Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2018v22;p36-49
Abstract
Ludwig Binswanger (1881-1966) was one of the pioneers in the approach of the psychiatric
psychopathology and the phenomenological philosophy field. A panoramic
historiographical review of the author reveals the methodological development of his
phenomenological work in three phases of distinct philosophical inspirations. The first one
is the Husserlian phase with the application of the concept of intentionality of
consciousness; the second one is the Daseinsanalytic of the Heiddeguerian inspiration phase,
followed by the last phase, which is the return to Husserlian thought in his late writings.
The present study will focus on the analysis of dialogues and the articulations between the
phases of Binswanger’s thinking, proposing the hypothesis of a continuous axis in the
methodological itinerary of his work, with the objective of creating a scientific
epistemological framework for the field of psychiatry.
1Hospital do Servidor Público Estadual-SP, Brasil; 2 Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo, Brasil. antoniatonus@yahoo.com.br
Circumscribere 22 (2018): 36-49 37
Introdução
O tema proposto implica, aos autores, uma escolha de qual perspectiva delinear a
obra binswangeriana. Grande parte do material encontrado na literatura que se dedica a
esse respeito, enfoca recortes específicos dos escritos de Ludwig Binswanger (1881-1966)1
que, por sua vez, encontram-se significativamente pulverizados em volumes esparsos de
editoras distintas, com raras traduções a partir dos originais, de forma que o terreno pode
parecer inóspito. Ainda assim, nossa proposta é apresentar ao leitor uma dimensão
metodológica da obra desse autor, cuja expressividade maior se encontra entre a terceira e a
sétima décadas do século XX, e cujos desdobramentos são repletos de significados a respeito
desse período.
1 Ludwig Binswanger, psiquiatra suíço, foi diretor entre 1911 e 1956 do Sanatório Bellevue, fundado
por seu avô e homônimo, em 1857, na cidade de Kreuzlingen, Suíça. É conhecido pela aproximação
entre psiquiatria e a filosofia fenomenológica, assim como, o desenvolvimento da Daseinsanálise.
2 Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo. “A fenomenologia Antropológica de Binswanger,”Aoristo
pensamento fenomenológico de Ludwig Binswanger,” Psicologia em Estudo 18, no. 4 (2013): 679-87; ou
Caroline Gros-Azorin, “Ludwig Binswanger,” in Entre Phénoménologie et Expérience Psychiatrique
(Chatou: Transparence, 2009), 299.
4 Sobre a Daseinsanalyse ver, p.ex. Alice Holzhey-kunz, “Introduction à la Daseinsanalyse- Un regard
Press, 1972),193-232.
38 Antonia Tonus & Guilherme Messas
Para Lehfeld, tanto a fase daseinsanalítica como a última fase de inspiração nas ideias
husserlianas tardias, possuem em comum um diálogo que Binswanger manteve,
continuamente, com o pensamento de Heidegger, sobretudo a partir do momento onde a
questão da problemática do “dasein” (presença, o ser-aí) se transforma na questão da
constituição da experiência transcendental da existência.
quantidade de traduções, o que favorece uma leitura fragmentada de sua obra. Ressaltamos
que uma leitura e uma abordagem restrita a partes isoladas dos escritos do autor, carregam
um risco considerável de conduzirem a avaliações distorcidas, à possibilidade de
incompreensões de certas propostas.
Também defensora da tese de unidade, a filósofa Ângela Ales Bello,11 propõe que o
autor captura com muita agudeza o método fenomenológico, para a aplicação dos conceitos
de dimensão transcendental da consciência em psiquiatria. Segundo a autora, Binswanger
utiliza o princípio fundamental da fenomenologia, que consiste na individualização daquilo
que é recuperado na consciência, aquilo que é imanente. A percepção externa é na verdade
um ato interior. Na visão da autora, Binswanger não renunciará, em toda sua obra, da
leitura da subjetividade proposta por Husserl, já que esta seria o fio condutor da
psicopatologia fenomenológica, mesmo no momento em que este se orientou para a obra
heideggeriana.
Valendo-se da perspectiva mais ampla em que propõe recortar seu objeto de estudo,
Binswanger se utiliza dos próprios artistas, como Flaubert, Van Gogh e Franz Marc,
procurando ilustrar a contraposição entre percepção sensível e outro tipo de tomada de
conhecimento, ou de experiência imediata e direta de algo:
“Quando o pintor genial Franz Marc pinta cavalos azuis, ele apresenta,
com isto, uma propriedade do cavalo, que nunca pode ser encontrada, que
nunca pode ser percebida na natureza. Ele bate por meio disto, como se costuma
dizer, na cara da natureza, e, apesar disto, ele viu algo e o expressou, algo que
precisamente a mais fiel imitação da natureza, ( imitação essa que afeta os
sentidos), jamais conseguiria expressar , a saber, a “essência” propriamente do
cavalo, o cavalo em sua universalidade, abstração, em oposição ao cavalo
particular constituído de tal e tal maneira”16
16 Ibid, 81.
17 Ludwig Binswanger, “La conception freudienne de l’homme à la lumière de l’antropologie (1936),”
in Discours, Parcours et Freud (Paris: Gallimard,1970), 173-237.
18 Françoise Dastur & Philippe Cabestan, “A obra fundadora de Ludwig Binswanger,” in
20 Lehfeld, 45.
possível entre função vital e história de vida interior, onde o que interessa é a sequencia
histórica única dos conteúdos vivenciais da pessoa individual, como origem e centro de
todas as vivências.
No ano de 1933, Binswanger publica sua obra intitulada “Über Ideenflucht” (Sobre
Fuga de Ideias). Nesse trabalho, o autor tem por objetivo a elaboração da estrutura
antropológica do fenômeno “fuga de ideias” não visto mais apenas como sintoma, mas
penetrando nessa condição humana por uma dissecção profunda da possibilidade do existir
na espacialidade dos maníacos, descrevendo o “ser-no-mundo” maníaco como em saltos e
turbilhão, desdobrando-se em uma espacialidade da amplitude diluída e luminosa.23
Portanto, para a autora, já neste ponto de sua obra, o que Binswanger considera
alterado na doença mental é mais o “ser-com-os-outros”, o mundo comum, que o “ser-no-
mundo” cotidiano da preocupação.
26 Augusto L. Nobre de Melo, Psiquiatria 1 (Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1980), 200.
27 Brigitte Leroy-Viémon, “Actualité de Binswanger pour la Psychothérapie,” in Ludwig Binswanger:
Philosophie, Anthropologie clinique, Daseinsanalyse, org. Brigitte Leroy-Viémon, (Argenteuil: Le Cercle
Hermeneutique, 2011), 7-15.
28 Mireille Coulomb, Phénoménologie du Nous et Psychopathologie de l’Isolément- la Nostrité Selon Ludwig
“[...] uma das origens das questões que podemos colocar sobre a
influência recíproca de Heidegger e Husserl, reside naquilo que, tanto na
“Schizophrenie” como “Melancholie und Manie”, os conceitos de “dasein” e de
“experiência” não estão rigorosamente distinguidos: chegam a ser utilizados
como sinônimos. Na introdução de “Schizophrenie” mostrou os momentos
falhos na estrutura do dasein...mas o primeiro conceito fundamental desta
pesquisa não foi, de fato, um conceito daseinsanalítico, mais um conceito
relevante do campo da experiência: aquele da “ inconsequência da experiência”.
Esta inconsequência da experiência significava uma impossibilidade de “deixar
ser os entes e da nossa “permanência tranquila entre as coisas”, o que parece
autorizar uma identificação entre dasein e experiência.”29
Husserl havia, no início do século XX, conduzido a filosofia para outra direção; uma
nova época filosófica iniciada por uma fenomenologia descritiva radical, seguida por uma
elaboração dos problemas da fenomenologia transcendental, para no fim da sua vida chegar
à uma fenomenologia constitutiva genética.30
constitutivo da consciência nas condições assim chamadas psicóticas. E para tal utilizará
como base um importante pressuposto de Husserl:
Para o filósofo François de Gandt, 33 o projeto buscado entre 1960 a 1965, em suas
duas últimas obras, é de um mergulho no funcionamento da experiência, um esforço em
descrever os modos de constituição nas operações estruturais da consciência: por exemplo,
como a melancolia deforma as operações dinâmicas usuais das relações entre passado,
presente e futuro (utilizando a estrutura temporal fundamental de Husserl na articulação
simultânea entre retenção, apresentação e protensão), ou ainda, como a apreensão do outro
como alteridade é falseada nas condutas maníacas.
Por outro lado, de Gandt reafirma a existência, na vasta e rica obra binswangeriana,
de uma continuidade que aparece somente a partir de um olhar sinóptico sobre o global das
obras, ou seja, uma perspectiva que possibilite ver as partes de um conjunto de uma só vez.
O estudioso argumenta que as duas últimas obras de Binswanger são a versão mais
ambiciosa e radical das análises dos vividos, em suas dimensões constitutivas, e onde a
fenomenologia husserliana acaba por fornecer, a Binswanger, a possibilidade de acessar a
constituição normal e permitir que ele acesse a experiência patológica.
32 Edmund Husserl, Lógica Formal y Lógica Transcendental: Ensayo de una Critica de la Razón Lógica
(Ciudad de México: Universidad Autonoma, 1962), 222.
33 No dia 10 de Dezembro de 2016, François de Gandt apresentou à Ecole Française de Daseinsanalyse
a conferência “Sur Délire de Binswanger,” à qual fazemos referência nesta subseção. A íntegra da
alocução do estudioso encontra-se disponível no website da Ecole Française e pode ser acessado em:
http://www.daseinsanalyse.fr/index.php?option=com_content&view=article&id=99:de-gandt-f-
10122016&catid=2:textes-des-communications&Itemid=16 (Último acesso em 23 de Outubro de 2018).
34 Binswanger, 286.
36 Ibid., 49.
46 Antonia Tonus & Guilherme Messas
O autor ressalta que, para colocar em forma sintética as impressões em intuições, este
processo se desenvolve seguindo regras determinadas, ou seja, a apreensão intuitiva
primária, que antes de constituir algo na consciência, obedecem às regras rigorosas já
descritas por Aristoteles: síntese da Aisthesis, Mnémé e Phantasia, processo responsável pela
criação, estabelecimento e manutenção das impressões sensoriais, fazendo “aparecer” algo, a
coisa.40
2011).
40 Binswanger, Délire, 34.
41 Ibid, 35.
Circumscribere 22 (2018): 36-49 47
Conclusões
47Ibid, 103.
48Svetlana Sholokhova, “Les Angles Morts de la Psychopathologie Phénoménologique ou Ce Que
Devenir Psychiatre-Phénoménologue Veut Dire: Les Cas de Ludwig Binswanger,” in Psychopathologie
et Philosophie. Nouveaux Débats et Enjeux Contemporains,orgs. Jérôme Englebert et Geégory Cormann
(Paris: Le Cercle Herméneutique, 2017), 251.
Circumscribere 22 (2018): 36-49 49
do ser humano: tanto em suas possíveis variações ontológicas quanto em seu adoecimento
patológico, compreensão esta que já procurava desde o início de suas pesquisas e estendeu-
se por toda sua obra dentro de um eixo de continuidade.