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RESUMO

O foco deste trabalho foi na daseinsanalyse, que é uma escola de


psicoterapia desenvolvida por Medard Boss com base no pensamento de
Heidegger. Implicações teóricas, objetivos da psicoterapia e atitudes do
terapeuta foram enfatizadas. Os objetivos da psicoterapia são direcionados
para a revelação do significado, uma nova compreensão da afinação do
paciente e a promoção da liberdade existencial. A postura do terapeuta
envolve acolher, aproximar e aceitar em relação ao paciente. O terapeuta
deve ter uma perspectiva clínica e esclarecer as experiências do paciente. As
interpretações sintéticas sugerem uma dispersão dos objetivos e posturas do
terapeuta que convergem para o cuidado existencial, enquanto a
daseinsanalyse é uma prática terapêutica no sentido original do termo. Aponta
a possibilidade do pensamento analítico do Dasein apoiar a prática da
redução de danos sob uma nova perspectiva. No presente trabalho também é
feito um breve resumo das contribuições para a clínica psicológica de Ludwig
Binswanger e Medard Boss.

Palavras-chave: Daseinsanalíse; Boss; Binswanger; Heidegger.

ABSTRACT
The focus of this work was on daseinsanalyse, which is a psychotherapy
school developed by Medard Boss based on Heidegger's thought. Theoretical
implications, goals of psychotherapy and therapist attitudes were emphasized.
The goals of psychotherapy are directed toward revealing meaning, a new
understanding of the patient's attunement, and the promotion of existential
freedom. The therapist's posture involves embracing, approaching and
accepting the patient. The therapist must have a clinical perspective and
clarify the patient's experiences. The synthetic interpretations suggest a
dispersion of the therapist's objectives and postures that converge to
existential care, while daseinsanalyse is a therapeutic practice in the original
sense of the term. It points to the possibility of Dasein's analytical thinking
supporting the practice of harm reduction from a new perspective. In the
present work, a brief summary of the contributions to the psychological clinic
of Ludwig Binswanger and Medard Boss is also made.

Keywords: Daseinsanalíse; Boss; Binswanger; Heidegger.


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Em 1941, em um congresso de psicoterapia em Paris, a clínica psicológica de que
trataremos aqui recebeu o título de Daseinanálise. Binswanger nomeou esse modelo
clínico inspirado nos conceitos de planejamento e cuidado discutidos em Ser e
Tempo (Heidegger, 1927/1989). O nome Daseinsanalysis é mantido por Medard
Boss, que no desenvolvimento de sua clínica enfatizou o conceito de tonalidade
afetivas, principalmente o tédio. Tanto Binswanger quanto Boss procuram em
Heidegger elementos para elaborar sua daseinsanálise. O filósofo da daseinsanálise
- Heidegger - sustenta em sua filosofia a possibilidade de elaboração da clínica. Em
primeiro lugar, é o próprio filósofo que se refere à análise do Dasein como uma
análise ontológica da estrutura da existência humana e, em segundo lugar, em seus
Seminários de Zollikon (Heidegger, 1987/2001), aponta a possibilidade da clínica
psicológica com base na fenomenologia da hermenêutica.
Inspirados em Heidegger, os psiquiatras Ludwig Binswanger e Medard Boss
denominaram a análise do Dasein uma abordagem ontológica dessa análise, ou
seja, análise relacionada a problemas existentes. A primeira dialogará mais de perto
com o conceito de tempo desenvolvido por Heidegger. O segundo traz para sua
clínica a noção de espaço como atmosfera do horizonte histórico que dá o tom –
afetos da convivência – com o qual nos afinamos.
COLABORAÇÕES DE LUDWIG BINSWANGER E MEDARD BOSS PARA A
CLÍNICA PSICOLÓGICA

Ludwig Binswanger
Ludwig Binswanger foi um psiquiatra suíço nascido na cidade de Kreuzlingen, em
1881. Morreu em 1966, aos 84 anos.
No nível profissional, ele trabalhou como médico e como diretor de uma clínica para
pessoas com transtorno mental em sua cidade natal, Kreuzlingen.
Estudou medicina nas décadas de 1900 e 1906, em Lausanne, Heidelberg e
Zurique. Antes de trabalhar como médico, ele trabalhou como assistente voluntário
em uma clínica universitária chamada Burgholzli. Naquela época, essa clínica era
administrada pelo psiquiatra Eugen Bleuler, que fez importantes contribuições ao
campo da esquizofrenia.
Posteriormente, Ludwig Binswanger fez seu doutorado, realizando sua tese de
doutorado no reflexo psicogalvânico, sob a direção de Carl Jung.
Binswanger, também estudioso das obras fenomenológicas de Husserl, toma para a
psiquiatria a ideia de ir às coisas mesmas e se interessa pela estrutura da
intencionalidade. Passa a orientar sua investigação psiquiátrica, através da
compreensão e investigação do significado existencial das doenças, no ato de
existir, as condições de possibilidade para o doente. Ele então descreve várias
instâncias clínicas, principalmente com diagnóstico de esquizofrenia, como o célebre
caso de Ellen West.

Sobre a Daseinsanalyse de Ludwig Binswanger.


Binswanger, foi o primeiro profissional a aplicar as ideias de Heidegger ao
entendimento de fenômenos de saúde mental, no final dos anos 20. (ROEHE, 2004,
p.137).
Binswanger deriva de seu próprio ponto de partida que é a nostridade, isso
não quer dizer que ele esteja de algum modo “para além do tempo”, mas
que a sua temporalidade “deve ser interpretada não a partir da finitude do
Dasein, mas a partir da infinitude”, a infinitude e a eternidade do amor, das
quais encontramos testemunhos nos poetas, e das quais a “pressuposição”
é, segundo Binswanger, fenomenologicamente atestável e imediatamente

comprovável no encontro amoroso. (DASTUR, 1881-1966, p.82).


Com seus estudos em Heidegger e Husserl, concluiu que a psiquiatria médica se
encontrava muito preocupada com a estatística e suas referências de normatividade.
Com esses indicadores, a psicopatologia ampliou as categorias diagnósticas, com
foco nas causas biológicas das doenças mentais. Isso facilitou a propagação dos
princípios da ciência médica. Binswanger estava preocupado com a falta dessas
investigações. Ele acreditava que a psiquiatria falhava em abordar a questão de
como lidar consigo mesmo, já que seu objetivo principal era determinar se o
indivíduo era endógeno ou exógeno.
Com base nesses estudos e debates com os filósofos da época, ele desenvolve a
sua Daseinsanalyse:
A Daseinsanalyse é para Binswanger mais um modo de compreender a
experiência do paciente do que um método interventivo, isto é, do ponto de
vista da prática, ele lança mão de métodos diversos da psicanálise
tradicional aos medicamentos. (EVANGELISTA, 2016, p.125)

Em última análise, Binswanger busca a ontologia de Heidegger porque ela não se


conforma com o determinismo, a causalidade e a suposição de forças ocultas que
influenciam o comportamento.

Parte para uma análise do Dasein, considerando as estruturas existenciais


de espacialidade, temporalidade, corporalidade, ser-com, humor e o ser-
para-a-morte. Nestes aspectos, se apropria das reflexões de Heidegger. Por
outro lado, continuou ligado à psicanálise nas suas interpretações
psicodinâmicas. E ao tratar do amor como um originário, mais fundante que
o "cuidado", recai em uma perspectiva ôntica, como afirma Heidegger
(1987/2001) em correspondência a Medard Boss, datada de 30 de
novembro de 1965: "A Daseinsanálise de Binswanger de acordo com seu
caráter fundamental é uma interpretação ôntica, isto é, uma interpretação
existencial do respectivo Dasein factual". (FEIJOÓ, 2011, A clínica
Daseinsanalítica)

Medard Boss
Medard Boss, psiquiatra suíço, nascido em 1903, é conhecido como o
fundador da Daseinsanalise. A descrição da existência humana que
fundamenta sua obra foi desenvolvida pelo filósofo Martin Heidegger,
notadamente em seu livro Ser e Tempo (Heidegger, 1927/1998). Boss
assume a tarefa de desenvolver a disciplina que demonstre "os fenômenos
existenciais comprováveis do Dasein social-histórico e individual relacionados
no sentido de uma antropologia ôntica, de cunho daseinsanalítico" (Boss &
Heidegger, 1987/2009, p. 164-5) dividida em uma antropologia
daseinsanalítica da existência saudável e uma patologia compreendida à luz
do homem como Dasein, ser-aí. Para essa tarefa, Medard contou com a ajuda
do filósofo, que passou dez anos em sua casa em Zollikon, ensinando
psiquiatras em seminários onde discute a condição humana em termos de
análise existencial, visando construir essa ciência na qual o ser humano não
tem pressupostos científicos-naturais deterministas que obscurecem a
compreensão do processo de cura (Boss & Heidegger, 1987/2009).
Medard Boss (1988), no prefácio de Angústia, culpa e libertação, reconhece
que deve a Heidegger toda a sua formação filosófica.
Destaca algumas das questões que acredita que devem ser pensadas em
termos da clínica nos termos dos pressupostos heideggerianos: a
inseparabilidade do orgânico e do psíquico, a angústia e a culpa como fatores
de suma importância no âmbito dos psiquicamente doentes e, por fim, o
caminho para a libertação. Além destas, Boss pensou muitas outras questões
em psicologia, tais como o ser-doente, os distúrbios psíquicos e a
psicossomática. Para o exercício clínico trouxe como contribuição a
interpretação dos sonhos a partir de uma tematização de sentido que aquele
que sonha atribui ao sonhado.

A Daseinsanalise de Medard Boss.


A Daseinsanalise de Boss toma como fundamental a tonalidade afetiva que
Heidegger desenvolveu mais de perto, a partir de 1930, o chamado Heidegger
Tardio. Para Heidegger (1929/2006), a tonalidade afetiva é determinante da
forma como experimentamos o mundo e, portanto, da forma como nos
descobrimos em espaços compartilhados. Afinal, são afinações coexistentes
que não apenas acompanham nossas ações, mas determinam a
temporalidade com que ocorrem.
Medard Boss descreve a Daseinanálise como uma proposta de estratégia
psicoterapêutica que envolve observar a semelhança entre os fenômenos e
evitar o psicologismo. Em sua concepção, enfoca a sua proposta a atmosfera
do tédio de nosso horizonte histórico, afirma que, no tempo de Freud, as
questões psíquicas estavam associadas à sexualidade, porém, em nosso
tempo, a neurose do tédio é a condição que atinge a todos. O tédio como
expressão para um mundo, no qual os sentidos são depositados em
determinações técnicas, há o total esgotamento e realocação do homem com
seu conceito mais original: a existência.
“Boss dialoga com a técnica psicanalítica a fim de fornecer-lhe a
fundamentação de que carece: a analítica do Dasein” (EVANGELISTA, 2016,
p.127). Boss, segundo a perspectiva psicanalítica, descreve a resistência
como a resposta do cliente à ação ou repulsa decorrente de seu potencial. Ele
fica intrigado com a questão do que impede o cliente de ser capaz de fazer.
Para que ocorra a repressão, o indivíduo deve primeiro decidir ou aceitar, o
que se chama liberdade. A repressão é a perda da consciência da liberdade.
Como resultado, tanto reprimir quanto não reprimir, a liberdade é possível. A
repressão é uma forma de liberdade de expressão que utiliza o potencial. É
uma alternativa livre para outras opções. A resistência é construída no
excesso da tendência do indivíduo de se abrigar na humanidade abstrata, no
anonimato, de renunciar às suas características individuais, únicas e originais,
de cair no “conformismo social”.

Apesar do apoio de Heidegger à proposta de Boss em relação à


daseinsanálise, ela ainda contém alguns componentes psicodinâmicos
residuais, tal como pode ser observado ao se referir à angústia e à culpa
como sendo os funda mentos básicos para livrar os pacientes com sintomas
psiconeuróticos de seus aprisionamentos (Boss, 1988, p. 42). Em outro lugar,
Boss afirma que o objetivo principal da psicoterapia é facilitar a capacidade de
amar e confiar (Boss, 1988, p. 43). Essas passagens, entre outras,
questionam a legitimidade da clínica nas reivindicações de sucesso de Boss,
que se baseiam principalmente no valor.

DASEINSANÁLISE
Segundo Costa (2017):
A daseinsanalyse enquanto prática psicoterapêutica tem suas origens na
apropriação pioneira realizada por Ludwig Binswanger do pensamento de
Martin Heidegger, especialmente as noções expressas na obra "Ser e
Tempo" (1927/2012). A proposta de Binswanger era encarar a clínica, a
patologia e a realidade existencial do paciente a partir de uma perspectiva
fenomenológica, destacando-se do pensamento científico hegemônico de
então (Boss & Condrau, 1976/1997; Holanda, 2014). No entanto, partir de
uma série de críticas realizadas pelo próprio Heidegger em torno da
compreensão errônea de determinados pontos de sua filosofia, Binswanger
afastou-se do pensamento heideggeriano, cabendo ao psiquiatra suíço
Medard Boss a tarefa de continuar empreendendo o desenvolvimento da
daseinsanalyse, recebendo o suporte intelectual de direto Heidegger (Boss
& Condrau, 1976/1997, Heidegger, 1987/2001).

O termo daseinsanalyse consiste em duas palavras que Heidegger entendeu de


maneira muito específica. O termo Dasein é utilizado como substantivo para se
referir ao ser humano tendo em vista sua preocupação filosófica fundamental, o
problema do ser (Heidegger, 1927/2012, p. 1185). Por outro lado, a análise de
Heidegger tem uma conotação diferente do processo de Descartes de quebrar um
objeto para individualizar suas partes e então dar sentido ao todo. Heidegger
(1987/2001) defendeu a análise como o processo de libertar-se das algemas ou de
tecer e desvendar tramas.

Em Ser e Tempo (1927/2012), Heidegger utilizou o termo daseinsanalyse,


inicialmente restrito à esfera ontológica; o propósito do uso do termo era designar
uma interpretação filosófica da ontologia, a ontologia que constitui característica da
existência humana. Com base na apropriação percusora de Binswanger e posterior
elaboração de Boss, o termo análise clínica do Dasein, ou simplesmente análise do
Dasein, é utilizado para se referir à prática psicoterapêutica em questão (Cardinalli,
2012).

No entanto, a daseinsanalyse pode ser considerada um ramo da psicanálise,


modificando inclusive pontos básicos da prática psicanalítica, como a associação
livre e a interpretação dos sonhos. A compreensão do homem também é bastante
diferente, pois a metapsicologia freudiana é abandonada em favor de uma
compreensão baseada na ontologia heideggeriana, cuja ontologia ocupa um lugar
de destaque. (Cardinalli, 2012; Boss, 1963). Os existencialismos são modos
possíveis de ser, não categorias ou atributos; o existencialismo tem um papel
relevante na prática clínica desta análise, são eles: temporalidade, espacialidade,
ser-com-o-outro, a afinação, compreensão, cuidado, a queda e o ser mortal
(Cardinalli, 2012).
Evangelista (2013) destaca o interesse do daseinsanalista em "conhecer os
incidentes biográficos motivadores que levaram o ser-no-mundo a restringir suas
possibilidades" (p. 155), como consequência da recusa da daseinsanalyse em
assumir um modelo causal. Enfatiza a situação do Dasein conforme ele é disparado
para a possibilidade de ser e aborda as questões de culpa e as limitações de ser. O
autor defende que o encontro do psicoterapeuta com o paciente é um processo de
cuidado libertador que visa libertar a existência do paciente.

“O daseinsanalista é aquele que, atento aos significados que se insinuam no mundo


do paciente, mas que ele recusa, resguarda-os na desocultação, cuidando para que
não voltem ao velamento” (EVANGELISTA, 2015, p.151).
De acordo com Paulo Eduardo (apud EVANGELISTA, 2015, p.151) o processo
daseinanalítico é, portanto, assumir que:
[...] livremente seu estar-culpado diante das possibilidades vitais dadas a
ele, se ele se decide, nesse sentido, a um ter-consciência e um deixar-se-
usar adequado, então ele não mais experimenta o estar-culpado essencial
da existência humana como uma carga e uma opressão de culpa. Carga e
opressão serão superadas pela vontade que deixa feliz de estar á
disposição, sem reservas, de todos os fenômenos, como seu guardião,
como seu âmbito aclarador de aparecer e desfraldar. Ao estar-solicitado e
ao estar-chamando por tudo aquilo que quer aparecer na luz da sua
existência, abre-se também ao ser humano o inesgotável sentido de sua
própria existência.
CONCLUSÃO
Através de todas as discussões aqui apresentadas, pudemos constatar que a
clínica psicológica pode acontecer sem teorias e pressupostos. Além disso, as
manifestações clínicas são possíveis por meio de uma atitude fenomenológica, uma
postura antinatural, que só ocorre na manutenção de espaços abertos para o
surgimento de novas possibilidades. Também traz esclarecimentos oportunos sobre
a real possibilidade de articulação de uma clínica psíquica a partir da fenomenologia
hermenêutica de Heidegger. Vale ressaltar que qualquer transformação que ocorra,
seja ela clínica ou existencial em geral, não é da vontade do analista ou do
analisando. Há algo que aciona a atmosfera, algo que realmente mobiliza as
transformações encontradas em visões mais originarias, e para Heidegger inclui as
tonalidades afetivas básicas: entre elas a angustia e o tédio.
REFERENCIAS

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