Você está na página 1de 4

Difusão y

Youtubers
Canais de vídeo ganham
destaque na divulgação de
pesquisas feita na internet

Bruno de Pierro

C
om a Teoria da Relatividade Restrita, Albert
Einstein demonstrou em 1905 que a energia
de um objeto varia em função de sua massa e
velocidade. Cento e onze anos depois, a mes-
ma teoria serviu para colocar ponto final nu-
ma controvérsia que inspira fãs de quadrinhos (HQs) há
décadas: qual super-herói tem o soco mais forte? Em um
dos primeiros vídeos publicados pelo canal Nerdologia, no
YouTube, o biólogo Atila Iamarino sugere que é o Flash, e
não o Hulk ou o Super-Homem. Em tom bem-humorado,
citando HQs e fórmulas da física, Iamarino explica que,
ao atingir velocidade próxima à da luz, Flash seria capaz
de dar um soco com impacto equivalente à explosão de 4
milhões de bombas de fusão nuclear, liberando energia
suficiente para atear fogo em toda a atmosfera terrestre.
O vídeo “viralizou”, isto é, propagou-se rapidamente na
internet e teve mais de 1 milhão de visualizações.
“Conseguimos atingir um público amplo, não necessa-
riamente interessado por ciência”, diz Iamarino, que aca-
ba de encerrar um estágio de pós-doutorado no Instituto
de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo
(ICB-USP) e planeja dedicar-se à divulgação científica.
“Isso foi possível porque os conceitos científicos podem

Na
dialogar com um público cujos interesses são outros, co-
mo histórias em quadrinhos, cinema e games”, completa.
Nos últimos anos, canais de vídeo no YouTube (tam-
bém chamados de vlogs) que abordam ciência e tecnolo-
gia ganharam expressão na divulgação científica feita na
internet. Em países como os Estados Unidos, jovens que

34  z  maio DE 2016


ciência
agora são conhecidos como youtubers tivar o surgimento de outros novos”, ex- anunciou que voltaria a produzir para o
produzem vídeos de ciência curtos, de plica o biólogo Rafael Bento Soares, um canal. “Estou animado, ainda que seja
mais ou menos 5 minutos, muitas vezes dos idealizadores do SvBr. difícil fazer tudo sozinho”, diz.
com poucos recursos disponíveis, e que A iniciativa, diz Bento, também pro- Um dos primeiros canais brasileiros
chegam a ter, em alguns casos, mais de cura garantir um selo de qualidade aos a levar ciência ao YouTube foi o Manual
200 milhões de visualizações. O fenôme- vlogs. “Com um selo do ScienceVlogs, o do Mundo, criado em 2008 pelo jorna-
no é caracterizado pelo engajamento de usuário saberá que o conteúdo tem las- lista Iberê Thenório e sua mulher, a te-
um público jovem, incluindo crianças e tro da ciência e boa procedência”, diz o rapeuta ocupacional Mariana Fulfaro.
adolescentes. biólogo, que em janeiro fundou com co- Nos vídeos, o casal aborda o conteúdo
Os donos dos canais de vídeo são, na legas a NuminaLabs, empresa de gestão científico, mas de maneira pouco explíci-
maioria, pesquisadores em início de car- de conteúdo científico. Um dos objetivos ta, diluindo-o em experiências, receitas,
reira ou estudantes de graduação e pós- da companhia é gerenciar os canais de pegadinhas, mágicas e outras atividades.
-graduação. “Os vlogs estão conseguindo vídeo de ciência e promover parcerias O objetivo, segundo eles, é ajudar a esti-
conquistar uma audiência mais diver- entre eles e instituições de pesquisa. Se- mular o interesse do público pela ciência,
sificada, ao contrário dos blogs cientí- gundo ele, muitas dessas instituições mas sem falar exclusivamente de ciência.
ficos, que são mais restritos ao públi- têm interesse em elaborar projetos de O canal tem mais de 5,6 milhões de ins-
co interessado por ciência”, diz Rafael divulgação científica, mas não sabem critos, o que fez de Thenório e Mariana
Evangelista, pesquisador do Laboratório como. “Os youtubers têm experiência celebridades da internet, hoje convida-
de Estudos Avançados em Jornalismo e poderiam atuar como prestadores de dos para participar de programas de TV.
da Universidade Estadual de Campi- serviço, produzindo vídeos.” Diferentemente do Manual do Mundo,
nas (Labjor-Unicamp). De acordo com que conta com uma equipe e patrocina-
ele, isso acontece porque os canais de REFERÊNCIA dores, o trabalho solitário, com poucos
vídeo tratam de ciência utilizando uma Em poucos meses, o SvBr recebeu quase recursos, é a realidade da maioria dos
linguagem informal, próxima à do en- 35 mil inscrições no YouTube e tornou- youtubers. Aluna de mestrado em ciên-
tretenimento, fazendo referências ao -se porta de entrada para canais ainda cia da computação da Universidade Fe-
universo da cultura pop, representado, pouco conhecidos do público. É o caso deral de Minas Gerais (UFMG), Camila
por exemplo, pelas séries de TV. do iBioMovies, vlog de biologia criado Laranjeira, de 23 anos, passa boa parte
Em março, youtubers brasileiros lan- em 2012 pelo professor de ensino médio de seu tempo livre escrevendo roteiros,
çaram uma iniciativa para fortalecer esse Vinícius Camargo Penteado, também editando ou gravando vídeos para seu
modelo no país. Trata-se do Science- idealizador da plataforma. “No início o canal, o Peixe Babel, dedicado à robótica.
Vlogs Brasil (SvBr), uma rede on-line canal tinha 700 visualizações, sendo que “Faço tudo sozinha, no meu quarto”, diz
formada por 21 canais de vídeos de ciên- 200 eram da minha mãe”, brinca. “Em Camila, que começou o canal ainda na
cia. A ideia foi colocada em prática após 2014, a equipe que produzia os vídeos graduação. “Percebi que muitos amigos
um encontro realizado no início do ano comigo desistiu temporariamente do e parentes não compreendiam conceitos
em Campinas. “Percebemos a impor- projeto, que permaneceu no limbo.” Após básicos de tecnologia. O canal nasceu da
fotos  léo ramos

tância de nos unirmos em torno de um vincular seu canal ao portal do SvBr, no minha vontade de explicar.”
objetivo comum: tornar os canais mais entanto, Penteado observou um salto no Os assuntos abordados nos vídeos, pu-
conhecidos do grande público e incen- número de visualizações. Há um mês, ele blicados semanalmente, são escolhidos

pESQUISA FAPESP 243  z  35


a partir de sugestões de amigos. Camila
conta que boa parte de seu público é for-
mada por alunos de graduação, crianças
e adolescentes. Um de seus primeiros “Youtubers têm experiência e podem
vídeos a ter repercussão chama-se O Ho-
mem de Ferro da vida real, uma referên- produzir vídeos para instituições de
cia ao herói da editora Marvel Comics.
“O vídeo não é sobre o Homem de Ferro
pesquisa”, diz o biólogo Rafael Bento
em si, mas sim sobre um exoesqueleto
desenvolvido nos Estados Unidos, que
será utilizado por soldados em combate.
Se eu tivesse usado o termo ‘exoesque- falhas cognitivas. A realidade, porém, é que eventualmente pegava sua mãe de
leto’ no título, certamente espantaria mais complexa, e vários fatores sociais surpresa ao aparecer em casa com uma
muita gente, por ser um jargão técnico”, e políticos contribuem para dificultar o cobra ou um escorpião. Com o sucesso
diz Camila. acesso do público à ciência”, diz Evan- dos vídeos, ele fechou uma parceria com
Apesar do caráter inovador dos you- gelista. Dono do canal Papo de Biólogo, a produtora de um amigo, passando a
tubers, com suas referências à cultura Vinícius de Paula Ferreira, de 23 anos, produzir vídeos mais elaborados e ao
pop e o desapego a formalismos, Rafael procura evitar que o conteúdo seja pas- ar livre. Nos últimos meses, ele também
Evangelista, do Labjor-Unicamp, ob- sado dessa maneira em seus vídeos. “Não recebeu convites para participar de pro-
serva que muitos dos canais de ciência posso aparecer como se fosse o dono da gramas de TV e dar palestras, o que lhe
ainda estão presos a um modelo que verdade. Meu trabalho é mostrar como a dá algum retorno financeiro. “Os vídeos
predominou por quase duas décadas e ciência pode ser interessante”, diz Fer- ainda não são rentáveis”, diz Ferreira. Ele
que, de certa forma, ainda motiva várias reira, que conta ter aprendido isso após explica que, por enquanto, são poucos os
ações de divulgação científica. Trata-se trabalhar como monitor no Catavento youtubers de ciência que ganham algum
do chamado modelo do déficit, segun- Cultural, espaço para difusão da ciência dinheiro com seus canais, por meio de
do o qual a população tem uma carên- e do conhecimento mantido pelo gover- doações, patrocínio ou pelo próprio You-
cia de conhecimento que só pode ser no do estado de São Paulo no centro da Tube, que divide parte da receita gerada
preenchida por meio da educação do capital paulista. “Depois de me formar com publicidade entre os produtores
público pelos cientistas. Nesse mode- em biologia, decidi trabalhar com divul- de conteúdo. A cada mil visualizações,
lo, explica Evangelista, o público pode gação científica”, afirma. Após receber a plataforma paga uma quantia que os-
ocupar uma posição passiva, a de mero elogios do público por seu desempenho cila de US$ 0,60 a US$ 5, dependendo
receptor do conhecimento, enquanto na educação ambiental, resolveu criar, da quantidade de anúncios veiculados.
os cientistas aparecem em condição de há 10 meses, um canal no YouTube no Há canais de entretenimento, de games
superioridade. “Há o risco de criar uma qual pudesse falar de animais exóticos. e de moda que publicam vídeos todos os
comunicação de mão única e de cima “No início, os vídeos do Papo de Bió- dias e conseguem alta rentabilidade. Um
para baixo, como se a falta de conheci- logo eram feitos no meu quarto, usan- exemplo: um dos vídeos do gamer Pedro
mento da população fosse resultado de do a câmera do celular”, conta Ferreira, Rezende, 18 anos, cujo canal no YouTu-
be dá dicas do jogo Minecraft, chegou a
render R$ 12,3 mil, depois de ter 560 mil
visualizações.

CANAIS DO EXTERIOR
Enquanto no Brasil a maioria das expe-
riências começa a tomar forma, países
como os Estados Unidos reúnem exem-
plos que se tornaram modelos para quem
quer divulgar ciência no YouTube. Lá,
um único canal de ciência pode chegar
a registrar mais de 270 milhões de visua-
lizações, como é o caso do Veritasium,
criado em 2011 pelo físico Derek Muller.
Considerado uma das principais referên-
cias em divulgação científica da atualida-
de, o canal tem recursos e publica vídeos

A voz por trás do canal


Nerdologia, Atila
Iamarino produz os
vídeos em sua casa

36  z  maio DE 2016


Vinícios Ferreira, no YouTube desde 2011. Todos os meses
do Papo de são publicados de um a dois vídeos de
Biólogo: bichos
temas científicos relacionados às repor-
exóticos na
palma da mão tagens da revista. O canal tem quase 9
para chamar mil inscritos e mais de 1 milhão de visua-
a atenção lizações. O SP Pesquisa, série de progra-
do público
mas de conteúdo científico exibida pela
TV Cultura em parceria com a FAPESP,
também está no YouTube, no canal da
Universidade Virtual do Estado de São
Paulo (Univesp).

FIM DOS BLOGS?


Uma discussão atual é se os blogs estão
perdendo relevância para os canais do
YouTube. “Por muito tempo, o blog foi
a única forma de produção individual
na internet. Com o avanço do YouTube
e de outras mídias sociais, o blog perdeu
a exclusividade. Posso recomendar arti-
gos ou comentar um assunto de maneira
muito mais rápida no Facebook ou no
Instagram, por exemplo, ou gravando
com produção profissional, que em nada um vídeo curto no Snapchat”, avalia Atila
se parecem com videoaulas monótonas. Iamarino, que ainda mantém um blog na
Por exemplo, para falar sobre como um internet, o Rainha Vermelha. Segundo
acidente nuclear pode ser devastador, ele, os blogs continuam sendo necessá-
Muller viajou até Chernobyl, na Ucrâ- “Às vezes não rios quando se quer dar explicações mais
nia, e filmou ruínas de casas, hospitais e longas e detalhadas. O formato também
escolas atingidos pelo acidente em 1986. fica claro o que possibilita que o texto seja localizado
Em outro canal de destaque, o Smar- mais facilmente do que no Facebook,
terEveryDay, o engenheiro norte-ame-
é informação e ele explica.
ricano Destin Sandlin filmou sua intera- o que é opinião Rafael Bento Soares, que também
ção com cangurus para mostrar como as coordena a rede de blogs científicos
fêmeas abrigam e amamentam os filho- nos vídeos”, ScienceBlogs Brasil, diz que a perda de
tes numa bolsa de pele. Com mais de 3 popularidade dos blogs é uma realidade.
milhões de visualizações, o vídeo rende pondera Rafael “O ScienceBlogs tem 48 blogs, dos quais
boas risadas. Já outra referência, o Mi- menos da metade está ativa. Alguns blo-
nute Physics, criado por Henry Reich,
Evangelista, do gueiros estão migrando para o YouTube.
utiliza animações simples para explicar Labjor-Unicamp E vários youtubers nunca tiveram antes
conceitos complicados da física. O canal um blog”, afirma. Rafael Evangelista, da
tem mais de 3 milhões de inscritos e seus Unicamp, acredita que esse novo mode-
vídeos já foram exibidos em programas lo de divulgação é importante, pois en-
da televisão norte-americana. gaja as pessoas que querem saber mais
Em um estudo publicado em 2013 na sobre ciência. No entanto, deve ser en-
revista PNAS, Dominique Brossard, pes- de intermediários, como sites de notícia carado como um modelo parcial. “Uma
quisadora do Departamento de Ciên- ou jornais.” Esse fenômeno vem sendo reportagem, por exemplo, pode conse-
cias da Comunicação da Universidade observado há alguns anos em meios de guir apresentar outros lados, outras vi-
de Wisconsin, Estados Unidos, afirma comunicação on-line, como blogs e redes sões envolvidas na complexidade de um
fotos  arquivo pessoal ilustraçãO  flaticon

que o público leigo utiliza cada vez mais sociais (Facebook e Twitter, por exem- assunto, enquanto um canal de ciência
a internet para buscar informações que plo), em que os textos são divulgados de muitas vezes apresenta o ponto de vista
não podem ser encontradas em sites de modo quase instantâneo, escritos tan- apenas do pesquisador que fala na frente
notícia tradicionais. “Os próprios cien- to por jornalistas quanto por cientistas. da câmera. Nos vídeos, muitas vezes não
tistas já estão confiando mais nas mí- O YouTube também abriga iniciati- fica claro o que é informação e o que é
dias sociais para se comunicarem com vas de divulgação científica criadas por opinião”, diz Evangelista. n
o grande público”, escreve Dominique. veículos de comunicação e instituições,
“Jovens pesquisadores estão criando ca- que recorrem à internet como forma de
nais de comunicação direta com o públi- atingir um público mais amplo. Pesqui- > Para visitar os canais de vídeos citados na
co não especializado, sem a necessidade sa FAPESP mantém um canal de vídeos reportagem acesse bit.ly/YoutubersCiência

pESQUISA FAPESP 243  z  37

Você também pode gostar