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Juliana Bulhões
Doutoranda em Comunicação - Jor-
nalismo e Sociedade do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade de Brasília.
Email: julianabulhoes.ad@gmail.com.
Foto_Alexandra Martins
David Renault
Professor Doutor vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade de Brasília.
Email: renault.david@gmail.com
A precarização da
prática jornalística:
uma revisão bibliográica sobre o impacto das
condições de trabalho na saúde e qualidade
de vida do jornalista
Resumo Abstract
Apresentamos um relato de pesquisa focado no desenho We present a research report focused on the theoretical
teórico de uma investigação que versa sobre o impacto design of an investigation about the impact of working
das condições de trabalho na saúde e qualidade de vida conditions on health and quality of life of the journa-
do jornalista. Primeiramente discorremos sobre o proble- list. First we discus about the research problem. hen
ma de pesquisa. Em seguida, desenvolvemos uma revisão we develop a bibliographic review of the main theore-
bibliográica sobre as principais escolhas teóricas refe- tical choices regarding the listed topics: working condi-
[ Dossiê ]
rente aos temas elencados: condições de trabalho, preca-
rização da proissão de jornalista, saúde e qualidade de
tions, precariousness of journalism, health and quality
of life of the journalist. We end with a relection about
P r át i c a s J o r n a l í s t i c a s
vida do jornalista. Finalizamos com uma relexão sobre a the importance of theoretical choices made.
importância das escolhas teóricas realizadas. Keywords: Journalism; journalistic practice; work condi-
Palavras-chave: Jornalismo; prática jornalística; condições tions; precariousness of work.
de trabalho; precarização do trabalho.
1. Introdução Art. 303 - A duração normal do trabalho dos tões peculiares locais e discrepâncias extremas no cidades de Natal e Brasília? Sendo assim, procurar
empregados compreendidos nesta Seção não
que tocam as questões de condições de trabalho do responder este questionamento é o guia da nossa
deverá exceder de 5 (cinco) horas, tanto de dia
Podemos elencar diversas mudanças no mundo como à noite. Art. 304 - Poderá a duração normal jornalista, informações obtidas por meio do exer- pesquisa.
do jornalista brasileiro nas últimas duas décadas. do trabalho ser elevada a 7 (sete) horas, mediante cício proissional e pela pesquisa exploratória. Essa
acordo escrito, em que se estipule aumento de Assim, nos propomos a desenvolver uma pes-
Destacamos a ampliação das áreas de atuação prois- escolha não foi feita visando necessariamente uma
ordenado, correspondente ao excesso do tempo quisa no campo do Jornalismo com interface com o
sional, as mudanças nas relações de trabalho, a não de trabalho, em que se ixe um intervalo destinado comparação, mas queremos mostrar que é possível
da Saúde, elencando como conceitos-chave da pes-
obrigatoriedade do diploma para exercer a proissão, a repouso ou a refeição (BRASIL, 1943, p. 01). que existam várias realidades no país no que se refere
quisa: as condições de trabalho dos jornalistas, a
os enxugamentos das redações, o acúmulo de fun- ao tema proposto.
precarização da proissão de jornalista, as mudanças
ções - muitas vezes devido aos avanços dos aparatos Quando a legislação foi criada, uma prática
Brasília pode ser considerada a capital do jorna- estruturais no jornalismo, os estudos sobre o traba-
tecnológicos - e a própria inluência da tecnologia no comum era o jornalista trabalhar de fato seis dias na
lismo brasileiro, pois o Distrito Federal tem a maior lho, o jornalista enquanto trabalhador, as consequ-
trabalho jornalístico. Diante desse panorama, acre- semana, ou seja, entre 30 e até 42 horas semanais. Há
concentração de jornalistas per capita do país, que ências do trabalho na saúde do trabalhador e a qua-
ditamos que houve uma piora nas condições de tra- muitos anos várias empresas contratam estipulando
é aproximadamente um jornalista para cada quase lidade de vida no trabalho do jornalista.
balho, bem como o reforço da ideia de precarização um salário de 30 horas semanais acrescido das horas
385 moradores; são cerca de 6.500 jornalistas em
da proissão. extras. É uma forma, inclusive, de minimizar proces- Pretendemos caracterizar as condições de traba-
uma população média de 2,5 milhões de habitantes
sos trabalhistas. lho dos jornalistas brasileiros, tendo como recorte
Neste artigo apresentamos parte do desenho (SILVA, 2014).
geográico estas duas cidades; desenvolver indica-
teórico da investigação em forma de relato de pes- Apesar da possibilidade de trabalhar legalmente
Julgamos, com base em pesquisa exploratória, dores da precarização da proissão de jornalista no
quisa, mais especiicamente uma revisão bibliográ- até sete horas por dia como jornalista, no Rio Grande
que em Brasília o jornalista pode ter uma QVT dife- Brasil; identiicar doenças laborais que podem aco-
ica sobre as condições de trabalho, a precarização do Norte esta prática é incomum. Geralmente se
renciada, pelo menos do ponto de vista da remune- meter os jornalistas, tanto por pesquisa bibliográica,
da proissão, a saúde e qualidade de vida do jorna- paga apenas o piso salarial referente a cinco horas
ração, pois é prática de mercado pagar o dobro do quanto por pesquisa de campo; elaborar indicadores
lista. Primeiramente discorremos sobre o problema diárias - o que pudemos veriicar que não acontece
piso distrital, que atualmente é R$2.247 - um dos para o estudo da saúde e da QVT de jornalistas, tendo
de pesquisa, culminando na pergunta-problema; em em Brasília, onde geralmente se contrata jornalistas
maiores do país (FENAJ, 2016a). Apesar disso, temos em vista as limitações de formação, pois alguns pro-
seguida, explicitamos as principais escolhas teóricas por sete horas -, o que não corresponde às horas reais
que considerar que Brasília tem o maior custo de cedimentos de saúde são de execução exclusiva de
166 referente aos temas elencados. trabalhadas. Neste caso, o excesso de carga horária 167
vida do país (ESTADÃO, 2014). proissionais habilitados na área; e entender como é
dos jornalistas potiguares pode ser explicado tanto
a proissão de jornalista em distintas cidades de dife-
2. Contextualização do problema pela multiplicidade de empregos, quanto por horas Natal teve por anos o mais baixo piso salarial
rentes regiões do Brasil.
de pesquisa excedentes de trabalho. do país. Com cerca de 1.700 jornalistas atuantes no
mercado (MAIA; FEMINA, 2012), não é excepcio- Na pesquisa, selecionamos uma tríade metodo-
Estes dados reforçam nossa ideia de que o jor-
O Brasil tem aproximadamente 145 mil jornalis- nal encontrar entre eles proissionais com mais de lógica composta pela etnometodologia, análise da
nalismo potiguar passa por uma precarização, prin-
tas proissionais registrados (MICK; LIMA, 2013). três vínculos ou empregos e também jornalistas que conversa e entrevista em profundidade. Estas três
cipalmente no que diz respeito às condições de tra-
Integrantes de um mercado muito competitivo e ganham abaixo do piso, que atualmente é 1.370,00 abordagens focam no “ouvir” e corroboram com a
balho do jornalista. No entretanto, não acreditamos
com discrepâncias entre as remunerações, os jorna- (FENAJ, 2016a). ideia que desenvolvemos de autopercepção da saúde,
que esta situação seja exclusiva do estado do Rio
listas sofrem as consequências do atual modelo de o que de certa forma soluciona algumas limitações
Grande do Norte, nem queremos reduzir as práticas Segundo o Programa das Nações Unidas para
trabalho adotado pelo mercado brasileiro. da interface com a saúde, tendo em vista se tratar de
jornalísticas ao panorama apresentado neste estado o Desenvolvimento (PNUD, 2016b), o Índice de
uma investigação desenvolvida por jornalistas.
brasileiro em especíico, por isso nos propomos a Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)
A pesquisa Radiograia do Jornalismo Potiguar
ampliar a investigação. de Brasília deixa a cidade em nona posição com o
(BULHÕES, 2014) identiicou que no estado do Rio 3. Condições de trabalho e
Grande do Norte mais de dois terços dos jornalis- melhor IDHM, enquanto que Natal consta na 320ª
Na pesquisa de doutorado investigamos as con- precarização da profissão
tas possuem dois ou mais empregos, enquanto que posição dentre os 5.565 municípios brasileiros.
dições de trabalho do jornalista brasileiro e as rever-
o índice brasileiro é de cerca de um terço (MICK; Os dados também apontam a renda per capita: em
berações na saúde e na qualidade de vida no trabalho Consideramos que condições de trabalho são os
LIMA, 2013). Cerca de 65% dos jornalistas poti- Brasília, o valor é de R$1.715,11, enquanto que em
(QVT) deste proissional. Como recorte geográico, elementos físicos e psíquicos oferecidos pela institui-
guares trabalham entre 30h e 60h por semana, uma Natal é R$950,34 (PNUD, 2016a).
optamos por aplicar a pesquisa nas cidades de Natal, ção e pelo empregador que permitem um trabalha-
carga horária superior ao esperado para um jorna- capital do Rio Grande do Norte e Brasília, capital do Diante deste contexto, nossa pergunta-problema dor executar suas tarefas da melhor e mais adequada
lista com apenas um emprego. A Consolidação das Distrito Federal e do país. se dá da seguinte forma: qual o impacto das con- forma possível, sem prejuízos ou diiculdades exter-
Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei dições de trabalho na saúde e na qualidade de vida
As cidades foram escolhidas tanto pela proximi- nas às suas competências.
nº 5.452, de 1º de maio de 1943, na Seção XI - dos do trabalho dos jornalistas brasileiros, tendo como
jornalistas proissionais - deixa claro: dade acadêmica da pesquisadora, quanto por ques- Para Ferreira (2012), as condições de trabalhos
recorte geográico os proissionais que atuam nas