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INTRODUÇÃO

Desde a antiguidade, as relações comerciais se fazem presentes na


sociedade e, com o passar dos séculos, independentemente de o objeto
dessas relações ser um bem ou uma prestação de serviços, diversos
princípios e regras tiveram de ser criados para disciplinar as normas de
conduta entre fornecedores e consumidores. Apesar disso, muitas vezes,
o desequilíbrio ainda se faz presente, sendo necessária uma ação mais
ostensiva para que os negócios e pactos firmados sejam cumpridos a
contento. Nesse sentido, para os casos cujas relações entre empresa e
consumidor se dão de maneira direta (business-to-consumer – B2C), o
Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi um marco, ganhando
destaque ao estabelecer regras para uma relação equilibrada.
Em 2016, ocupando a segunda colocação no ranking geral da
Justiça Estadual, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com
1.622.414 processos, o Direito do Consumidor foi considerado o tema
mais demandado em termos de juizados especiais, com 1.096.278
demandas. Considerando tais números, podemos inferir que, por conta
do desequilíbrio entre as relações comerciais, milhares de pessoas
precisaram recorrer ao judiciário para terem analisados os seus direitos
por alguém especializado, o que evidencia a importância do tema nos
dias atuais.
A apostila Aspectos legais nas relações de consumo foi então
concebida a fim de fornecer o conhecimento necessário à identificação
dos princípios básicos da defesa do consumidor no Brasil, apresentando
os direitos, deveres e principais responsabilidades existentes em uma
relação de consumo. São também focos deste material o Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os direitos básicos, as
práticas abusivas e as tendências de julgamentos ligados ao tema do
consumo, além das soluções alternativas de conflito, que visam ao
menor custo, à maior tutela e à garantia de legalidade das decisões. Sob
esse foco, esta apostila foi estruturada em quatro módulos.
No módulo I, analisaremos os princípios básicos de uma relação
justa entre fornecedor e consumidor. Para tanto, recordaremos os fatos
que originaram o direito consumerista no âmbito nacional,
classificando as relações de consumo, os seus agentes, respectivos
direitos e obrigações.
No módulo II, discutiremos acerca dos limites que premeiam a transparência e a harmonia
na relação entre consumidor e fornecedor. Para tal, cláusulas contratuais, acesso a informações,
exigências, direitos e obrigações serão abordadas de modo direto e fundamentado em cada um dos
tópicos, de forma a proporcionar o entendimento das noções de governança e compliance nas
relações de consumo.
No módulo III, conheceremos a complexa estrutura idealizada e implementada no Brasil
para que se protejam os fornecedores e consumidores, garantindo-lhes direitos e deveres dentro de
uma relação que deveria ser equilibrada juridicamente. Em outras palavras, conheceremos os
órgãos responsáveis pela preservação das relações de consumo, como o Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor (SNDC), a forma como se relacionam e a sua ampliação em face da
Sociedade da Informação, assim como os mecanismos de defesa de direitos e deveres.
Por fim, no módulo IV, analisaremos a ocorrência de desequilíbrio em uma relação de
consumo, caso em que devemos classificá-lo na tutela tanto administrativa quanto judicial, de forma
que possamos identificar os seus responsáveis, imputando-lhes o dever de reparar o dano existente.
SUMÁRIO
MÓDULO I – RELAÇÕES DE CONSUMO E DIREITOS BÁSICOS ........................................................... 7

HISTÓRIA DA DEFESA DO CONSUMIDOR NO BRASIL ................................................................... 7


Modelo intervencionista estatal .............................................................................................. 8
Base constitucional e fontes de inspiração do Código brasileiro ....................................... 9
Fenômeno do “consumerismo” e influência histórica dos EUA ................................... 10
Evolução da proteção ao consumidor .................................................................................. 10
RELAÇÕES DE CONSUMO: CONCEITOS DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR ................................... 12
Consumidor .............................................................................................................................. 12
Pessoa jurídica .................................................................................................................... 14
Coletividade ......................................................................................................................... 14
Fornecedor................................................................................................................................ 16
DIREITOS E DEVERES BÁSICOS, GARANTIA DE PRODUTOS E SERVIÇOS ................................... 16
CDC e Estado ............................................................................................................................ 18
PRAZOS DE RECLAMAÇÃO E PRÁTICAS ABUSIVAS....................................................................... 19
Modalidades de garantia ........................................................................................................ 19
Garantia legal ...................................................................................................................... 20
Garantia contratual ............................................................................................................ 21
Garantia estendida ............................................................................................................. 21
Prazos ........................................................................................................................................ 22
Condições abusivas ................................................................................................................. 24

MÓDULO II – SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E PROTEÇÃO CONTRATUAL ..................................... 27

SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR ..................................................... 27


Definição de Sociedade da Informação ................................................................................ 27
Tecnologia e mercado digital ................................................................................................. 29
Necessidade de regulamentação .......................................................................................... 29
PUBLICIDADE ABUSIVA E CONTRATOS DE CONSUMO ............................................................... 31
Tipos de publicidade abusiva ................................................................................................. 31
Contratos de adesão ............................................................................................................... 31
COBRANÇA DE DÍVIDAS E DIREITO DE ARREPENDIMENTO........................................................ 32
BANCO DE DADOS E CADASTROS.................................................................................................. 33

MÓDULO III – SNDC – SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A TUTELA


ADMINISTRATIVA ................................................................................................................................. 35

CDC COMO BASE PARA CRIAÇÃO DE NORMAS REGULADORAS NAS EMPRESAS.................... 35


Plandec ...................................................................................................................................... 38
Marco Civil da Internet ....................................................................................................... 41
PONTOS POLÊMICOS DO PLANDEC .............................................................................................. 42
SNDC e Senacon....................................................................................................................... 43
SANÇÕES ADMINISTRATIVAS .......................................................................................................... 44
DECRETO Nº 2.181/97 E PROCESSO ADMINISTRATIVO............................................................... 45
Jornada do consumidor .......................................................................................................... 45
CANAIS DE RECLAMAÇÃO ............................................................................................................... 46
Ranking de reclamações .......................................................................................................... 46
Consumidor.gov.br............................................................................................................. 47
Ouvidorias ................................................................................................................................. 47

MÓDULO IV – RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DO CONSUMIDOR .................................... 49

RESPONSABILIDADE PELO FATO E VÍCIO DO PRODUTO ............................................................ 49


Prazos ........................................................................................................................................ 50
Responsabilidade civil nas relações de consumo ............................................................... 51
Causas excludentes da responsabilidade civil ............................................................... 52
DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO, DIREITO COLETIVO E DIREITO DIFUSO .......................... 53
Interesses ou direitos individuais homogêneos .................................................................. 54
Interesses ou direitos coletivos ............................................................................................. 54
Interesses ou direitos difusos ................................................................................................ 54
DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO ............................................................................................ 55
EJUS E TENDÊNCIAS DOS TRIBUNAIS ............................................................................................ 56
Mudanças e questões a serem respondidas ....................................................................... 56
Estratégia nacional de não judicialização (Ejus)................................................................... 57
Alternativas promovidas pela Senacon, decorrentes da Enajud ................................. 58
Jurimetria .................................................................................................................................. 59
Governança corporativa ......................................................................................................... 60
Governança cidadã ............................................................................................................. 61

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 62

PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 66
MÓDULO I – RELAÇÕES DE CONSUMO E
DIREITOS BÁSICOS

Neste módulo, analisaremos os princípios básicos de uma relação justa entre fornecedor e
consumidor. Para tanto, recordaremos os fatos que originaram o direito consumerista no âmbito
nacional, classificando as relações de consumo, os seus agentes, respectivos direitos e obrigações.

História da defesa do consumidor no Brasil


Ao redor do mundo, a proteção do consumidor é considerada um grande desafio e, por
isso, consiste em um dos temas mais estudados na área jurídica atualmente. Apesar de esse
fenômeno jurídico ser totalmente desconhecido há bem pouco tempo, a história nos mostra que,
entre os séculos XX e XXI, alguns fenômenos marcaram o nascimento e desenvolvimento do
Direito do Consumidor como disciplina jurídica autônoma. Tais fenômenos são resultantes de
um novo modelo de associativismo: a sociedade de consumo (mass consumption society ou
konsumgesellschaft), caracterizada pela oferta crescente de produtos e serviços, pelo uso sem
precedentes de crédito, pela utilização maciça do marketing e pela dificuldade de acesso à justiça.
Nesse sentido, Grinover e os demais autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor
(2000, p. 6), afirmam o seguinte:

“A sociedade de consumo, ao contrário do que se imagina, não trouxe


apenas benefícios para os seus atores. Muito ao revés, em certos casos a
posição do consumidor, dentro desse modelo, piorou em vez de
melhorar. Se antes fornecedor e consumidor encontram-se em uma
situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até por que se
conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor,
importador, banqueiro ou comerciante) que, inegavelmente, assume a
posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, ‘dita as
regras’. E o Direito não pode ficar alheio a tal fenômeno.”

A vulnerabilidade do consumidor é, portanto, frequente, pois não há mecanismos


suficientes para superá-la no mercado. Dessa forma, a intervenção do Estado torna-se inevitável
nas suas três esferas. Tendo em vista as suas diversas causas possíveis, toda atenção voltou-se a essa
vulnerabilidade, fato que culminou com a criação do inovador Direito do Consumidor.
Quanto às causas dessa fragilidade, estas podem ser decorrentes da intervenção de grupos
econômicos por meios de monopólios e oligopólios, da ausência de informação quanto à
qualidade, ao preço e ao crédito, assim como da falta de conhecimento a respeito de outras
características dos produtos e serviços ofertados. Além disso, o consumidor é cercado de
publicidade sem que tenha a mesma governança que têm os fornecedores.

Modelo intervencionista estatal


Segundo Grinover et al. (2007), a purificação do mercado pode ser feita por meio de dois
modelos: o modelo privado e o modelo de intervencionista estatal. Vejamos a descrição de cada
um desses modelos de acordo com os autores:

“O primeiro é meramente ‘privado’, com os próprios consumidores e


fornecedores auto compondo-se e encarregando-se de extirpar as práticas
perniciosas. Seria o modelo da auto-regulamentação, das convenções
coletivas de consumo e do boicote. Tal regime não se tem demonstrado
capaz de suprir a vulnerabilidade do consumidor. O segundo modelo é
aquele que, não descartando o primeiro, funda-se em normas (aí se
incluindo, no sistema da common law, as decisões dos tribunais)
imperativas de controle do relacionamento consumidor-fornecedor. É o
modelo do intervencionismo estatal, que se manifesta particularmente em
sociedades de capitalismo avançado, como os Estados Unidos e países
europeus” (GRINOVER et al., 2007, p. 7).

Como afirmam esses respeitados juristas, alguns países, preocupados com o mercado de
consumo, regularam tal mercado por meio de leis esparsas e específicas para cada atividade
econômica ligada, diretamente, aos acidentes de consumo que pretendiam tutelar. Esse modelo
foi aplicado por meio da criação de Códigos, cuja função foi a de reunir um conjunto de regras
essências à proteção do consumidor. O Brasil também adotou esse modelo e mostrou-se pioneiro
na codificação do Direito do Consumidor no mundo.

8
Base constitucional e fontes de inspiração do Código brasileiro
No Brasil, a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 optou pela codificação dos direitos
dos consumidores. Dessa forma, o planejamento e a elaboração do Código de Defesa do
Consumidor tem como origem direta a Constituição Federal, diferindo, por exemplo, do modo
como a França construiu a sua proteção, oriunda de uma decisão ministerial.
No modelo brasileiro, a Constituição Federal determina que, ao cuidar dos direitos e
garantias fundamentais, “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (CFC,
art. 5, inciso XXXII). No entanto, o legislador entendeu que essa disposição não bastaria e, mais
adiante, por meio do art. 48 do Ato das Disposições Transitórias, determinou que o Congresso
Nacional, dentro de 120 dias da promulgação da Constituição, deveria elaborar o Código de
Defesa do Consumidor. Fruto de uma sociedade de consumo e do crescimento massificado da
oferta e procura de bens de consumo, o Direito do Consumidor foi então reconhecido como um
princípio constitucional.
Para criação do texto, os redatores do Código de Defesa do Consumidor buscaram
inspiração em modelos legislativos estrangeiros já vigentes, tendo o cuidado de evitar a transcrição
simples e pura dos textos estrangeiros sobre o tema. Durante todo o trabalho de elaboração
partiu-se, portanto, da ideia de que o mercado de consumo brasileiro e o próprio Brasil têm
peculiaridades e problemas próprios. Desse modo, apesar da influência de outros ordenamentos,
foram diversos os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor se que mostraram diferentes,
afastando qualquer tentativa de comparação com outras leis de consumo.

A base dos direitos do consumidor está em uma resolução


da Assembleia Geral das Nações Unidas, datada de 9 de
abril de 1985: a Resolução 39/248.

A principal influência veio do Projet de Code de la Consommation, redigido sob a presidência


do professor Jean Calais-Auloy. Outras importantes influências decorrem das leis gerais da
Espanha (Ley General para la Defesa de los Consumidores y Usuários – Lei 26/1984), de Portugal
(Lei 29/81, de 22 de agosto), do México (Lei Federal de Protección al Consumidor, de 5 de
fevereiro de 1976) e de Quebec (Loi sur la Protection du Consommateur, promulgada em 1979).
Quanto ao seu conteúdo, o Código de Defesa do Consumidor buscou inspiração direta,
principalmente, no Direito comunitário da Europa, especificamente nas Diretivas 84/450, que
diz respeito à publicidade, e 85/374, que versa sobre a responsabilidade civil pelos acidentes de
consumo. Houve também, em alguns casos, a influência do Direito americano, pois as regras
europeias foram inspiradas em cases e statutes estadunidenses.

9
Fenômeno do “consumerismo” e influência histórica dos EUA
Por se tratar de um fenômeno jurídico totalmente diferente do existente nos séculos
passados, para compreendermos o Código de Defesa do Consumidor, é necessário que façamos
uma análise propedêutica e histórica do homem no século XX, cuja vida, como vimos, ocorreu
sobretudo em função de um novo modelo de associativismo: a sociedade de consumo.
O fenômeno do “consumerismo” – ou, como afirmam Gasset e Ortega (2016), a
“revolução das massas” – é visível tanto nas sociedades industrializadas quanto nas economias em
desenvolvimento, caracterizando-se sobretudo pela busca da satisfação de necessidades que,
muitas vezes, demonstram-se irreais ou incorretamente hierarquizadas. Essa contradição ocorre
em função de um condicionamento psicológico criado por uma estratégia de produção industrial
extremamente dinâmica quanto à oferta de novidades.
O Direito do Consumidor como disciplina autônoma e microssistema jurídico com
princípios próprios trata-se, portanto, “de um novo direito privado, resultado da influência dos
direitos civis e dos direitos sociais e econômicos” (BENJAMIN, 2013, p. 39). Podemos afirmar
que o Direito do Consumidor ofereceu então uma nova forma de realizar o direito privado.
De certo que a origem histórica do Direito do Consumidor é anterior à sua aplicação e ao seu
desenvolvimento no Brasil. Tradicionalmente, essa origem é atribuída aos Estados Unidos, pois esse
foi o primeiro país a sofrer as consequências do agressivo sistema produtivo e do marketing, sobretudo
no que diz respeito ao consumo em massa e à comercialização de produtos e serviços.

Evolução da proteção ao consumidor


Segundo Lucca (2008, p. 7), existem três fases relativas à evolução da proteção ao
consumidor no mundo. Vejamos:

a) Primeira fase:
Na primeira fase de evolução, ocorrida após a 2ª Guerra Mundial, ainda não se distinguiam
os interesses de fornecedores e consumidores. Nessa época, o preço, a informação e a rotulação
adequada dos produtos eram os pontos de preocupação.

b) Segunda fase:
Na segunda fase, iniciou-se o questionamento da atitude de menoscabo das empresas para com
os consumidores. Nesse momento histórico, sobressaiu-se a figura do advogado Ralph Nader.

c) Terceira fase:
A terceira fase de evolução da proteção ao consumidor é marcada por uma consciência ética
mais intensa. Nessa fase, “interroga-se sobre o destino da humanidade, conduzido pelo torvelinho
de uma tecnologia absolutamente triunfante e pelo consumismo exagerado, desastrado e trêfego,
que põe em risco a própria morada do homem” (LUCCA, 2008, p. 7).

10
Já na Roma Antiga, no período Justiniano, a responsabilidade pelos vícios da coisa era
atribuída ao vendedor, mesmo que esse desconhecesse o defeito do seu produto ou serviço. Dessa
forma, reconhecia-se a boa-fé do consumidor como fundamento para as ações redibitórias e
quanti minoris em caso de ressarcimento de vícios ocultos na coisa vendida.
No entanto, foi após as duas Guerras Mundiais, quando se gerou a então conhecida
sociedade de consumo, que as características contratuais se modificaram: os contratos paritários,
fruto de acordos de vontade, discutidos cláusula a cláusula, tornaram-se menos frequentes, dando
lugar aos contratos por adesão. Essa alteração ocorreu como resultado do desenvolvimento
industrial dos Estados Unidos e da sua necessidade de atrair consumidores para os diversos
produtos oriundos das tendências econômicas da época. No entanto, o conteúdo desses contratos
sempre trazia mais vantagens à parte que os propôs e, dessa forma, perpetuava a desigualdade na
relação entre fornecedores e consumidores.
O marco histórico para o reconhecimento do consumidor como sujeito de direitos ocorreu
em 1962, quando o presidente estadunidense John Kennedy enumerou quatro direitos do
consumidor, considerando-os um desafio necessário para o mercado. Em seu discurso, Kennedy
identificou os aspectos mais importantes na questão da proteção ao consumidor, afirmando que
os bens e serviços deveriam ser seguros para uso e comercializados a preços adequados e justos,
oferecendo assim um novo paradigma para uma relação em que, até então, somente o fornecedor
tinha direito. Nesse momento, com base nos valores fundamentais da pessoa humana, iniciou-se a
busca pelo aperfeiçoamento das relações de consumo, considerando-se a parte mais fraca como
aquela que precisava satisfazer as suas necessidades vitais.

Em 5 de março de 1962, Kennedy enumerou quatro direitos


fundamentais do consumidor, tendo sido essa data
reconhecida pelo Congresso estadunidense como o Dia
Mundial dos Direitos Consumidor.

No Brasil, esses direitos também inspiraram a criação do Código de Defesa do


Consumidor, influenciando o aperfeiçoamento das instituições tanto do poder público quanto da
iniciativa privada. São eles:
1. direito à saúde e à segurança – relacionado à comercialização de produtos perigosos à
saúde e à vida;
2. direito à informação – relacionado à propaganda e à necessidade de o consumidor ter
informações sobre o produto para garantir uma boa compra;
3. direito à escolha – relacionado aos monopólios e às leis antitrustes, incentivando a
concorrência e a competitividade entre os fornecedores, e
4. direito a ser ouvido – relativo à necessidade de os interesses dos consumidores serem
considerados no momento da elaboração de políticas governamentais.

11
O nascedouro do Código de Defesa do Consumidor no Brasil, reunidas as condições
necessárias, constituiu-se na construção de uma política nacional de relações de consumo cuja
legislação é considerada a mais avançada do mundo. Antes da publicação da Lei 8.078/90, no
entanto, tivemos a criação da Autarquia de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), que
ocorreu em 1976, e do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), em 1987, instituições ainda
atuantes nos dias de hoje.
A seguir, podemos observar os acontecimentos históricos que marcaram a evolução dos
direitos do consumidor no Brasil:

Fonte: MEIR, Roberto (Org.). Do código ao compromisso: propostas efetivas para melhoria dos serviços ao
consumidor no Brasil. São Paulo: Editora Padrão, 2011.

Relações de consumo: conceitos de consumidor e fornecedor


Consumidor
Segundo os relatores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, o conceito de
consumidor adotado pelo CDC tem caráter exclusivamente econômico, ou seja, foi construído
levando-se em consideração tão somente a personagem que, no mercado de consumo, adquire
bens ou contrata a prestação de serviços como destinatário final. Pressupõe-se ainda que tal
personagem age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria, e não ao

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desenvolvimento de uma outra atividade negocial. Dessa forma, no seu texto, os relatores
buscaram abstrair componentes de natureza sociológica, que os levariam a caracterizar o
consumidor como um indivíduo pertencente a determinada classe social ou categoria psicológica,
como aquele que usufrui ou se utiliza de bens e serviços, e cujas reações e motivações internas para
o consumo são estudadas para que se individualizem os critérios de produção. Buscaram também
os relatores desconsiderar elementos de ordem literária e até filosófica, embora tais elementos
sejam relevantes para efeitos de análise publicitária.
Othon Sidou (1977) afirma que, de modo conciso, podemos dizer que o consumidor é
aquele que compra para uso próprio. No entanto, entendendo que o Direito exige uma explicação
mais precisa, Sidou assim o define:

“[...] consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata,


para utilização, a aquisição de mercadoria ou a prestação de serviço,
independentemente do modo de manifestação da vontade, isto é, sem
forma especial, salvo quando a lei expressamente a exigir” (SIDOU,
1977, p. 32).

Tal conceituação é a que mais se aproxima da adotada pelo CDC, pois a intenção é
acentuar tão somente o aspecto econômico-jurídico do termo. A partir da explicação de Sidou,
podemos construir a nossa própria, assim caracterizando o consumidor:

Consumidor é qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada


ou coletivamente, contrata para consumo final, em benefício
próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens,
bem como a prestação de um serviço.

Devemos, no entanto, buscar analisar o consumidor também do ponto de vista coletivo,


sobretudo se considerarmos que todos os consumidores podem estar sujeitos a campanhas
publicitárias enganosas e abusivas, assim como ao consumo de produtos e serviços perigosos.
Além disso, é inevitável analisarmos o consumidor como um dos partícipes das relações de
consumo, que são relações jurídicas por excelência. Dessa forma, procurando tratar desigualmente
pessoas desiguais, devemos levar em conta que o consumidor está em situação de manifesta
inferioridade frente ao fornecedor de bens e serviços.
Para Claudio Bonato (2004, p. 19), a relação de consumo pode ser definida como “a
relação jurídica existente entre consumidor e fornecedor, tendo como objeto a aquisição ou a
utilização de produto ou serviço pelo consumidor.” Com isso, apesar de o Código de Defesa do
Consumidor não conter norma jurídica conceitual, apresenta conceitos das espécies de sujeito e
dos objetos da prestação dessa relação, quais sejam, produtos e serviços.

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Conforme afirmam os autores do anteprojeto do CDC, em toda relação de consumo:
 estão envolvidas, basicamente, duas partes definidas – de um lado, o adquirente de um
produto ou serviço (consumidor) e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto
ou serviço (produtor/fornecedor);
 busca-se a satisfação de uma necessidade privada do consumidor e
 arrisca-se a submeter-se ao poder e às condições dos produtores de bens e serviços o
consumidor que não dispõe, por si só, de controle sobre a produção dos bens de
consumo ou da prestação de serviços que lhe são destinados.

Considerando tais aspectos, a partir do movimento consumerista, passou-se a entender o


consumidor como uma pessoa hipossuficiente e vulnerável. Tais características também vieram a
ser adotadas pelo movimento sindicalista que, sobretudo a partir da segunda metade do século
XIX, surgiu para reivindicar melhores condições de trabalho e qualidade de vida, sempre com o
olhar sobre o binômio maior poder aquisitivo/melhores bens e serviços.

Pessoa jurídica
As pessoas jurídicas são consideradas, igualmente, consumidoras de produtos e serviços, desde
que destinatárias finais dos produtos ou serviços que adquirem. Em outras palavras, os produtos ou
serviços adquiridos não podem ser parte necessária ao desempenho da sua atividade lucrativa.
Podemos entender ainda as pessoas jurídicas consumidoras como hipossuficientes, já que tal
aspecto é indissociável do conceito de consumidor.
Dessa forma, no artigo 2º do CDC, temos:

“Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou


utiliza produto ou serviço como destinatário final.”

Essa definição deve ser interpretada o mais extensivamente possível, para que as normas do
CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de mercado. Devemos
entender, com isso, que a definição do citado artigo é puramente objetiva, não importando ser
pessoa física ou jurídica, desde que seja destinatária final. O destinatário final seria, portanto, o
destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome.

Coletividade
No parágrafo único do artigo 2º do CDC, encontrarmos a seguinte definição:

“Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,


ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”

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Podemos notar que o referido artigo não trata mais do consumidor determinado e
individual, mas sim de uma coletividade de consumidores, sobretudo quando indeterminados e
intervenientes em dada relação de consumo.
A ideia de coletividade torna-se ainda mais clara se levarmos em conta a classe dos
chamados interesses difusos (direitos difusos e coletivos), expressamente tratados no inciso I do
art. 81 do CDC. Vejamos:

“Art. 81 A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas


poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”

Para Filomeno (2016, p. 144), essa definição:

"[...] vai além dos aspectos retro focados, com a universalidade, ou


mesmo com grupo, classe ou categoria de consumidores relacionados a
um determinado bem ou serviço, perspectiva tal extremamente perspicaz
e realista, porquanto é natural que se previna, por exemplo, o consumo
de bens perigosos ou nocivos, de forma a beneficiar-se abstratamente as
referidas universalidade e categorias de potenciais consumidores."

O autor também nos ensina o seguinte quanto à definição do CDC:

"[...] envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado o


adquirente de um produto ou serviço (consumidor); de outro o
fornecedor ou vendedor de um serviço ou produto
(produtor/fornecedor).”

Podemos afirmar, portanto, que o CDC se fez um Código geral sobre o consumo e para
uma sociedade de consumo, compreendendo normas e princípios para todos os agentes do
mercado, que podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores.

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Fornecedor
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) assim define o fornecedor:

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,


nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços.”

No referido artigo, devemos entender o termo “atividade” como toda ação efetivada de
forma habitual – vale dizer, profissional ou comercial – para entregar um produto ou serviço
prestado. Esse conceito compreende, portanto, dois limites: a atividade deve ser habitual e
exercida de forma profissional. Ser habitual significa que não basta a prática isolada de atos; esses
devem ser praticados de maneira reiterada.
Nesse sentido, podemos concluir que estarão excluídos da tutela prevista no CDC os
contratos firmados entre consumidores não profissionais, que não atuem em sua atividade-fim,
uma vez que não existe habitualidade.

Direitos e deveres básicos, garantia de produtos e serviços


Segundo Donato (1994), o Código de Defesa do Consumidor (CDC) adota como técnica
a enunciação expressa dos princípios fundamentais, arrolados em seus artigos 1º ao 7º,
decorrentes da pormenorização das normas-preceito.
Junto ao âmbito dos princípios fundamentais, está consignado, no inciso I do artigo 6º do
CDC, a efetiva preocupação do legislador em conferir proteção à vida, à saúde e à segurança do
consumidor, contra os riscos provocados pelo fornecimento de produtos ou serviços considerados
perigosos ou nocivos.
O CDC não está, dessa forma, restrito unicamente a possíveis reparações de danos causados
ou provocados ao consumidor, mas visa também à proteção do consumidor contra todos os riscos
que podem emanar dos produtos e serviços, pela simples expectativa ou possibilidade de exposição
a esses perigos. Em outras palavras, a simples exposição do consumidor aos riscos provocados pela
colocação desses produtos no mercado de consumo mostra-se suficiente para que se lhe outorgue
a tutela efetiva.

Torna-se então preventiva a tutela conferida ao consumidor,


antes de caracterizar-se como reparadora.

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Por entender não ser suficiente a outorga desse direito, o legislador dispôs como princípio
fundamental, no inciso VI do artigo 6º do CDC, o seguinte direito:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


[...]
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos;”

Por meio desse inciso, foi fornecida então a garantia de prevenção e reparação de todas as
espécies de danos (patrimoniais e morais) que possam vir a incidir sobre as diversas esferas de
interesse e direito do consumidor (individuais, coletivos e difusos). A partir desse princípio
fundamental, confere-se ao consumidor a possibilidade de ver-se reparado na sua incolumidade
tanto econômica quanto físico-psíquica deferida pela comutatividade, ora permissiva, das
indenizações reparadoras dos danos patrimoniais e morais.
Devemos mencionar também a conjugação que se pode realizar entre o dispositivo contido
no inciso I do artigo 6º e o disposto no artigo 3º desse mesmo diploma legal. Vejamos:

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,


nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços.”

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


[...]
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por
práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos
ou nocivos;”

No artigo 3º, ao conceituar fornecedor, o legislador enumerou algumas das diversas espécies
de atividades econômicas que podem ser desenvolvidas por esse sujeito da relação de consumo.
Dessa forma, ao buscarmos a essência desse dispositivo, constataremos que fornecedor é todo
aquele que pratica alguma atividade no mercado. De modo complementar, no artigo 6º, o
legislador aponta que tal atividade deverá ser realizada de acordo com as regras estabelecidas pelo
CDC, ocorrendo no sentido de não provocar riscos à vida, à saúde e à segurança do consumidor.

17
Ainda sobre o tema, Denari (1990, p. 66) afirma o seguinte:

“Quando alude ao fornecedor, o Código de Defesa do Consumidor faz,


amplamente, a referência ao operador econômico que intervém no mercado
de consumo, colocando bens e serviços à disposição dos consumidores. A
responsabilidade civil do fornecedor deriva, justamente, da colocação de
bens e serviços no mercado de consumo, fato econômico que engendra
relações jurídicas de consumo, sinteticamente, relações de consumo.”

CDC e Estado
Costuma-se dizer que o Estado, esse ente jurídico que tem como missão principal a busca
pelo chamado bem comum, tem na defesa do consumidor o fim por ele visado. Segundo
Filomeno (2016, p. 1) essa afirmação se justifica porque:

“[...] somente se concebe a existência do próprio estado na medida em


que se estabelecem condições mínimas e indispensáveis para que todo ser
humano se realize de forma integral. Nesse sentido, produtos e serviços,
colocados no mercado, têm por fim assegurar a todos os seres humanos
existência condigna para que desenvolvam todas as suas potencialidades.”

No Brasil, mesmo antes da criação do Código de Defesa do Consumidor, com a publicação


da Lei 8.078 em 1990, diversos movimentos já visavam garantir que o equilíbrio nas relações de
consumo fosse adequado. O Código de Defesa do Consumidor nasceu então como uma norma
de ordem pública e interesse social, sendo considerado um microssistema jurídico, além de uma
lei inter e multidisciplinar.

O conhecimento dos direitos e deveres de cada cidadão faz


parte da construção de uma cidadania cujo vínculo ocorre a
cada oportunidade que o indivíduo tem de exercer
livremente as suas escolhas, com a tutela de um Estado que
busca o bem comum.

18
O CDC foi idealizado para viabilizar a proteção do consumidor quando este se envolve na
busca ou aquisição de produtos e serviços. Além disso, visa harmonizar os interesses dos
participantes das relações de consumo constituídas (art. 4º, inciso III), na medida em que
reconhece a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor, princípios que veremos com
mais detalhes a seguir:

a) Vulnerabilidade:
A vulnerabilidade decorre da posição de inferioridade do consumidor frente ao fornecedor
do produto ou serviço. Nesse caso, há previsão constitucional de que o cidadão poderá exigir do
Estado a promoção dos seus interesses.
Além disso, a tutela da parte mais fraca está amparada pelo princípio da dignidade da pessoa
humana, somada à boa-fé do consumidor na relação de consumo. Considera-se por boa-fé a
condição do consumidor que, na relação de consumo, deva agir com lealdade, verdade e ética,
evitando condutas que prejudiquem as legítimas e esperadas expectativas da outra parte.

b) Hipossuficiência:
A hipossuficiência é uma condição extremada de vulnerabilidade relativa ao consumidor de
boa-fé, comprovada pela incapacidade probatória do fato alegado, o que está vinculado à sua
situação econômica. Dessa forma, o consumidor é hipossuficiente quando é considerado mais
frágil ou carente financeiramente em uma relação processual ou comercial, podendo estar
associado à condição de alguém que não tem as condições básicas para garantir a sua sobrevivência
com qualidade de vida e dignidade.

A Defesa do Consumidor coloca ao dispor do cidadão


institutos e instrumentos que lhe garantirão as efetivas e
integrais reparação e prevenção dos danos que lhe tenham
sido causados por um fornecedor de produtos ou serviços.

Prazos de reclamação e práticas abusivas


Modalidades de garantia
Para assegurar o direito do consumidor em relação ao produto ou serviço adquirido, via de
regra, há três modalidades de garantia que podem ser usufruídas:
 garantia legal;
 garantia contratual e
 garantia estendida.

19
Veremos cada uma dessas modalidades a seguir.

Garantia legal
Quanto à garantia legal, vejamos o que nos diz o conteúdo dos artigos 26 e 27 da Lei nº
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC):

“Art. 26 O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil


constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos
não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de
produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva
do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o
fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente,
que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no
momento em que ficar evidenciado o defeito.

Art. 27 Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos


causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste
Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do
dano e de sua autoria.
Parágrafo único. (Vetado).” (grifos nossos)

Da leitura da norma apresentada, depreendemos que as garantias legais independem da sua


manifestação por contrato, sendo asseguradas ao consumidor por meio do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), de maneira taxativa, com relação aos bens duráveis (automóveis e utensílios
eletrônicos, pode exemplo) e aos bens não duráveis (alimentos perecíveis). Todavia, o início da
contagem do prazo do direito de reclamar pode ser modificado a depender do tipo de defeito que
se mostra ao consumidor. Tratando-se de vício oculto, por exemplo, o prazo para a perda do
direito começa a contar a partir do momento em que ficar evidenciado o defeito.

20
Garantia contratual
Modernamente, é também oferecida a garantia adicional contratual ao consumidor. Nesse
caso, o fornecedor faz constar expressamente no seu contrato a garantia, especificando o prazo e as
condições para conceder tais benesses. Em geral, essas informações constam de um documento
formal conhecido como “Termo de garantia”.

Garantia estendida
No mercado atual, podemos identificar ainda um produto chamado “garantia estendida”,
por meio do qual, geralmente, uma entidade seguradora cobre para proteger o capital investido
pelo consumidor por quanto tempo este estiver disposto a pagar. Nessa categoria, identificam-se
três tipos de garantia:
 a original, cuja cobertura é igual à da garantia oferecida pelo fornecedor;
 a original ampliada, que possui acréscimos à original e
 a diferenciada, que é menos abrangente que a original, cobrindo somente algumas
situações específicas.

Não são raras as situações em que o consumidor se vê quase coagido a adquirir tais
“garantias estendidas” quando adquire um produto ou serviço, uma vez que alguns fornecedores,
por estratégia comercial, condicionam determinada situação (descontos ou brindes, por exemplo)
à sua aquisição. Em jargão comercial, essa ação é conhecida como venda casada ou GA (por goela
abaixo). Tal prática é, no entanto, expressamente vedada pelo CDC. Vejamos:

“Art. 39 É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras


práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao
fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa
causa, a limites quantitativos;” (grifos nossos)

Nas palavras do então político Geraldo Alckmin Filho, na exposição de motivos quando da
construção do CDC, ensinou Ada Pelegrini Grinover (2007, p 372) “O Código prevê uma série
de comportamentos, contratuais ou não, que abusam da boa-fé do consumidor, assim como de
sua situação de inferioridade econômica e técnica. Ë possível, portanto, que tais práticas sejam
consideradas ilícitas, independentemente da ocorrência de dano para o consumidor”.
Seguindo com as vedações a que se refere o inciso I do artigo 39 do CDC, podemos
identificar a vedação imposta pelo Código ao fornecedor quanto ao estabelecimento de limites
quantitativos sem justa causa. Como exemplo, podemos mencionar o Recurso Especial (REsp)

21
1068944, por meio do qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou favoravelmente ao
consumidor, considerando abusiva a obrigação de o usuário/contratante adquirir franquia de
pulsos no serviço de telefonia independentemente do seu uso efetivo.

Prazos
O CDC, estabelece um prazo máximo ao fornecedor (de serviços ou mercadorias) para
sanar o problema do consumidor. Quanto ao tema, vejamos o que nos diz o conteúdo do artigo
18 do CDC:

“Art. 18 Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não


duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou
quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que
se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles
decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da
embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações
decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição
das partes viciadas.
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode
o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas
condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada,
sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.” (grifos nossos)

Como podemos observar, passados trinta dias da notificação, caso o fornecedor não solucione o
problema ou defeito do produto ou serviço disponibilizado, o consumidor poderá exigir:
 a substituição do produto por outro similar;
 a restituição imediata da quantia desembolsada pelo produto ou serviço, ou
 um abatimento proporcional no preço pago.

É importante ressaltarmos que a substituição deve ser imediata caso os bens com defeito
sejam essenciais, como fogões, geladeiras, balões de oxigênio, etc.
Ainda a partir da análise do artigo 18, podemos notar que há solidariedade entre fabricante
e revendedor no tocante à reparação do produto, ficando a critério do consumidor a escolha de
quem resolverá a sua situação por meio de reclamação direcionada.

22
Quanto aos demais prazos, o CDC estipula expressamente o seguinte:

a) Dados e cadastro inexatos:


O consumidor terá o direito de, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, ver corretos dados e
cadastro inexatos (art. 43, § 3º do CDC).

b) Desistência de contrato:
O consumidor terá o prazo de 07 (sete dias) dias para desistir do contrato, a contar da sua
assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de
fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por
telefone ou a domicílio (art. 49 do CDC). Nesse caso, mesmo que o CDC tenha sido publicado
em 1990, ele contempla também as compras on-line e os meios telemáticos, ou seja, sistemas
comerciais a distância de um ou mais conjunto de serviços informáticos, fornecidos por meio de
uma rede de telecomunicações, como as plataformas de Marketplace.

c) Vício aparente não sanado:


Após 30 dias sem que o vício (aparente) seja sanado, o consumidor poderá exigir,
alternativamente e à sua escolha:
 a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
 a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de
eventuais perdas e danos, ou
 o abatimento proporcional do preço (arts. 18, § 1º do CDC).

d) Vícios aparente ou de fácil constatação em bens não duráveis:


O consumidor terá o prazo de até 30 (trinta) dias, no caso de bens não duráveis, para
reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação (art. 26, I do CDC).

e) Vícios aparente ou de fácil constatação em bens duráveis:


O consumidor terá o prazo de até 90 (noventa) dias, no caso de bens duráveis, para
reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação (art. 26, II do CDC).

f) Vícios não aparentes:


O consumidor terá o prazo de 05 (cinco) anos, no caso de vício não aparente, a contar a partir
do conhecimento do dano e da sua autoria, para ajuizar ação de reparação de danos (art. 27 CDC).

23
Condições abusivas
Segundo Paulo Luiz Neto Lôbo (1992), nas relações de consumo, são abusivas as condições
contratuais que atribuem vantagens excessivas ao predisponente fornecedor e demasiada
onerosidade ao consumidor, gerando assim um injusto desequilíbrio contratual. Nas palavras do
autor (1992, p. 132):

“As cláusulas abusivas são instrumento de abuso do poder contratual


dominante, do fornecedor, em face da debilidade jurídica potencial do
consumidor. Estabelecem conteúdo contratual inócuo, com sacrifício do
razoável equilíbrio das prestações.

A disciplina legal das cláusulas abusivas deve ser aplicada pelo julgador,
tendo presentes os pressupostos da razoabilidade e da busca do ‘justo
equilíbrio entre direitos e obrigações das partes’ ou do ‘equilíbrio
contratual’ (art. 51, §§ 1º e 4º do CDC).”

Como podemos observar, os conceitos indeterminados devem ser preenchidos pela


concretização mediadora do julgador, captando os standards éticos e jurídicos da comunidade no
tempo e no espaço. Isso ocorre em função de a lista de cláusulas abusivas contida no art. 51 do
Código ser meramente exemplificativa, configurando uma tipicidade aberta.
Nesse caso, ainda Lôbo (1992, p. 132) nos ensina o seguinte:

“Um valioso instrumento de análise foi posto à disposição do julgador: a


cláusula geral da boa-fé e da equidade (art. 51, IV, e § 1º do CDC).
Trata-se da boa-fé objetiva, como regra de conduta nas relações jurídicas
obrigacionais. Interessam as repercussões de certos comportamentos na
confiança que as pessoas normalmente nele depositam. Supõe a conduta
honesta, leal, correta. É boa-fé de comportamento. O fornecedor cria
uma situação sobre a qual o consumidor confia, em que não haverá
comportamento enganoso ou abusivo.
O Código do Consumidor, ao optar por conceitos indeterminados e
cláusula geral de boa-fé, lançou sobre os ombros do julgador uma difícil
tarefa, ampliando seus poderes no tocante à revisão dos contratos. A
defesa do consumidor é sua finalidade, por mandamento legal e
constitucional, mas essa tutela não é ilimitada: há de conter-se no âmbito
do equilíbrio contratual.

24
As cláusulas abusivas são nulas ‘de pleno direito’ (art. 51). O regime
definido é o da nulidade e não qualquer outro, como o da anulabilidade
ou o da ineficácia.
O direito cominou-lhe o grau mais elevado de invalidade, porque a tutela
legal do consumidor opera apesar dele. O interesse lesado não pertence
individualmente ao consumidor contratante, mas a toda comunidade
potencialmente prejudicada. Daí a nulidade pode ser suscitada
judicialmente não só pelo consumidor (ação individual), mas pelo
Ministério Público, por associações civis ou pela autoridade pública (ação
civil pública).
O princípio da conservação do contrato, adotado pelo Código (art. 51, §
2º, CDC), permite a validade do contrato na parte que remanescer, salvo
se ocorrer ônus excessivo a qualquer dos contratantes. Mais uma vez, a
regra fundamental é a do equilíbrio das posições contratuais.”

O princípio da conservação do contrato indica uma preocupação com a proteção


contratual, sobretudo quando se refere à fórmula ou ao índice, adotando uma tendência da
jurisprudência de proibir vários índices alternativos no mesmo contrato, em favor apenas do
fornecedor e em detrimento de uma relação de consumo harmônica.

25
MÓDULO II – SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
E PROTEÇÃO CONTRATUAL

Neste módulo, discutiremos acerca dos limites que premeiam a transparência e a harmonia
na relação entre consumidor e fornecedor. Para tal, cláusulas contratuais, acesso a informações,
exigências, direitos e obrigações serão abordadas de modo direto e fundamentado em cada um dos
tópicos, de forma a proporcionar o entendimento das noções de governança e compliance nas
relações de consumo.

Sociedade da Informação e defesa do consumidor


Definição de Sociedade da Informação
Vejamos como é definida a chamada Sociedade da Informação pelo Ministério da Ciência e
Tecnologia (2000, p. 05):

“Representa uma profunda mudança na organização da sociedade e da


economia, havendo quem a considere um novo paradigma técnico-
econômico. É um fenômeno global, com elevado potencial
transformador das atividades sociais e econômicas, uma vez que a
estrutura e a dinâmica dessas atividades inevitavelmente serão, em alguma
medida, afetadas pela infraestrutura de informações disponível. É
também acentuada sua dimensão político-econômica, decorrente da
contribuição da infraestrutura de informações para que as regiões sejam
mais ou menos atraentes em relação aos negócios e empreendimentos.
Sua importância assemelha-se à de uma boa estrada de rodagem para o
sucesso econômico das localidades. Tem ainda marcante dimensão social,
em virtude do seu elevado potencial de promover a integração, ao reduzir
as distâncias entre pessoas e aumentar o seu nível de informação.”

O termo Sociedade do Conhecimento foi escolhido por algumas linhas doutrinárias cujo foco
se mantém em aspectos que influenciam a economia. Já o termo Sociedade da Informação foi adotado
por aqueles que analisam situações mais complexas, que envolvem as diversas linhas fornecedoras de
conexões entre diversas ciências, viabilizando trocas de informação de maneira ilimitada.
O Prof. Luiz Borges Gouveia (2004, p. 01) mostra-nos, com precisão cirúrgica, a origem
desse conceito. Vejamos:

“O conceito de Sociedade da Informação surgiu nos trabalhos de Alain


Touraine (1969) e Daniel Bell (1973) sobre as influências dos avanços
tecnológicos nas relações de poder, identificando a informação como
ponto central da sociedade contemporânea. A definição de Sociedade da
Informação deve ser considerada tomando diferentes perspectivas [...]”

Em outras palavras, segundo Gouveia, o conceito de Sociedade da Informação envolve as


tecnologias por meio das quais a informação é disponibilizada para a sociedade atualmente,
considerando-a como objeto central de toda a atividade social e humana.
Já Takahashi (2000, p. 5), cujas lições poderíamos considerar verdadeiras premissas
filosóficas, assim define a Sociedade da Informação:

“A sociedade da informação não é um modismo. Representa uma


profunda mudança na organização da sociedade e da economia, havendo
quem a considere um novo paradigma técnico-econômico. É um
fenômeno global, com elevado potencial transformador das atividades
sociais e econômicas, uma vez que a estrutura e a dinâmica dessas
atividades inevitavelmente serão, em alguma medida, afetadas pela
infraestrutura de informações disponível. É também acentuada sua
dimensão político-econômica, decorrente da contribuição da
infraestrutura de informações para que as regiões sejam mais ou menos
atraentes em relação aos negócios e empreendimentos. Sua importância
assemelha-se à de uma boa estrada de rodagem para o sucesso econômico
das localidades. Tem ainda marcante dimensão social, em virtude do seu
elevado potencial de promover a integração, ao reduzir as distâncias entre
pessoas e aumentar o seu nível de informação.”

28
Tecnologia e mercado digital
Atualmente, a tecnologia é imprescindível em qualquer situação de mercancia, e o
e-business está presente nas relações de compra e venda tanto de mercadorias quanto de serviços,
tornando o mundo “plano” em termos negociais. Essa realidade nos mostra que a ampliação e a
diversificação do público e dos mercados são inevitáveis.
Em função desse cenário, as negociações eletrônicas apresentam taxas de crescimento
exponenciais e sem precedentes, podendo ocorrer entre pessoas físicas ou jurídicas. É importante
observarmos, no entanto, que as transações entre fornecedores e consumidores pessoas físicas são as
responsáveis pelos mais elevados níveis de geração de receitas. Além disso, sabe-se que, em território
nacional, o grande volume dos negócios ocorre por meio de pequenas e médias empresas presentes no
mercado digital. Nesse sentido, ainda mais estratégico torna-se esse setor.

Para saber mais sobre mercado digital, acesse:


http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/segmentos/mercado_digital/

Toda essa inovação presente na Sociedade da Informação gera transformações econômicas


importantes, convertendo conhecimentos em possíveis incrementos de receita, ou seja, gerando
vantagem competitiva. Dessa forma, tornam-se salutares diferenças em relação à concorrência. Além
disso, a modificação de qualquer processo por meio da inovação pressupõe a produção, gestão e
aplicação de informações e conhecimentos específicos, o que demonstra a necessidade daquilo que se
denomina inteligência coletiva, empresarial e organizacional. Desse modo, em ambientes
economicamente desenvolvidos, é ressaltado o dinamismo das empresas, que, por sua vez, dão especial
destaque ao capital intelectual.
Por outro lado, a viabilidade e a fluidez na geração e difusão de inovações também ocasionam
importantes efeitos colaterais, como a redução da vida útil dos produtos, resultante da modernização
dos processos de comercialização e produção de produtos e serviços.

Necessidade de regulamentação
Considerando as importantes mudanças ocorridas com a chegada da Sociedade Informação,
devemos analisar, de maneira mais direcionada, a sua influência nas relações econômicas de uma
nação.
Todo processo de inovação tem início com a adoção, por parte de pessoas públicas ou privadas,
de meios de incentivo e financiamento para o fomento de ideias ainda não concebidas, que agreguem
novos conhecimentos relacionados à modificação dos negócios. Para que esse processo aconteça de
acordo com o nosso ordenamento jurídico, é imperioso que haja uma regulamentação. Tal
regulamentação, no entanto, precisa ser constantemente aprimorada, tendo em vida as constantes

29
modificações oriundas da rápida atualização do mercado. Esse é, inclusive, mais um dos efeitos
colaterais da velocidade atual em que ocorrem as inovações.
Uma consequência natural dessa dinâmica é a criação de uma macrorregulação econômica,
que sempre precede a macrorregulação jurídica, exceto no caso de formação de uma nação e das
suas instituições.
Segundo Manuel Castells (2013, p. 61), “a era da informação, refere-se especificamente ao
surgimento de uma nova estrutura social.” Aos olhos do citado autor, essa nova estrutura social
por si só já justificaria mudanças no sentido de garantir o bem comum, a manutenção da
propriedade e o equilíbrio em contratos firmados. Nesse sentido, caso o povo de uma nação não
se sinta representado ou entenda haver fragilidades demasiadas na sua legislação, a estrutura social
também será irregular.
Algumas das ideias de Castells sobre a Sociedade da Informação são extremamente
importantes. Segundo o autor:
 a informação é a matéria-prima, e as tecnologias se desenvolvem para permitir ao
homem atuar sobre a informação propriamente dita;
 a informação é parte integrante de toda a atividade humana, individual e coletiva, logo
todas essas atividades tendem a ser diretamente afetadas pelas novas tecnologias e
 a tecnologia gera flexibilidade, pois favorece a criação de processos reversíveis, que
podem ser modificados por meio da reorganização dos seus componentes e possuem alta
capacidade de reconfiguração.

Para saber mais sobre as ideias de Castells, acesse:


https://www.youtube.com/watch?v=YYAu2MA4yMI

Vejamos, agora, o que nos ensina Ricardo Luís Lorenzetti (LUCCA; SIMÃO, 2005, p. 455)
sobre a necessidade de repensarmos diversos aspectos relacionados à atual Sociedade da Informação:

“O surgimento da era digital tem suscitado a necessidade de repensar


importantes aspectos relativos à organização social, à democracia, à
tecnologia, à privacidade, à liberdade e observa-se eu muitos enfoques não
apresentam a sofisticação teórica que semelhantes problemas requerem;
esterilizam-se obnubilados pela retórica, pela ideologia e pela ingenuidade.”

Diante desse cenário, as normas jurídicas passam a ter de moldar-se, com frequência, a
novos fatos que impactam os valores sociais. Nesse sentido, surgem algumas questões:
 A legislação pátria estaria preparada para suportar essa evolução social?
 A legislação consumerista estaria à altura da Sociedade de Informação, de forma a
harmonizar as relações de consumo nos moldes em que fora concebida na década de 1990?

30
Para enfrentarmos esses e outros questionamentos contemporâneos, entendemos ser
necessária a adoção de um método científico que traduza as mudanças das normas existentes em
decorrência dos novos fenômenos sociais trazidos pela modernidade.

Publicidade abusiva e contratos de consumo


Tipos de publicidade abusiva
A publicidade deve ocorrer para que as relações comerciais possam realizar-se. Dessa forma,
o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não a proíbe, mas se opõe a publicidades tidas como
perniciosas, como a abusiva e a enganosa. Vejamos, a seguir, a definição desses tipos de
publicidade perniciosa:

a) Publicidade abusiva:
Considera-se abusiva a publicidade que incite a discriminação de qualquer natureza, que
estimule a violência ou seja capaz de fazer com que o consumidor se comporte de forma perigosa
e prejudicial.

b) Publicidade enganosa:
O CDC determina que tudo o que for anunciado deve ser cumprido exatamente como
apresentado e que as informações das publicidades, popularmente conhecidas como propagandas,
devem fazer parte do contrato.
Nesse sentido, considera-se enganosa a publicidade que determina afirmações parcialmente
verdadeiras, ambíguas ou até verdadeiras, mas que enganam aqueles que, de boa-fé e vulneráveis,
não compreendem a sua proposta totalmente e não teriam, por si só, condições de estar em
igualdade com o fornecedor.

As definições que acabamos de conhecer estão previstas no artigo 37 do CDC e vêm, ao


longo do tempo, sendo revistas pelos tribunais, sobretudo por conta das mudanças decorrentes da
Sociedade da Informação e dos contratos de adesão ou de massa.

Contratos de adesão
Segundo Eduardo Scaravaglioni (2000):

“Em virtude do Código de Defesa do Consumidor, a vontade continua


essencial à formação dos negócios jurídicos, mas sua importância e força
diminuíram, levando à relativização da noção de força obrigatória e
intangibilidade do conteúdo do contrato. É o que dizem os artigos 6º,
incisos IV e V, e 51, ambos do CDC.”

31
Em decorrência da já estudada Sociedade da Informação, nasceu então a necessidade de
oferecer, de forma massificada, atos contratuais que pudessem, ao mesmo tempo, zelar pela
harmonia das relações de consumo e, de forma coletiva, gerar e proteger a manutenção da
ordem econômica.
Esse aspecto atual deveria também garantir que os vulneráveis e hipossuficientes aderissem a
cláusulas contratuais que não gerassem prejuízo à confiança, aspecto basilar da relação de
consumo, considerando-se a boa-fé objetiva. No entanto, Claudia Lima Marques (1992, p. 31)
nos mostra que, nesse caso:

“[...] limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitas vezes, sem sequer


ler completamente) as cláusulas que foram unilateral e uniformemente
pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples
aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual
massificado.”

A autora está se referindo aos chamados contratos de adesão, assim definidos no artigo 54
do CDC:

“Art. 54 Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido


aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente
pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa
discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”

É importante ressaltarmos que o contrato de adesão não é uma categoria contratual


autônoma nem um tipo contratual, mas somente uma técnica de formação do contrato.
Independentemente disso, caso ocorra a chamada inclusão de cláusulas abusivas (aquelas que
desrespeitam as relações de consumo), podendo gerar uma prática abusiva, pode o consumidor
pedir a sua nulidade. Esse direito é, no entanto, por vezes desrespeitado.

Cobrança de dívidas e direito de arrependimento


Como verificamos, o fenômeno da Sociedade da Informação determinou uma nova
dinâmica de consumo cujas características incluem o aumento do acesso ao crédito.
Paralelamente, não houve, contudo, o emprego da devida educação para o consumo consciente, o
que gerou um grande volume de consumidores inadimplentes e devedores contumazes.

32
É direito dos fornecedores cobrarem essas dividas, porém essa cobrança não pode ser
realizada de qualquer forma. A Lei 8.078/90 tutela o direito de repetição do indébito ao
consumidor que receber cobranças realizadas em excesso. Além disso, proíbe que o consumidor
seja abordado para cobrança no seu trabalho, residência ou ambientes de lazer. Com isso, o CDC
pretende proteger a privacidade do consumidor, coibir a utilização de inverdades a seu respeito e a
sua exposição ao ridículo.
Essa previsão está descrita no art. 42 do CDC. Vejamos:

“Art. 42 Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será


exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de
constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito


à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em
excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de
engano justificável.”

Banco de dados e cadastros


Além de proteger o consumidor para que não ocorra constrangimento em caso de cobranças
realizadas de forma abusiva, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) inovou protegendo o que
talvez seja o bem mais precioso da sociedade atual: a informação. Essa proteção consiste em garantir a
necessidade de guarda, sigilo e uso devido de informações constantes em bancos de dados e cadastros
de consumidores por parte tanto de fornecedores quanto de agentes econômicos.
O uso indevido dos arquivos de consumo ameaça o direito à privacidade de cada indivíduo
e também o da coletividade, além de afetar a sua personalidade. Em situações extremas, podemos
falar até mesmo em erosão da personalidade, consequência de danos irreversíveis causados à
imagem, honra e moral do cidadão. Essa situação decorre do uso indevido de informações
constantes em bancos de dados para gerar prejuízos em contas-correntes ou invadir
computadores, por exemplo.
A proteção à informação está prevista no artigo 43 do CDC, que descreve desde a
obrigatoriedade de garantir ao consumidor o acesso a seus dados e informações, até o fato de os
cadastros e bancos de dados não poderem conter informações negativas referentes a um período
superior a cinco anos.

33
Por outro lado, o mesmo artigo determina que os bancos de dados e cadastros relativos a
consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres têm caráter público. Nesse sentido,
o Governo Federal, juntamente com a Febraban, outras entidades da iniciativa privada e o Banco
Central do Brasil, construíram o chamado cadastro positivo.
O cadastro positivo, ao contrário do conhecido cadastro de inadimplentes, representa uma
iniciativa de adesão por parte do consumidor e visa construir uma base dados cuja função é a de
contribuir para identificar os bons pagadores. Com informações relativas sobretudo ao crédito do
consumidor, o cadastro positivo foi inclusive motivo de estudo em 2017 pelo Governo Federal,
que previu a possibilidade de obrigação de inclusão por parte da população como uma tese de
fortalecimento de crescimento econômico, na medida em que, por meio do cadastro positivo, não
só se identifica o bom pagador mas também é possível dar-lhe privilégios, com políticas
comerciais e de crédito.

34
MÓDULO III – SNDC – SISTEMA NACIONAL
DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A TUTELA
ADMINISTRATIVA

Neste módulo, conheceremos a complexa estrutura idealizada e implementada no Brasil


para que se protejam os fornecedores e consumidores, garantindo-lhes direitos e deveres dentro de
uma relação que deveria ser equilibrada juridicamente. Em outras palavras, conheceremos os
órgãos responsáveis pela preservação das relações de consumo, como o Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor (SNDC), a forma como se relacionam e a sua ampliação em face da
Sociedade da Informação, assim como os mecanismos de defesa de direitos e deveres.

CDC como base para criação de normas reguladoras nas


empresas
Como vimos, a Lei 8.078/90 consiste em uma norma de origem constitucional, cuja
determinação de elaboração foi realizada pelo constituinte (Art. 48 dos Atos e Disposições
constitucionais transitórios) e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da
ADI 2591.
Nesse sentido, na visão dos autores do anteprojeto de atualização do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), houve a necessidade de fazer evoluir a defesa do consumidor, cuja marca
inicial deveria ser a intervenção mínima na ordem econômica (Art. 170, V da Constituição
Federal) e a manutenção da dimensão constitucional-protetiva do CDC.

O CDC mostrou-se como uma Lei de função social, pois


consolidou a ordem pública constitucional de proteção
dos consumidores.
Vejamos o que dizem os autores do anteprojeto do CDC, liderados pelo Ministro Herman
Benjamin, quanto ao tema:

“Este reforço da dimensão constitucional-protetiva do Código de Defesa do


Consumidor, por meio destes Anteprojetos de leis, dá-se seja no sentido de
manter a sistemática do microcódigo intacta e preservada, apenas incluindo
seções e capítulos novos e os mais necessários para preparar o CDC para a
nova realidade da sociedade, do mercado e da economia brasileira, seja
reforçado a sua aplicação ex officio pelo Poder Judiciário e Administração,
seja frisando a interpretação e integração de todas as normas, não somente as
de defesa do consumidor, mas as normas em geral a favor do consumidor,
presumido vulnerável e parte fraca da relação de consumo frente ao
fornecedor de produtos e serviços, públicos e privados, nacionais e
internacionais, assim revigorando o diálogo das fontes (Art. 7º do CDC) sob
a luz da Constituição e garantindo que direitos e prazos maiores presentes
em outras leis e tratados sejam utilizados a favor dos consumidores, seja
assegurando melhores instrumentos de segurança, igualdade e privacidade na
contratação a distância e na Internet, e de preservação do mínimo existencial
ao consumidor superendividado, seja ainda reforçando o acesso do
consumidor à Justiça, garantindo um foro privilegiado, sua defesa coletiva e
evitando arbitragens compulsórias, nacionais ou internacionais.”

Dessa forma, enquanto o Código Civil de 2002 é guiado pela “diretriz da socialidade”, o
CDC, que é de origem constitucional e consolida o direito fundamental de proteção positiva do
Estado, é composto somente de normas de ordem pública e interesse social, conforme podemos
verificar no seu art. 1º:

Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do


consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°,
inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas
Disposições Transitórias.

36
Ainda acompanhando o entendimento dos autores do anteprojeto do CDC, vejamos o que
estes dizem a respeito da necessidade de concentração em temas novos e referentes à inclusão, e
não à redução, dos direitos do consumidor:

“A diretriz constitucional-protetiva do CDC impõe que esta alteração


concentre-se em temas novos, inclua (e não reduza) direitos do
consumidor já garantidos nos primeiros 20 anos de vigência do CDC,
preserve e expanda os princípios já existentes no CDC (Art. 4º, 5º, 6º e
7º do CDC), em especial destacando a vulnerabilidade do consumidor
superendividado e no consumo a distância, nacional e internacional,
consolidando ainda mais o princípio da boa-fé objetiva e da transparência
das contratações de crédito, de vendas a prazo e de leasing, reforçando as
informações obrigatórias, o dever de entrega do contrato, de cooperação e
cuidado na concessão responsável do crédito, da boa-fé, lealdade,
informação, cuidado e cooperação na contratação a distância, e a
realização da função social dos contratos de consumo, principalmente os
massificados, de adesão e os interdependentes, ligados ou conexos, que
envolvam concessão de crédito aos consumidores, protegendo assim a
liberdade do consumidor no mercado brasileiro de consumo, suas opções
e seu acesso aos bens e serviços, assim como à Justiça.”

Como podemos notar, o anteprojeto não foi construído somente com base na ideia de abordar
uma atualização pautada no enquadramento temporal, mas também a partir da visão de que o valor
social dos fatos precisava de uma norma que contemplasse direitos até então pouco vislumbrados.
As consequências desse posicionamento podem ser contempladas na economia atual, com o
aumento de alterações em contratos e eventuais litígios. Além disso, a partir dessa alteração, o
endividamento de famílias e a litigância dos contratos, majoritariamente subordinados à Lei
8.078/90, passaram a ser motivo de constantes reflexões por juristas de todo o País.
Inicialmente, as discussões versavam sobre o pilar superendividamento. No entanto, a partir
dos projetos de atualização do CDC, visto que alguns pontos não respeitavam a Teoria
Tridimensional do Direito, proposta por Miguel Reale, tais discussões passaram a versar sobre:
 crédito e superendividamento;
 comércio eletrônico e
 direito coletivo e difuso.

Atualmente, o contexto econômico brasileiro é diverso do apresentado à época da


formulação do CDC. Entretanto, é na harmonia das relações de consumo, prevista no artigo
4º da Lei 8.078/90, que se fundamenta a aplicação de toda a teoria consumerista. Desse

37
modo, as propostas de atualização do CDC necessitam ser construídas também com
informações técnico-econômicas capazes de fazer fluir a economia do País, e não somente de
determinar direitos a uma das partes.
Nesse sentido, compreende-se que os três pontos apresentados deveriam ser motivo de
legislação própria, e não necessariamente razão para a modificação de uma norma que, na atualidade,
fundamenta a realização e a forma de execução da construção de produtos e serviços de todas as
naturezas. No entanto, também se entende que, para se realizar qualquer modificação na norma
consumerista básica, deveria haver no mínimo “harmonia” com a parte fornecedora e com os
impactos resultantes de tais modificações junto ao judiciário, uma vez que a “voz” do cidadão já está
demonstrada em dados computados pelo ministério da justiça via Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor (DPDC) e Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).
Também é certo que, no Brasil, devido a uma tendência macroeconômica, os setores de
varejo e de maior lucratividade foram reestruturados, nos últimos anos, com regramentos dos seus
órgãos tanto reguladores quanto fiscalizadores, justificando modificações nos processos internos
dos fornecedores, que, por meio da aplicação fiel das sanções da Lei 8.078/90, visariam ao
equilíbrio das relações. Como exemplo, podemos citar o caso do Bacen em que houve a aplicação
da resolução 3.477, que determinou a criação de Ouvidorias Corporativas tanto para o setor
financeiro quanto para o de consórcios. As consequências da criação desses componentes
organizacionais foram a fiscalização e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Além disso, foi necessário garantir, efetivamente, o equilíbrio nas relações de consumo por
meio de controles tais como o realizado pelo Committee of Sponsoring Organizations of the
Treadway Commission (Coso) e pelo Acordo de Basileia, assim como por índices como o Dow
Jones e o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que determinam, na regulação atual,
indicadores de respeito e aplicação da Lei 8.078/90. Dessa forma, não só o setor econômico mas
também os setores varejistas, securitários e regulados, como os de energia e saúde, e determinados
setores do poder público já contam com mecanismos que utilizam o CDC para determinar as suas
regras internas.
Restava então a necessidade de apresentar uma proposta de atualização da atuação das regras
do CDC que visasse à alteração da interpretação e das normas subsidiárias, e não necessariamente
da Lei 8.078/90. Essa norma veio a ocorrer com a publicação do decreto 7.963, denominado
Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec), cujos detalhes veremos a seguir.

Plandec
Em 15 de março de 2013, com base na Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale,
o Governo Federal, em conjunto com a iniciativa privada, buscou antecipar-se às propostas de
revisão do CDC e publicou o decreto 7.963, denominado Plano Nacional de Consumo e
Cidadania (Plandec).

38
Ao alterar duramente as relações de consumo, tal decreto consolidou o que, para muitos
juristas, foi um necessário aperfeiçoamento da Política Nacional das Relações de Consumo.
O objetivo geral do Plandec mostra-se presente logo no seu artigo 1º. Vejamos:

“Art. 1º Fica instituído o Plano Nacional de Consumo e Cidadania, com


a finalidade de promover a proteção e defesa do consumidor em todo o
território nacional, por meio da integração e articulação de políticas,
programas e ações.
Parágrafo único. O Plano Nacional de Consumo e Cidadania será
executado pela União em colaboração com Estados, Distrito Federal,
Municípios e com a sociedade.”

A importância desse plano para as relações de consumo está no fato de as suas diretrizes
aplicarem a garantia dos direitos fundamentais e o respeito à ordem econômica, sobretudo na
forma como se propõe a sua execução. Vejamos, a seguir e conforme disposto no seu artigo 2º, as
diretrizes do Plandec:
I. educação para o consumo;
II. adequada e eficaz prestação dos serviços públicos;
III. garantia do acesso do consumidor à justiça;
IV. garantia de produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança,
durabilidade, desempenho e acessibilidade;
V. fortalecimento da participação social na defesa dos consumidores;
VI. prevenção e repressão de condutas que violem direitos do consumidor e
VII. autodeterminação, privacidade, confidencialidade e segurança das informações e
dados pessoais prestados ou coletados, inclusive por meio eletrônico.

Vejamos, agora, conforme o artigo 3º do Plano, quais são os seus objetivos específicos:
I. garantir o atendimento das necessidades dos consumidores;
II. assegurar o respeito à dignidade, saúde e segurança do consumidor;
III. estimular a melhoria da qualidade e o desenho universal de produtos e serviços
disponibilizados no mercado de consumo;
IV. assegurar a prevenção e a repressão de condutas que violem direitos do consumidor;
V. promover o acesso a padrões de produção e consumo sustentáveis e
VI. promover a transparência e harmonia das relações de consumo.

39
Como podemos observar, uma preocupação do Plandec e o motivo da sua criação é o
momento de crescimento econômico e as alterações pelas quais passa a Sociedade da Informação,
elementos que incidem diretamente nas relações de consumo. Nesse sentido, Bruno Giancoli
(2013) afirma o seguinte:

“Para garantir a eficiência do Plano Nacional de Consumo e Cidadania


(Plandec) optou-se pela criação eixos de atuação específica. Estes podem
ser entendidos como um conjunto de temas, os quais orientam o
planejamento de um determinado trabalho, funcionando como um
suporte ou guia. O objetivo desta previsão normativa é claro, qual seja,
limitar os conteúdos abrangidos pelo Plandec para torná-lo mais eficaz.”

Os eixos a que se refere Giancoli devem ser compreendidos como os parâmetros a serem
seguidos na estruturação do Plandec. O primeiro deles visa à prevenção e redução de conflitos.
Sem dúvida, esse é o eixo de maior amplitude e importância, destacando a necessidade:
 de aprimoramento dos procedimentos de atendimento ao consumidor no pós-venda de
produtos e serviços;
 da criação de indicadores e índices de qualidade das relações de consumo e
 de promoção da educação para o consumo, incluída a qualificação e capacitação
profissional em defesa do consumidor.

Outro eixo importante refere-se à regulação e fiscalização do mercado de consumo. Para


isso, o Plano manteve ações principiológicas como as garantias de autodeterminação, privacidade,
confidencialidade e segurança das informações e dos dados pessoais prestados ou coletados,
inclusive por meio eletrônico, tema este que ganha relevo com a expansão do comércio eletrônico.
O eixo final está vinculado ao fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor (SNDC), que será estudado em momento posterior. Por ora, vejamos o que está
previsto no artigo 7º do Plandec:

“Art. 7º O eixo de fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do


Consumidor será composto, dentre outras, pelas seguintes políticas e ações:
I - estímulo à interiorização e ampliação do atendimento ao consumidor,
por meio de parcerias com Estados e Municípios;
II - promoção da participação social junto ao Sistema Nacional de Defesa
do Consumidor; e
III - fortalecimento da atuação dos Procons na proteção dos direitos dos
consumidores.”

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Além de ser considerado um standard de regulação e fortalecimento da Política Nacional
das Relações de Consumo, o Plandec antecipou-se à construção de uma importante rede de
relações entre os diversos atores presentes no contexto da defesa do consumidor no País,
respeitando as mudanças ocorridas na Sociedade da Informação. Esse respeito pode ser observado
nas ações previstas em suas diretrizes, quais sejam:
 a educação para o consumo;
 o fortalecimento da participação social na defesa dos consumidores;
 a prevenção e repressão de condutas que violem direitos do consumidor e
 a autodeterminação, privacidade, confidencialidade e segurança das informações e dos
dados pessoais prestados ou coletados, inclusive por meio eletrônico foram estimuladas.

Além disso, por meio de um plano de ação mais efetivo e afeto às realidades sociais, o
Plandec proporcionou o fortalecimento dos Procons e demonstrou influência junto ao Marco
Civil da Internet, cujos detalhes veremos a seguir.

Marco Civil da Internet


Como vimos, a Sociedade da Informação se caracteriza pelo uso de tecnologias e pelo
aumento tanto do consumo quanto do uso de meios eletrônicos, o que resulta em um maior
número de interações contratuais também eletrônicas.
Considerando esse contexto, em 23 de abril de 2014, foi então definido o conhecido Marco
Civil da Internet, por meio da Lei 12.965, que estabeleceu os princípios, garantias, direitos e
deveres dos usuários da Internet.
Os pilares do Marco Civil da Internet são os seguintes:
 liberdade de expressão;
 neutralidade da rede;
 privacidade dos usuários.

Veremos cada um deles, com mais detalhes, a seguir.

a) Liberdade de expressão
No artigo 7º do Marco Civil da Internet, que aponta os direitos dos usuários, legisla-se
sobre o direito a informações claras e completas, sobre a coleta, o uso, o armazenamento, o
tratamento e a proteção dos dados pessoais.
Esse é um dos pontos de alinhamento com o Plandec, que prevê, tanto nas suas diretrizes
básicas quanto nos seus objetivos, a promoção da transparência e a harmonia nas relações de consumo.

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b) Neutralidade da rede
O princípio da neutralidade informa que a rede deve ser igual para todos, sem diferenças
quanto ao tipo de uso. É proibida, portanto, a redução de velocidade com base no tipo de
conteúdo acessado, na origem ou no destino dos pacotes de dados, na natureza da plataforma, do
sistema ou da tecnologia utilizada. Em outras palavras, não se pode limitar a velocidade do
usuário com base no conteúdo, origem, destino, serviço, terminal ou aplicativo.
No entanto, para aprimorar o bom funcionamento da Internet no Brasil, pode o Comitê
Gestor da Internet (CGI.br) opinar sobre exceções à neutralidade da rede e construir
recomendações específicas.

c) Privacidade dos usuários


No seu artigo 2º, o Marco Civil da Internet trata dos fundamentos do uso da Internet no
Brasil, prevendo, entre outros pontos, o reconhecimento da escala mundial da rede, a livre
iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor. Podemos notar que tais fundamentos
estão alinhados com os itens I, V e VII, do art. 2º, do Plandec. Tal alinhamento também ocorre
com o artigo 8º, que trata da garantia a privacidade. Vejamos:

“Art. 8° A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão


nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de
acesso à Internet”.

Ainda quanto ao alinhamento com o item VII, do art. 2º, do Plandec, o Marco Civil da
Internet oferece outro ponto de ajuste, qual seja o da privacidade, confidencialidade e segurança
das informações. Esse ajuste se encontra no artigo 7º, que prevê, entre os direitos dos usuários, a
inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurando o direito à sua proteção e à
indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação.

Pontos polêmicos do Plandec


Conforme assinala Giancoli (2013), o Plandec apresenta alguns pontos polêmicos. Nas
palavras do autor:

“Obviamente, os pontos regulatórios destacados no Plandec possuem,


sem dúvida, uma enorme importância. Mas, infelizmente, deixou de
tratar do principal problema envolvendo a regulação, qual seja, a
necessidade de organização e coordenação estrutural das normas de

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regulação do mercado de consumo. A sobreposição de normas, o conflito
de competência entre órgãos defesa do consumidor, tem causado uma
enorme insegurança jurídica.”

Para obter mais informações sobre o Plandec, acesse:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7963.htm

SNDC e Senacon
Em 2014, o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) registrou
2.490.769 atendimentos, número 22% maior que o do ano anterior. Esse aumento determinou a
maior atuação da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que, criada pelo Decreto 7.738,
de 28 de maio de 2012, tem as suas atribuições estabelecidas no artigo 106 do Código de Defesa
do Consumidor e no artigo 3º do Decreto n° 2.181/97.
A Senacon faz parte do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) e reúne:
 Procons;
 Ministério Público;
 Delegacias de Defesa do Consumidor;
 Juizados Especiais Cíveis e
 Organizações de Defesa do Consumidor.

A sua atuação concentra-se no planejamento, na elaboração, na coordenação e na execução


da Política Nacional das Relações de Consumo, cujos objetivos são os seguintes:
 garantir a proteção e o exercício dos direitos consumidores;
 promover a harmonização nas relações de consumo e
 incentivar a integração e a atuação conjunta dos membros do SNDC.

Entre as ações estruturantes da Secretaria, destacam-se a criação do Sistema Nacional de


Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), as atividades da Escola Nacional de Defesa do
Consumidor, as ações voltadas à proteção da saúde e segurança do consumidor, a repressão às
práticas infrativas e o aperfeiçoamento das políticas regulatórias.

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Sanções administrativas
As sanções administrativas ocorrem quando não há atendimento de um direito básico ou há
prática abusiva. Sabemos que, havendo relação de consumo, pressupõe-se um direito básico
tutelado. Dessa forma, havendo prática abusiva ou contrariedade a direitos previstos e
especificados ao longo do Código, uma sanção administrativa deve ser aplicada, com o objetivo de
garantir a harmonia nas relações de consumo.
Vejamos o que nos diz o artigo 56 do CDC quanto às sanções administrativas:

“Art. 56 As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas,


conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das
de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

I - multa;
II - apreensão do produto;
III - inutilização do produto;
IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V - proibição de fabricação do produto;
VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII - suspensão temporária de atividade;
VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;
IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa;
XII - imposição de contrapropaganda.

Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela


autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser
aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar antecedente ou
incidente de procedimento administrativo.”

A partir do disposto no artigo supracitado, podemos destacar três modalidades de sanções


administrativas (considerando que a sua aplicação também é judicial). São elas:
 pecuniárias – representadas por multas, aplicadas pelos entes do SNDC;
 reais ou objetivas – aquelas que envolvem bens ou serviços e podem afetar desde a
inutilização até a proibição de fabricação e
 subjetivas ou pessoais – aquelas que afetam a atividade empresarial e estatal dos
fornecedores, podendo chegar à interdição total ou parcial do estabelecimento ou
atividade econômica.

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Além de no artigo 56, as sanções são exploradas no CDC até o artigo 60 e delimitam desde
a dosimetria da pena administrativa até a forma de aplicação da sanção real e pessoal.
Essas sanções devem, contudo, ser precedidas do devido processo legal, ou seja, de um
processo administrativo, previsto no Decreto 2.181/90 e sem o qual nenhuma das suas aplicações
legais seria possível.

É importante ressaltarmos que, independentemente do


processo administrativo, o consumidor pode também
procurar o poder judiciário, os SACs ou ouvidorias das
empresas, ou ainda as mídias sociais, tão fortalecidas nos
tempos atuais.

Decreto nº 2.181/97 e processo administrativo


Como vimos, o Decreto 2.181/97 representa um marco importante na construção do
SNDC e na garantia dos direitos e deveres de consumidores e fornecedores, conforme prevê o
artigo 4º do CDC. Essa previsão também pode ser observada nos art. 105 e 106 do CDC, em que
se verifica que a integração do SNDC ocorre com órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e
municipais, além de com entidades de defesa do consumidor. Além dessa integração e das suas
consequências, pois a sua atuação e fiscalização geram as sanções previstas no art. 56, temos a
manutenção da Política Nacional das Relações de Consumo, tutelada no artigo 5º do CDC.
Por conta dessa integração, quando um consumidor procura um órgão de defesa do
consumidor ligado ao SNDC, ele inicia uma jornada que resulta em uma solução ou em
um processo administrativo, protegido pelo CDC e acompanhado pela descrição do
decreto 2.181/97.

Nenhuma sanção poderá ocorrer sem um processo


administrativo devido. Do contrário, os princípios do
contraditório e da ampla defesa, constitucionalmente
garantidos, estarão prejudicados.

Jornada do consumidor
A jornada do consumidor deve iniciar-se no órgão de defesa do consumidor, mediante uma
simples consulta ou uma reclamação, que, ao ser encaminhada ao fornecedor pelo órgão de defesa
do consumidor, poderá gerar uma audiência se não for respondida.

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Caso haja acordo na audiência, o processo é arquivado; caso não haja, o consumidor poderá
ser direcionado ao poder judiciário, dando continuidade à sua jornada no órgão de defesa do
consumidor, que dará sequência ao processo administrativo.
Nesse caso, o fornecedor será informado da reclamação novamente, e o órgão de defesa
aguardará o seu pronunciamento.
Caso não tenha ocorrido solução ou acordo administrativo, a sanção será imposta.

Cabe destacarmos que essa ação visa à aplicação de uma


sanção administrativa tanto educativa quanto punitiva, na
busca de harmonizar o interesse da relação de consumo e
aos seus impactos na sociedade.

Ao fornecedor caberá acatar à sanção ou recorrer ao próprio órgão de defesa do consumidor e,


em havendo manutenção da sanção, ao ente executivo superior respectivo ao órgão. No caso, por
exemplo, de um Procon estadual, o recurso deverá ser destinado ao Secretário de Justiça do Estado.
Se, mesmo assim, não houver acordo, poderá ocorrer ação judicial questionando a
decisão administrativa.
Como pudemos notar, a jornada do consumidor termina na audiência, mas a do fornecedor
não. Além do processo administrativo e das eventuais consequências deste, o fornecedor também
poderá ter de passar pela defesa em juízo do consumidor, que pode ter reclamado tanto no SNDC
quanto no Judiciário ao mesmo tempo.

Canais de reclamação
Ranking de reclamações
Uma importante ferramenta de controle e educação para consumidores e fornecedores são
os rankings de reclamações publicados pelos órgãos que participam do Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor (SNDC), sobretudo os Procons. Tais rankings estão previstos nos
seguintes itens da Lei 8.078/90:
 artigo 4º, inciso IV;
 artigo 6º, inciso II e
 artigo 44, tanto no caput quanto no parágrafo 1º.

Essa previsão subtende que a divulgação material relacionada ao cadastro de reclamações


oferece condições ao consumidor de exercitar o seu direito de escolha, educando-o quanto ao
mercado de consumo.

46
Tradicionalmente, a publicação dos rankings ocorre no dia 15 de março, data em que
grande parte da mídia especializada potencializa a sua divulgação por ser o Dia Internacional
do Consumidor. Essa divulgação representa um impacto importante nas marcas dos
fornecedores reclamados e auxilia na construção de políticas de consumo capazes de
harmonizar as relações de consumo.

A par dos resultados dos rankings de reclamações, os


consumidores têm fortalecido o seu poder de escolha,
tornando-se mais exigentes e conhecedores dos seus direitos.

Consumidor.gov.br
O portal de reclamações do Ministério da Justiça denominado Consumidor.gov.br é pouco
conhecido pelo cidadão, mas muito temido e respeitado pelos fornecedores no Brasil. Esse serviço
público, que é monitorado pela Senacon, permite a interlocução direta entre consumidores e
empresas, por meio da internet, para solução de conflitos.
Até 2016, mais de 80% das reclamações registradas na plataforma foram solucionadas
em um prazo de até sete dias. Resultados como esse fazem com que tanto os atores do SNDC
quanto toda a sociedade venham a aderir, cada vez mais, a essa modalidade de registro de
defesa dos seus interesses.
O sucesso da plataforma talvez se deva à sua atuação pós-reclamação, pois:
 oferece transparência e controle social, imprescindíveis à efetividade dos direitos dos
consumidores;
 garante que as informações apresentadas pelos consumidores sejam utilizadas de forma
estratégica para a gestão e execução de políticas públicas de defesa do consumidor e
 contribui com o acesso à informação e com a potencialização do poder de escolha dos
consumidores, aprimorando as relações de consumo.

Ouvidorias
Junto ao SNDC, as denominadas ouvidorias auxiliam na construção das relações de
consumo, tornando-se modelos de intermediação importantes.

Uma ouvidoria é reconhecida pelos órgãos de defesa do


consumidor como uma aliada na solução de conflitos e
garante tanto direitos básicos quanto o controle social na
defesa dos interesses de consumidores e cidadãos.

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Considerada a mais pura representação da voz do consumidor dentro das empresas e do
cidadão junto ao poder público, a ouvidoria não pode ser confundida com o SAC de uma empresa,
pois se caracteriza por ser a última instância de soluções definitivas dentro das organizações.
A Associação Brasileira dos Ouvidores (ABO) e a Associação Brasileira de Relações
Empresas Cliente (Abrarec) define a atividade da ouvidoria da seguinte forma:

“Uma atividade institucional de representação autônoma e independente,


com caráter conciliatório, pedagógico, instrumental e estratégico, que acolhe
as manifestações dos cidadãos, analisa e fornece informações aos gestores,
visando à promoção da melhoria contínua e a busca de soluções efetivas.”

Como podemos observar, a sua vinculação com a alta administração das empresas de modo
independente e autônomo colabora para uma maior aderência a tomadas de decisão imediata e,
sobretudo, para a instituição de processos mais transparentes de compliance e governança
corporativa, conforme determina o ordenamento jurídico brasileiro.
Uma nova onda de aperfeiçoamento desse instituto ocorreu com a publicação da resolução
3.477/07, alterada pela resolução 3.849/10 do Conselho Monetário Nacional (CMN). Por meio
dessa resolução, o Banco Central do Brasil (Bacen) obriga os bancos a implantarem ouvidorias
corporativas com subordinação a um diretor estatutário, manterem controles por relatórios de
atividades e garantirem o atendimento às normas do CMN.
Após essa publicação, outras normas foram construídas por agências reguladoras, como a
Aneel, a Susep e a ANS, obrigando as empresas a elas ligadas a constituírem componentes
organizacionais, fiscalizáveis e capazes não só de garantir a resolução de manifestações dos
consumidores mas também de demonstrar ações e sistemas de solução permanente, compatíveis
com a precisão do artigo 4º, inciso III, da Lei 8.078/90.
A efetividade das ouvidorias tal esteja na sua capacidade de demonstrar, de forma direta, um
retrato do trato (ou distrato) entre a empresa/o órgão público e o reclamante, sobretudo quando
se trata de denúncias relativas à saúde e a serviços essenciais, envolvendo desvios de finalidade
capazes de prejudicar o cidadão nos médio e longo prazos.
Para o Direito do Consumidor, a oportunidade de intermediação via ouvidoria consiste em
uma forma de solução alternativa de conflitos com baixo custo e rapidez. Além disso, é também
um modo de auxiliar os entes públicos, na medida em que são formuladas estatísticas que podem
vir a ser utilizadas em ações preventivas e coletivas.

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MÓDULO IV – RESPONSABILIDADE CIVIL
NO DIREITO DO CONSUMIDOR

Neste módulo, analisaremos a ocorrência de desequilíbrio em uma relação de consumo,


caso em que devemos classificá-lo na tutela tanto administrativa quanto judicial, de forma que
possamos identificar os seus responsáveis, imputando-lhes o dever de reparar o dano existente.

Responsabilidade pelo fato e vício do produto


Tendo apresentado todos os direitos de um consumidor, devemos lembrar que ele também
tem deveres, e o fornecedor, a sua contrapartida, gerando a harmonia nas relações de consumo
prevista no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
No entanto, não havendo solução administrativa ou, se houver, caso persista a conclusão de
que um direito básico foi lesado e de que uma prática abusiva ocorreu, a de se verificar se houve
responsabilidade pelo fato ou vício do produto. Vejamos:

a) Responsabilidade pelo fato:


A responsabilidade pelo fato, prevista a partir do artigo 12 do CDC, decorre da
exteriorização de um vício de qualidade, ou seja, um defeito capaz de frustrar uma expectativa do
consumidor e, por vezes, colocar em risco a sua saúde, vida e segurança.

b) Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço:


A responsabilidade pelo vício do produto ou serviço ocorre quando é rompida a legítima
expectativa do consumidor a respeito da sua utilização ou fruição, ou seja, quando ocorre a
desconformidade do produto ou serviço. Essa é a previsão do artigo 18 do CDC.
Prazos
Os prazos de reclamação estudados anteriormente estão dentro dessa proteção e, quando
existe um vício, por vezes, a consequência de um fato pode acompanhar-lhe, gerando pedidos em
juízo de indenizações.
No caso da responsabilidade pelo vício, conforme previsto no artigo 26 do CDC, o direito
de reclamar caduca em:
 trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis e
 noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

Tendo recebido a reclamação dentro desses prazos, o fornecedor deverá garantir a


substituição do produto, a restituição da quantia paga ou o abatimento do preço, caso não realize
a manutenção do produto em até 30 dias, conforme previsão do artigo 18 do CDC.
Já no caso da responsabilidade pelo fato, ainda que o direito do vício tenha sido atendido,
caberá ao fornecedor arcar com os danos decorrentes da propagação do vício (artigo 12). Nesse
caso o consumidor terá um prazo de até cinco anos para ingressar com uma ação judicial, a contar
do dano, exigindo reparação.

No caso de responsabilidades pelo vício do produto ou


serviço, o consumidor poderá ingressar com ação judicial,
exigindo obrigação de fazer ou de dar algo. No caso de
responsabilidade pelo fato, o ingresso da ação será pela
exigência de indenização.

É muito importante observarmos que, no Direito do Consumidor, a responsabilidade é


objetiva e, com isso, a obrigação de indenizar ocorre sem que se prove a culpa, cabendo ao
fornecedor fazer prova para eventual excludente da sua responsabilidade. Além disso, o CDC
inovou ao determinar que, por conta da vulnerabilidade, o consumidor poderá pedir a inversão
do ônus da prova, ou seja, caberá ao fornecedor provar o que o consumidor está alegando como
vício, fato ou prática abusiva, conforme se verifica no artigo 6º, inciso VIII, do CDC.

“VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do


ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz,
for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiências;”

50
Responsabilidade civil nas relações de consumo
Conforme dispõe o artigo 34 do CDC, mesmo que o fato ilícito seja praticado por terceiro,
o fornecedor do produto ou serviço será solidariamente responsável. Vejamos o conteúdo do
artigo 34 na íntegra:

“Art. 34 O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente


responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.”

De acordo com Sanseverino (2010), podemos classificar os responsáveis em quatro categorias:

a) Responsável real:
Pessoa que participa, direta e ativamente, do processo de criação de um produto ou serviço
para a sua inclusão no mercado de consumo.

b) Responsável presumido (importador):


Aquele que não possui qualquer vinculação direta com o produto defeituoso.

c) Responsável aparente (comerciante atacadista ou varejista):


Aquele que é responsabilizado subsidiariamente, quando não identificar o fabricante ou o
importador do produto vendido.
Nesse caso, é importante observarmos que o Superior Tribunal de Justiça, quando do
julgamento do REsp 402.356/MA, decidiu que, em atenção ao artigo 18 do CDC, a
responsabilidade é solidária da concessionária autorizada à comercialização de automóveis, pois
esta detém e usa a marca do fabricante.

d) Direito de regresso:
Todos os responsáveis responderão solidariamente pelos danos sofridos pelo consumidor,
conforme os artigos 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, do CDC. Vejamos:

“Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes


de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da
legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades
administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios
gerais do direito, analogia, costumes e equidade.
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão
solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

51
Art. 25
[...]
§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos
responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções
anteriores.”

Ainda quanto à responsabilidade pelo dano causado ao consumidor, é importante


destacarmos o teor da súmula nº 479 do STJ:

“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos


gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por
terceiros no âmbito de operações bancárias.”

Constatado o dano, as hipóteses de reparação são as seguintes:


 substituição do produto;
 restituição da quantia paga;
 abatimento proporcional do preço pago;
 complementação do peso ou medida;
 reexecução dos serviços e
 perdas e danos.

Causas excludentes da responsabilidade civil


As hipóteses de exoneração de responsabilidade civil do fornecedor, disciplinadas nos §§ 3º
dos artigos 12 e 14 do CDC, são as seguintes:
 não colocação do produto no mercado;
 inexistência de defeito;
 culpa exclusiva do consumidor e
 fato de terceiro.

No sistema do Código de Defesa do Consumidor, essa exoneração se deve ao fato de não


existir nexo causal entre o defeito e o evento danoso.
Vejamos o teor dos parágrafos citados na íntegra:

“Art. 12
[...]
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será
responsabilizado quando provar:

52
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
“Art. 14
[...]
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando
provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Há outras causas de exclusão da responsabilidade do fornecedor, tais como:


 caso fortuito ou força maior (STJ, 3ª T., REsp 120.647/SP, j. 15.5.2000); prescrição
(arts. 26 e 27 do CDC);
 fato do príncipe – defeito do produto ou serviço decorrente, exclusivamente, de
cumprimento de normas imperativas estabelecidas pela autoridade pública;
 riscos de desenvolvimento (artigos 12, § 2º, e 14, § 2º) e
 risco da atividade – conforme nos ensina Leonardo Garcia (2016, 160), “Poderá o
fornecedor, de acordo com o parágrafo 3, alegar que não colocou o produto no mercado
ou que, embora o produto tenha entrado no mercado de consumo, o defeito inexiste ou
que o dano foi causado por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. São
verdadeiras excludentes de responsabilidade, afastando a teoria do risco integral.”.

A Lei 8.078/90 aditou, dessa forma, a teoria do risco da atividade, o que melhor justifica a
aplicação do Código Civil de forma subsidiária, quando o CDC for omisso.

Direito individual homogêneo, direito coletivo e direito


difuso
Desde a publicação da Constituição Federal Brasileira, a busca pela segurança dos direitos
individuais e garantias fundamentais foi tutelada. Para entendermos essa tutela jurídica, ligada à
Lei 8.078/90, devemos compreender, primeiramente, os conceitos de interesse individual
homogêneo, interesse coletivo e interesse difuso. Além disso, devemos conhecer os seus impactos
nas relações de consumo e, sobretudo, a sua aplicação prática para consumidores e fornecedores, a
análise da defesa em juízo e as tendências dos tribunais.

53
Interesses ou direitos individuais homogêneos
O artigo 81, inciso III, do parágrafo único do CDC define o interesse individual
homogêneo como aquele que decorre de origem comum, permitindo tutela a título coletivo. Isso
significa que, havendo dano de origem comum – e, sobretudo, havendo responsabilidade pelo
fato do produto ou serviço – para mais de um consumidor, tais consumidores poderão recorrer
por meio de ação coletiva.

De acordo com o conceito de interesse individual homogêneo,


há prevalência da dimensão coletiva sobre a individual.

Essa modalidade tende a mostrar-se mais recorrente nos tempos atuais, na medida em que
consumidores de diferentes locais do País, sobretudo por meio de compras realizadas por
e-commerce, têm sofrido danos de origem comum, cujo objeto pode ser dividido e cujos titulares
são perfeitamente identificáveis.
Com vistas a um maior esclarecimento, vejamos como o Supremo Tribunal Federal
caracteriza os direitos individuais homogêneos:

“Interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os


decorrente de origem comum.”

Interesses ou direitos coletivos


O interesse coletivo, previsto no artigo 81, inciso II, do CDC, também denominado
transindividual, possui natureza indivisível, quer seja pela sua titularidade em grupo, categoria ou
classe. O que o distingue dos demais interesses é o fato de haver pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base.
Nos tempos atuais, as demandas coletivas, ou seja, de uma coletividade determinada, costuma
ocorrer por associações que representam titulares com problemas comuns, diferentemente do direito
individual homogêneo, em que a ação é imposta por pessoas diferentes, mas com problemas comuns.

Interesses ou direitos difusos


O direito difuso, previsto no artigo 81, inciso I, do CDC, caracteriza-se pela ocorrência de
lesão a pessoas indetermináveis e pela inexistência de relação jurídica entre essas pessoas.
As publicidades enganosas e os danos gerados por questões ambientais, por exemplo,
podem afetar um número incalculável de pessoas não determináveis. Nesses casos, por conta do
efeito não determinável e da extensão de danos, a tutela jurisdicional garante que o efeito de
apenas uma ação coletiva seja estendido a todos os lesados, na chamada coisa julgada erga omnes
(artigo 103, inciso I, do CDC).

54
Vejamos como o Supremo Tribunal Federal caracteriza os interesses difusos:

“Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de


pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles
que pertencem a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis,
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base.”

Defesa do consumidor em juízo


Quando se busca a chamada defesa do consumidor em juízo, inicialmente, deve-se
ponderar que essa disposição é constitucional e parte do princípio de que haverá condições e
formas de o cidadão garantir a tutela jurisdicional por meio do Estado. Essa garantia está prevista
no inciso III do artigo 129 da Constituição Federal. Vejamos:

“São funções institucionais do Ministério Público: promover ação civil


pública e inquérito civil, para proteção do patrimônio público e social,
do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

A partir dessa disposição, o Ministério Público passa a ter um instrumento importante para
controle popular dos atos dos poderes públicos: a ação civil pública, prevista no artigo 37 da
Constituição Federal. Por outro lado, o inquérito civil passa a ser um conjunto de atos e
diligencias destinados a apurar e investigar o que existe de verdade ou indícios sobre determinada
matéria ou situação. Na defesa do consumidor, essa aplicação oferece uma linha clara, destinada a
tutelar os direitos ditos individuais, coletivos e difusos, previstos na Lei 7.347/85 e
complementados pelo CDC.
Nos últimos anos, podemos observar um aumento das judicializações ligadas a direitos
coletivos e difusos, além da busca por opções de solução fora dos tribunais, quer seja pelos custos
relacionados ao litígio, quer seja pela insegurança jurídica causada.
Na tutela judicial das relações de consumo, verifica-se a consequência direta da ausência de
harmonia e respeito aos direitos básicos, prevista no artigo 6, que poderá levar a processos
administrativos – e com consequente questionamento em juízo – ou de reclamações no SNDC –
que também levará a outros ajuizamentos –, determinando novas tendências nos tribunais tanto
no âmbito individual como coletivo.

55
Ejus e tendências dos tribunais
Mudanças e questões a serem respondidas
Em razão das mudanças presentes na era da Sociedade da Informação, como vimos, a
proteção e defesa do consumidor passou a ter de enfrentar desafios na tutela tanto administrativa
quanto judicial. Em busca da harmonia nas relações de consumo, foi necessário então estudar
novas formas de aplicação do direito material, e os valores fundamentais da pessoa humana
relacionados às relações de consumo passaram a ser revistos pela jurisprudência.
Apesar desse empenho, ainda há questões a serem contempladas, como a resposta
jurisdicional e a tentativa de obter soluções via mediação, evitando assim litígios demorados e
prejudiciais à segurança jurídica e aos direitos individuais previstos na Constituição Federal e no
Código de Defesa do Consumidor.
Em 1988, ano em que a Constituição foi promulgada, havia cerca de 120 milhões de
pessoas residentes no Brasil. Em 1995, ano em que tivemos a estabilização da moeda com o Plano
Real, o País já contava com cerca de 150 milhões de residentes. Esses dados são do IBGE e, por
meio deles, podemos inferir a ocorrência das diversas mudanças socioeconômicas que desafiaram a
legislação consumerista e os participantes dessa relação ao longo do tempo.
Em meio a toda essa mudança, houve a publicação da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor – CDC), que determinou a necessidade de modificação das relações entre
fornecedores e consumidores e influenciou, diretamente, a criação do que hoje conhecemos como
ouvidorias. A construção, o conceito e as bases das ouvidorias brasileiras também têm o seu lastro
na formação da ABO, fundada em 1995, e em diversos Encontros e Congressos Nacionais
realizados com o único objetivo de aperfeiçoar esse instituto. A construção do Código de Ética da
ABO, em 1997, constitui um símbolo do seu aperfeiçoamento, influenciando vários marcos legais
regulamentares sobre o tema.
Em 2011, mediante um esforço importante de revitalização das ouvidorias no Brasil, a
Fundação Procon de São Paulo, a Associação Brasileira de Relações Empresa Clientes (Abrarec) e
a Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO) juntaram-se para construir os
princípios, conceitos e bases do modelo brasileiro de ouvidorias, expressos em um documento
denominado Guia de ouvidorias Brasil. De certa forma, esse componente organizacional ofereceu
condições de constituir a missão de uma ouvidoria: representar os legítimos interesses dos
cidadãos no ambiente em que atua, na busca de soluções definitivas.
A criação das ouvidorias passou também a auxiliar o estudo e a compreensão da necessidade
de desjudicialização, por meio de áreas de relacionamento com clientes e, com auxílio do Poder
Judiciário, de ações de prévia negociação.

56
Segundo o IBGE e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente, o Brasil conta com
mais de 207 milhões de habitantes. Comparado à década de 1960, quando existiam cerca de 70
milhões de habitantes no País, esse número representa um aumento de 300%. Tal aumento veio
acompanhado da inclusão social após o Plano Real e da maior distribuição de crédito a partir dos
anos 2000.
Considerando esse cenário, algumas perguntas se fazem importantes:
 Estariam os técnicos de Direito judiciário e consumidores preparados para uma nova
onda de litígios e soluções alternativas de conflitos?
 Que mudanças estruturais se fazem necessárias para uma tutela jurisdicional mais célere?
 Que tendências possíveis poderiam auxiliar advogados, empresários e o judiciário na
construção de alianças capazes de garantir a manutenção dos direitos básicos em face de
uma necessária livre concorrência?

Como vimos, o Direito não pode proteger a parte mais fraca da relação de consumo
somente em relação a algumas partes do mercado, tendo em vista que a vulnerabilidade do
consumidor pode ter diversas causas. No entanto, a construção de uma lei modelo que considere
o impacto comercial na sociedade de consumo envolve aspectos mais profundos da discussão
metajurídica. Dessa forma, surgem outras questões:
 A construção desse modelo geraria um divórcio entre a aplicação da norma e a ética clássica?
 Que modelo seria capaz de garantir um equilíbrio nas relações contratuais propostas, em
face desse cenário, oferecendo garantias individuais e coletivas, sem prejudicar a livre
iniciativa e as garantias fundamentais legalmente previstas na Lei maior do Estado?
 O Judiciário poderia atender, com a mesma rapidez do consumo, a necessidade de
tutelar a relação de consumo de forma a gerar a harmonia prevista no artigo 4º da
Lei 8.078/90?

Considerando a falta de normas ou políticas que gerem


fiscalizações e ações capazes de coibir os atos infrativos das
empresas nas relações de consumo, jurimetricamente,
constatamos a necessária mudança no Poder Judiciário.

Estratégia nacional de não judicialização (Ejus)


Segundo o estudo Justiça em números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até 2015, o
Brasil possuía mais de 92,2 milhões de processos em tramitação. Desse total, 28,2 milhões (31%)
eram casos novos e 64 milhões (69%) representavam pendências de anos anteriores. Além disso,
quase metade dos processos em tramitação representavam ações de consumo.

57
Esses números fizeram com que fornecedores e o Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor (SNDC) desenvolvessem formas de mediação de conflitos via uma ação conhecida
como Estratégia nacional de não judicialização (Enajud).

A promoção de métodos como a mediação, a negociação e a


conciliação, e a diminuição do número de processos judiciais
permitem que o Judiciário se concentre em questões que, de
fato, exigem uma intervenção, como a proteção dos direitos
fundamentais previstos na Constituição Federal.

A Enajud reúne instituições dos setores público e privado para evitar que conflitos que
possam ser resolvidos por meios alternativos cheguem ao Judiciário. A Enajud deixou de vigorar
em 2019, passando a Coordenação-Geral a executar a Estratégia Nacional de Promoção de
Políticas de Justiça – Ejus.
A Estratégia Nacional de Promoção de Políticas de Justiça – Ejus foi instituída pela Portaria
nº 864, de 28 de novembro de 2019, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Trata-se de
uma estratégia de articulação interinstitucional com organizações do Sistema de Justiça,
entendidas como organizações públicas e privadas que atuam direta ou indiretamente na
promoção de políticas de acesso à justiça.
A Ejus sucedeu a Estratégia Nacional de Não Judicialização (Enajud), que vigorou de 2014
a 2019. A Enajud buscava ampliar o acesso à justiça com foco na desjudicialização; já a Ejus
possui abrangência maior, com três eixos de atuação:
I. modernização e aperfeiçoamento do sistema de justiça;
II. democratização do acesso à justiça e
III. promoção da cidadania.

Alternativas promovidas pela Senacon, decorrentes da Enajud


Entre as alternativas promovidas pela Enajud, temos:
 a mediação;
 a conciliação e
 a negociação.

Vejamos cada uma dessas alternativas com mais detalhes:

a) Mediação:
A mediação é o método por meio do qual duas ou mais pessoas, envolvidas em um conflito
potencial ou real, recorrem a um terceiro, que irá facilitar o diálogo entre elas, para que se chegue
a um acordo.

58
b) Conciliação:
Na conciliação, as partes submetem o seu conflito à administração de um terceiro imparcial,
o conciliador, que as aproxima, formula propostas de acordo com a vontade de ambas e aponta as
vantagens de cada ponto sugerido.

c) Negociação:
Na negociação, não se recorre a um terceiro. As próprias partes solucionam, conjuntamente,
os problemas. Sem formalidades, as partes fazem concessões recíprocas, barganham e compõem os
seus interesses, buscando a solução que melhor lhes convier.

Os dados provenientes dessas alternativas servem aos fornecedores como um claro


diagnóstico acerca dos motivos das principais contendas que chegam aos órgãos de defesa do
consumidor, auxiliando-os assim a desenvolverem planos e metas mais efetivos, que venham a
diminuir as demandas.
Para os juristas convocados pelo Senado Federal para a revisão do CDC, problemas de
efetividade na prática das relações de consumo, como o grande número de novas leis especiais, normas
processuais aplicáveis e linhas jurisprudenciais existentes, determinaram a criação contínua de outros
regramentos e normas especiais relativas à nulidade ex officio, aos prazos prescricionais e à interação
entre ações individuais e coletivas, revigorando a sua parte instrumental.
De certa forma, os relatórios finais e a análise da atualização do CDC levaram em
consideração os marcos econômicos previstos na Sociedade da Informação. Essa condição de
revisão e atualização buscou manter os valores constitucionais e a ordem pública de proteção e
defesa do consumidor, respeitado os pactos particulares e as suas obrigações, não superadas por
agências regulamentadoras e práticas de relação comercial entre fornecedores.

Jurimetria
Considerando todos os desafios apresentados na Sociedade da Informação, fez-se necessário
buscar também alternativas de estudo para os reflexos econômicos e jurídicos dos novos
consumidores, sobretudo em decorrência da nova economia e das relações contratuais constituídas.
Os tribunais de Justiça de todo o País passaram então a buscar alternativas para reduzir
a judicialização e melhorar o sistema judicial. Parte desse trabalho foi fruto dos relatórios
emitidos, anualmente pelo STF, denominados Justiça em números, cujos dados já foram
analisados nesta apostila.
Como resultado, a tendência dos Tribunais passou a ser o uso de um sistema de análise
estatística denominado jurimetria. A jurimetria oferece condições de auxiliar na análise tanto dos
dados resultantes da Política Nacional de Defesa do Consumidor quanto de propostas para
constituição de um sistema de governança que vise à harmonia das relações de consumo.

59
Para entendermos o que é o direito real, temos de utilizar ferramentas capazes de descrever
como se dá, efetivamente, a dissuasão prática dos processos em que há conflitos de interesse. Em
outras palavras, temos de verificar que contratos são pactuados cotidiana e concretamente, como
eles são operados na prática, quais são os seus objetos, partes, prestações, contraprestações e
garantias, quais são inadimplidos e em que condições. E é a jurimetria a ferramenta utilizada para
compreensão desse universo de processos e fatos jurídicos.

A jurimetria consiste na disciplina resultante da aplicação de


modelos estatísticos para a compreensão dos processos e
fatos jurídicos, sendo uma metodologia de estudo do Direito
em geral, dentro e fora dos tribunais, capaz de fornecer
contribuições relevantes para todas as áreas de
especialidade do Direito.

Cabe ressaltarmos que a jurimetria não se confunde com a análise econômica do direito
(AED). A AED parte do pressuposto de que a Economia, especialmente a microeconomia, é útil
para a análise e prática do Direito. Segundo Bruno Mayerhof Salama (2017, p. 7):

“Esse argumento possui duas versões proveitosas. Primeiro, a ideia de que


a Economia possa explicar a estrutura das normas jurídicas. Assim, os
sistemas jurídicos poderiam ser compreendidos como sendo a resultante
das decisões de maximização de preferências das pessoas em um ambiente
de escassez. Essa ideia é comumente tratada de forma bastante abstrata”.

Governança corporativa
Para que se possa propor um instrumento que mensure as reclamações obtidas por meio da
jurimetria e, dessa forma, gerar soluções que respeitem o consumidor de modo tanto individual
quanto coletivo, é necessário criar algum sistema de governança de relacionamento previamente.
O termo “governança corporativa” foi criado no início da década de 1990, nos países
desenvolvidos, para definir as regras que regem o relacionamento dentro de uma companhia,
considerando os interesses de acionistas controladores, acionistas minoritários e administradores.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) apresenta a seguinte
definição para governança corporativa:

“Governança corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas,


monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre
proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de controle.

60
O conceito de governança corporativa pela ótica da maximização da riqueza
dos acionistas como principal responsabilidade dos executivos contraria o
chamado modelo de equilíbrio dos interesses dos stakeholders.”

É importante compreendermos que o sistema de governança corporativa nasceu somente após a


ocorrência dos desequilíbrios econômicos mundiais que determinaram a convenção de sistemas de
controle interno capazes de reduzir riscos sistêmicos e, com isso, oferecer condições de sustentabilidade
para as empresas, incialmente enquadradas no tipo societário de Sociedade Anônima.
Esse sistema fortaleceu a possibilidade de as empresas, junto a outras constituições
societárias e dentro do ordenamento jurídico brasileiro, gerarem melhores índices de liquidez e,
desse modo, oferecerem eficiência operacional, garantindo a manutenção da sua função social.

Governança cidadã
Uma vez compreendidos os fundamentos do Direito Empresarial que, com base na função
social da empresa, nos seus atos constitutivos e na redução de riscos, justificam a criação de
sistemas de governança corporativa, devemos entender também a governança cidadã, que
compreende a governança de relacionamento.
A perenidade de toda a empresa exige atributos de etnicidade. Esses atributos não somente
geram perenidade como Governança de Relacionamento e contribuem diretamente para a justa
harmonia nas relações de consumo e na ordem econômica.
Nesse sentido, o cidadão passa a esperar do poder público a administração da boa res
publica, enquanto o consumidor vinculado exclusivamente à iniciativa privada tem a expectativa
da realização da legalidade e da entrega de produtos e serviços com qualidade.
Um sistema de governança cidadã determina então um nível de relacionamento entre as
partes interessadas que resulte em um comportamento ético e solidariamente responsável pela
cadeia de valor. Em outras palavras, por meio da governança cidadã, cria-se um sistema de
acontability, pautado em regimes de competência que garantam melhores práticas de
comportamento por parte tanto da empresa públicas quanto da iniciativa privada.
Além disso, esse sistema oferece às empresas a possibilidade de criar limites quanto à
aceitação da existência de reclamações por parte dos consumidores. As empresas que atuam na
sociedade contemporânea não admitem mais reclamações excessivas por falta de qualidade ou
qualquer tipo de destrato contratual, pois as manifestações resultantes desses problemas geram
reflexos negativos nos seus ativos.

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PROFESSOR-AUTOR
Fábio Lopes Soares é pós-doutorando em Direito (ULISBOA),
Ph.D. em Business Administration (FCU/EUA), mestre em Direito da
Sociedade da Informação pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU),
MBA em Gestão Econômica e Estratégica de Negócios, pela Fundação
Getulio Vargas (FGV), especialista em Negociações Econômicas
Internacionais, pela Unesp e Unicamp, bacharel em Direito, pela Faculdade
de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC), com OAB em São Paulo,
além de contabilista formado pela Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etesp). Com
conhecimentos especializados na área de defesa do consumidor, apresenta domínio das
ferramentas de qualidade MCQ e PMO e possui certificações ISO, sendo green belt em Six Sigma
e CPC-A. Participante efetivo da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-SP, do comitê
setorial de Ouvidoria da Abrarec e da Associação Brasileira de Ouvidores (ABO), além de
membro da Brasilcon. Especialista convidado pelo Jornal O Estado de São Paulo e pelo JOTA
(portal de notícias da UOL). Atua ainda como parecerista da Controladoria Geral da União
(CGU). É fundador e consultor da Bureau Sapientia, atuou por mais de 17 anos no mercado
financeiro, no Governo Federal e Estadual, como gestor e CFO, estando à frente de processos
gerenciais das áreas de Ouvidoria, Sistemas de Controle Operacionais, Relações de Consumo,
Compliance e Jurimetria. Atua ainda como professor convidado e coordenador acadêmico
executivo nos cursos de extensão, pós-graduação e MBA da Escola de Administração e docente
convidado da Escola de Direito Rio da Fundação Getulio Vargas.

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