escola clássica. Ele já via o crime como um
facto ilícito e punível, praticado com dolo ou negligência. Assim já no séc. XVI há uma
distinção dos elementos do crime.1

A Escola Clássica

Teoria causal naturalista

A Escola Clássica surge nos finais do século XIX, numa era pós Iluminismo. Esta
Escola, iniciada por Feuerbach e Beccaria, assenta numa visão racional positivista (centrada na
razão e no conhecimento) e jusnaturalista (pois apesar de fundamentar toda a sua base no
conhecimento, é através deste que descobrimos o Direito Natural e o materializamos em leis do
Homem).2

Um dos grandes contributos da teoria clássica foi a separação entre a ilicitude e a


culpabilidade, embora estes dois elementos tenham sofrido alterações interpretativas nas outras
escolas como iremos verificar. Focando em especial a teoria causal naturalística, esta teve como
seus expoentes máximos no que concerne à teoria do crime, Von Liszt e Beling, os quais se
opunham à ideia iluminista da prevenção geral com as suas ideias utilitárias e marcaram
diferença no que respeita à doutrina retributiva.3

A formulação que se denomina de clássica é a formulação que a teoria do crime tem em


Franz Von Liszt, em finais do séc. XIX e inícios do séc. XX. Porquê é que se denomina de
clássica? Porque foi a primeira formulação perfeita desenvolvida e todas as formulações
posteriores vêm dela. Filosoficamente, Liszt era um positivista, isto é, para Liszt a realidade é
dada na experiência.4

1
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2018/2019, 2º semestre, profª Ana Barbara Sousa Brito, Pág. 3.
2
Telma Maria dos Santos FERNANDES, Da Teoria do Crime à prática processual policial, Universidade do
Minho, Escola de Direito, Janeiro de 2014, pág. 17.
3
Ibidem, pág. 18.
4
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2018/2019, 2º semestre, profª Ana Barbara Sousa Brito, Pág. 3.

14
Os positivistas negam a metafísica e, portanto, acreditam que o saber não pode ir para
além da realidade. Liszt entendeu que o crime é uma realidade no mundo da experiência. E os
elementos do crime serão, portanto, parte dessa realidade devendo fazer-se uma distinção
material desses elementos.5

Para este sistema:

A acção se traduz num movimento corporal que leva uma transformação no mundo
exterior, estando esse movimento e essa transformação ligados por um nexo de causalidade.6 É
qualquer movimento corpóreo provocado por um esforço muscular e nervoso, assim como a
transformação do mundo exterior que resulte, como efeito, desse movimento corpóreo.
Portanto, a acção relevante para o direito penal é puramente naturalística, desligada de
referência a valores e da vontade do agente.7

A tipicidade. Não obstante a teorização feita por Liszt, a noção de tipo como elemento
autónomo dentro da teoria do crime foi concebida por Ernst Von Beling, na sua obra A doutrina
do Delito-tipo (Die Lehre vom Verbrechen), publicada em 1906, e que constituiu uma
verdadeira revolução dogmática.8 Este vem dizer que para haver crime, é necessário que
também haja uma correspondência ou conformidade do facto praticado com a previsão da
norma incriminadora.9

Se a acção (naturalística) coincide formal e externamente com o tipo legal de crime, é


típica.10

A ilicitude é a oposição ou contrariedade formal da acção com a ordem jurídica no seu


conjunto, independentemente de saber qual é ou foi a vontade do agente. 11 É acção contrária à

5
Ibidem, pág. 3.
6
Ibidem, pág. 4.
7
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág. 98.
8
Telma Maria dos Santos FERNANDES, Da Teoria do Crime à prática processual policial, Universidade do
Minho, Escola de Direito, Janeiro de 2014, pág.19.
9
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2018/2019, 2º semestre, profª Ana Barbara Sousa Brito, Pág.4.
10
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág. 98.
11
Idem.
12
Telma Maria dos Santos FERNANDES, Da Teoria do Crime à prática processual policial, Universidade do
Minho, Escola de Direito, Janeiro de 2014, pág.21.

15
ordem jurídica, não cabendo qualquer juízo valorativo psicológico ou de graduações de maior
ou menor licitude, isto é, a acção praticada tipificada em lei penal é crime, não se aceitando
qualquer juízo de exclusão de ilicitude.12

A culpabilidade ou culpa é o nexo ou relação psicológica que liga o agente a acção que
praticou.13 Os chamados elementos subjectivos do crime, como o dolo e a negligência ainda
faziam parte, nesta formulação, da culpa, e , por isso, todos os processos anímicos e espirituais
que se desenrolavam no interior do autor ao praticar o crime pertenciam a culpa.14

A escola neoclássica

O principal autor da escola neoclássica é Edmund Mezger (1883-1962). Esta escola ou


sistema, é assim chamado porque aproveitou algumas aquisições doutrinárias do sistema
clássico, corrigindo-lhe os defeitos e superando dificuldades que a crítica lhe apontou,
representa uma reacção à visão mecanicista e naturalista desse sistema, contrapondo-lhe uma
construção neokantiana que distingue entre as ciências da natureza e as ciências sociais, o
mundo da natureza e o mundo dos valores, o ser e o dever ser. Para este sistema, o direito
pertence às ciências sociais, ao mundo dos valores, do dever ser.15

Elementos do crime na escola neoclássica:

A acção, é a conduta ou comportamento humano que nega os valores definidos e


tutelados pela norma penal e não apenas um movimento exterior e mecânico.16 O conceito de
acção que se passa a defender chama-se conceito social de acção com a qual, a acção é um
comportamento humano socialmente relevante.17

13
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.99.
14
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2018/2019, 2º semestre, profª Ana Barbara Sousa Brito, Pág.4.
15
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.100.
16
Idem.
17
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2018/2019, 2º semestre, profª Ana Barbara Sousa Brito, Pág.7.

16
A tipicidade, integra os elementos objetivos, descritivos e normativos sociais, podendo
ter elementos subjetivos a título excepcional.18 A acção típica confunde-se com a acção ilícita.
A tipicidade é de certo modo já ilicitude, contém em si uma elevada concentração de ilicitude.19

Ela continua a existir, mas deixa de se situar ao lado da ilicitude para se transformar no
tipo de ilícito. Mezger distingue ainda elementos positivos do tipo de ilicitude, que são os que
fundamentam o juízo de ilicitude; e elementos negativos do tipo de ilicitude, os que agora
chamamos causas de exclusão da culpa.20

A ilicitude, para além da acção ter de ser contrária à ordem jurídica ela tem de ser
valorada pelo dano social que provoca, daí que os crimes possam ser graduados mediante a sua
maior ou menor consequência. A ilicitude, ou antijuridicidade, é objetiva, valorativa, mas pode
também ter momentos subjetivos nas suas causas de justificação (ex: legítima defesa).21

A culpa: No que concerne à culpa do agente, o que importa é se o mesmo é capaz de


um juízo de censura. A culpa ou censurabilidade tem de ser analisada sobre três perspetivas, a
saber: a constituição psíquica e psicológica do agente do crime, o dolo ou a negligência e as
circunstâncias verificadas aquando da acção.22

O agente é culpado se puder ser censurado pelo seu comportamento.23

A escola finalista

A presente escola nasce após a IIª Guerra Mundial numa fase em que, era preeminente
a necessidade de demonstrar que o homem não se pode reger por verdades científicas, por
normativos desprovidos de vontade ou de cariz social. Para os autores finalistas o homem, como
único ser racional que é, é capaz de antecipar as consequências das suas acções e praticá-las

18
Telma Maria dos Santos FERNANDES, Da Teoria do Crime à prática processual policial, Universidade do
Minho, Escola de Direito, Janeiro de 2014, pág.24.
19
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.101.
20
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2018/2019, 2º semestre, profª Ana Barbara Sousa Brito, Pág.8.
21
Telma Maria dos Santos FERNANDES, Da Teoria do Crime à prática processual policial, Universidade do
Minho, Escola de Direito, Janeiro de 2014, pág.24.
22
Ibidem, pág.25.
23
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.102.

17
com um objetivo (um fim), podendo, portanto, ponderar as várias opções e respetivas
consequências antecipando deste modo o fim das suas acções.24

O principal representante da escola finalista é Hans Welzel (1904-1977).25

Para a escola finalista:

A acção: Os finalistas defendem, desde logo, que a acção é uma essência, que o Direito
não pode alterar, por isso existe independentemente do Direito.26

A acção é em primeiro lugar, a acção final, já que as pessoas agem sempre em função
de uma finalidade determinada. A finalidade da acção baseia-se na capacidade do homem de
prever as possíveis consequências da sua actividade, conduzindo a sua conduta conforme o
plano que formou, no sentido do objectivo desejado; em suma a acção final é actuar consciente
dirigido ao fim que o agente se propõe. Para o finalismo, a acção relevante para a teoria da
infracção, é a acção dirigida a um fim proibido por uma norma penal.27

A tipicidade, passa a incluir o dolo como elemento essencial e constitutivo da acção


típica, deixando o mesmo de considerar-se como elemento ou forma de culpa. O dolo agora
deslocado para o tipo, passa a ser o elemento subjectivo geral da tipicidade, do tipo legal de
crime.28 Segundo esta teoria o dolo pertence à tipicidade. Quando o crime consumado é doloso
verifica-se um equilíbrio entre o desvalor da acção e o desvalor do resultado, por sua vez,
perante uma mera tentativa predomina o desvalor da acção, e perante um crime negligente
predomina o desvalor do resultado.29

A ilicitude. A antijuridicidade dá-se por um desvalor no que concerne à acção (decisão


tomada pelo agente do crime) ou um desvalor no que concerne ao resultado (perspetiva da
eficácia causal).30

24
Telma Maria dos Santos FERNANDES, Da Teoria do Crime à prática processual policial, Universidade do
Minho, Escola de Direito, Janeiro de 2014, pág.25.
25
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2018/2019, 2º semestre, profª Ana Barbara Sousa Brito, Pág.9.
26
Idem.
27
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.103.
28
Ibidem, pág.104.
29
Telma Maria dos Santos FERNANDES, Da Teoria do Crime à prática processual policial, Universidade do
Minho, Escola de Direito, Janeiro de 2014, pág.27.
30
Idem.

18
A ilicitude é vista não apenas como ofensa dos valores jurídicos penalmente tutelados,
danosidade social, mas também como falta social grave do homem. 31 Esta ilicitude passa a
compreender dois desvalores:

Desvalor da acção: Tem a ver com a vontade ilícita (elemento subjectivo).32

Desvalor de resultado: Tem a ver com a lesão do bem jurídico (elemento objectivo).33

A culpabilidade, no essencial, é um juízo de censura por não se ter agido de outra


maneira; pelo facto de o agente, podendo agir de outra forma, não o ter feito.34 A culpa é
centrada no juízo de reprovação que se possa dirigir ao agente, resultante do facto de conhecer
ou poder conhecer o carácter ilícito do facto que praticou (consciência da ilicitude) e de que era
livre de agir de harmonia com tal conhecimento ou possibilidade de conhecimento, isto é, de
que era imputável e não se verificava nenhuma circunstância desculpante.35

1.2 Evolução histórica do crime de envenenamento.


Os componentes, dos quais eram preparados medicamentos e venenos, eram de origem
vegetal, animal ou mineral. E parece que especialmente mulheres dedicavam-se à produção
desses tão desejados, quanto atemorizantes preparados. As mais famosas e notáveis delas
escreveram histórias, como a prostituta romana Canídia, ou a galiciana Locusta, a mais famosa
preparadora de venenos, que foi resgatada por Nero na prisão e extremamente recompensada
por sua colaboração em diversas mortes, ou Martina, originária da Síria, e como Locusta,
protagonista do envenenamento de ilustres personalidades e políticos. Desde o séc. IV a.C.,
encontramos nas fontes diversos acidentes fatais, atribuídos à ingestão de substâncias, que em
sua maioria não podem ser definidas, ou aparentam ter causas ainda mais obscuras. As vítimas
dessas mortes misteriosas, pertencentes às mais diferentes classes sociais, eram
preponderantemente em sua maioria homens, e os autores, quase sem excepção, mulheres.36

Lívio relata, que, no ano 331 a.C., uma grande quantidade de pessoas atemorizadas,
exigiam esclarecimentos sobre os crescentes casos de morte de homens importantes da

31
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.104.
32
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2018/2019, 2º semestre, profª Ana Barbara Sousa Brito, Pág.9.
33
Ibidem, pág.9.
34
Idem.
35
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.104.
36
Evelin HOBENREICH, Envenenamento e Uso Indevido de Remédios no Direito Romano, pág.24.

19
comunidade, mortes estas que primeiro foram atribuídos a uma epidemia. Apenas quando se
seguiu a denúncia de uma escrava, vinte conceituadas cidadãs romanas foram surpreendidas
enquanto preparavam pratos suspeitos, além de terem sido encontradas em suas casas
substâncias já preparadas. Tais mulheres, presas em flagrante, foram levadas a julgamento. Lá
as patrícias Cornélia e Sérgia afirmavam que tais substâncias, tratavam-se apenas de
medicamentos benéficos à saúde. A fim de poder comprovar esse seu honesto intuito, foram
compelidas a testar em si mesmas.37

Após breve deliberação de lugar e local, as matriarcas beberam a substância suspeita, e


morreram no momento seguinte. Ainda em tal ano, outras mulheres acusadas desse mesmo
delito foram processadas. O processo deve ter terminado com um total de 170 condenações,
algumas delas até mesmo com a morte.38

Uma controvérsia ainda maior gerou o crime da bacanal, que foi descoberto no ano 186
a.C., extinguido com o decreto de uma decisão do Senado, conservado por meio de uma
inscrição. Por diversos motivos esse caso pertence ao nosso contexto. Pois pode-se vislumbrar
a origem desse mal, como Lívio (39,15,9) define, no facto de a maioria dos participantes do
culto a Baco serem do sexo feminino. Segundo seu detalhado relato, assim degenerou-se o
encontro no decorrer do tempo: sob o pretexto de festividades religiosas, celebrava-se grosseira
promiscuidade sexual, subornavam-se testemunhas e falsificavam-se testamentos, além de
envenenar e assassinar meninos e adolescentes. Algumas das acusações apresentadas
anteciparam em muitos séculos os argumentos, que iriam pertencer ao repertório padrão para
os casos de perseguição às bruxas. Após a denúncia de uma escrava, que havia presenciado a
“bacanal”39, o Senado nomeou uma comissão extraordinária, para descobrir e pesquisar
criminosos em Roma e no sul da Itália, onde o culto expandiu-se. O tribunal nomeado
extraordinariamente conduziu por fim também o processo criminal, que se acredita ter sido
terminado com um total de 7000 condenações em Roma e em toda a Itália.40

37
Idem.
38
Ibidem, pág.25.
39
Idem.
Bacanal (culto ao Deus Baco), sob o pretexto de festividades religiosas, celebrava-se grosseira promiscuidade
sexual, subornavam-se testemunhas e falsificavam-se testamentos, além de envenenar e assassinar meninos e
adolescentes
40
Ibidem, pág.25.

20
Por um tribunal especial de morte por veneno, instituído por uma decisão do senado,
foram julgadas culpadas 3000 pessoas, dentre elas Quarta Hostília, a única explícita homicida
por veneno, que teria morto o seu cônjuge, o Cônsul C. Calpúrnio Piso, por meio da prescrição
de veneno.41

1.3 Antecedentes históricos do crime de homicídio com recurso a veneno ou


meios insidiosos.
Antecedentes históricos do crime de homicídio.

É antiquíssima a incriminação do homicídio. A punição, desde as mais remotas


legislações, era, invariavelmente, a morte. Desde os tempos de Numa Pompílio, rei que sucedeu
a Rômulo, fundador de Roma (no ano 753 ou 754 A.C.), o homicídio era considerado crime
público, com o nome de parricidium. Não significava, originalmente, esta palavra a morte do
pai ou de ascendente (patris occidium), mas, sim, a morte de um cidadão sui juris (paris coedes
ou paris excidium). Somente ao fim da República, esta palavra é empregada apenas para
designar a morte dada a parente próximo.42

O escravo não podia ser sujeito passivo do crime de homicídio, porque não era pessoa,
e sim coisa (res) e como tal, objecto do crime de dano.43

No Direito germânico, o homicídio era crime privado, que sujeitava o agente à vingança
da família do morto ou à composição. Mais tarde, com o ressurgimento do Direito romano e a
influência do direito canônico, o homicídio voltou a ser considerado crime público.44

Foi em torno ao crime de homicídio que os praxistas desenvolveram a doutrina de


inúmeros institutos da parte geral (tentativa, participação, concurso, etc.). Consideravam os
práticos, em geral, qualificado, o homicídio nos casos de parricídio (morte dada a parente),
emboscada, latrocínio, assassínio (morte mediante paga) e envenenamento. A morte continuou
sendo a pena usual.45

41
Ibidem, pág.26.
42
Helénio Cláudio FRAGOSO. Crimes contra a pessoa. Crimes contra a vida. Homicídio, Pág. 4.
43
Idem.
44
Idem.
45
Idem.

21
Homicídio é a destruição da vida humana alheia. É famosa a definição de
CARMIGNANI (hominis caedes ab homine injuste patrata), que inclui indevidamente o
elemento da antijuridicidade, que é implícito em toda definição de crime. O objecto da tutela
penal é o interesse na preservação da vida humana, sendo esta evidentemente o bem jurídico
tutelado. É manifesta a altíssima relevância de tal bem, que é indisponível, sendo, assim, de
nenhum efeito, o consentimento da vítima.46

É suficiente que o sujeito passivo esteja vivo, sendo indiferente o seu grau de vitalidade
ou capacidade de viver: tanto o recém-nascido sem possibilidade de sobrevivência (mesmo
disforme ou monstruoso), como o moribundo, podem ser sujeitos passivos do crime de
homicídio.47

1.4 Conceitos

1.4.1 Crime.
Não podemos referir neste lugar todas as definições, que se tem proposto para a palavra
crime, limitando-nos apenas a apresentar alguma, que nos pareça a melhor, somente para fazer
sobressair a sua deficiência e proclamar a sua rejeição. Rossi, que é uma autoridade de primeira
ordem em questões de Direito Penal, define o Crime (Tratado do direito penal), como sendo «a
violação de um dever em prejuízo da sociedade ou dos indivíduos». Esta definição, ao parecer
segura, sucumbe logo que se pergunte a que espécie de dever alude o sábio criminalista.48

O artigo 1º do Código Penal Angolano define crime, como o facto voluntário declarado
punível pela lei penal.49

O crime é uma acção ou omissão humana, típica, antijurídica e culpável. Essa é uma das
máximas do Direito Penal que corresponde ao conceito analítico de crime, que remonta ao

46
Ibidem, pág. 6
47
Idem.
48
Roberto B. Do R. FRIAS, O CRIME (apontamentos para a sistematização da criminalidade), Dissertação
inaugural, apresentada e defendida perante a Escola Médico-cirúrgica do Porto, typ. De Alexandre da Fonseca
Vasconcellos, rua do Moinho de Vento, 29, 1880, pág.7.
49
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.84. Ver Código Penal,
República de Angola, art.º 1º.

22
modelo clássico Liszt-Beling-Radbruch. Mas por que conceituar o delito dessa maneira e não
de outra?50

Muitas foram as respostas já oferecidas sobre o que seria o crime, dentre as quais se
destacam: a acção ou omissão proibida por lei, sob a ameaça de pena (conceito formal); ou a
acção ou omissão que contraria valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição
com ameaça de pena (conceito material). Esses conceitos, entretanto, não ajudam em nada a
tarefa de verificar no mundo dos factos se determinadas condutas podem ou não ser
consideradas crime. Basta pensar que crime seria simplesmente, no conceito formal, o que a lei
diz que é ou ainda, com base no conceito material, aquilo que a sociedade considera crime.51

Para que um facto possa ser qualificado como crime, ele tem de conter cinco elementos
constitutivos: acção (em sentido lato), tipicidade, ilicitude, culpa e punibilidade. Note-se que
os elementos são cumulativos de forma sucessiva entre si. Logo, a não verificação de um deles
implica a desclassificação do facto como crime.52

Exactamente com o intuito de permitir essa verificação foi criado um conceito que
implicasse numa análise sistemática do delito, dividindo-o em elementos dispostos em ordem
de avaliação. Esses elementos são as características essenciais que todo o crime deve ter para
ser considerado como tal. Eles podem ser dispostos segundo algumas perguntas direccionadas
ao facto, sem o qual não se verifica o crime:53 a) Houve alguma conduta humana? b) Essa
conduta é individualizada em algum tipo penal (algum dos crimes previstos pela legislação
penal)? c) Essa conduta individualizada em algum tipo penal é antijurídica (não possui alguma
causa de justificação, ex. legítima defesa)? d) Essa conduta individualizada em algum tipo penal
e que não possui nenhuma causa de justificação, é imputável ao agente/reprovável ao autor?54

Assim, se não houver conduta, não há que se perguntar se o facto é típico. Se o facto
não é previsto em lei como crime não há que justificá-lo, e assim por diante. Esse é um conceito
que vai da conduta (acção, típica e antijurídica, que formam o injusto penal) ao autor

50
André Pacheco Teixeira MENDES, Direito Penal Geral, FGV Direito Rio, graduação 2017.2, pág.42.
51
Idem.
52
Telma Maria dos Santos FERNANDES, Da Teoria do Crime à prática processual policial, Universidade do
Minho, Escola de Direito, Janeiro de 2014, pág.33.
53
André Pacheco Teixeira MENDES, Direito Penal Geral, FGV Direito Rio, graduação 2017.2, pág.42.
54
Idem.

23
(culpabilidade, que se refere à reprovabilidade da conduta do agente): Crime ou delito é uma
conduta humana individualizada mediante dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição
(típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é
contrária à ordem jurídica (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que agisse de maneira
diversa diante das circunstâncias, é reprovável (culpável).55

1.4.2 Tentativa
Tradicionalmente, a tentativa (conatus proximus) é conhecida também como “delito
imperfeito”. A partir da etimologia do adjectivo “imperfeito” refere-se ao verbo latino
perficiere, que significa cumprir, terminar ou acabar; e relacionando-se com a finalidade da
conduta (meta optata) que não é lograda, a tentativa apresenta-se como algo de imperfeito.56

De acordo com Eduardo Correia, a tentativa representa um alargamento ou uma


extensão do Direito Penal aos actos anteriores à consumação do crime, e a consumação
representa a realização completa de um tipo de lícito em todos os seus elementos constitutivos
e a correspondência do facto concretamente verificado com a hipótese da norma
incriminadora.57

Vale lembrar que, o código angolano oitocentista propugnava a existência da tentativa


quando se verificam cumulativamente os seguintes requisitos:

1. Intenção do agente;
2. Execução começada e incompleta dos actos que deveriam produzir o crime consumado;
3. Ter sido suspensa a execução por circunstâncias independentes da vontade do agente,
excepto nos casos previstos no Artigo 13º;
4. Ser punido o crime consumado com pena maior, salvo os casos especiais em que, sendo
aplicável pena correccional ao crime consumado, a lei expressamente declarar punível
a tentativa desse crime.58

55
Ibidem, pág.43
56
Víctor de Jesus Ribas PEREIRA, Da punibilidade da tentativa, faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Abril 2009, Dissertação para obtenção do grau de mestre em Direito Penal, pág.57.
57
Ibidem, pág.10.
58
Código Penal Angolano de 1886, artº 11º.

24
Com a actual realidade do novo Código Penal aprovado pela lei n.º Lei n.º 38/20 de 11
de Novembro, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º se postula que há tentativa quando o agente
praticar, com dolo, actos de execução de um crime, sem que este chegue a consumar-se.

Conquanto, diferente do Código oitocentista que defendia a tentativa como execução


incompleta do crime o Código vigente absorveu a tentativa como a execução incompleta do
acto criminoso como também a execução completa frustrada independente da vontade do
agente, que outrora era tida como frustração.

Assim sendo, há um regime único da tentativa como uma das formas especiais do
cometimento de um determinado crime onde, via de regra a forma genérica se apresenta como
resultado da acção. Logo, a tentativa absorve os conteúdos outrora pertencentes ao crime
frustrado como ao do crime tentado.

Por conseguinte, o actual regime jurídico da tentativa apresenta requisitos para a a sua
verificação; eis os seguintes:

a) a prática dolosa de actos de execução de um determinado crime;

b) os actos de execução preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;

c) os actos de execução forem idóneos à produção do resultado típico;

d) os actos de execução que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias


imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que o resultado ocorra.59

A tentativa é já o crime em curso, em fase de realização e desenvolvimento dos


elementos objectivos e subjectivos que o constituem.60 Compreende-se, portanto que, a
tentativa é subsidiária do tipo a que respeita. Para sabermos se determinados actos de execução
(inacabados) constituem tentativa ilícita temos de confrontá-los com a descrição típica
(referente ao crime consumado). E pode acontecer que alguns desses actos quando referidos a
um determinado tipo de ilícito apareçam como início de execução, como execução inacabada
desse crime e, no entanto, constituem crime autónomo quando considerados por si sós. Por
exemplo, o crime de burla por defraudação que pode ser cometido através de falsificação de

59
Cfr. n.º 1 e 2 do artigo 20.º do Código Penal aprovado pela lei n.º 38/20 de 11 de Novembro.
60
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.249.

25
escrita; executada a falsificação pode surgir, como tentativa de burla quando referida ao art.º
451º, mas por si só, já constitui ela própria o crime consumado.61

Como se disse no início, a tentativa consiste na realização incompleta do


comportamento típico de um determinado tipo de crime previsto na lei e a sua incriminação
corresponde à extensão (por mor da relação de emergência que intercede entre o crime tentado
e o crime consumado) da punibilidade às realizações incompletas do tipo de crime que o agente
decidiu realizar. Na punibilidade da tentativa, de acordo com Germano Marques da Silva, há
como que a fusão de duas normas: a da Parte Especial, que prevê determinado tipo de crime
que o agente queria cometer, e da Parte Geral que estende a punição ao comportamento que o
agente comete.62

Há tentativa de crime quando o agente realiza actos de execução dele e, contudo, o crime
se não consuma.63

A tentativa (sinonímia: conatus, conatus proximus) é a realização incompleta do tipo.


Trata-se de um caso de defeito de congruência: o tipo subjetivo aparece completo, no facto em
exame, mas o tipo objetivo aparece incompleto, inacabado. Isso é de alta relevância, para poder
determinar quais delitos admitem, e quais não admitem, a tentativa: não há tentativa sem a
presença do elemento subjetivo completo (inclusive tendências e intenções, quando requeridas
pelo tipo).64

Assim, na tentativa o agente pratica, ao menos, um acto de execução de entre vários que
podem constituir o trajecto do crime. Se o agente não chega a praticar todos os actos de
execução que seriam indispensáveis à consumação do crime, a tentativa diz-se inacabada (ou
tentativa propriamente dita); se, pelo contrário, o agente pratica todos os actos de execução e,

61
Ibidem, pág.250.
62
Víctor de Jesus Ribas PEREIRA, Da punibilidade da tentativa, faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Abril 2009, Dissertação para obtenção do grau de mestre em Direito Penal, pág.11.
63
Ibidem, pág.40
64
Alberto Marques dos SANTOS. Consumação e tentativa. Publicada na Revista
Síntese de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre : Editora Síntese, nº 12, fev.-mar. 2002, pág. 24.
Disponível em: <albertosantos.org>, pág.7.

26
todavia, a consumação não vem a ter lugar, está-se perante uma tentativa acabada, ou
frustração.65

Tipos de tentativa

Tentativa impossível: é uma tentativa que não pode levar à produção do resultado, ou
porque o meio utilizado não é idóneo a produzir o resultado, ou porque o objecto do crime não
existe. O que caracteriza a tentativa impossível? Nela, estão presentes os elementos objetivos e
subjetivos do tipo da tentativa. Contudo, não há lugar à produção do resultado crime, mesmo
assim. As duas razões que podem levar à não produção do resultado típico são as que
identificámos:

• O meio utlizado não é idóneo a produzir o resultado (ex.: a pessoa dispara, mas a arma
não estava carregada); ou
• O objeto do crime não existe (ex.: se alguém dispara sobre pessoa que já estava morta,
pensando que estava viva, há dolo, mas o objeto é impossível).66

Tentativa possível: é aquela que vem prevista na norma do artigo 20º do Código Penal.67

Tentativa acabada: traduz-se naquela em que o agente pratica todos os actos de execução
que seriam indispensáveis à consumação do crime e, todavia, a consumação não vem a ter lugar;
é por isso também chamada “frustração”. 68

Tentativa inacabada: nesta tentativa, o agente pratica, ao menos, um acto de execução


de entre vários que podem constituir o trajecto do crime; ou seja, o agente não chega a praticar
todos os actos de execução que seriam indispensáveis à consumação do crime.69

1.4.2.1 Conduta punível


A definição legal do crime de homicídio é extremamente simples: “matar alguém”. A
acção incriminada é, pois, a de matar, podendo o crime ser cometido por acção ou por omissão

65
Víctor de Jesus Ribas PEREIRA, Da punibilidade da tentativa, faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Abril 2009, Dissertação para obtenção do grau de mestre em Direito Penal, pág.12.
66
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2º Semestre, profª Ana Bárbara Sousa Brito, 2018/2019, pág. 145
67
Artº 20º Código Penal angolano
68
Víctor de Jesus Ribas PEREIRA, Da punibilidade da tentativa, faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Abril 2009, Dissertação para obtenção do grau de mestre em Direito Penal, pág. 12
69
Idem.

27
e por qualquer meio (directo ou indirecto, físico ou moral), desde que idôneo, isto é, capaz de
causar morte. A idoneidade do meio deve ser avaliada ex post, pois mesmo o meio
objectivamente inidôneo pode revelar-se idôneo no caso concreto (ex.: açúcar propinado a um
diabético).70

É perfeitamente admissível a tentativa, que se verifica quando, iniciada a execução do


homicídio, não sobrevém a morte por circunstâncias alheias à vontade do agente. Há início de
execução quando o agente começa a matar alguém, ou seja, quando surge o ataque ao bem
jurídico que a lei penal tutela ou quando se inicia a violação da norma, com a realização da
conduta típica.71

O crime material ou de resultado descreve a conduta cujo resultado integra o próprio


tipo penal, isto é, para a sua consumação é indispensável a produção de um resultado separado
do comportamento que o precede. O facto típico se compõe da conduta humana e da
modificação do mundo exterior por ela operada. O resultado material que integra a descrição
típica pode ser tanto de dano como de perigo concreto para o bem jurídico protegido. A não
ocorrência do resultado caracteriza a tentativa. Nos crimes materiais a acção e o resultado são,
em regra, cronologicamente distintos (ex: homicídio);72 o crime só se consuma com a produção
do resultado naturalístico, como o homicídio (só se consuma com a morte).

1.4.3 Classificação dos crimes


Crimes formais, são os crimes para cuja consumação é indiferente a produção de um
certo resultado causado pela actividade do agente.73 No crime formal, embora preveja resultado,
basta a acção para que o crime se consume (ou seja, para que a conduta possa ser juridicamente
considerada crime, se torne definitivo).74

70
Ibidem, pág. 7
71
Ibidem, pág. 8
72
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, Editora Saraiva, 17ª edição, Revista,
ampliada e atualizada 2012, pág.597
73
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág.138.
74
André Pacheco Teixeira MENDES, Direito Penal Geral, FGV Direito Rio, graduação 2017.2, pág.44.

28
Crime formal, também conhecido como delito de resultado cortado ou de consumação
antecipada, é aquele em que o legislador antecipa a consumação ao momento da prática da
conduta prevista pelo núcleo do tipo, não se exigindo a produção naturalística do resultado.75

Crimes materiais ou de resultado, como o próprio nome indica, são aqueles crimes que
pressupõem a verificação de um certo resultado para o tipo ficar preenchido;

Crimes duradouros ou permanentes: O tipo fica preenchido com a criação de


determinado estado, só que o crime se mantém enquanto subsiste o estado criado pelo autor;

Crimes instantâneos: O crime está concluído e preenchido com a provocação de


determinado resultado ou estado;

Crime de perigo comum: São aqueles em que é colocado em perigo um conjunto de


bens jurídicos.76

Crime de perigo concreto: Quando a lei exige a verificação efectiva do perigo de lesão
de um bem jurídico;

Crime de perigo abstracto: Quando a lei não exige a verificação efectiva do perigo, mas
supõe-no “júris et de jure”;77

Tipos fundamentais: São aqueles a partir dos quais o legislador o legislador constrói
outros através da junção de circunstâncias que modificam a moldura penal abstracta dos
primeiros.78

Tipos dependentes: resultam do recurso aos tipos descritos na parte especial do código
(tipos independentes ou autónomos) para integrar algumas disposições (relativas, dependentes)
da parte geral do código, como sejam as que dizem respeito às figuras da tentativa.79

Tipos de crimes habituais: Caracterizam-se pela prática habitual ou profissional de uma


actividade, como elemento constitutivo ou como circunstância modificativa.80

75
Rogério GRECO. Código Penal Comentado, 11ª edição, Revista, ampliada e atualizada até 1 de Janeiro de
2017, Editora Impetus, Niterói, RJ 2017, pág.72
76
Pedro Miguel SILVA, Teoria do Crime, 2º Semestre, profª Ana Bárbara Sousa Brito, 2018/2019, pág. 40
77
Orlando RODRIGUES, Apontamentos de Direito Penal, Escolar editora 2014, pág. 139
78
Ibidem, pág. 140
79
Idem, pág. 141
80
Idem.

29
1.4.4 Sujeitos e objecto do crime de homicídio.
Sujeito activo e sujeito passivo

Sujeito activo do delito de homicídio é aquele que comete o crime de homicídio; pode
ser qualquer pessoa, haja vista tratar-se de um delito comum.

Sujeito passivo, da mesma forma, também pode ser qualquer pessoa, em face da
ausência de qualquer especificidade constante do tipo penal; é aquele a que se dá o nome de
vítima.81

Objecto material e bem juridicamente protegido

Objecto material do delito é a pessoa contra a qual recai a conduta praticada pelo agente.
Bem juridicamente protegido é a vida e, num sentido mais amplo, a pessoa.82

1.4.5 Veneno.
O termo veneno provém de venenum, este que deriva de 'venus', e que significa forte
desejo, composta de venes-no-m, a poção ou bebida do afrodisíaca. Nas fontes literárias, ele é
empregado das formas mais diversas, como remédio, veneno, droga mágica, bebida mágica,
afrodisíaco, abortivo ou cosmético.83

O clássico Gaio esclarecia: Quem fala em venenum, precisa ainda dizer, se esse é uma
substância boa ou ruim. Pois também medicamentos são veneno, porque a designação venenum
inclui tudo o que modifica através do acréscimo da natureza de um organismo, o qual foi
acrescentado. O venenum, poderia assinalar tanto um meio de restabelecimento, como também
um veneno, parecendo ser oportuno, por meio da atribuição dos adjetivos bonum ou malum;
deixar claro, se a substância em questão deveria matar ou curar. Todo material, que altera um
organismo natural, que fez uso daquele, como define Gaio, enquadra-se na classificação
veneno.84

81
Rogério GRECO. Código Penal Comentado, 11ª edição, Revista, ampliada e atualizada até 1 de Janeiro de
2017, Editora Impetus, Niterói, RJ 2017, pág. 476.
82
Idem.
83
Evelin HOBENREICH, Envenenamento e Uso Indevido de Remédios no Direito Romano, pág.30.
84
Ibidem, pág.31.

30
Assim, Veneno, é toda substância que, se introduzida no organismo em quantidade
suficiente, pode causar danos temporários ou permanentes.

1.4.6 Meio insidioso.


Meio insidioso, é o meio utilizado pelo agente sem que a vítima dele tome
conhecimento.85 Aquele capaz de iludir a atenção da vítima e que revela estratagema, ou seja,
é o dissimulado em sua capacidade danosa. Exige-se que seja empregado sub-repticiamente.86

1.4.7 Homicídio por envenenamento.


O envenenamento é o efeito produzido no organismo por um veneno, quer este seja
introduzido pela via digestiva, pela via respiratória ou pela pele. Envenenamento é o efeito
prejudicial que ocorre quando uma substância tóxica é ingerida, inalada ou entra em contato
com a pele, os olhos ou as membranas mucosas, como as da boca ou do nariz.87

Assim considera-se homicídio por envenenamento, quem matar outrem utilizando


veneno como meio principal do cometimento deste crime.

1.4.8 Características dos crimes formais.


1. O tipo não exige a produção do resultado para a consumação do crime, embora seja
possível a sua ocorrência; isto é, o resultado naturalístico, embora possível, é
irrelevante para que a infracção penal se consume;
2. Basta a acção para que o crime se consume.88

85
Rogério GRECO. Código Penal Comentado, 11ª edição, Revista, ampliada e atualizada até 1 de Janeiro de
2017, Editora Impetus, Niterói, RJ 2017, pág. 483.
86
www.tjdft.jus.br
87
Gerald F. O’Malley, Rica O’Malley; Considerações Gerais Sobre o Envenenamento, Windows Internet
Explorer.
88
Fernando CAPEZ. Direito Penal Simplificado, Parte Geral; 15ª edição, 2012. Editora Saraiva, pág. 169

31
CAPÍTULO II.º- CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO COM
RECURSO A VENENO OU MEIOS INSIDIOSOS NO DIREITO
COMPARADO.

2.1 O crime de tentativa de homicídio com recurso a veneno ou meios


insidiosos no ordenamento jurídico português.
O ordenamento jurídico-penal português, enquadra o crime de tentativa de homicídio
com recurso a veneno ou meios insidiosos no capítulo dos crimes contra a vida, inserindo-o no
crime de Homicídio qualificado nos termos do artigo 132º números 1 e 2 do seu Código Penal,
que estabelecem:

Artigo 132º nº 1 CPP: Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial
censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco
anos. O número 2 do mesmo diploma estabelece que “É susceptível de revelar a especial
censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância
de o agente: alínea i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso”.89

Para a tentativa, o Código Penal Português, estabelece no nº 1 do artigo 22º, que “Há
tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem
que este chegue a consumar-se”. Número 2 São actos de execução:

a) Os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime;


b) Os que forem idóneos a produzirem o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis,
forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies
indicadas nas alíneas anteriores.90

O artigo 23º com epígrafe Punibilidade da tentativa, estabelece:

1. Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado


respectivo, corresponder pena superior à de três anos de prisão;
2. A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente
atenuada;

89
Código Penal Português, republicado pela lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.
90
Idem.

32
3. A tentativa não é punível quando for manifesta a ineptidão do meio empregado pelo
agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime.91

2.2 O crime de tentativa de homicídio com recurso a veneno ou meios


insidiosos no ordenamento brasileiro.
No ordenamento jurídico-penal brasileiro, este crime, vem do mesmo modo inserido no
Código penal, especificamente: Título I- Dos crimes contra as pessoas; capítulo I- dos crimes
contra a vida, encontrando o seu respaldo legal no artigo 121º parágrafo único 2º que retrata o
Homicídio qualificado, declarando ser homicídio qualificado aquele que é cometido: III Com
emprego de veneno...92

As qualificadoras constantes dos incisos do § 2º do artº 121º do Código Penal dizem


respeito aos motivos (I, II, VI e VII), meios (III), modos (IV) e fins (V). Assim sendo, o
homicídio cometido com o uso de veneno, é considerado homicídio qualificado em razão dos
meios. Veneno, que deve ser ministrado insidiosamente, ou seja, sem que a vítima tenha
conhecimento, é, de acordo com as lições de Almeida Júnior, Taylor e Fonzes Diacon: “a) toda
substância que, atuando química ou bioquimicamente sobre o organismo, lesa a integridade
corporal ou a saúde do indivíduo ou lhe produz a morte; b) toda substância, que, introduzida,
por absorção, no sangue, é capaz de afetar seriamente a saúde ou destruir a vida; c) uma
substância química definida que, introduzida no organismo, age, até a dose tóxica,
proporcionalmente à massa e ocasiona desordens, podendo acarrectar a morte”.93

No concernente a questão da tentativa, o Código Penal Brasileiro prevê o crime


consumado e crime tentado no artº 14º do Código Penal, que entende por consumado o crime
quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal, e tentado quando, iniciada a
execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.94

91
Código Penal Português, republicado pela lei nº 59/2007, de 4 de Setembro
92
Código Penal Brasileiro, edição atualizada até Abril de 2017, Senado Federal.
93
Rogério GRECO. Código Penal Comentado, 11ª edição, Revista, ampliada e atualizada até 1 de Janeiro de
2017, Editora Impetus, Niterói, RJ 2017.
94
Código Penal Brasileiro, edição atualizada até Abril de 2017, Senado Federal.

33
O delito consumado e a tentativa não são duas diferentes modalidades de delito, mas
somente distintas manifestações de um único delito 95.

Ainda assim, ROGÉRIO GRECO no mesmo diapasão que a dourina referida acima
sobre a tentativa, entende que, são elementos que caracterizam o crime tentado os seguintes:

a) a conduta seja dolosa, isto é, que exista uma vontade livre e consciente de querer
praticar determinada infracção penal;

b) o agente ingresse, obrigatoriamente, na fase dos chamados actos de execução; c) não


consiga chegar à consumação do crime, por circunstâncias alheias à sua vontade.96

Portanto, GRECO seguidamente apresenta uma classificação da tenttiva: perfeita e


imperfeita.

Distinguindo-as da seguinte forma. Fala-se em tentativa perfeita, acabada, ou crime


falho, quando o agente esgota, segundo o seu próprio entendimento, todos os meios que tinha
ao seu alcance a fim de alcançar a consumação da infração penal, que somente não ocorre por
circunstâncias alheias à sua vontade. Diz-se imperfeita, ou inacabada, a tentativa em que o
agente é interrompido durante a prática dos actos de execução, não chegando, assim, a fazer
tudo aquilo que intencionava, visando consumar o delito. Diante da tentativa perfeita ou crime
falho, hipótese em que o agente não foi interrompido na execução do delito, tendo feito tudo
aquilo que estava a seu alcance para obter êxito na empreitada criminosa, há de ser aplicada a
fracção redutora em seu patamar mínimo.97

2.3 - O crime de tentativa de envenenamento no ordenamento jurídico


moçambicano.
O Código Penal moçambicano estabelece nos termos do artigo 162.º o crime de
envenenamento. Postulando, que aquele que cometer o crime de envenenamento, será punido
com a pena de prisão maior de vinte a vinte e quatro anos.98

95
Rogério GRECO. Código Penal Comentado, 11ª edição, Revista, ampliada e atualizada até 1 de Janeiro de
2017, Editora Impetus, Niterói, RJ 2017
96
Ibidem.
97
Idem.
98
Lei nº 24/2019. Lei que aprova o novo Código Penal de Moçambique.

34
§ único. É qualificado crime de envenenamento todo o atentado contra a vida de alguma
pessoa por efeito de substâncias que podem dar a morte mais ou menos prontamente, de
qualquer modo que estas substâncias sejam empregadas ou administradas, e quaisquer que
sejam as consequências.

O ordenamento jurídico-penal moçambicano, quanto ao assunto da tentativa, prevê o


seguinte no seu artigo 17º (Tentativa):

1. Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu


cometer, sem que este chegue a consumar-se.
2. São actos de execução:
a) Os que preencherem m elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos indicados nas alíneas anteriores.99

99
Lei nº 24/2019. Lei que aprova o novo Código Penal de Moçambique

35
CAPÍTULO III.º- A REALIDADE PENAL ANGOLANA.

3.1 O crime de tentativa de homicídio com recurso a veneno ou meios


insidiosos.
A tentativa, como fragmento de crime que é, não tem sua presença assegurada em todas
as espécies de crimes, pois nem todas as infracções penais admitem essa figura típica ampliada.
Na tentativa, o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado, que por circunstâncias
estranhas à sua vontade não ocorre. Na tentativa há intenção sem resultado (pelo menos aquele
desejado).100

Passamos a examinar, exemplificativamente, algumas dessas modalidades de infrações


em que a figura tentada é inadmissível:

Os crimes culposos ou negligentes, como já mencionamos, não admitem a tentativa. O


crime culposo não tem existência real sem o resultado, que, por definição, integra a estrutura
do próprio tipo penal. Há crime culposo quando o agente não quer nem assume o risco da
produção de um resultado, previsível, que mesmo assim ocorre. Se houver inobservância de um
dever objetivo de cuidado, mas se o resultado não sobrevier, não haverá crime dessa natureza,
nem mesmo tentativa punível.101

Fala-se na possibilidade da tentativa na culpa imprópria ou, melhor dito, da tentativa


nos casos de erro sobre o pressuposto objectivo de uma causa de justificação, em que o resultado
é querido, mas o sujeito incide em erro inescusável (evitável). Na verdade, estaríamos diante
de um crime doloso tentado, cometido sob a falsa suposição de que estão presentes os
pressupostos fácticos de alguma causa de justificação, e que, por expressa determinação do
legislador penal, recebe o tratamento de crime culposo. Essa opção, poderíamos afirmar, é mais
político-criminal que dogmática. E nos crimes preterdolosos, é possível a tentativa? Costuma-
se afirmar que nos crimes preterintencionais há dolo no antecedente e culpa no consequente,
isto é, o resultado preterdoloso vai além do pretendido pelo agente. Logo, como a tentativa fica
aquém do resultado desejado, conclui-se ser ela impossível nos delitos preterintencionais.102

100
Cesar Roberto BITENCOURT, Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, Editora Saraiva, 17ª edição, Revista,
ampliada e atualizada 2012, pág. 1174.
101
Idem.
102
Ibidem, pág. 1175

36
A título de estudo comparado, a doutrina brasileira não estabelece com precisão a
diferença existente entre crime preterdoloso e crime qualificado pelo resultado. Segundo uma
corrente doutrinária, especialmente na Itália, no crime qualificado pelo resultado, ao contrário
do preterintencional, o resultado ulterior, mais grave, derivado involuntariamente da conduta
criminosa, lesa um bem jurídico que, por sua natureza, não contém o bem jurídico
precedentemente lesado. Assim, enquanto a lesão corporal seguida de morte seria
preterintencional, o aborto seguido de morte da gestante seria crime qualificado pelo resultado.
Com efeito, é impossível causar a morte de alguém sem ofender sua saúde ou integridade física
(preterintencional), ao passo que causar a morte de uma gestante não pressupõe,
necessariamente, o prévio aborto (qualificado pelo resultado). Assim, o doutrinador DAMÁSIO
DE JESUS e JULIO MIRABETE, apesar de não fazerem uma clara distinção entre crimes
preterintencionais e crimes qualificados pelo resultado, admitem, quanto a estes, a possibilidade
da tentativa, quando o resultado final, dizem eles, for abrangido pelo dolo. Contudo, quando o
resultado final, mais grave, for abrangido pelo dolo, como referiram os autores mencionados,
não se estará diante da figura do crime preterdoloso, mas de crime doloso pura e
simplesmente.103

O crime omissivo próprio também não admite a tentativa, pois não exige um resultado
naturalístico produzido pela omissão. Esses crimes consumam-se com a simples omissão. Se o
agente deixa passar o momento em que devia agir, consumou-se o delito; se ainda pode agir,
não se pode falar em crime. Ex.: omissão de socorro. Até o momento em que a actividade do
agente ainda é eficaz, a ausência desta não constitui crime. Se nesse momento a actividade
devida não ocorrer, consuma-se o crime. Concluindo, o crime omissivo próprio consuma-se no
lugar e no momento em que a actividade devida tinha de ser realizada. Os omissivos impróprios
ou comissivos por omissão, que produzem resultado naturalístico, admitem tentativa,
naturalmente.104

Os crimes unissubsistentes ou de acto único não admitem tentativa, diante da


impossibilidade de fraccionamento dos actos de execução. Ex.: a injúria verbal. Ou a ofensa foi
proferida e o crime consumou-se, ou não foi e não há falar em crime. Os crimes

103
Ibidem, pág.1176
104
Ibidem, pág.1177

37
plurissubsistentes, que podem ter sua fase executória fraccionada em actos diversos, admitem
o conatus.105

O crime habitual não admite tentativa, pois o que o caracteriza é a prática reiterada de
certos actos que, isoladamente, constituem um indiferente penal, Conclusão: ou há reiteração e
o crime consumou-se, ou não há reiteração e não se pode falar em crime.106

Não admitem a tentativa os crimes de atentado, pois é inadmissível tentativa de


tentativa. No crime “complexo” haverá tentativa com a realização de um dos crimes que o
integram ou sempre que não se consumarem os crimes componentes da complexa figura
típica.107

Fazendo uma interpretação a contrário sensu do acima descrito referente aos crimes que
não admitem a figura da tentativa, é mais do que evidente que Cezar Roberto não coloca neste
leque os crimes formais.

Assim sendo, faz-nos compreender que para este autor Brasileiro se afigura um tanto
quanto possível a figura da tentativa.

Legislações penais como o Código Penal de Moçambique, estabelece o crime de


envenenamento numa categoria de crime formal porquanto não obriga a realização de
determinado resultado, mas basta a simples ministração do veneno para se considerar
consumado o crime.

Determinadas legislações penais como é o caso do Brasil e Portugal, colocam como


fizemos referência no segundo capítulo o crime de envenenamento, incorporado ao crime de
homicídio qualificado em razão dos meios fazendo com que de certa forma seja um crime
material; e os crimes materiais admitem a tentativa porquanto que para que haja a consumação
nestes crimes é imprescindível a verificação de um resultado. No entanto a tentativa que se
apresentará aqui neste tipo, será a tentativa de homicídio.

O Código Penal angolano em vigor, no artigo 148º, com epígrafe “Homicídio


qualificado em razão dos meios”, estabelece no seu número 1 que, é punido com pena de prisão

105
Idem.
106
Idem.
107
Ibidem, pág.1178

38
de 20 a 25 anos o homicídio cometido com recurso aos seguintes meios: a) Veneno ou outro
meio insidioso.108

É importante referenciar que o agora revogado código penal angolano de 1886, em vigor
até então, colocava o crime de envenenamento de forma autónoma mediante o previsto nos
termos do artigo 353º, estabelecendo, que aquele que cometer o crime de envenenamento, será
punido com a pena de prisão maior de vinte a vinte e quatro anos. O seu parágrafo único
preceituava que “é qualificado crime de envenenamento todo o atentado contra a vida de uma
pessoa por efeito de substâncias, que podem dar a morte mais ou menos prontamente, de
qualquer modo que as substâncias sejam empregadas, e qualquer que sejam as
consequências”.109Deste preceito depreende-se que o antigo código penal angolano, dava
ênfase ao crime de envenenamento como um tipo de crime formal, ao passo que o novo C.P.A
ao incorporar o uso de veneno ao crime de homicídio qualificado em razão dos meios, na
tipologia dos crimes, o coloca nos crimes materiais, dando assim a possibilidade de existência
de tentativa, mas de homicídio.

Deste modo algumas legislações, mediante os seus preceitos, estabelecem a figura da


tentativa e outros ordenamentos o não aceitam.

Classificação doutrinária

Crime comum, tanto no que diz respeito ao sujeito activo, quanto ao sujeito passivo;
simples; de forma livre (como regra, pois existem modalidades qualificadas que indicam os
meios e modos para a prática do delito), podendo ser cometido dolosa ou culposamente,
comissiva ou omissivamente (nos casos de omissão imprópria, quando o agente possuir status
de garantidor); de dano; material; instantâneo de efeitos permanentes; não transeunte;
monossubjetivo; plurissubsistente; podendo figurar também, a hipótese de crime de ímpeto
(como no caso da violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima).110

Podemos como as muitas legislações penais, concluir que o crime de homicídio


constitui, um crime de natureza material ou de resultado na medida em que, para que se

108
Código Penal Angolano.
109
Código Penal Angolano de 1886.
110
Rogério GRECO. Código Penal Comentado, 11ª edição, Revista, ampliada e atualizada até 1 de Janeiro de
2017, Editora Impetus, Niterói, RJ 2017, pág.476.

39
considere consumado é indispensável a realização do resultado “morte” que se consubstancia
na violação e no dano do bem jurídico salvaguardado “vida”.

O envenenamento é uma das formas clássicas do crime de homicídio, que foi


particularmente temida no passado, tanto pela forma insidiosa com que era e ainda é praticado,
como pela dificuldade de prova e punição do agente. Nossas Ordenações do Reino previam
especificamente a hipótese de envenenamento: “E toda a pessoa, que à outra der peçonha para
a matar, ou lha mandar dar, posto que de tomar a peçonha se não siga morte, morra morte
natural”. Punia, assim, a tentativa como crime consumado. O código francês, de 1.810 (art.º
301º), pune também com a morte o simples atentado à vida por meio de veneno, qualquer que
seja o resultado.111

O conceito de veneno é relactivo. Várias substâncias podem ser remédio ou veneno,


dependendo da quantidade ou do modo porque são propinadas. Entende-se por veneno qualquer
substância mineral, vegetal ou animal que, introduzida no organismo, seja capaz de atingir a
vida ou a saúde, através da acção química ou bioquímica.112

Só haverá homicídio qualificado pelo envenenamento, caso o veneno seja ministrado à


vítima de maneira insidiosa ou sub-reptícia, sem o seu conhecimento. O envenenamento
violento não constitui homicídio qualificado, devendo ressalvar-se a possibilidade de que
constitua meio cruel.113

3.2 Convergência e divergência no direito comparado da tentativa de


homicídio com recurso a veneno ou outros meios insidiosos.
Para qualquer estudo em Direito, é também importante navegar em ordenamentos
jurídicos diferentes dos nossos; e como vimos no segundo capítulo, foi ali que fizemos uma
descrição do que estabelecem os diferentes ordenamentos a que nos retivemos.

Como estudado no capítulo segundo deste trabalho, os ordenamentos jurídicos


português e brasileiro materializaram o crime de tentativa de homicídio com recurso a veneno
ou meios insidiosos incluindo-o no tipo “homicídio qualificado” como sendo uma das formas
de prática deste, retirando consequentemente o crime de (envenenamento) da tipologia dos

111
Helénio Cláudio FRAGOSO. Crimes contra a pessoa. Crimes contra a vida. Homicídio, Pág. 19
112
Ibidem, pág.20
113
Idem.

40
crimes formais. Pois, conforme o artigo 132º números 1 e 2 do Código Penal português, que
estabelecem o s seguintes preceitos dizendo: Se a morte for produzida em circunstâncias que
revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de
doze a vinte e cinco anos. O número 2 do mesmo diploma estabelece que “É susceptível de
revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre
outras, a circunstância de o agente: alínea i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio
insidioso”114 é possível entender a inclusão de que a pouco falamos.

O mesmo acontece com o ordenamento jurídico brasileiro ao preceituar o seguinte:


Título I- Dos crimes contra as pessoas; capítulo I- dos crimes contra a vida, artigo 121º
parágrafo único 2º que retrata o Homicídio qualificado, declarando ser homicídio qualificado
aquele que é cometido: III Com emprego de veneno…115 Logo podemos aferir esta
convergência quanto a estes dois ordenamentos jurídico-penais e que também assemelham-se
ao ordenamento jurídico-penal angolano já que este agora engloba também a questão em
causa nos crimes contra a vida, especificamente no homicídio qualificado em razão dos meios,
conforme o artigo 148º nº 1 alínea a).

Ora, o mesmo já não o podemos dizer quando tivermos em conta o que legislador
moçambicano previu para o seu ordenamento jurídico-penal quanto a criminalização da referida
conduta, já que este autonomiza o crime de envenenamento no seu artigo “162.º, que prescreve:
Quem cometer o crime de envenenamento, é punido com a pena de prisão maior de vinte a
vinte e quatro anos”.116

Neste caso, podemos ainda dizer que há uma convergência deste ordenamento com os
outros porquanto todos colocam a questão nos crimes contra a vida; no entanto divergem no
tipo de crime porquanto aqueles o integram nos materiais colocando-o dentro do crime de
homicídio qualificado, e este nos formais, autonomizando-o.

3.3 As fronteiras entre o crime de homicídio e o crime de envenenamento.

As fronteiras que se estabelecem quanto ao crime de homicídio com recurso a veneno ou


meios insidiosos e de tentativa de homicídio com recurso a veneno ou meios insidiosos, é o

114
Código Penal Português, republicado pela lei nº 59/2007, de 4 de Setembro
115
Código Penal Brasileiro, edição atualizada até Abril de 2017, Senado Federal.
116
Lei nº 24/2019. Lei que aprova o novo Código Penal de Moçambique.

41
facto de o crime de homicídio poder ser cometido de maneiras multiformes, entendido e
penalizado em vários tipos legais como o caso do homicídio simples, qualificado, culposo, etc.,
e relactivamente ao envenenamento determinadas legislações penais como o caso de
Moçambique, autonomizam o crime de envenenamento, incluindo-o assim no leque dos crimes
formais, ao passo que determinadas legislações penais como o caso de Portugal, Brasil e agora
Angola incorporam o envenenamento como sendo uma das formas do cometimento de um
homicídio fazendo com que o mesmo deixe de ser autónomo.

3.4 Posição adoptada quanto a punibilidade do crime de homicídio com


recurso a veneno e outros meios insidiosos.
Várias são as posições dos mais conceituados autores penalistas a respeito do tema em
questão, em que entendemos nós tratar-se de uma matéria de certo modo delicada. Para
legislações que autonomizam o crime de envenenamento, entendemos nós, mediante o conceito
apresentado de veneno e envenenamento, e conjugando aos critérios da figura de tentativa poder
haver sim possibilidade de existência desta figura; se não, haverá justiça em considerar
envenenamento tanto ao Abel que simplesmente colocou o veneno no copo com água de
Alberto, quanto ao Vasco que ministrou directamente ao soro que no momento entrava pelas
veias de Filipe? Entendemos que estaríamos aqui diante de uma pura injustiça atendendo a que
estas legislações, normalmente apresentam uma moldura penal semelhante a aplicada ao crime
de homicídio.

Por outro lado, existem venenos que não causam o efeito morte. Quem usa um veneno
não mortal deve ser condenado na mesma moldura ao que cometer o crime cujo resultado seja
morte, socorrendo-se da moldura endurecida prevista no artigo 148º; como se aquele que usa
um meio não idóneo quisesse o resultado morte da vítima? Entendemos, não haver justiça e
equidade se assim se proceder o legislador porquanto o resultado morte e o resultado lesão
corporal não têm o mesmo valor e por isso, não deveria ter a mesma consequência.

A nosso entender, àquele que usa um determinado veneno ou meio insidioso não mortal
deve ser punido no crime de ofensa simples à integridade física ou no crime de ofensa grave à
integridade física previstos nos artigos 159º e 160º C.P.A, dependendo da lesão causada à
vítima. Diferente será a punição aplicada àquele que fazer uso de veneno ou outro meio
insidioso mortífero; neste aplicar-se-á a punição da tentativa de homicídio com uso destes
meios.

42
Ora, quanto as legislações penais como é o caso do Código Penal Angolano que
englobaram a questão do envenenamento no crime de homicídio qualificado em razão dos
meios, não se pode falar de uma possível tentativa de envenenamento pelo facto deste tipo já
não ser mais autónomo, mas se por acaso, em um determinado facto criminoso não resultar a
morte por razões alheias a vontade do agente, estaríamos, categórica e indubitavelmente diante
da tentativa de homicídio por envenenamento e não da tentativa do crime de envenenamento.

Vejamos o exemplo abaixo:

Caso

Apercebendo-se de que António, chefe de contabilidade da empresa X, havia descoberto


o desvio de fundos que fizera, Álvaro decidiu que o mais seguro seria matá-lo.

Álvaro, sabendo que Sónia, secretária de António, costumava servir-lhe todos os dias
uma chávena de chá, decide aproveitar-se desse facto para, durante uma distração de Sónia,
misturar no mesmo umas gotas de um poderoso veneno (veneno que havia pedido a Hugo,
ajudante de farmácia que, não desconfiando das intenções de Álvaro, resolveu, dar-lhe um
líquido que era veneno).

Sónia, sem se aperceber do sucedido, serviu o chá com as ditas gotas a António seu
chefe.

Mais tarde, encontrava-se António já em casa quando recebeu um telefonema de Álvaro,


que, sem estar arrependido, decidiu contar-lhe o sucedido, para agonizar ainda mais a dor de
António.

António dirige-se, então, à única farmácia da aldeia a fim de tomar o antídoto. Como a
mesma estava fechada, este, que tinha conhecimento do assunto, uma vez que tinha chegado a
fazer o 3º ano de medicina, arrombou a porta a fim de tomar rapidamente um medicamento que
ele sabia que poderia neutralizar o efeito do veneno que tinha tomado, tendo chegado a tomar
o mesmo e consequentemente neutralizado o efeito do veneno.

Análise da responsabilidade jurídico-criminal dos intervenientes:

Quanto a Sónia. Haverá uma acção jurídico-penalmente relevante por parte da


secretária? Ela não sabe de nada; pura e simplesmente pegou no chá que estava na mesa, como
faz todos os dias, e levou-o ao chefe.

43
Quando temos de decidir se há uma acção jurídico-penalmente relevante, é sempre em
relação a algum tipo de crime. Tinha alguma possibilidade de representar que ia matar o chefe?
Nunca. Só há uma acção jurídico-penalmente relevante, como sabemos, quando ela é controlada
ou controlável. Aqui não houve possibilidade de representar qualquer acção que conduzisse a
lesão de um bem jurídico. É um chamado acto neutro.

Quando, em Direito Penal, vemos se há uma acção controlada ou controlável pela


vontade, há que ser em relação a dado tipo. O que estamos a dizer é que, para decidir se há
acção, vemos isso em relação a um tipo. Aqui, isso significava que tinha de haver, pelo menos,
a possibilidade de representar a morte.

Sónia não tem consciência de qualquer sinal que a pode levar a representar a morte, pelo
que não há uma acção jurídico-penalmente relevante.

Na questão de Álvaro, há ou não uma acção jurídico-penalmente relevante? Sim. Ele


tem consciência de sinais que levam à realização de um tipo de crime. Aliás, ele tem dolo: não
há dúvida de que existe uma acção jurídico-penalmente relevante.

A nossa próxima preocupação é o tipo objetivo. Qual é o tipo aqui em causa? Tentativa
do crime de homicídio com recurso a veneno, pois não há resultado. Assim, o tipo aqui em
causa é o do artigo 148º nº1 alínea a), conjugado com os 20º e 21º todos do Código Penal
Angolano.

Está ou não preenchido o tipo da tentativa? Sim, está. Porquê? Antes de mais, está
presente o elemento subjetivo? Sim, ela representa e quer matar o chefe, pelo que há dolo.

E quanto ao tipo objetivo? Há prática de atos de execução? Este seria um acto idóneo a
produzir o resultado morte se António não tivesse tomado o antídoto.

44
CONCLUSÃO

O conjunto das agências responsáveis pelo processo de criminalização (legislativa,


judicial, policial, penitenciária) forma o sistema penal. É dessa avaliação que surge uma visão
fruto da crítica criminológica das funções da pena e da aplicação do direito penal. Como uma
ciência não normativa, a sociologia se preocupa em estudar o “ser”, e não o “dever ser”, como
o direito. Permite, portanto, investigar a realidade além da lente jurídica.

Importa aqui, portanto referenciar que, Delito é uma conduta humana individualizada
mediante dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida
por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária à ordem jurídica (antijurídica)
e que, por ser exigível do autor que agisse de maneira diversa diante das circunstâncias, é
reprovável (culpável).

O legislador poderia ter previsto a incriminação da tentativa na parte especial mediante


a descrição típica do delito consumado e a correspondente incriminação da tentativa. Ao invés,
decidiu-se por uma técnica legislativa mais apurada, ao prever a incriminação da tentativa na
parte geral e dos seus elementos essenciais, combinando-a com os elementos do tipo
incriminador que individualizam o núcleo do delito consumado. Concluímos assim que a
tentativa representa um alargamento ou uma extensão do direito penal aos actos anteriores à
consumação do crime, e a consumação representa a realização completa de um tipo de lícito
em todos os seus elementos constitutivos e a correspondência do facto concretamente verificado
com a hipótese da norma incriminadora.

A tentativa, enquanto comportamento jurídico-penalmente relevante, estabelece uma


relação de emergência e uma relação de ausência com o crime consumado: a relação de
emergência divisa-se porquanto a existência e legitimação do crime consumado iluminam o
delito tentado, uma vez que emprestam-lhe um bem jurídico, tipificam a realização incompleta
do crime que o agente decidiu cometer e conferem-lhe dignidade penal.

Não há uma conceituação exacta do que seja substância venenosa, na medida em que
certas substâncias, mesmo não sendo venenos, tendo em vista a sua inocuidade, são capazes de
matar em virtude de certas condições da vítima, por exemplo: fazer com que um diabético ingira
açúcar sem o seu conhecimento. Depois destes estudos feitos, importa lembrar que, quem fala
em veneno, precisa ainda dizer, se esse é uma substância boa ou ruim. Pois também

45
medicamentos são veneno, porque a designação venenum inclui tudo o que modifica através do
acréscimo da natureza de um organismo, o qual foi acrescentado

Cumpre, assim, conceituar o termo veneno como qualquer substância que, introduzida
no organismo, seja capaz de colocar em perigo a vida ou a saúde humana por meio de ação
química, bioquímica ou mecânica. O veneno pode ser ministrado na vítima por diversas formas,
desde que de maneira insidiosa ou dissimulada, pois o que exaspera a sanção aqui é a insciência
da vítima. Exemplo: colocar raticida no prato de sopa da vítima. Observe-se que se, para a
ministração da substância, houver utilização de violência a qual importe em grave sofrimento
à vítima poderá existir a qualificadora do meio cruel e não do envenenamento.

Contudo podemos dizer que a justiça como sendo a perpetua e constante vontade de dar
a cada um o que é devido, importa dizer que agora não podemos falar como tal, de existência
de envenenamento porquanto assistiu-se uma mudança substancial no paradigma penal
angolano em volta desta questão.

Outrossim, entendemos a necessidade de se diferenciar a questão da tentativa em relação


aos autores dos delitos com uso de venenos mortíferos e os não mortiferos, porquanto pende
responder ao uso de venenos não mortíferos a questão dos crimes de ofensa simples a
integridade física, e ao uso de venenos mortais ao crime de homicídio qualificado. É portanto
imprescindível que, o aplicador não se esqueça também da dosagem porquanto naõ há uma
diferença abismal entre o chamado remédio e o veneno.

Portanto, podemos dizer que, a questão da tentativa no crime de homicídio com recurso
a veneno ou outros meios insidiosos, deve ser enxergada mediante o tipo in concreto de cada
ordenamento jurídico e com a maior delicadeza possível que se deve assistir a ela.

46
RECOMENDAÇÕES
Depois das pesquisas feitas, em relação ao problema da punibilidade da tentativa de
homicídio com recurso a veneno ou outros meios insidiosos, recomendamos ao legislador
angolano, o seguinte:

• Que o legislador tenha em atenção a quantidade da substância ministrada pelo agente


para a determinação da tentativa de homicídio com recurso a veneno ou meios
insidiosos;
• Que o legislador apresente um conceito rigoroso de veneno;
• Recomendamos ao legislador que, revise a moldura penal em função do dano causado
a vítima, tendo em atenção também o meio usado para o cometimento do delito;
• Que o legislador, crie mecanismos para saber qual é a lei mais favorável ao arguido. É
importante saber se a condenação num crime formal é mais favorável em relação a
condenação por um delito material, já que àquele não depende de resultado e este sim.

47
BIBLIOGRAFIA

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