Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 62
PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 66
MÓDULO I – RELAÇÕES DE CONSUMO E
DIREITOS BÁSICOS
Neste módulo, analisaremos os princípios básicos de uma relação justa entre fornecedor e
consumidor. Para tanto, recordaremos os fatos que originaram o direito consumerista no âmbito
nacional, classificando as relações de consumo, os seus agentes, respectivos direitos e obrigações.
Como afirmam esses respeitados juristas, alguns países, preocupados com o mercado de
consumo, regularam tal mercado por meio de leis esparsas e específicas para cada atividade
econômica ligada, diretamente, aos acidentes de consumo que pretendiam tutelar. Esse modelo
foi aplicado por meio da criação de Códigos, cuja função foi a de reunir um conjunto de regras
essências à proteção do consumidor. O Brasil também adotou esse modelo e mostrou-se pioneiro
na codificação do Direito do Consumidor no mundo.
8
Base constitucional e fontes de inspiração do Código brasileiro
No Brasil, a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 optou pela codificação dos direitos
dos consumidores. Dessa forma, o planejamento e a elaboração do Código de Defesa do
Consumidor tem como origem direta a Constituição Federal, diferindo, por exemplo, do modo
como a França construiu a sua proteção, oriunda de uma decisão ministerial.
No modelo brasileiro, a Constituição Federal determina que, ao cuidar dos direitos e
garantias fundamentais, “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (CFC,
art. 5, inciso XXXII). No entanto, o legislador entendeu que essa disposição não bastaria e, mais
adiante, por meio do art. 48 do Ato das Disposições Transitórias, determinou que o Congresso
Nacional, dentro de 120 dias da promulgação da Constituição, deveria elaborar o Código de
Defesa do Consumidor. Fruto de uma sociedade de consumo e do crescimento massificado da
oferta e procura de bens de consumo, o Direito do Consumidor foi então reconhecido como um
princípio constitucional.
Para criação do texto, os redatores do Código de Defesa do Consumidor buscaram
inspiração em modelos legislativos estrangeiros já vigentes, tendo o cuidado de evitar a transcrição
simples e pura dos textos estrangeiros sobre o tema. Durante todo o trabalho de elaboração
partiu-se, portanto, da ideia de que o mercado de consumo brasileiro e o próprio Brasil têm
peculiaridades e problemas próprios. Desse modo, apesar da influência de outros ordenamentos,
foram diversos os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor se que mostraram diferentes,
afastando qualquer tentativa de comparação com outras leis de consumo.
9
Fenômeno do “consumerismo” e influência histórica dos EUA
Por se tratar de um fenômeno jurídico totalmente diferente do existente nos séculos
passados, para compreendermos o Código de Defesa do Consumidor, é necessário que façamos
uma análise propedêutica e histórica do homem no século XX, cuja vida, como vimos, ocorreu
sobretudo em função de um novo modelo de associativismo: a sociedade de consumo.
O fenômeno do “consumerismo” – ou, como afirmam Gasset e Ortega (2016), a
“revolução das massas” – é visível tanto nas sociedades industrializadas quanto nas economias em
desenvolvimento, caracterizando-se sobretudo pela busca da satisfação de necessidades que,
muitas vezes, demonstram-se irreais ou incorretamente hierarquizadas. Essa contradição ocorre
em função de um condicionamento psicológico criado por uma estratégia de produção industrial
extremamente dinâmica quanto à oferta de novidades.
O Direito do Consumidor como disciplina autônoma e microssistema jurídico com
princípios próprios trata-se, portanto, “de um novo direito privado, resultado da influência dos
direitos civis e dos direitos sociais e econômicos” (BENJAMIN, 2013, p. 39). Podemos afirmar
que o Direito do Consumidor ofereceu então uma nova forma de realizar o direito privado.
De certo que a origem histórica do Direito do Consumidor é anterior à sua aplicação e ao seu
desenvolvimento no Brasil. Tradicionalmente, essa origem é atribuída aos Estados Unidos, pois esse
foi o primeiro país a sofrer as consequências do agressivo sistema produtivo e do marketing, sobretudo
no que diz respeito ao consumo em massa e à comercialização de produtos e serviços.
a) Primeira fase:
Na primeira fase de evolução, ocorrida após a 2ª Guerra Mundial, ainda não se distinguiam
os interesses de fornecedores e consumidores. Nessa época, o preço, a informação e a rotulação
adequada dos produtos eram os pontos de preocupação.
b) Segunda fase:
Na segunda fase, iniciou-se o questionamento da atitude de menoscabo das empresas para com
os consumidores. Nesse momento histórico, sobressaiu-se a figura do advogado Ralph Nader.
c) Terceira fase:
A terceira fase de evolução da proteção ao consumidor é marcada por uma consciência ética
mais intensa. Nessa fase, “interroga-se sobre o destino da humanidade, conduzido pelo torvelinho
de uma tecnologia absolutamente triunfante e pelo consumismo exagerado, desastrado e trêfego,
que põe em risco a própria morada do homem” (LUCCA, 2008, p. 7).
10
Já na Roma Antiga, no período Justiniano, a responsabilidade pelos vícios da coisa era
atribuída ao vendedor, mesmo que esse desconhecesse o defeito do seu produto ou serviço. Dessa
forma, reconhecia-se a boa-fé do consumidor como fundamento para as ações redibitórias e
quanti minoris em caso de ressarcimento de vícios ocultos na coisa vendida.
No entanto, foi após as duas Guerras Mundiais, quando se gerou a então conhecida
sociedade de consumo, que as características contratuais se modificaram: os contratos paritários,
fruto de acordos de vontade, discutidos cláusula a cláusula, tornaram-se menos frequentes, dando
lugar aos contratos por adesão. Essa alteração ocorreu como resultado do desenvolvimento
industrial dos Estados Unidos e da sua necessidade de atrair consumidores para os diversos
produtos oriundos das tendências econômicas da época. No entanto, o conteúdo desses contratos
sempre trazia mais vantagens à parte que os propôs e, dessa forma, perpetuava a desigualdade na
relação entre fornecedores e consumidores.
O marco histórico para o reconhecimento do consumidor como sujeito de direitos ocorreu
em 1962, quando o presidente estadunidense John Kennedy enumerou quatro direitos do
consumidor, considerando-os um desafio necessário para o mercado. Em seu discurso, Kennedy
identificou os aspectos mais importantes na questão da proteção ao consumidor, afirmando que
os bens e serviços deveriam ser seguros para uso e comercializados a preços adequados e justos,
oferecendo assim um novo paradigma para uma relação em que, até então, somente o fornecedor
tinha direito. Nesse momento, com base nos valores fundamentais da pessoa humana, iniciou-se a
busca pelo aperfeiçoamento das relações de consumo, considerando-se a parte mais fraca como
aquela que precisava satisfazer as suas necessidades vitais.
11
O nascedouro do Código de Defesa do Consumidor no Brasil, reunidas as condições
necessárias, constituiu-se na construção de uma política nacional de relações de consumo cuja
legislação é considerada a mais avançada do mundo. Antes da publicação da Lei 8.078/90, no
entanto, tivemos a criação da Autarquia de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), que
ocorreu em 1976, e do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), em 1987, instituições ainda
atuantes nos dias de hoje.
A seguir, podemos observar os acontecimentos históricos que marcaram a evolução dos
direitos do consumidor no Brasil:
Fonte: MEIR, Roberto (Org.). Do código ao compromisso: propostas efetivas para melhoria dos serviços ao
consumidor no Brasil. São Paulo: Editora Padrão, 2011.
12
desenvolvimento de uma outra atividade negocial. Dessa forma, no seu texto, os relatores
buscaram abstrair componentes de natureza sociológica, que os levariam a caracterizar o
consumidor como um indivíduo pertencente a determinada classe social ou categoria psicológica,
como aquele que usufrui ou se utiliza de bens e serviços, e cujas reações e motivações internas para
o consumo são estudadas para que se individualizem os critérios de produção. Buscaram também
os relatores desconsiderar elementos de ordem literária e até filosófica, embora tais elementos
sejam relevantes para efeitos de análise publicitária.
Othon Sidou (1977) afirma que, de modo conciso, podemos dizer que o consumidor é
aquele que compra para uso próprio. No entanto, entendendo que o Direito exige uma explicação
mais precisa, Sidou assim o define:
Tal conceituação é a que mais se aproxima da adotada pelo CDC, pois a intenção é
acentuar tão somente o aspecto econômico-jurídico do termo. A partir da explicação de Sidou,
podemos construir a nossa própria, assim caracterizando o consumidor:
13
Conforme afirmam os autores do anteprojeto do CDC, em toda relação de consumo:
estão envolvidas, basicamente, duas partes definidas – de um lado, o adquirente de um
produto ou serviço (consumidor) e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto
ou serviço (produtor/fornecedor);
busca-se a satisfação de uma necessidade privada do consumidor e
arrisca-se a submeter-se ao poder e às condições dos produtores de bens e serviços o
consumidor que não dispõe, por si só, de controle sobre a produção dos bens de
consumo ou da prestação de serviços que lhe são destinados.
Pessoa jurídica
As pessoas jurídicas são consideradas, igualmente, consumidoras de produtos e serviços, desde
que destinatárias finais dos produtos ou serviços que adquirem. Em outras palavras, os produtos ou
serviços adquiridos não podem ser parte necessária ao desempenho da sua atividade lucrativa.
Podemos entender ainda as pessoas jurídicas consumidoras como hipossuficientes, já que tal
aspecto é indissociável do conceito de consumidor.
Dessa forma, no artigo 2º do CDC, temos:
Essa definição deve ser interpretada o mais extensivamente possível, para que as normas do
CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de mercado. Devemos
entender, com isso, que a definição do citado artigo é puramente objetiva, não importando ser
pessoa física ou jurídica, desde que seja destinatária final. O destinatário final seria, portanto, o
destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome.
Coletividade
No parágrafo único do artigo 2º do CDC, encontrarmos a seguinte definição:
14
Podemos notar que o referido artigo não trata mais do consumidor determinado e
individual, mas sim de uma coletividade de consumidores, sobretudo quando indeterminados e
intervenientes em dada relação de consumo.
A ideia de coletividade torna-se ainda mais clara se levarmos em conta a classe dos
chamados interesses difusos (direitos difusos e coletivos), expressamente tratados no inciso I do
art. 81 do CDC. Vejamos:
Podemos afirmar, portanto, que o CDC se fez um Código geral sobre o consumo e para
uma sociedade de consumo, compreendendo normas e princípios para todos os agentes do
mercado, que podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores.
15
Fornecedor
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) assim define o fornecedor:
No referido artigo, devemos entender o termo “atividade” como toda ação efetivada de
forma habitual – vale dizer, profissional ou comercial – para entregar um produto ou serviço
prestado. Esse conceito compreende, portanto, dois limites: a atividade deve ser habitual e
exercida de forma profissional. Ser habitual significa que não basta a prática isolada de atos; esses
devem ser praticados de maneira reiterada.
Nesse sentido, podemos concluir que estarão excluídos da tutela prevista no CDC os
contratos firmados entre consumidores não profissionais, que não atuem em sua atividade-fim,
uma vez que não existe habitualidade.
16
Por entender não ser suficiente a outorga desse direito, o legislador dispôs como princípio
fundamental, no inciso VI do artigo 6º do CDC, o seguinte direito:
Por meio desse inciso, foi fornecida então a garantia de prevenção e reparação de todas as
espécies de danos (patrimoniais e morais) que possam vir a incidir sobre as diversas esferas de
interesse e direito do consumidor (individuais, coletivos e difusos). A partir desse princípio
fundamental, confere-se ao consumidor a possibilidade de ver-se reparado na sua incolumidade
tanto econômica quanto físico-psíquica deferida pela comutatividade, ora permissiva, das
indenizações reparadoras dos danos patrimoniais e morais.
Devemos mencionar também a conjugação que se pode realizar entre o dispositivo contido
no inciso I do artigo 6º e o disposto no artigo 3º desse mesmo diploma legal. Vejamos:
No artigo 3º, ao conceituar fornecedor, o legislador enumerou algumas das diversas espécies
de atividades econômicas que podem ser desenvolvidas por esse sujeito da relação de consumo.
Dessa forma, ao buscarmos a essência desse dispositivo, constataremos que fornecedor é todo
aquele que pratica alguma atividade no mercado. De modo complementar, no artigo 6º, o
legislador aponta que tal atividade deverá ser realizada de acordo com as regras estabelecidas pelo
CDC, ocorrendo no sentido de não provocar riscos à vida, à saúde e à segurança do consumidor.
17
Ainda sobre o tema, Denari (1990, p. 66) afirma o seguinte:
CDC e Estado
Costuma-se dizer que o Estado, esse ente jurídico que tem como missão principal a busca
pelo chamado bem comum, tem na defesa do consumidor o fim por ele visado. Segundo
Filomeno (2016, p. 1) essa afirmação se justifica porque:
18
O CDC foi idealizado para viabilizar a proteção do consumidor quando este se envolve na
busca ou aquisição de produtos e serviços. Além disso, visa harmonizar os interesses dos
participantes das relações de consumo constituídas (art. 4º, inciso III), na medida em que
reconhece a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor, princípios que veremos com
mais detalhes a seguir:
a) Vulnerabilidade:
A vulnerabilidade decorre da posição de inferioridade do consumidor frente ao fornecedor
do produto ou serviço. Nesse caso, há previsão constitucional de que o cidadão poderá exigir do
Estado a promoção dos seus interesses.
Além disso, a tutela da parte mais fraca está amparada pelo princípio da dignidade da pessoa
humana, somada à boa-fé do consumidor na relação de consumo. Considera-se por boa-fé a
condição do consumidor que, na relação de consumo, deva agir com lealdade, verdade e ética,
evitando condutas que prejudiquem as legítimas e esperadas expectativas da outra parte.
b) Hipossuficiência:
A hipossuficiência é uma condição extremada de vulnerabilidade relativa ao consumidor de
boa-fé, comprovada pela incapacidade probatória do fato alegado, o que está vinculado à sua
situação econômica. Dessa forma, o consumidor é hipossuficiente quando é considerado mais
frágil ou carente financeiramente em uma relação processual ou comercial, podendo estar
associado à condição de alguém que não tem as condições básicas para garantir a sua sobrevivência
com qualidade de vida e dignidade.
19
Veremos cada uma dessas modalidades a seguir.
Garantia legal
Quanto à garantia legal, vejamos o que nos diz o conteúdo dos artigos 26 e 27 da Lei nº
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC):
20
Garantia contratual
Modernamente, é também oferecida a garantia adicional contratual ao consumidor. Nesse
caso, o fornecedor faz constar expressamente no seu contrato a garantia, especificando o prazo e as
condições para conceder tais benesses. Em geral, essas informações constam de um documento
formal conhecido como “Termo de garantia”.
Garantia estendida
No mercado atual, podemos identificar ainda um produto chamado “garantia estendida”,
por meio do qual, geralmente, uma entidade seguradora cobre para proteger o capital investido
pelo consumidor por quanto tempo este estiver disposto a pagar. Nessa categoria, identificam-se
três tipos de garantia:
a original, cuja cobertura é igual à da garantia oferecida pelo fornecedor;
a original ampliada, que possui acréscimos à original e
a diferenciada, que é menos abrangente que a original, cobrindo somente algumas
situações específicas.
Não são raras as situações em que o consumidor se vê quase coagido a adquirir tais
“garantias estendidas” quando adquire um produto ou serviço, uma vez que alguns fornecedores,
por estratégia comercial, condicionam determinada situação (descontos ou brindes, por exemplo)
à sua aquisição. Em jargão comercial, essa ação é conhecida como venda casada ou GA (por goela
abaixo). Tal prática é, no entanto, expressamente vedada pelo CDC. Vejamos:
Nas palavras do então político Geraldo Alckmin Filho, na exposição de motivos quando da
construção do CDC, ensinou Ada Pelegrini Grinover (2007, p 372) “O Código prevê uma série
de comportamentos, contratuais ou não, que abusam da boa-fé do consumidor, assim como de
sua situação de inferioridade econômica e técnica. Ë possível, portanto, que tais práticas sejam
consideradas ilícitas, independentemente da ocorrência de dano para o consumidor”.
Seguindo com as vedações a que se refere o inciso I do artigo 39 do CDC, podemos
identificar a vedação imposta pelo Código ao fornecedor quanto ao estabelecimento de limites
quantitativos sem justa causa. Como exemplo, podemos mencionar o Recurso Especial (REsp)
21
1068944, por meio do qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou favoravelmente ao
consumidor, considerando abusiva a obrigação de o usuário/contratante adquirir franquia de
pulsos no serviço de telefonia independentemente do seu uso efetivo.
Prazos
O CDC, estabelece um prazo máximo ao fornecedor (de serviços ou mercadorias) para
sanar o problema do consumidor. Quanto ao tema, vejamos o que nos diz o conteúdo do artigo
18 do CDC:
Como podemos observar, passados trinta dias da notificação, caso o fornecedor não solucione o
problema ou defeito do produto ou serviço disponibilizado, o consumidor poderá exigir:
a substituição do produto por outro similar;
a restituição imediata da quantia desembolsada pelo produto ou serviço, ou
um abatimento proporcional no preço pago.
É importante ressaltarmos que a substituição deve ser imediata caso os bens com defeito
sejam essenciais, como fogões, geladeiras, balões de oxigênio, etc.
Ainda a partir da análise do artigo 18, podemos notar que há solidariedade entre fabricante
e revendedor no tocante à reparação do produto, ficando a critério do consumidor a escolha de
quem resolverá a sua situação por meio de reclamação direcionada.
22
Quanto aos demais prazos, o CDC estipula expressamente o seguinte:
b) Desistência de contrato:
O consumidor terá o prazo de 07 (sete dias) dias para desistir do contrato, a contar da sua
assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de
fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por
telefone ou a domicílio (art. 49 do CDC). Nesse caso, mesmo que o CDC tenha sido publicado
em 1990, ele contempla também as compras on-line e os meios telemáticos, ou seja, sistemas
comerciais a distância de um ou mais conjunto de serviços informáticos, fornecidos por meio de
uma rede de telecomunicações, como as plataformas de Marketplace.
23
Condições abusivas
Segundo Paulo Luiz Neto Lôbo (1992), nas relações de consumo, são abusivas as condições
contratuais que atribuem vantagens excessivas ao predisponente fornecedor e demasiada
onerosidade ao consumidor, gerando assim um injusto desequilíbrio contratual. Nas palavras do
autor (1992, p. 132):
A disciplina legal das cláusulas abusivas deve ser aplicada pelo julgador,
tendo presentes os pressupostos da razoabilidade e da busca do ‘justo
equilíbrio entre direitos e obrigações das partes’ ou do ‘equilíbrio
contratual’ (art. 51, §§ 1º e 4º do CDC).”
24
As cláusulas abusivas são nulas ‘de pleno direito’ (art. 51). O regime
definido é o da nulidade e não qualquer outro, como o da anulabilidade
ou o da ineficácia.
O direito cominou-lhe o grau mais elevado de invalidade, porque a tutela
legal do consumidor opera apesar dele. O interesse lesado não pertence
individualmente ao consumidor contratante, mas a toda comunidade
potencialmente prejudicada. Daí a nulidade pode ser suscitada
judicialmente não só pelo consumidor (ação individual), mas pelo
Ministério Público, por associações civis ou pela autoridade pública (ação
civil pública).
O princípio da conservação do contrato, adotado pelo Código (art. 51, §
2º, CDC), permite a validade do contrato na parte que remanescer, salvo
se ocorrer ônus excessivo a qualquer dos contratantes. Mais uma vez, a
regra fundamental é a do equilíbrio das posições contratuais.”
25
MÓDULO II – SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
E PROTEÇÃO CONTRATUAL
Neste módulo, discutiremos acerca dos limites que premeiam a transparência e a harmonia
na relação entre consumidor e fornecedor. Para tal, cláusulas contratuais, acesso a informações,
exigências, direitos e obrigações serão abordadas de modo direto e fundamentado em cada um dos
tópicos, de forma a proporcionar o entendimento das noções de governança e compliance nas
relações de consumo.
O termo Sociedade do Conhecimento foi escolhido por algumas linhas doutrinárias cujo foco
se mantém em aspectos que influenciam a economia. Já o termo Sociedade da Informação foi adotado
por aqueles que analisam situações mais complexas, que envolvem as diversas linhas fornecedoras de
conexões entre diversas ciências, viabilizando trocas de informação de maneira ilimitada.
O Prof. Luiz Borges Gouveia (2004, p. 01) mostra-nos, com precisão cirúrgica, a origem
desse conceito. Vejamos:
28
Tecnologia e mercado digital
Atualmente, a tecnologia é imprescindível em qualquer situação de mercancia, e o
e-business está presente nas relações de compra e venda tanto de mercadorias quanto de serviços,
tornando o mundo “plano” em termos negociais. Essa realidade nos mostra que a ampliação e a
diversificação do público e dos mercados são inevitáveis.
Em função desse cenário, as negociações eletrônicas apresentam taxas de crescimento
exponenciais e sem precedentes, podendo ocorrer entre pessoas físicas ou jurídicas. É importante
observarmos, no entanto, que as transações entre fornecedores e consumidores pessoas físicas são as
responsáveis pelos mais elevados níveis de geração de receitas. Além disso, sabe-se que, em território
nacional, o grande volume dos negócios ocorre por meio de pequenas e médias empresas presentes no
mercado digital. Nesse sentido, ainda mais estratégico torna-se esse setor.
Necessidade de regulamentação
Considerando as importantes mudanças ocorridas com a chegada da Sociedade Informação,
devemos analisar, de maneira mais direcionada, a sua influência nas relações econômicas de uma
nação.
Todo processo de inovação tem início com a adoção, por parte de pessoas públicas ou privadas,
de meios de incentivo e financiamento para o fomento de ideias ainda não concebidas, que agreguem
novos conhecimentos relacionados à modificação dos negócios. Para que esse processo aconteça de
acordo com o nosso ordenamento jurídico, é imperioso que haja uma regulamentação. Tal
regulamentação, no entanto, precisa ser constantemente aprimorada, tendo em vida as constantes
29
modificações oriundas da rápida atualização do mercado. Esse é, inclusive, mais um dos efeitos
colaterais da velocidade atual em que ocorrem as inovações.
Uma consequência natural dessa dinâmica é a criação de uma macrorregulação econômica,
que sempre precede a macrorregulação jurídica, exceto no caso de formação de uma nação e das
suas instituições.
Segundo Manuel Castells (2013, p. 61), “a era da informação, refere-se especificamente ao
surgimento de uma nova estrutura social.” Aos olhos do citado autor, essa nova estrutura social
por si só já justificaria mudanças no sentido de garantir o bem comum, a manutenção da
propriedade e o equilíbrio em contratos firmados. Nesse sentido, caso o povo de uma nação não
se sinta representado ou entenda haver fragilidades demasiadas na sua legislação, a estrutura social
também será irregular.
Algumas das ideias de Castells sobre a Sociedade da Informação são extremamente
importantes. Segundo o autor:
a informação é a matéria-prima, e as tecnologias se desenvolvem para permitir ao
homem atuar sobre a informação propriamente dita;
a informação é parte integrante de toda a atividade humana, individual e coletiva, logo
todas essas atividades tendem a ser diretamente afetadas pelas novas tecnologias e
a tecnologia gera flexibilidade, pois favorece a criação de processos reversíveis, que
podem ser modificados por meio da reorganização dos seus componentes e possuem alta
capacidade de reconfiguração.
Vejamos, agora, o que nos ensina Ricardo Luís Lorenzetti (LUCCA; SIMÃO, 2005, p. 455)
sobre a necessidade de repensarmos diversos aspectos relacionados à atual Sociedade da Informação:
Diante desse cenário, as normas jurídicas passam a ter de moldar-se, com frequência, a
novos fatos que impactam os valores sociais. Nesse sentido, surgem algumas questões:
A legislação pátria estaria preparada para suportar essa evolução social?
A legislação consumerista estaria à altura da Sociedade de Informação, de forma a
harmonizar as relações de consumo nos moldes em que fora concebida na década de 1990?
30
Para enfrentarmos esses e outros questionamentos contemporâneos, entendemos ser
necessária a adoção de um método científico que traduza as mudanças das normas existentes em
decorrência dos novos fenômenos sociais trazidos pela modernidade.
a) Publicidade abusiva:
Considera-se abusiva a publicidade que incite a discriminação de qualquer natureza, que
estimule a violência ou seja capaz de fazer com que o consumidor se comporte de forma perigosa
e prejudicial.
b) Publicidade enganosa:
O CDC determina que tudo o que for anunciado deve ser cumprido exatamente como
apresentado e que as informações das publicidades, popularmente conhecidas como propagandas,
devem fazer parte do contrato.
Nesse sentido, considera-se enganosa a publicidade que determina afirmações parcialmente
verdadeiras, ambíguas ou até verdadeiras, mas que enganam aqueles que, de boa-fé e vulneráveis,
não compreendem a sua proposta totalmente e não teriam, por si só, condições de estar em
igualdade com o fornecedor.
Contratos de adesão
Segundo Eduardo Scaravaglioni (2000):
31
Em decorrência da já estudada Sociedade da Informação, nasceu então a necessidade de
oferecer, de forma massificada, atos contratuais que pudessem, ao mesmo tempo, zelar pela
harmonia das relações de consumo e, de forma coletiva, gerar e proteger a manutenção da
ordem econômica.
Esse aspecto atual deveria também garantir que os vulneráveis e hipossuficientes aderissem a
cláusulas contratuais que não gerassem prejuízo à confiança, aspecto basilar da relação de
consumo, considerando-se a boa-fé objetiva. No entanto, Claudia Lima Marques (1992, p. 31)
nos mostra que, nesse caso:
A autora está se referindo aos chamados contratos de adesão, assim definidos no artigo 54
do CDC:
32
É direito dos fornecedores cobrarem essas dividas, porém essa cobrança não pode ser
realizada de qualquer forma. A Lei 8.078/90 tutela o direito de repetição do indébito ao
consumidor que receber cobranças realizadas em excesso. Além disso, proíbe que o consumidor
seja abordado para cobrança no seu trabalho, residência ou ambientes de lazer. Com isso, o CDC
pretende proteger a privacidade do consumidor, coibir a utilização de inverdades a seu respeito e a
sua exposição ao ridículo.
Essa previsão está descrita no art. 42 do CDC. Vejamos:
33
Por outro lado, o mesmo artigo determina que os bancos de dados e cadastros relativos a
consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres têm caráter público. Nesse sentido,
o Governo Federal, juntamente com a Febraban, outras entidades da iniciativa privada e o Banco
Central do Brasil, construíram o chamado cadastro positivo.
O cadastro positivo, ao contrário do conhecido cadastro de inadimplentes, representa uma
iniciativa de adesão por parte do consumidor e visa construir uma base dados cuja função é a de
contribuir para identificar os bons pagadores. Com informações relativas sobretudo ao crédito do
consumidor, o cadastro positivo foi inclusive motivo de estudo em 2017 pelo Governo Federal,
que previu a possibilidade de obrigação de inclusão por parte da população como uma tese de
fortalecimento de crescimento econômico, na medida em que, por meio do cadastro positivo, não
só se identifica o bom pagador mas também é possível dar-lhe privilégios, com políticas
comerciais e de crédito.
34
MÓDULO III – SNDC – SISTEMA NACIONAL
DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A TUTELA
ADMINISTRATIVA
Dessa forma, enquanto o Código Civil de 2002 é guiado pela “diretriz da socialidade”, o
CDC, que é de origem constitucional e consolida o direito fundamental de proteção positiva do
Estado, é composto somente de normas de ordem pública e interesse social, conforme podemos
verificar no seu art. 1º:
36
Ainda acompanhando o entendimento dos autores do anteprojeto do CDC, vejamos o que
estes dizem a respeito da necessidade de concentração em temas novos e referentes à inclusão, e
não à redução, dos direitos do consumidor:
Como podemos notar, o anteprojeto não foi construído somente com base na ideia de abordar
uma atualização pautada no enquadramento temporal, mas também a partir da visão de que o valor
social dos fatos precisava de uma norma que contemplasse direitos até então pouco vislumbrados.
As consequências desse posicionamento podem ser contempladas na economia atual, com o
aumento de alterações em contratos e eventuais litígios. Além disso, a partir dessa alteração, o
endividamento de famílias e a litigância dos contratos, majoritariamente subordinados à Lei
8.078/90, passaram a ser motivo de constantes reflexões por juristas de todo o País.
Inicialmente, as discussões versavam sobre o pilar superendividamento. No entanto, a partir
dos projetos de atualização do CDC, visto que alguns pontos não respeitavam a Teoria
Tridimensional do Direito, proposta por Miguel Reale, tais discussões passaram a versar sobre:
crédito e superendividamento;
comércio eletrônico e
direito coletivo e difuso.
37
modo, as propostas de atualização do CDC necessitam ser construídas também com
informações técnico-econômicas capazes de fazer fluir a economia do País, e não somente de
determinar direitos a uma das partes.
Nesse sentido, compreende-se que os três pontos apresentados deveriam ser motivo de
legislação própria, e não necessariamente razão para a modificação de uma norma que, na atualidade,
fundamenta a realização e a forma de execução da construção de produtos e serviços de todas as
naturezas. No entanto, também se entende que, para se realizar qualquer modificação na norma
consumerista básica, deveria haver no mínimo “harmonia” com a parte fornecedora e com os
impactos resultantes de tais modificações junto ao judiciário, uma vez que a “voz” do cidadão já está
demonstrada em dados computados pelo ministério da justiça via Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor (DPDC) e Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).
Também é certo que, no Brasil, devido a uma tendência macroeconômica, os setores de
varejo e de maior lucratividade foram reestruturados, nos últimos anos, com regramentos dos seus
órgãos tanto reguladores quanto fiscalizadores, justificando modificações nos processos internos
dos fornecedores, que, por meio da aplicação fiel das sanções da Lei 8.078/90, visariam ao
equilíbrio das relações. Como exemplo, podemos citar o caso do Bacen em que houve a aplicação
da resolução 3.477, que determinou a criação de Ouvidorias Corporativas tanto para o setor
financeiro quanto para o de consórcios. As consequências da criação desses componentes
organizacionais foram a fiscalização e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Além disso, foi necessário garantir, efetivamente, o equilíbrio nas relações de consumo por
meio de controles tais como o realizado pelo Committee of Sponsoring Organizations of the
Treadway Commission (Coso) e pelo Acordo de Basileia, assim como por índices como o Dow
Jones e o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que determinam, na regulação atual,
indicadores de respeito e aplicação da Lei 8.078/90. Dessa forma, não só o setor econômico mas
também os setores varejistas, securitários e regulados, como os de energia e saúde, e determinados
setores do poder público já contam com mecanismos que utilizam o CDC para determinar as suas
regras internas.
Restava então a necessidade de apresentar uma proposta de atualização da atuação das regras
do CDC que visasse à alteração da interpretação e das normas subsidiárias, e não necessariamente
da Lei 8.078/90. Essa norma veio a ocorrer com a publicação do decreto 7.963, denominado
Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec), cujos detalhes veremos a seguir.
Plandec
Em 15 de março de 2013, com base na Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale,
o Governo Federal, em conjunto com a iniciativa privada, buscou antecipar-se às propostas de
revisão do CDC e publicou o decreto 7.963, denominado Plano Nacional de Consumo e
Cidadania (Plandec).
38
Ao alterar duramente as relações de consumo, tal decreto consolidou o que, para muitos
juristas, foi um necessário aperfeiçoamento da Política Nacional das Relações de Consumo.
O objetivo geral do Plandec mostra-se presente logo no seu artigo 1º. Vejamos:
A importância desse plano para as relações de consumo está no fato de as suas diretrizes
aplicarem a garantia dos direitos fundamentais e o respeito à ordem econômica, sobretudo na
forma como se propõe a sua execução. Vejamos, a seguir e conforme disposto no seu artigo 2º, as
diretrizes do Plandec:
I. educação para o consumo;
II. adequada e eficaz prestação dos serviços públicos;
III. garantia do acesso do consumidor à justiça;
IV. garantia de produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança,
durabilidade, desempenho e acessibilidade;
V. fortalecimento da participação social na defesa dos consumidores;
VI. prevenção e repressão de condutas que violem direitos do consumidor e
VII. autodeterminação, privacidade, confidencialidade e segurança das informações e
dados pessoais prestados ou coletados, inclusive por meio eletrônico.
Vejamos, agora, conforme o artigo 3º do Plano, quais são os seus objetivos específicos:
I. garantir o atendimento das necessidades dos consumidores;
II. assegurar o respeito à dignidade, saúde e segurança do consumidor;
III. estimular a melhoria da qualidade e o desenho universal de produtos e serviços
disponibilizados no mercado de consumo;
IV. assegurar a prevenção e a repressão de condutas que violem direitos do consumidor;
V. promover o acesso a padrões de produção e consumo sustentáveis e
VI. promover a transparência e harmonia das relações de consumo.
39
Como podemos observar, uma preocupação do Plandec e o motivo da sua criação é o
momento de crescimento econômico e as alterações pelas quais passa a Sociedade da Informação,
elementos que incidem diretamente nas relações de consumo. Nesse sentido, Bruno Giancoli
(2013) afirma o seguinte:
Os eixos a que se refere Giancoli devem ser compreendidos como os parâmetros a serem
seguidos na estruturação do Plandec. O primeiro deles visa à prevenção e redução de conflitos.
Sem dúvida, esse é o eixo de maior amplitude e importância, destacando a necessidade:
de aprimoramento dos procedimentos de atendimento ao consumidor no pós-venda de
produtos e serviços;
da criação de indicadores e índices de qualidade das relações de consumo e
de promoção da educação para o consumo, incluída a qualificação e capacitação
profissional em defesa do consumidor.
40
Além de ser considerado um standard de regulação e fortalecimento da Política Nacional
das Relações de Consumo, o Plandec antecipou-se à construção de uma importante rede de
relações entre os diversos atores presentes no contexto da defesa do consumidor no País,
respeitando as mudanças ocorridas na Sociedade da Informação. Esse respeito pode ser observado
nas ações previstas em suas diretrizes, quais sejam:
a educação para o consumo;
o fortalecimento da participação social na defesa dos consumidores;
a prevenção e repressão de condutas que violem direitos do consumidor e
a autodeterminação, privacidade, confidencialidade e segurança das informações e dos
dados pessoais prestados ou coletados, inclusive por meio eletrônico foram estimuladas.
Além disso, por meio de um plano de ação mais efetivo e afeto às realidades sociais, o
Plandec proporcionou o fortalecimento dos Procons e demonstrou influência junto ao Marco
Civil da Internet, cujos detalhes veremos a seguir.
a) Liberdade de expressão
No artigo 7º do Marco Civil da Internet, que aponta os direitos dos usuários, legisla-se
sobre o direito a informações claras e completas, sobre a coleta, o uso, o armazenamento, o
tratamento e a proteção dos dados pessoais.
Esse é um dos pontos de alinhamento com o Plandec, que prevê, tanto nas suas diretrizes
básicas quanto nos seus objetivos, a promoção da transparência e a harmonia nas relações de consumo.
41
b) Neutralidade da rede
O princípio da neutralidade informa que a rede deve ser igual para todos, sem diferenças
quanto ao tipo de uso. É proibida, portanto, a redução de velocidade com base no tipo de
conteúdo acessado, na origem ou no destino dos pacotes de dados, na natureza da plataforma, do
sistema ou da tecnologia utilizada. Em outras palavras, não se pode limitar a velocidade do
usuário com base no conteúdo, origem, destino, serviço, terminal ou aplicativo.
No entanto, para aprimorar o bom funcionamento da Internet no Brasil, pode o Comitê
Gestor da Internet (CGI.br) opinar sobre exceções à neutralidade da rede e construir
recomendações específicas.
Ainda quanto ao alinhamento com o item VII, do art. 2º, do Plandec, o Marco Civil da
Internet oferece outro ponto de ajuste, qual seja o da privacidade, confidencialidade e segurança
das informações. Esse ajuste se encontra no artigo 7º, que prevê, entre os direitos dos usuários, a
inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurando o direito à sua proteção e à
indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação.
42
regulação do mercado de consumo. A sobreposição de normas, o conflito
de competência entre órgãos defesa do consumidor, tem causado uma
enorme insegurança jurídica.”
SNDC e Senacon
Em 2014, o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) registrou
2.490.769 atendimentos, número 22% maior que o do ano anterior. Esse aumento determinou a
maior atuação da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que, criada pelo Decreto 7.738,
de 28 de maio de 2012, tem as suas atribuições estabelecidas no artigo 106 do Código de Defesa
do Consumidor e no artigo 3º do Decreto n° 2.181/97.
A Senacon faz parte do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) e reúne:
Procons;
Ministério Público;
Delegacias de Defesa do Consumidor;
Juizados Especiais Cíveis e
Organizações de Defesa do Consumidor.
43
Sanções administrativas
As sanções administrativas ocorrem quando não há atendimento de um direito básico ou há
prática abusiva. Sabemos que, havendo relação de consumo, pressupõe-se um direito básico
tutelado. Dessa forma, havendo prática abusiva ou contrariedade a direitos previstos e
especificados ao longo do Código, uma sanção administrativa deve ser aplicada, com o objetivo de
garantir a harmonia nas relações de consumo.
Vejamos o que nos diz o artigo 56 do CDC quanto às sanções administrativas:
I - multa;
II - apreensão do produto;
III - inutilização do produto;
IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V - proibição de fabricação do produto;
VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII - suspensão temporária de atividade;
VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;
IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa;
XII - imposição de contrapropaganda.
44
Além de no artigo 56, as sanções são exploradas no CDC até o artigo 60 e delimitam desde
a dosimetria da pena administrativa até a forma de aplicação da sanção real e pessoal.
Essas sanções devem, contudo, ser precedidas do devido processo legal, ou seja, de um
processo administrativo, previsto no Decreto 2.181/90 e sem o qual nenhuma das suas aplicações
legais seria possível.
Jornada do consumidor
A jornada do consumidor deve iniciar-se no órgão de defesa do consumidor, mediante uma
simples consulta ou uma reclamação, que, ao ser encaminhada ao fornecedor pelo órgão de defesa
do consumidor, poderá gerar uma audiência se não for respondida.
45
Caso haja acordo na audiência, o processo é arquivado; caso não haja, o consumidor poderá
ser direcionado ao poder judiciário, dando continuidade à sua jornada no órgão de defesa do
consumidor, que dará sequência ao processo administrativo.
Nesse caso, o fornecedor será informado da reclamação novamente, e o órgão de defesa
aguardará o seu pronunciamento.
Caso não tenha ocorrido solução ou acordo administrativo, a sanção será imposta.
Canais de reclamação
Ranking de reclamações
Uma importante ferramenta de controle e educação para consumidores e fornecedores são
os rankings de reclamações publicados pelos órgãos que participam do Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor (SNDC), sobretudo os Procons. Tais rankings estão previstos nos
seguintes itens da Lei 8.078/90:
artigo 4º, inciso IV;
artigo 6º, inciso II e
artigo 44, tanto no caput quanto no parágrafo 1º.
46
Tradicionalmente, a publicação dos rankings ocorre no dia 15 de março, data em que
grande parte da mídia especializada potencializa a sua divulgação por ser o Dia Internacional
do Consumidor. Essa divulgação representa um impacto importante nas marcas dos
fornecedores reclamados e auxilia na construção de políticas de consumo capazes de
harmonizar as relações de consumo.
Consumidor.gov.br
O portal de reclamações do Ministério da Justiça denominado Consumidor.gov.br é pouco
conhecido pelo cidadão, mas muito temido e respeitado pelos fornecedores no Brasil. Esse serviço
público, que é monitorado pela Senacon, permite a interlocução direta entre consumidores e
empresas, por meio da internet, para solução de conflitos.
Até 2016, mais de 80% das reclamações registradas na plataforma foram solucionadas
em um prazo de até sete dias. Resultados como esse fazem com que tanto os atores do SNDC
quanto toda a sociedade venham a aderir, cada vez mais, a essa modalidade de registro de
defesa dos seus interesses.
O sucesso da plataforma talvez se deva à sua atuação pós-reclamação, pois:
oferece transparência e controle social, imprescindíveis à efetividade dos direitos dos
consumidores;
garante que as informações apresentadas pelos consumidores sejam utilizadas de forma
estratégica para a gestão e execução de políticas públicas de defesa do consumidor e
contribui com o acesso à informação e com a potencialização do poder de escolha dos
consumidores, aprimorando as relações de consumo.
Ouvidorias
Junto ao SNDC, as denominadas ouvidorias auxiliam na construção das relações de
consumo, tornando-se modelos de intermediação importantes.
47
Considerada a mais pura representação da voz do consumidor dentro das empresas e do
cidadão junto ao poder público, a ouvidoria não pode ser confundida com o SAC de uma empresa,
pois se caracteriza por ser a última instância de soluções definitivas dentro das organizações.
A Associação Brasileira dos Ouvidores (ABO) e a Associação Brasileira de Relações
Empresas Cliente (Abrarec) define a atividade da ouvidoria da seguinte forma:
Como podemos observar, a sua vinculação com a alta administração das empresas de modo
independente e autônomo colabora para uma maior aderência a tomadas de decisão imediata e,
sobretudo, para a instituição de processos mais transparentes de compliance e governança
corporativa, conforme determina o ordenamento jurídico brasileiro.
Uma nova onda de aperfeiçoamento desse instituto ocorreu com a publicação da resolução
3.477/07, alterada pela resolução 3.849/10 do Conselho Monetário Nacional (CMN). Por meio
dessa resolução, o Banco Central do Brasil (Bacen) obriga os bancos a implantarem ouvidorias
corporativas com subordinação a um diretor estatutário, manterem controles por relatórios de
atividades e garantirem o atendimento às normas do CMN.
Após essa publicação, outras normas foram construídas por agências reguladoras, como a
Aneel, a Susep e a ANS, obrigando as empresas a elas ligadas a constituírem componentes
organizacionais, fiscalizáveis e capazes não só de garantir a resolução de manifestações dos
consumidores mas também de demonstrar ações e sistemas de solução permanente, compatíveis
com a precisão do artigo 4º, inciso III, da Lei 8.078/90.
A efetividade das ouvidorias tal esteja na sua capacidade de demonstrar, de forma direta, um
retrato do trato (ou distrato) entre a empresa/o órgão público e o reclamante, sobretudo quando
se trata de denúncias relativas à saúde e a serviços essenciais, envolvendo desvios de finalidade
capazes de prejudicar o cidadão nos médio e longo prazos.
Para o Direito do Consumidor, a oportunidade de intermediação via ouvidoria consiste em
uma forma de solução alternativa de conflitos com baixo custo e rapidez. Além disso, é também
um modo de auxiliar os entes públicos, na medida em que são formuladas estatísticas que podem
vir a ser utilizadas em ações preventivas e coletivas.
48
MÓDULO IV – RESPONSABILIDADE CIVIL
NO DIREITO DO CONSUMIDOR
50
Responsabilidade civil nas relações de consumo
Conforme dispõe o artigo 34 do CDC, mesmo que o fato ilícito seja praticado por terceiro,
o fornecedor do produto ou serviço será solidariamente responsável. Vejamos o conteúdo do
artigo 34 na íntegra:
a) Responsável real:
Pessoa que participa, direta e ativamente, do processo de criação de um produto ou serviço
para a sua inclusão no mercado de consumo.
d) Direito de regresso:
Todos os responsáveis responderão solidariamente pelos danos sofridos pelo consumidor,
conforme os artigos 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, do CDC. Vejamos:
51
Art. 25
[...]
§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos
responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções
anteriores.”
“Art. 12
[...]
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será
responsabilizado quando provar:
52
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
“Art. 14
[...]
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando
provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
A Lei 8.078/90 aditou, dessa forma, a teoria do risco da atividade, o que melhor justifica a
aplicação do Código Civil de forma subsidiária, quando o CDC for omisso.
53
Interesses ou direitos individuais homogêneos
O artigo 81, inciso III, do parágrafo único do CDC define o interesse individual
homogêneo como aquele que decorre de origem comum, permitindo tutela a título coletivo. Isso
significa que, havendo dano de origem comum – e, sobretudo, havendo responsabilidade pelo
fato do produto ou serviço – para mais de um consumidor, tais consumidores poderão recorrer
por meio de ação coletiva.
Essa modalidade tende a mostrar-se mais recorrente nos tempos atuais, na medida em que
consumidores de diferentes locais do País, sobretudo por meio de compras realizadas por
e-commerce, têm sofrido danos de origem comum, cujo objeto pode ser dividido e cujos titulares
são perfeitamente identificáveis.
Com vistas a um maior esclarecimento, vejamos como o Supremo Tribunal Federal
caracteriza os direitos individuais homogêneos:
54
Vejamos como o Supremo Tribunal Federal caracteriza os interesses difusos:
A partir dessa disposição, o Ministério Público passa a ter um instrumento importante para
controle popular dos atos dos poderes públicos: a ação civil pública, prevista no artigo 37 da
Constituição Federal. Por outro lado, o inquérito civil passa a ser um conjunto de atos e
diligencias destinados a apurar e investigar o que existe de verdade ou indícios sobre determinada
matéria ou situação. Na defesa do consumidor, essa aplicação oferece uma linha clara, destinada a
tutelar os direitos ditos individuais, coletivos e difusos, previstos na Lei 7.347/85 e
complementados pelo CDC.
Nos últimos anos, podemos observar um aumento das judicializações ligadas a direitos
coletivos e difusos, além da busca por opções de solução fora dos tribunais, quer seja pelos custos
relacionados ao litígio, quer seja pela insegurança jurídica causada.
Na tutela judicial das relações de consumo, verifica-se a consequência direta da ausência de
harmonia e respeito aos direitos básicos, prevista no artigo 6, que poderá levar a processos
administrativos – e com consequente questionamento em juízo – ou de reclamações no SNDC –
que também levará a outros ajuizamentos –, determinando novas tendências nos tribunais tanto
no âmbito individual como coletivo.
55
Ejus e tendências dos tribunais
Mudanças e questões a serem respondidas
Em razão das mudanças presentes na era da Sociedade da Informação, como vimos, a
proteção e defesa do consumidor passou a ter de enfrentar desafios na tutela tanto administrativa
quanto judicial. Em busca da harmonia nas relações de consumo, foi necessário então estudar
novas formas de aplicação do direito material, e os valores fundamentais da pessoa humana
relacionados às relações de consumo passaram a ser revistos pela jurisprudência.
Apesar desse empenho, ainda há questões a serem contempladas, como a resposta
jurisdicional e a tentativa de obter soluções via mediação, evitando assim litígios demorados e
prejudiciais à segurança jurídica e aos direitos individuais previstos na Constituição Federal e no
Código de Defesa do Consumidor.
Em 1988, ano em que a Constituição foi promulgada, havia cerca de 120 milhões de
pessoas residentes no Brasil. Em 1995, ano em que tivemos a estabilização da moeda com o Plano
Real, o País já contava com cerca de 150 milhões de residentes. Esses dados são do IBGE e, por
meio deles, podemos inferir a ocorrência das diversas mudanças socioeconômicas que desafiaram a
legislação consumerista e os participantes dessa relação ao longo do tempo.
Em meio a toda essa mudança, houve a publicação da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor – CDC), que determinou a necessidade de modificação das relações entre
fornecedores e consumidores e influenciou, diretamente, a criação do que hoje conhecemos como
ouvidorias. A construção, o conceito e as bases das ouvidorias brasileiras também têm o seu lastro
na formação da ABO, fundada em 1995, e em diversos Encontros e Congressos Nacionais
realizados com o único objetivo de aperfeiçoar esse instituto. A construção do Código de Ética da
ABO, em 1997, constitui um símbolo do seu aperfeiçoamento, influenciando vários marcos legais
regulamentares sobre o tema.
Em 2011, mediante um esforço importante de revitalização das ouvidorias no Brasil, a
Fundação Procon de São Paulo, a Associação Brasileira de Relações Empresa Clientes (Abrarec) e
a Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO) juntaram-se para construir os
princípios, conceitos e bases do modelo brasileiro de ouvidorias, expressos em um documento
denominado Guia de ouvidorias Brasil. De certa forma, esse componente organizacional ofereceu
condições de constituir a missão de uma ouvidoria: representar os legítimos interesses dos
cidadãos no ambiente em que atua, na busca de soluções definitivas.
A criação das ouvidorias passou também a auxiliar o estudo e a compreensão da necessidade
de desjudicialização, por meio de áreas de relacionamento com clientes e, com auxílio do Poder
Judiciário, de ações de prévia negociação.
56
Segundo o IBGE e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente, o Brasil conta com
mais de 207 milhões de habitantes. Comparado à década de 1960, quando existiam cerca de 70
milhões de habitantes no País, esse número representa um aumento de 300%. Tal aumento veio
acompanhado da inclusão social após o Plano Real e da maior distribuição de crédito a partir dos
anos 2000.
Considerando esse cenário, algumas perguntas se fazem importantes:
Estariam os técnicos de Direito judiciário e consumidores preparados para uma nova
onda de litígios e soluções alternativas de conflitos?
Que mudanças estruturais se fazem necessárias para uma tutela jurisdicional mais célere?
Que tendências possíveis poderiam auxiliar advogados, empresários e o judiciário na
construção de alianças capazes de garantir a manutenção dos direitos básicos em face de
uma necessária livre concorrência?
Como vimos, o Direito não pode proteger a parte mais fraca da relação de consumo
somente em relação a algumas partes do mercado, tendo em vista que a vulnerabilidade do
consumidor pode ter diversas causas. No entanto, a construção de uma lei modelo que considere
o impacto comercial na sociedade de consumo envolve aspectos mais profundos da discussão
metajurídica. Dessa forma, surgem outras questões:
A construção desse modelo geraria um divórcio entre a aplicação da norma e a ética clássica?
Que modelo seria capaz de garantir um equilíbrio nas relações contratuais propostas, em
face desse cenário, oferecendo garantias individuais e coletivas, sem prejudicar a livre
iniciativa e as garantias fundamentais legalmente previstas na Lei maior do Estado?
O Judiciário poderia atender, com a mesma rapidez do consumo, a necessidade de
tutelar a relação de consumo de forma a gerar a harmonia prevista no artigo 4º da
Lei 8.078/90?
57
Esses números fizeram com que fornecedores e o Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor (SNDC) desenvolvessem formas de mediação de conflitos via uma ação conhecida
como Estratégia nacional de não judicialização (Enajud).
A Enajud reúne instituições dos setores público e privado para evitar que conflitos que
possam ser resolvidos por meios alternativos cheguem ao Judiciário. A Enajud deixou de vigorar
em 2019, passando a Coordenação-Geral a executar a Estratégia Nacional de Promoção de
Políticas de Justiça – Ejus.
A Estratégia Nacional de Promoção de Políticas de Justiça – Ejus foi instituída pela Portaria
nº 864, de 28 de novembro de 2019, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Trata-se de
uma estratégia de articulação interinstitucional com organizações do Sistema de Justiça,
entendidas como organizações públicas e privadas que atuam direta ou indiretamente na
promoção de políticas de acesso à justiça.
A Ejus sucedeu a Estratégia Nacional de Não Judicialização (Enajud), que vigorou de 2014
a 2019. A Enajud buscava ampliar o acesso à justiça com foco na desjudicialização; já a Ejus
possui abrangência maior, com três eixos de atuação:
I. modernização e aperfeiçoamento do sistema de justiça;
II. democratização do acesso à justiça e
III. promoção da cidadania.
a) Mediação:
A mediação é o método por meio do qual duas ou mais pessoas, envolvidas em um conflito
potencial ou real, recorrem a um terceiro, que irá facilitar o diálogo entre elas, para que se chegue
a um acordo.
58
b) Conciliação:
Na conciliação, as partes submetem o seu conflito à administração de um terceiro imparcial,
o conciliador, que as aproxima, formula propostas de acordo com a vontade de ambas e aponta as
vantagens de cada ponto sugerido.
c) Negociação:
Na negociação, não se recorre a um terceiro. As próprias partes solucionam, conjuntamente,
os problemas. Sem formalidades, as partes fazem concessões recíprocas, barganham e compõem os
seus interesses, buscando a solução que melhor lhes convier.
Jurimetria
Considerando todos os desafios apresentados na Sociedade da Informação, fez-se necessário
buscar também alternativas de estudo para os reflexos econômicos e jurídicos dos novos
consumidores, sobretudo em decorrência da nova economia e das relações contratuais constituídas.
Os tribunais de Justiça de todo o País passaram então a buscar alternativas para reduzir
a judicialização e melhorar o sistema judicial. Parte desse trabalho foi fruto dos relatórios
emitidos, anualmente pelo STF, denominados Justiça em números, cujos dados já foram
analisados nesta apostila.
Como resultado, a tendência dos Tribunais passou a ser o uso de um sistema de análise
estatística denominado jurimetria. A jurimetria oferece condições de auxiliar na análise tanto dos
dados resultantes da Política Nacional de Defesa do Consumidor quanto de propostas para
constituição de um sistema de governança que vise à harmonia das relações de consumo.
59
Para entendermos o que é o direito real, temos de utilizar ferramentas capazes de descrever
como se dá, efetivamente, a dissuasão prática dos processos em que há conflitos de interesse. Em
outras palavras, temos de verificar que contratos são pactuados cotidiana e concretamente, como
eles são operados na prática, quais são os seus objetos, partes, prestações, contraprestações e
garantias, quais são inadimplidos e em que condições. E é a jurimetria a ferramenta utilizada para
compreensão desse universo de processos e fatos jurídicos.
Cabe ressaltarmos que a jurimetria não se confunde com a análise econômica do direito
(AED). A AED parte do pressuposto de que a Economia, especialmente a microeconomia, é útil
para a análise e prática do Direito. Segundo Bruno Mayerhof Salama (2017, p. 7):
Governança corporativa
Para que se possa propor um instrumento que mensure as reclamações obtidas por meio da
jurimetria e, dessa forma, gerar soluções que respeitem o consumidor de modo tanto individual
quanto coletivo, é necessário criar algum sistema de governança de relacionamento previamente.
O termo “governança corporativa” foi criado no início da década de 1990, nos países
desenvolvidos, para definir as regras que regem o relacionamento dentro de uma companhia,
considerando os interesses de acionistas controladores, acionistas minoritários e administradores.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) apresenta a seguinte
definição para governança corporativa:
60
O conceito de governança corporativa pela ótica da maximização da riqueza
dos acionistas como principal responsabilidade dos executivos contraria o
chamado modelo de equilíbrio dos interesses dos stakeholders.”
Governança cidadã
Uma vez compreendidos os fundamentos do Direito Empresarial que, com base na função
social da empresa, nos seus atos constitutivos e na redução de riscos, justificam a criação de
sistemas de governança corporativa, devemos entender também a governança cidadã, que
compreende a governança de relacionamento.
A perenidade de toda a empresa exige atributos de etnicidade. Esses atributos não somente
geram perenidade como Governança de Relacionamento e contribuem diretamente para a justa
harmonia nas relações de consumo e na ordem econômica.
Nesse sentido, o cidadão passa a esperar do poder público a administração da boa res
publica, enquanto o consumidor vinculado exclusivamente à iniciativa privada tem a expectativa
da realização da legalidade e da entrega de produtos e serviços com qualidade.
Um sistema de governança cidadã determina então um nível de relacionamento entre as
partes interessadas que resulte em um comportamento ético e solidariamente responsável pela
cadeia de valor. Em outras palavras, por meio da governança cidadã, cria-se um sistema de
acontability, pautado em regimes de competência que garantam melhores práticas de
comportamento por parte tanto da empresa públicas quanto da iniciativa privada.
Além disso, esse sistema oferece às empresas a possibilidade de criar limites quanto à
aceitação da existência de reclamações por parte dos consumidores. As empresas que atuam na
sociedade contemporânea não admitem mais reclamações excessivas por falta de qualidade ou
qualquer tipo de destrato contratual, pois as manifestações resultantes desses problemas geram
reflexos negativos nos seus ativos.
61
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Carlos Ferreira de Almeida. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Livraria
Almedina, 1982. p. 29-30.
ANTONELLI, Valdir (Ed.). Guia de ouvidorias Brasil: consumidor exigente, cidadão consciente.
São Paulo: Padrão Editorial, 2011.
ALVIM, Arruda. Tratado de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1990.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007.
BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de Direito do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
BESSA, Leonardo Roscoe; MOURA, Walter José Faiad de. Manual de Direito do Consumidor. 4.
ed. Brasília/DF: Escola Nacional de Direito do Consumidor, 2014.
BONATO, Claudio. Código de defesa do consumidor: cláusulas abusivas nas relações contratuais de
consumo. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1994.
62
DRUCKER, Peter F. The essential Drucker: the best of sixty years of Peter Drucker's essential
writings on management. New York: First Collins, 2001.
DUPAS, Gilberto. Ética e poder na sociedade da informação. Rio de Janeiro: Editora Unesp, 2000.
FILOMENO, Jose Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. 14. ed. Rio de Janeiro:
Atlas, 2016.
FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. 3. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2014.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de defesa do consumidor comentado: artigo por artigo. 13.
ed. Salvador: JusPODIVM, 2016.
GIANCOLI, Brunno Pandori. Plandec não trata de sobreposição de normas de consumo. Revista
Consultor jurídico, 16 maio 2013. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2013-mai-
16/brunno-giancoli-Plandec-nao-trata-sobreposicao-normas-consumo?imprimir=1>. Acesso em:
fev. 2018.
GOUVEIA, Luis Manoel Borges. Sociedade da Informação: notas de contribuição para uma definição
operacional. 2004. Disponível em: < homepage.ufp.pt/lmbg/reserva/lbg_socinformacao04.pdf >.
Acesso em: fev. 2018.Acesso em: mar. 2018.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 9. ed.
São Paulo: Malheiros, 2004.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2007.
______. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
GUEDES, Marcelo Nunes. Jurimetria: como a Estatística pode reinventar o Direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016.
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2007.
63
HIPPEL, Eike von. Verbraucherschutz. Tübingen: Mohr, 1979.
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 3. ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012.
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Contratos no Código do Consumidor: pressupostos gerais. Justitia,
Revista do Ministério Público de São Paulo, v. 160, out./dez. 1992. São Paulo. Disponível em:
<http://www.revistajustitia.com.br/revistas/4dwdcy.pdf>. Acesso em: fev. 2018.
LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coord.) Direito e internet: aspectos jurídicos
relevantes. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
LUCCA, Newton de. Direito do Consumidor. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992.
MEIR, Roberto (Org.). Do código ao compromisso: propostas efetivas para melhoria dos serviços ao
consumidor no Brasil. São Paulo: Editora Padrão, 2011.
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
______. Contratos no Código de defesa do consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. São Paulo: Vide Editorial, 2016.
64
SALAMA, Bruno Mayerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV 22,
São Paulo, v. 5, n. 2, 2008.
SALAMA, Bruno Mayerhof. The art of law and macroeconomics. University of Pittsburgh Law
Review, Pittsburgh, v. 74, n. 2, winter 2012.
SALAMA, Bruno Mayerhof. Análise econômica do direito. In: Celso Fernandes Campilongo,
Álvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (Coords.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. 1.
ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em:
<https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/41/edicao-1/analise-economica-do-direito>. Acesso
em fev. 2018.
STIGLITZ, Gabriel. Protección jurídica del consumidor. Buenos Aires: Depalma. 1986.
SOARES, Fábio Lopes. Direito Empresarial e do Consumidor. 2º ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2020.
TAKAHASHI, Tadao (Org.). Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Org. Tadao
Brasília/DF: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000.
THOMAZ, Afrânio Carlos Moreira. Lições de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Lumen
Iuris, 2009.
VISMONA, Edson Luiz; BARREIRO, Adriana Eugenia Alvim. Ouvidoria brasileira: o cidadão e
as instituições. Campinas: Editora Unicamp, 2015.
WADA, Ricardo Morishita; ANDRADE, Vitor Moraes. Atlas comparativo das normas de serviço
de atendimento ao consumidor. São Paulo: Padrão Editorial, 2011.
65
PROFESSOR-AUTOR
Fábio Lopes Soares é pós-doutorando em Direito (ULISBOA),
Ph.D. em Business Administration (FCU/EUA), mestre em Direito da
Sociedade da Informação pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU),
MBA em Gestão Econômica e Estratégica de Negócios, pela Fundação
Getulio Vargas (FGV), especialista em Negociações Econômicas
Internacionais, pela Unesp e Unicamp, bacharel em Direito, pela Faculdade
de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC), com OAB em São Paulo,
além de contabilista formado pela Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etesp). Com
conhecimentos especializados na área de defesa do consumidor, apresenta domínio das
ferramentas de qualidade MCQ e PMO e possui certificações ISO, sendo green belt em Six Sigma
e CPC-A. Participante efetivo da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-SP, do comitê
setorial de Ouvidoria da Abrarec e da Associação Brasileira de Ouvidores (ABO), além de
membro da Brasilcon. Especialista convidado pelo Jornal O Estado de São Paulo e pelo JOTA
(portal de notícias da UOL). Atua ainda como parecerista da Controladoria Geral da União
(CGU). É fundador e consultor da Bureau Sapientia, atuou por mais de 17 anos no mercado
financeiro, no Governo Federal e Estadual, como gestor e CFO, estando à frente de processos
gerenciais das áreas de Ouvidoria, Sistemas de Controle Operacionais, Relações de Consumo,
Compliance e Jurimetria. Atua ainda como professor convidado e coordenador acadêmico
executivo nos cursos de extensão, pós-graduação e MBA da Escola de Administração e docente
convidado da Escola de Direito Rio da Fundação Getulio Vargas.
66