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ANALISE DA IMPORTÂNCIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL NO DIREITO À

EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

ADRIANE LIMA GARÇON1

INTRODUÇÃO

Com o advento das grandes Guerras Mundiais, houve uma intensa mudança na
concepção do ser humano com os cruéis ocorridos, surgindo no âmbito jurídico garantias
aos direitos humanos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana. Em decorrência
dessa nova mentalidade surge o termo Mínimo Existencial, sendo o mínimo sem o qual o ser
Humano não sobrevive, esse princípio é um processo para se chegar a dignidade da pessoa
humana.

Dentro do Mínimo existencial a educação básica é um dos pilares para esse princípio
ser concretizado, já que através da educação se alcança diversos direitos que firmam a
dignidade da pessoa humana como a igualdade, liberdade e viver de forma digna, sendo o
Estado obrigado a fornecer esse mínimo existencial por meio de prestações positiva e
negativas.

Dessa forma, torna-se de extrema importância um estudo sobre a Educação sob a


ótica do princípio do mínimo existencial objetivando um aprofundamento do conhecimento
dessa área, por intermédio de uma pesquisa bibliográfica e analise das previsões jurídicas
sobre a educação brasileira antes e depois do surgimento do princípio do mínimo existencial
na constituição federal de 1988.

1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL

1.1. Princípio da dignidade da pessoa humana


Princípios são norteadores do nosso sistema normativo, alvos a serem seguidos
dando coerência ao que o Estado define como seu objetivo, tendo o peso de serem
observados pelo mundo jurídico. O princípio da dignidade da pessoa humana tem como

1
Graduanda do curso de Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá. Contato: adrianelimag@Gmail.com
essência não só condições para a sobrevivência do ser humano, indo além, ele retrata em
sua definição uma vida digna (ARAUJO, 2013).
A dignidade por Kant, é algo que está além de um determinado preço, assim, não
podendo ser substituído, já que não haveria um equivalente. Uma existência com dignidade
seria caracterizada como possuir o mínimo para viver com qualidade (ARAUJO, 2013).

A historicidade desse princípio vem de muito tempo atrás, Segundo Renner (2016) as
reflexões teológicas de São Tomas de Aquino obtém-se a concepção do homem possuidor
de um Direito natural à dignidade por ser imagem e semelhança de Deus. Nos Séc. XVII e
XVIII a ideia kantiana remete a valoração do homem, aquele que não têm equivalentes,
assim possuindo dignidade ao invés de preço, pois o que possuía preço seriam coisas e não
pessoas, traçando a concepção do que seria a violação da dignidade.

Segundo afirma a autora Haetinger (2012, p.1)

Após a primeira guerra mundial e a Grande Depressão americana, o mundo


presenciou as piores dentre todas as violações aos direitos humanos imagináveis,
durante a segunda guerra mundial. O nazi/fascismo foi, por décadas, a grande
“peste” enfrentada pelos europeus não-caucasianos, dizimando um sem-número
de judeus, negros, e tantas outras etnias que foram sujeitas ao maior massacre da
história escrita da humanidade, justificando por serem considerados “sem
direitos”, sem “cidadania”(...). No pós-guerra, já descobertas as atrocidades
cometidas principalmente pelos alemães, foi fundada a ONU, a Organização das
Nações Unidas.

Somente após a Segunda guerra, a dignidade da pessoa humana já não era matéria
interna dos países e sim uma temática de interesse de todos os povos, surgindo assim
através da ONU a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, declarando que
todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (RENNER, 2016). O
Princípio da dignidade da pessoa humana foi legitimado como princípio jurídico
fundamental no Brasil apenas após a ditadura militar com a promulgação da Constituição de
1988 (ARAUJO, 2013).

1.2. Princípio do mínimo existencial


Sendo o princípio da dignidade da pessoa humana, um princípio amplo e geral, do
qual se ramifica os direitos fundamentais que são reconhecidos como direitos humanos
positivados, ou seja, escritos em leis, acaba se tornando difícil de serem concretizados em
sua totalidade, tendo como raízes as mais diversas causas, uma delas é a limitação dos
recursos públicos, entretanto, surge o princípio do mínimo existencial para dar efetividade
ao princípio da dignidade da pessoa humana por meio da garantia de condições básicas para
a efetivação de uma vida digna (OLIVEIRA, 2016).

Pois de acordo com Araujo (2013, p.7721-7722, grifo nosso).

o princípio da dignidade da pessoa humana, é valor supremo de uma constituição.


Uma vez, que a pessoa é o fim e o começo de uma sociedade e do Estado. Tudo o
que se faz é em prol do ser humano (...). Importante, no entanto, é lembrar que
todos os direitos e garantias, inclusive os princípios constitucionais, estão
vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, há ou têm que
haver o mínimo de dignidade da pessoa na execução de todas as regras e normas
constitucionais.

As concepções sobre o mínimo existencial na procura da concretude do princípio da


dignidade da pessoa humana não se trata apenas na busca da liberdade, por mais que seja
considerado um dos pilares desse princípio, o que verdadeiramente se almeja é suprir as
necessidades dos sujeitos que integram o Estado (SARMENTO, 2016).

A garantia do mínimo existencial é importante para a proteção e promoção da


liberdade e da democracia, mas mesmo em hipóteses em que tais princípios não
estejam em jogo, as condições materiais básicas de vida devem ser asseguradas
(...). A extrema vulnerabilidade desses sujeitos parece razão adicional para a
proteção do mínimo existencial, e não o contrário. Isso mostra que o mínimo
existencial não é só um instrumento para a consecução de outros fins, mas tem de
receber proteção independente. (SARMENTO, 2016, p. 1656)

Para isso o mínimo existencial carrega consigo um conjunto de direitos fundamentais


que viabilizam uma vida com dignidade. É conferido ao Estado status positivo para cumprir
esse princípio através de prestações positivas, sendo obrigado a prestar serviços públicos
aos indivíduos que não teriam condições de fazê-los afetando assim sua sobrevivência, pois
conforme ratifica Sarmento (2016, pg. 1679) ”O mínimo existencial deve ser garantido pelo
Estado e pela sociedade para todos, mas o foco prioritário tem de recair sobre os segmentos
mais vulneráveis da população.”, é também atribuído o status negativo, estando o Estado
inibido de impedir o acesso dos indivíduos a condições que proporcionariam uma vida digna.
Dessa forma é visível que o status positivo, por meio de políticas públicas feitas para a
realização dos direitos fundamentais possui maior peso para a concretude do mínimo
existencial (OLIVEIRA, 2016).

Porém uma das grandes discussões ao se tratar do mínimo existencial se refere às


delimitações do que seriam esses direitos fundamentais que iriam ser a base para possuir
uma vida com dignidade. Segundo Oliveira (2016, p.6-7) esses questionamentos são alvos de
reflexão desde a fundação desse princípio.

A concepção do mínimo existencial encontra raízes no direito alemão em debates


travados pela doutrina e jurisprudência alemãs, na década de 1950 onde se passou
a discutir acerca da existência da garantia de um mínimo indispensável para a
existência humana digna dessa forma retrata Alexy que, em 1951, identifica-se
decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão, prolatada acerca da assistência
social, em que se podem inferir as primeiras referências, no âmbito daquele
Tribunal, à existência de um direito fundamental a um mínimo existencial. (...) os
constitucionalistas, ao lado do Tribunal Constitucional alemão, debruçaram-se na
construção de quais seriam os direitos mínimos a serem assegurados pelo Estado
alemão aos seus cidadãos.

No Brasil, a professora Barcellos (2001) citado por Moura (2006), se dedicou a


conceituar quais eram esses direitos que faziam parte do núcleo do mínimo existencial,
chegando a conclusão que seriam a educação fundamental, a saúde básica, acesso à justiça e
assistência aos desamparados. Neste artigo será explanado de forma mais profunda o
mínimo existencial no que se refere à educação, e para fazer essa analise da relação da
educação e o mínimo existencial devemos trazer a luz a trajetória da educação antes e
depois da constituição de 1988, pois ao ser fundamentada na dignidade da pessoa humana a
carta de 88 implicitamente gera um marco ao mínimo existencial, sendo o mínimo para se
ter uma vida digna.

2. A EDUCAÇÃO E O MÍNIMO EXISTENCIAL


2.1. Educação brasileira e as previsões legais antes da Constituição de 1988
É de extrema importância verificar a educação brasileira ante um aspecto histórico-
jurídico para entendermos a sua construção, pois como afirma Flach (2009, p.498) “a
educação, assim como o direito, é construção histórico-social, pensar o direito à educação é
sinônimo de pensar a extensão da importância dessa relação para a sociedade como um
todo.” . Para tanto, irá ser explicitado a seguir sobre um histórico das fases das instituições
escolares brasileira, os textos jurídicos sobre a educação nas constituições passadas, marcos
jurídicos e históricos que de forma cronológica ajudará na compreensão da formação desse
pensar jurídico sobre a Educação nos dias atuais.
A primeira fase das instituições brasileiras (1549-1759) é caracterizado pela forte
presença dos colégios jesuítas, e na segunda fase (1759-1827) é marcada pelas chamadas
“aulas régias” implantadas no contexto da reforma pombalina pelo marquês de pombal, são
as primeiras tentativas de implantar uma escola pública estatal com ideais distantes do da
igreja (SAVIANI, 2008).
Durante a segunda fase das instituições brasileiras o âmbito educacional brasileiro é
marcado pela constitucionalização do direito à educação, conforme o pensamento de
Boaventura (1995, p. 30, apud GOMES, 2014, p.16) “A educação está presente em todas as
constituições brasileiras, desde a primeira, a imperial, outorgada por Dom Pedro I, em 1824,
até a última, promulgada em 05 de outubro de 1988”, contudo, é importante ressaltar que
por mais que este direito estivesse presente nas constituições, a efetivação não era
garantida, como pode-se ver a seguir. Em 1823 um projeto de constituição escrito pela
Assembleia Geral previa o acesso a educação para todas as camadas da sociedade, podendo
ter como cooperador a iniciativa privada, entretanto, não foi aceita pelo imperador. A
Constituição de 1824 foi outorgada, Havia a previsão que a instrução primária fosse gratuita
(FLACH, 2009), porém, esse direito era baseado na cidadania dos indivíduos, os escravos não
eram incluídos nesse direito à educação, fazendo assim a educação ser exclusiva a certas
classes sociais da época (GOLIN, 2005).
A constitucionalização do direito à educação não foi o suficiente para mudar o
quadro nada favorável da educação brasileira, que se estendeu até a república.

Este é o quadro educacional herdado pela República após quase quatro séculos de
colonização e império português no país.(...) A educação nos primeiros anos da
República manteve-se inalterada, pois a dualidade de sistemas continuou como no
Império. No âmbito prático, sistema de ensino elementar ficou sob a
responsabilidade dos Estados, dentro de suas possibilidades financeiras (...) A
organização educacional entra em crise a partir do momento em que o modelo
existente se choca frontalmente com o ideário republicano de participação política.
A República estava inviabilizada de atender a demanda educacional de forma
qualitativa. Algumas décadas foram necessárias para que o pensamento sobre o
direito à educação para todos fosse evidenciado nos discursos políticos e sociais.
(FLACH, 2009, p.503-504).

O Brasil passa pela terceira e quarta fase das instituições brasileiras sem muito
impacto na educação em termos de efetividade do direito.

O terceiro período (1827-1890) consiste nas primeiras tentativas, descontínuas e


intermitentes, de organizar a educação com responsabilidade do poder público
representado pelo governo imperial e pelos governos das províncias; o quarto
(1890-1931) é marcado pela criação das escolas primárias nos estados, na forma de
grupos escolares, impulsionada pelo ideário do iluminismo republicano; (SAVIANI,
2008, p.150).

Contudo, vale enfatizar que na quarta fase, segundo Flach (2009, p.504) ”O
entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico marcam o decênio de 20, através dos
quais a educação passa a ser vista como a mola propulsora para o progresso e o
desenvolvimento”, sendo em 1924 criado a Associação Brasileira de Educação e ainda
inspirados pelas discursões tidas na década de 20 foi feito em 1932 o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova (FLACH, 2009).
A quinta fase das instituições brasileiras (1931-1961) nota-se um aumento no ideário
pedagógico renovador e uma regulamentação nacional do ensino (SAVIANI, 2008), mas para
que isso ocorra é necessário analisar os acontecimentos histórico-jurídico da época. A
constituição de 1934 tem uma característica muito inovadora em relação à educação,
ofertando um ensino gratuito e obrigatório, reservando uma parte dos tributos para a
manutenção da educação, porém, a carta de 34 não firmou-se, pois foi instituído em 1937
uma ditadura, tendo nesse mesmo ano uma constituição outorgada. Na carta de 37
incumbia aos pais o dever da educação, sendo perceptível o afastamento do Estado no que
tange a educação, demonstrando um declínio para o direito à educação (FLACH, 2009).
Conforme o entendimento de Golin (2015, p.8) “Em 1946, com o fim do Estado
Novo e a redemocratização do país, houve a promulgação da Constituição de 1946, que
muito se assemelhava às idéias contidas na Carta de 1934.” Trazendo outra vez a previsão
legal da educação gratuita e obrigatória do ensino primário, e em 1961 foi sancionada a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, conforme a quinta fase ilustrava essa etapa para
a regulamentação do ensino de forma nacional.
Por fim, a sexta fase (1961- dias atuais) retrata uma unificação entre a rede pública e
privada. Em 1964, o Brasil sofre o golpe militar, segundo afirma Flach (2009, p.507) “e sob a
égide da Constituição de 1967, reformulada pela Emenda Constitucional nº 1 de 17 de
outubro de 1969, o direito à educação no Brasil não sofreu mudanças substanciais”, em
1971 foi aprovada a Lei 5.692/71 que ampliou a faixa etária para sete à catorze anos os
alunos do 1º Grau e tornando o ensino obrigatório. Conforme afirmam Shiroma; Moraes;
Evangelista ( 2000, p. 39 apud FLACH, data, pg.507) ”A lei privilegiou um enfoque
quantitativo e não considerou aspectos elementares para afiançar a qualidade do ensino,
tais como a necessidade de rever a organização da escola e as próprias condições de
efetivação real do ensino básico.”. Na década de 80, o Brasil passa pela redemocratização e
em 1988 a atual carta magna é promulgada (GOLIN, 2015).

2.2. Educação brasileira e a Constituição de 1988

Há marcos importantíssimos que a constituição de 1988 trouxe em seu texto, não


apenas demostrando de forma geral que o direito à educação é para todos, a carta de 88
deixa de lado essa generalidade que consta nas demais constituições brasileiras desde 1934,
inovando em seu texto em diversos aspectos, abrangendo direitos à sociedade e
constituindo deveres ao Estado (MARTINS, 2019). A carta de 88 trata sobre a educação do
artigo 205 ao 214, porém o seu texto não se manteve imutável, houveram algumas emendas
constitucionais modificando ou incluindo o texto original, isso ocorre pelo direito não ser
estático, a lei muda conforme a sociedade se transforma.

Logo de início o artigo 205 retrata em seu diploma que a educação é um direito de
todos e um dever do Estado e da família, chamando para si o dever de efetivar esse direito,
ratificando isso novamente no artigo 227, “É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito (...) à
educação” demonstrando uma real importância da educação pelo constituinte, passando a
ser o meio pelo qual o individuo presente na sociedade brasileira pudesse se desenvolver
como pessoa, posteriormente estar formado como cidadão e fazendo parte do mercado de
trabalho.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

No que comporta o artigo 206, vale ressaltar que a carta de 88 apresenta no seu
corpo uma serie de princípios pelos quais o ensino será ministrado, dentre eles estão
presentes a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a gratuidade do
ensino público em estabelecimentos oficiais; a garantia de padrão de qualidade; o piso
salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública (BRASIL,
1988). Ao apresentar esses princípios o constituinte compromete o Estado ao cumprimento
dessas garantias em sua maior parte nas possibilidades que o Estado possui (ALEXY, 2008
apud GOMES, 2014).

Destaca-se também o artigo 208, em duas partes especificamente, primeiramente o


inciso I que foi modificado pela emenda constitucional nº 59 de 2009, ampliando a educação
básica gratuita e obrigatória para quatro à dezessete anos e gratuita para os demais de
outras idades, aqui nesse texto ao se falar da ampliação na idade, deve salientar a mudança
ocorrida pela emenda de nº 59 de 2009 na educação obrigatória e gratuita que antes abarcava
apenas o ensino fundamental, incluiu nessa garantia a pré-escola, ensino fundamental e
ensino médio. Outro ponto de grande relevância é o paragrafo 1º do artigo 208, trazendo
essa inovação ao corpo constitucional brasileira ao dizer que o acesso ao ensino obrigatório
e gratuito é um direito público subjetivo, pois possibilita ao individuo requerer o direito à
educação judicialmente (GOMES, 2014).

Ademais, Golin (2015, p.9) evidencia que o dispositivo constitucional adverte tanto
sobre as contribuições dos entes federativos para a manutenção e desenvolvimento do
ensino presente no artigo 212, quanto as competências legislativas atribuídas a eles.
Atribuiu a cada um dos entes federativos atribuições de ordem material, (...) Sendo
fixado o percentual da União em dezoito por cento e, o dos Estados, Distrito
Federal e Municípios fixados em vinte e cinco por cento. Tendo o Brasil adotado a
forma de Estado federativa, o constituinte além de definir atribuições de ordem
material, cuidou de regular a competência legislativa. À União compete legislar, de
maneira privativa, sobre as diretrizes e bases da educação em todo o Brasil,
conforme o artigo 22 inciso XXIV da Constituição. Poderá ainda, legislar de maneira
concorrente com os Estados e o Distrito Federal, sobre o que consta do artigo 24
inciso IX, que trata da educação, cultura, ensino e desporto.

2.3. Educação sob a ótica do mínimo existencial

Com o intuito de explanar sobre a importância da educação, é necessário voltar ao


artigo 205 da carta de 88, que retrata a educação como meio de alcançar no que o texto
delimita em três pontos, o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Sobre o desenvolvimento da pessoa, conforme discorre em seu texto a autora Dias


(2007, p.453) relata como o processo de aprendizagem emancipa o sujeito, o tornando um
ser crítico, afirmando que “ A produção do conhecimento socialmente relevante traz em seu
escopo o necessário compromisso com a autonomia do pensamento.”. O contato com o
conhecimento transforma o ser humano e o molda de forma sociocultural, logo a educação
participa profundamente desse desenvolvimento da pessoa que a constituição visa (DIAS,
2007).

De acordo com a fala de Dias (2007, p. 454, grifo nosso), “Tal noção de educação
para os direitos humanos guarda íntima conexão com os ideais de democracia, cidadania,
paz e justiça social” o que leva a discorrer sobre o segundo ponto, o preparo para o exercício
da cidadania. É de conhecimento geral que a maior parte da história brasileira, o Brasil foi
marcado por uma pequena parcela da sociedade que esteve no poder (FAUSTO, 2006), ao se
tornar uma república federativa e colocar em seu texto constitucional que o poder emana do
povo, a constituição faz uma ruptura na história do Brasil através do exercício do povo de
forma ativa nas decisões que darão rumo ao futuro do país (BRASIL, 1988), porém, muito se
questiona esse exercício da cidadania, já que também o Brasil é marcado pela educação de
qualidade inferior ao que se espera, segundo demonstra Veloso (2011, p.219) “(...) o nível de
aprendizado no Brasil é muito baixo. A qualidade da educação no Brasil também é inferior ao
que seria de se esperar de um país com nosso nível de renda per capita”.

O exercício da vida política é comprometido pela instrução que não possibilita o


acesso a uma consciência autônoma de saberes.

O regime democrático se assenta na compreensão de que os cidadãos devem ter a


igual oportunidade de participar do processo de formação da vontade da
comunidade política que integram.
Ocorre que, para que essa participação do cidadão possa ser efetiva, ele precisa ter
condições materiais mínimas para exercê-la. É evidente que o indivíduo com baixo
nível de instrução deve ter plenos direitos políticos, com ampla possibilidade de
participar do autogoverno popular. Contudo, o seu déficit de escolaridade tende a
comprometer a sua capacidade de se informar adequadamente sobre os assuntos
públicos e de participar, como um igual, nas deliberações sociais. (CANOTILHO,
1998, p. 432 apud SARMENTO, 2016, p.1653, grifo nosso).

Nesse contexto sobre a importância da educação e da efetivação desse direito, faz se


necessário falar sobre o princípio do mínimo existencial, pois, esse direito não apenas
abrange a satisfação

(...) das necessidades humanas fisiológicas, sem as quais se inviabilizaria a própria


sobrevivência física. (...) mas, muito além disso, a sua própria dignidade. Por isso, é
inequívoco que o mínimo existencial abrange aspectos como o acesso à educação.
(SARMENTO, 2016, p.1662).

O constituinte originário ao abordar esses pontos na constituição, demonstra que a


educação é meio para a vida digna e ao complementar o texto com o artigo 208, tornando o
direito á educação um direito público subjetivo, dando margem para o individuo acionar o
judiciário em prol dessa garantia, fazendo com que o mínimo existencial se concretize,
permitindo que mais pessoas tenham acesso a essa educação. O mesmo vale para a fixação
de contribuição dos entes federativos para o desenvolvimento e manutenção da educação
(GOMES, 2014).
Outrossim, no inicio da conceituação do núcleo do mínimo existencial, a professora
Barcellos (2001) citado por Moura (2006) incluiu a educação fundamental e outros, todavia,
Sarmento discorre que esse conceito estaria incompleto, demonstrando assim os direitos
estarem apresentados de forma insuficiente, afirmando “na educação, (...) não se abarcou a
creche e pré-escola, nem tampouco o ensino médio” SARMENTO (2016, p. 1663).
Ao analisar essa situação pode-se concluir que houve uma mudança no conceito do
mínimo existencial na medida que a legislação foi modificada pela emenda de nº 59 de 2009.
Segundo o pensamento de Moura (2006), ele trouxe a ideia de que era necessário buscar um
novo parâmetro para o mínimo existencial, ao se alcançar uma meta deveria então procurar
um “novo mínimo”, pois, o mínimo existencial, se enquadra em um mínimo que o Estado
não pode ultrapassar, ao se adquirir esse direito haverá uma vedação do retrocesso, logo, o
Estado não pode deixar de prestar esses serviços que trouxeram um determinado progresso,
só podendo ir para frente e não retroceder, nesse sentido a evolução do mínimo existencial
poderia ser concretizado (SARMENTO, 2016; MARTINS, 2019).
Dessa forma, pode-se inferir que ao longo dos séculos da história brasileira, a
educação teve um desenvolvimento lento e que ainda existem muitos obstáculos a serem
ultrapassados, por mais que já comprovada a sua importância. Então, ao falar sobre o
mínimo existencial na educação, se demonstra necessário não só um mínimo como a
presença do aluno, mas sim, uma educação de qualidade, igualitária e gratuita, como são
descritos no artigo 206, mínimos para garantir que o individuo conseguirá desenvolver a sua
vida em diversos aspectos possibilitando que o princípio da dignidade humana seja
concretizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao colocar a dignidade da pessoa humana como fundamento da Constituição


Federal, o constituinte originário torna real o mínimo existencial no âmbito jurídico
brasileiro, pois o processo para se chegar a dignidade da pessoa humana é alcançado pela
satisfação dos direitos fundamentais núcleo do mínimo existencial.

Tornando assim a efetivação de uma educação básica, uma obrigação de ser


efetivada pelo Estado, fazendo com que esse direito seja uma das prioridades das demandas
governamentais, pois, a educação é o meio de desenvolvimento de cidadãos, logo, de
desenvolvimento de uma sociedade livre, igualitária e justa, conforme prega a carta magna.
Mesmo com as dificuldades enfrentadas na educação, a evolução no âmbito jurídico
é inegável, claramente reconhecido quando a constituição estabelece uma fixação na
contribuição para o desenvolvimento e manutenção da educação, a judicialização desse
direito e os princípios para serem alcançados, ao ponto que se tornam mecanismos para a
efetivação desse direito. Com isso, ao ser caracterizado como um direito fundamental base
do princípio do mínimo existencial, a educação básica é marcada como uma garantia com
prioridade de ser efetivada.

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