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DIREITOS HUMANOS
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Quarta - feira, 31 de Janeiro de 2023 I Ano V, n.º 160 I Director: Prof. Adriano Nuvunga I Português

O Tribunal libertou o assassino


Que tirou a v ida da esposa à facada
mediante caução de 100.000,00 Mt
l Foi libertado o indiciado de assassinato brutal da sua esposa de 33 anos de ida-
de que em vida respondia pelo nome de Celina, no passado dia 14 de janeiro,
em sua residência na Matola-Rio, Província de Maputo, mediante pagamento de
caução de 100 mil meticais.
A
pós ter sido detido sob a acusação de homi- do crime ter revelado especial perversidade, atento
cídio agravado de sua esposa com quem vi- à qualidade da vítima e ao modo de execução da
veu aproximadamente 4 anos, tendo então acção criminal.
jurado amor eterno, Edson, que confessou os factos É que o artigo 159.º do Código Penal, que prevê
diante do Juiz de Instrução, não ficou sequer uma e pune o crime de homicídio voluntário simples,
semana detido, pois, no dia 25 de Janeiro de 2024, o estabelece que quem voluntariamente matar outra
Juiz encarregado2 do processo decidiu colocar em pessoa, é punido com pena de prisão de 16 a 20 anos,
liberdade o homem que de forma hedionda tirou a aplicando-se esta norma às situações em que o co-
vida da sua esposa mediante o pagamento da refe- metimento do crime de homicídio não seja acom-
rida caução. panhado por quaisquer elementos qualificativos
A decisão do Juíz não só está a inquietar os fami- que possam agravar a pena aplicável ao agente do
liares da vítima mas também a sociedade em geral crime.
devido às circunstâncias em que ocorreu o acto ma- Para o caso específico, verificando-se elemen-
cabro. tos que qualifiquem o comportamento do agente
Após os golpes, Edson embrulhou o corpo de sua como particularmnente repulsivo, atendendo às
esposa numa manta e recolheu-o em sua viatura fa- qualidades dos sujeitos, isto é, os agentes activo e
miliar para atirá-lo numa lixeira nas proximidades. passivo (indiciado e a vítima), que são um casal, vi-
Preocupados com o sumiço de Celina, a família vendo no mesmo tecto, o artigo 160º, alínea b) do
da mesma entrou em contacto com Edson a fim de Código Penal, qualifica a acção do indiciado como
apurar as razões de sua filha estar com o celular des- sendo homicídio agravado. Atento à norma supra-
ligado há quatro dias. No entanto, o assassino sim- mencionada, que estabelece que a pena de prisão
plesmente ocultou o seu acto e disse que “a mes-
ma havia saído de madrugada sem dar satisfação
de onde ia”. Edson nem sequer ficou preocupado e
nem se importou em reportar à família ou à Polícia
o desaparecimento de sua esposa. Preocupada, a
família decidiu iniciar buscas incansáveis de Celina,
tendo partilhado a informação sobre o desapareci-
mento da mesma nas redes sociais, o que resultou
na localização do copro sem vida e em estado de Ora, a soltura de Edson
decomposição na morgue do Hospital Provincial mediante o pagamento de
da Matola. Diante dos factos e das provas arroladas,
Edson foi indiciado de homicídio agravado e o mes- caução de 100 mil meticais
mo veio a confessar que havia assassinado a sua es- constitui um grave atentado ao
posa, tendo sido recolhido às celas pela Polícia.
Ora, a soltura de Edson mediante o pagamento
Estado de Direito e de justiça
de caução de 100 mil meticais constitui um grave social, pois, para além de estar
atentado ao Estado de Direito e de justiça social, em causa a violação de um
pois, para além de estar em causa a violação de um
direito legalmente protegido pela lei penal, está em direito legalmente protegido
causa também a violação de Direitos Humanos in- pela lei penal, está em causa
trínsecos a todos os indivíduos pelo simples facto de também a violação de Direitos
existirem. Porém, com este processo demonstrou-
-se, sem dúvidas, a fragilidade do sistema de justiça Humanos intrínsecos a todos
em Moçambique. os indivíduos pelo simples
Em termos legais, o facto praticado pelo indiciado
configura um crime de homicídio agravado, decor-
facto de existirem.
rente do facto de, no seu cometimento, o agente

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Juiz de Instrução

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de 20 a 24 anos é aplicada a quem causar a morte de cacionada à defesa de Direitos Humanos, repudia
outrem em circunstâncias que revelem especial cen- veementemente a actuação do juíz e da justiça mo-
sura ou perversidade, nomeadamente... seja ascen- çambicana bem como da norma jurídica que não
dente, descendente, adoptante, adoptado, padrasto, garante a realização da justiça social, atento ao fac-
enteado, cônjuge, ex-cônjuge ou pessoa com quem to de que aquela decisão coloca em liberdade um
vive como tal, ainda que sem coabitação. indivíduo responsável por um crime hediondo, pe-
O que concerne à figura da liberdade condicional rigando a vida de outros cidadãos e encorajando a
mediante a aplicação de medidas de segurança, prática de crimes de homicídio, pois estes não têm
concretamente na prestação de caução, encontra a devida responsabilização, o que consubstancia
amparo nos termos do número 1 do artigo 238 do um atentado ao Estado de Direito Democrático e de
CPP que estabelece que se o crime imputado for Justiça Social, conforme plasmado na Constituição
punível com pena de prisão superior a um ano, o juiz da República de Moçambique, que estabelece no
pode impor ao arguido a obrigação de prestar cau- artigo 4 que “A República de Moçambique é um esta-
ção. do independente, soberano, democrático e de justiça
Evidentemente, a lei penal não retira a cauciona- Social”.
bilidade do crime em causa, sendo o fundamento Enquanto Organização da Sociedade Civil, que
da caucionabilidade o princípio de que a liberda- busca e zela pela justiça social e direitos humanos,
de constitui a regra e a privação de liberdade a ex- o CDD dará seguimento ao caso para que o assassi-
cepção à regra. É, pois, a manifestação do princípio no seja devidamente responsabilizado e detido, e
constitucional de presunção de inocência. para que a actuação do tribunal seja colocada em
Aliás, como se pode depreender da leitura da nor- causa por permitir que haja violação da lei em resti-
ma em causa, resulta evidente que a determinação tuir a liberdade a um assassino.
da caução é uma faculdade dada ao juíz, o que re-
mete ao entendimento de que se este compreen-
der, dentro do seu juízo de valores, estarem criadas
as condições, pode administrar uma caução.
Entretanto, esta é uma norma que abre espaço
para que indivíduos que se envolvam em crimes
hediondos, tal é o caso presente, beneficiem da li-
berdade condicional, não importando o tipo legal
de crime cometido e o impacto social que causa.
Aliás, esta situação permite que indivíduos que se Refira-se ainda que este facto
envolvam em crimes desta natureza possam, após
obter a liberdade, empreender fuga, dificultando, permite que determinados
destarte, o normal andamento do processo que po- indivíduos possam optar
deria levar a uma condenação.
Refira-se ainda que este facto permite que de-
por cometimento de crimes.
terminados indivíduos possam optar por come- Cientes de que a vida humana
timento de crimes. Cientes de que a vida humana é barata, podem tirá-la,
é barata, podem tirá-la, bastando que se efectue o
depósito da quantia de 100.000,00 MT, ou seja, a bastando que se efectue
vida humana acaba ficando desprotegida por míse- o depósito da quantia de
ros 100.000,00 MT. 100.000,00 MT, ou seja, a
Ainda assim, não se pode assacar que a decisão
do juíz em soltar o assassino de Celina seja ilegal, vida humana acaba ficando
pois prevista nos termos do CPP. Entretanto, pode- desprotegida por míseros
-se dizer que a redução da vida humana a míseros
100.000,00 MT coloca em risco a protecção de Di-
100.000,00 MT.
reitos Humanos. É uma clara alusão da situação em
que a norma jurídica entra em conflito com a realiza-
ção da justiça social.
Ora, o CDD, na sua qualidade de instituição vo-

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Construindo uma sociedade Building a democratic society
democrática that promotes, protects,
que promove, protege e respect human rights &
respeita os Direitos Humanos. transform people’s lives.

INFORMAÇÃO EDITORIAL:

Propriedade: CDD – Centro para Democracia e Direitos Humanos


Director: Prof. Adriano Nuvunga
Assistente do Programa: Ngandife Karina
Autor: CDD
Layout: CDD

Contacto:
CDD_moz
Rua de Dar-Es-Salaam Nº 279, Bairro da Sommerschield, Cidade de Maputo.
E-mail: info@cddmoz.org
Telefone: +258 21 085 797
Website: http://www.cddmoz.org

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