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ISSN 1519-0412

Ano V II • Nº 29 • Ago/Out -2005


Expediente

Pensar
Contábil
CONSELHO DIRETOR CONSELHO EDITORIAL
Nelson Rocha Antonio Miguel Fernandes
Presidente Coordenador
Jorge Ribeiro dos Passos Rosa
Antonio Miguel Fernandes
Conselheiro
Vice-Presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Profissional Josir Simeone
Cezar Stagi Conselheiro
Vice-Presidente de Administração e Finanças Lilian Lima Alves
Paulo Cesar de Castro Conselheira
Vice-Presidente de Fiscalização do Exercício Profissional Waldir Ladeira
Conselheiro
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Vice-Presidente de Registro Editora: Rosa Helena Martire (MT 21405)
Ana Cláudia Lima Correa Projeto Gráfico: W&C- Comunicação
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Adriano Medina Revisão: Claudia Stivelman
Vice-Presidente de Interior Estagiária: Gabriela Gomes

CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


Praça Pio X, 78 - 6º, 8º e 10º andares - Rio de Janeiro - RJ - CEP 20091-040 - Tel. (21) 2216-9595 - Fax (21) 2516-0878
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E-mail (envio de artigos e assinatura): pensarcontabil@crcrj.org.br
Data de impressão: julho/2005
Tiragem: 2.000 exemplares
ISSN 1519-0412
Distribuição: por assinatura anual (R$ 16,00)
Atendimento ao assinante: Tel. (21) 2216-9544 Fax. (21) 2516-9268
“As opiniões emitidas em artigos são de exclusiva responsabilidade de seus
autores. Permitida a reprodução de qualquer matéria, desde que citada a fonte.”

Ficha catalográfica

P418 Pensar Contábil, v. 1, n.1, ago. 1998-.


- Rio de Janeiro: CRC-RJ, 1998-.

Trimestral
ISSN 1519-0412

1.Contabilidade. I.Conselho Regional de


Contabilidade do Estado do Rio de Janeiro
CDU – 657
Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

Editorial

A Pensar Contábil e a Produção Acadêmica


Senhores leitores, mais uma edição da nossa Pensar Contá- sores André da Costa Ramos e Frederico A. de Carvalho, que
bil para que todos possam aproveitar a coletânea variada e identifica o papel e atuação do controller neste ramo empresa-
atual dos artigos selecionados, que tratam de assuntos de am- rial e serve de referência para os leitores tomarem conhecimen-
plo interesse para a categoria profissional, como é o caso do to das suas peculiaridades. Outro trabalho de pesquisa na in-
elaborado pelo contador Mário César Cordeiro Pereira, intitula- dústria têxtil no qüinqüênio de 1999-2004 gerou o artigo dos
do “Empresas de Serviços Contábeis - Condicionantes Estraté- Professores João Bosco Arbués Carneiro Júnior e José Augusto
gicas para uma Atuação Empreendedora”. O autor descreve Veiga da Costa Marques, sobre a questão do planejamento fi-
em seu texto as ações empresariais adequadas a serem imple- nanceiro em curto prazo. Confira o artigo, pois vale a pena. E,
mentadas pelos empresários contábeis para obtenção do su- finalmente, “Uma Reflexão sobre a Teoria dos Passivos”, desen-
cesso no segmento. Um tema atualíssimo e sempre relevante, a volvido por Walber Monteiro de Almeida, procura fortalecer os
ética, é bem desenvolvido pela Professora Patrícia Boavista, em diversos conceitos vigentes para o reconhecimento das dívidas
seu artigo “Contabilidade, Ética e Espaço Público”. A defesa da e obrigações, à luz dos princípios fundamentais de contabilida-
harmonização dos padrões contábeis, sob o enfoque regional, de. Aproveite o conteúdo dos artigos, que foram selecionados
é apresentada no trabalho elaborado por Fabiano Maury Raupp da forma costumeira: com rigor acadêmico e carinho pelo Con-
e Ilse Maria Beuren, “A Supremacia Contábil dos Estados Uni- selho Editorial. Boa leitura!
dos Como Aspecto Dificultador à Harmonização das Normas
Contábeis no Âmbito da ALCA”. Pesquisa acadêmica elabora- Antonio Miguel Fernandes
da no ramo hoteleiro fundamenta o artigo escrito pelos profes- Vice-Presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Profissional

Sumário Summary
EMPRESAS DE SERVIÇOS CONTÁBEIS COMPANIES OF COUNTABLE SERVICES –
CONDICIONANTES ESTRATÉGICAS PARA STRATEGIES DEVELOPMENTS FOR AN
UMA ATUAÇÃO EMPREENDEDORA ......................................... 5 ENTERPRISING PERFORMANCE .............................................. 5
Mário César Cordeiro Pereira Mário César Cordeiro Pereira

CONTABILIDADE, ACCOUNTING, ETHICS


ÉTICA E ESPAÇO PÚBLICO ..................................................... 1 5 AND PUBLIC ENVIRONMENT ................................................... 1 5
Patrícia Vasconcelos Boavista da Cunha Patrícia Vasconcelos Boavista da Cunha

A SUPREMACIA CONTÁBIL DOS ESTADOS UNIDOS COUNTABLE SUPREMACY OF THE UNITED


COMO ASPECTO DIFICULTADOR À HARMONIZAÇÃO DAS STATES AS DIFFICULT ASPECT OF THE
NORMAS CONTÁBEIS NO ÂMBITO DA ALCA ..................... 2 3 HARMONIZATION COUNTABLE IN THE ALCA .................. 2 3
Fabiano Maury Raupp Fabiano Maury Raupp
Ilse Maria Beuren Ilse Maria Beuren

ATUAÇÃO DO CONTROLLER NO
SETOR HOTELEIRO:ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES À LUZ DA LITERATURA ......................... 3 0
André da Costa Ramos
Pensar
CONTROLLER’S PERFORMANCE IN HOTEL SECTOR:
SOME REFLECTIONS ON LITERATURE ................................ 3 0
André da Costa Ramos
Frederico A. de Carvalho

Contábil
Frederico A. de Carvalho
SHORT TERM FINANCIAL PLANNING:
PLANEJAMENTO FINANCEIRO A CURTO PRAZO: A SPIN CAPITAL DYNAMIC ANALYSIS
UM ESTUDO DE CASO DA ANÁLISE DINÂMICA DO CASE STUDY APPLIED IN A
CAPITAL DE GIRO APLICADO A UMA INDÚSTRIA TEXTILE INDUSTRY BETWEEN 1999-2004 .......................... 3 8
TÊXTIL NO PERÍODO DE 1999-2004 ..................................... 3 8 João Bosco Arbués Carneiro Junior
João Bosco Arbués Carneiro Junior José Augusto Veiga da Costa Marques
José Augusto Veiga da Costa Marques
A REFLECTION ON
UMA REFLEXÃO SOBRE A THE LIABILITIES THEORY ......................................................... 4 5
TEORIA DOS PASSIVOS ............................................................ 4 5 Walber Monteiro de Almeida
Walber Monteiro de Almeida

Uma publicação do

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 3 - 4, ago./out. 2005


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Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

ORIENTAÇÕES AOS COLABORADORES


DA REVISTA PENSAR CONTÁBIL
PERFIL TEMÁTICO E OBJETIVOS DA PUBLICAÇÃO:
A Revista Pensar Contábil é um periódico trimestral do Conselho Regional de Contabilidade, existente desde agosto
de 1998 e tem como missão a divulgação de artigos relevantes na área de contabilidade, com o objetivo de fomentar a
pesquisa.

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Podem encaminhar artigos para a revista, colaboradores do Brasil e do exterior.
Os artigos recebidos são avaliados pelo Conselho Editorial (composto por 5 membros), através do sistema double
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Pensar Cep, Cidade e UF correspondente);


- endereço completo, telefone, fax e e-mail do(s) autor(es);

b) a estrutura de apresentação do artigo deverá conter: título do artigo, resumo e palavras-chave, assim como os mesmos

Contábil
tópicos em inglês (title, abstract, key words), introdução, desenvolvimento e conclusão;

c) a bibliografia completa deverá ser apresentada em ordem alfabética no final do texto, de acordo com as normas da
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e) os artigos deverão estar redigidos em português. Os artigos de autores do exterior serão publicados em inglês,
espanhol ou português, conforme o caso;

f) preferencialmente, não exceder a 10 páginas;

g) os artigos deverão ter sido completa e perfeitamente revisados

4 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 3 - 4, ago./out. 2005


Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

(Trabalho premiado em 2º lugar na 52ª Convenção dos Contabilistas do Estado do Rio de Janeiro)

CONDICIONANTES ESTRATÉGICAS PARA


UMA ATUAÇÃO EMPREENDEDORA
 Mário César Cordeiro Pereira
São Pedro da Aldeia – RJ
RESUMO Contador CRC-RJ 60.008/O
Este estudo foi motivado pela percepção da necessidade Pós-graduado em Contabilidade e Auditoria – UFF
de mudança de enfoque pelos gestores das empresas de MBA em Controladoria e Finanças - UFF1
E-mail: cordeiropereira@uol.com.br
serviços contábeis em relação aos serviços prestados por
suas empresas frente à necessidade de se posicionar no enterprise segment, under the light of the concepts of enterpri-
mercado através de um diferencial competitivo, adicionando se strategy of Michael Porter.
valor aos seus serviços em virtude da necessidade de profis- Key words: entrepreneur, strategy, enterprise performance,
sionalização do gerenciamento das micro e pequenas em- accounting office
presas, seus principais clientes. Propondo um modelo de re-
estruturação das empresas de serviços contábeis sugerindo 1. INTRODUÇÃO
uma abordagem de empresa de gestão empresarial, enfati- Um dos princípios fundamentais da economia é a alocação
zando a mensuração do desempenho empresarial de forma ótima dos recursos escassos. Esse axioma também é válido para
quantitativa e qualitativa. O estudo busca ainda identificar as avaliação da gestão empresarial. A eficaz alocação de recursos
oportunidades e ameaças no ambiente deste segmento em- em uma empresa é um dos fatores determinantes de sua posição
presarial, sob a luz dos conceitos de estratégia empresarial no mercado e existência enquanto agente econômico.

Pensar
de Michael E. Porter. Em um mercado competitivo, é necessária uma atuação estra-
Palavras-chave: empreendedor, estratégia, desempenho tégica da empresa, centrando esforços para obtenção de lucros
empresarial, empresa de serviços contabéis suficientes para cobertura dos investimentos realizados e para o
prolongamento de sua expectativa de vida.A estratégia deve co-
ABSTRACT

Contábil
meçar a formar-se antes mesmo de iniciada a atividade da em-
This study was motivated by the perception of the necessity presa, momento que os futuros proprietários precisam avaliar o
of change of approach for the managers of the companies of mercado em que pretendem atuar, para examinar sua real capa-
countable services in relation to the services given for its com- cidade de implantar o negócio desejado.Depois de constituídas,
panies front to the necessity of if locating in the market through para manter-se competitiva e não perder mercado é fundamental
a competitive differential, adding to value to its services in vir- que as empresas gerenciem qualitativamente suas atividades,
tue of the necessity of professionalization of the management principalmente em um ambiente de profundas mudanças, como
of the small companies, its main customers. Considering a tem ocorrido no sistema econômico brasileiro.
model of reorganization of the companies of countable servi- Essas mudanças também atingem as empresas de serviços
ces suggesting a boarding of company of enterprise manage- contábeis, por isso, a necessidade de qualificação das atividades
ment, emphasizing the mensure of the enterprise performance empresarial deve fazer partes das preocupações dos empresários
of quantitative and qualitative form. The study it still searchs to deste segmento. A melhoria nos processos ajudará na redução do
identify to the chances and threats in the environment of this risco inerente ao desenvolvimento da atividade empresarial.

1
- UFF – Universidade Federal Fluminense – Cep 24020-005 – Niterói - RJ
1
- KOTLER, Philip; HAYES, Thomas; BLOOM, Paul N. – Marketing de Serviços Profissionais – Estratégias Inovadoras para Impulsionar sua Atividade, sua Imagem e seus Lucros. São
Paulo. Manole, 2002, 2. ed. p.25.

Artigo recebido em 30/07/2004 e aceito em 13/08/2004

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 5 - 14, ago./out. 2005


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Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Mário César Cordeiro Pereira

“As organizações que prestam serviços profissionais muda- atividade e através da diferenciação do produto ou serviço ofe-
ram dramaticamente com o passar dos anos. Os profissio- recido pela empresa. O consumidor deve identificar o produto
nais têm de enfrentar cada vez mais os concorrentes, a cres- oferecido como diferente dos demais por ter algo que não con-
cente insatisfação do público com os profissionais liberais, seguem identificar nos produtos das empresas concorrentes.
as tecnologias rapidamente mutáveis e outras mudanças “... A diferenciação do produto, cria isolamento contra a luta
ocorridas no ambiente externo”1 competitiva, porque os compradores têm preferências e senti-
A prestação de serviços contábeis encontra-se classificada mentos de lealdade com relação a determinados vendedores”3.
como serviços profissionais, isto é, para sua execução é neces- Para saber como tornar seu produto diferenciado da concor-
sária a obtenção de registro prévio em conselho constituído rência é necessário que a empresa conheça o mercado que
para regulamentação desta atividade. E de acordo com a asser- ela atua as forças que o regem. O conhecimento das necessi-
tiva de Kotler citada anteriormente as empresas de serviços dades de seus clientes e sua capacidade de atende-los, o po-
contábeis devem adotar a estratégia para desenvolver suas ati- tencial dos concorrentes em fornecer os mesmos produtos, são
vidades. algumas das análises ambientais que a empresa deverá fazer
A estratégia e seu planejamento não pode ser vista como para implantar sua estratégia.
prerrogativa das grandes empresas. As micro e pequenas em- O conhecimento citado anteriormente vai levar a empresa a
presas também necessitam de planejar suas atividades para descobrir seus pontos fortes e fracos e as oportunidades e ame-
não ficar dependentes das forças do mercado. aças, e a posição, em relação à concorrência, que ela pode
“Ouço por aí que as empresas grandes, as corporações gi- alcançar no mercado.
gantes, são justamente as que precisam conduzir seus ne- Entre os vários pesquisadores e autores sobre a importância
gócios com estratégia. Que as empresas menores, mais em- da estratégia empresarial, Michael E. Porter4 tem merecido des-
preendedoras, ao contrário, não precisam de estratégia – taque e servido de referência bibliográfica, para outros autores.
porque podem procurar outras alternativas para atingir su- Porter em seu trabalho estabelece cinco forças que estabele-
cesso nos negócios. Minha opinião é exatamente o contrá- cem a concorrência em uma atividade e a relação da empresa
rio. Diferente do que se dá com as empresas gigantes, a com seu meio ambiente. Essas forças são os concorrentes, os
sobrevivência dos negócios pequenos não pode depender fornecedores, compradores, produtos ou serviços substitutos e
da inércia do mercado. Nem pouco podem essas empresas a ameaça de novos concorrentes. Afirma que o conjunto des-
ser bem sucedidas pelo uso da força, despejando recursos sas forças é que vai determinar o potencial de lucro no setor de
sobre os problemas. Ao contrário, as empresas pequenas atividade da empresa, que é medido pelos retornos a longo
precisam perceber o ambiente competitivo com maior clare- prazo sobre o capital investido.

Pensar
za e delimitar e proteger uma posição que tenham condições “O conhecimento destas fontes subjacentes da pressão com-
de defender”2. petitiva põem em destaque os pontos fortes e os pontos fra-
Por ter características que as qualificam como microempre- cos críticos da companhia, anima seu posicionamento em
sas, as empresas prestadoras de serviços contábeis, que tem sua indústria, esclarece as áreas em que mudanças estraté-
como objetivo principal fornecer informações sobre o patrimô- gicas podem resultar no retorno máximo e Põe em destaque

Contábil
nio e suas variações, como também atender as exigências da
legislação fiscal e tributária das empresas clientes, também
necessitam planejar suas atividades.
As empresas de serviços contábeis estão estruturadas para
a elaboração de relatórios fiscais, como o Imposto de Renda
as áreas em que as tendências da indústria são da maior
importância, que como oportunidades, quer como ameaças”5
Os principais clientes das empresas de serviços contábeis
são as pequenas empresas, que por estarem atuando neste
ambiente competitivo, já comentado anteriormente, necessi-
Pessoa Jurídica. Isso leva a padronização do conjunto de servi- tam ter conhecimento de seu negócio e do ambiente que o
ços prestados em escrituração de documentos fiscais, elabora- cerca. Os serviços atuais oferecidos não suprem esta neces-
ção de folha de pagamento, confecção de guias de recolhi- sidade de informação, fazendo com que o objetivo da contabi-
mentos, fornecimento de informações fiscais e sociais. lidade de fornecer informação útil para tomada de decisão
Essa padronização faz com que os clientes não percebam o não aconteça.
diferencial qualitativo entre uma empresa e outra, dificultando o Os serviços oferecidos pelas empresas e a real necessidade
aumento da lucratividade do segmento por não mostrar a dife- de seus principais clientes, mostram –se, à luz do pressuposto
rença de qualidade existente entre as empresas. de Porter, como uma oportunidade de implantação de uma es-
Uma das formas de se obter vantagem competitiva em uma tratégia de diferenciação de produto. A análise de cenário intro-

2
- Porter, Michael. Conheça seu lugar.Canal Executivo, São Paulo, março 2002. Seção Negócios e Tendências. Disponível em <http://www.uol.com.br/canalexecutivo/artigosm.htm>.
Acesso em 03 de março 2003.
3
-PORTER, Michael E. – Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1986. 7 ed. p. 36
4
- op. cit. p. 22
5
- idem, p.23.

6 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 5 - 14, ago./out. 2005


Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

EMPRESAS DE SERVIÇOS CONTÁBEIS – CONDICIONANTES


ESTRATÉGICAS PARA UMA ATUAÇÃO EMPREENDEDORA

duz na empresa de serviço contábil, a condição de avaliar sua tabilidade;


capacidade de atender a demanda de seus clientes e de firmar  Sistema nacional de registro e fiscalização profissional
uma posição de destaque frente a seus concorrentes. por meio dos conselhos de contabilidade;
Nosso estudo propõe um modelo, para as empresas de servi-  Grande número de empresas existentes no país que ne-
ços contábeis, de atuação como empresas de gestão empresa- cessitam de serviços de contabilidade;
rial para o atendimento das necessidades gerenciais das micro  Baixa qualificação técnica-profissional das empresas
e pequenas empresas, com o objetivo de aumentar sua vanta- concorrentes.
gem competitiva.  Avanços tecnológicos e redução nos preços dos equipa-

mentos e software de informática;


2. A PROBLEMÁTICA DA  Abertura do mercado para concorrência internacional
EMPRESA CONTÁBIL determinando maior qualificação das empresas brasileiras;
Para uma empresa de serviço contábil ser criada é necessá-  Necessidade das micro e pequenas empresas se mante-
rio o registro do profissional no Conselho Regional de Contabi- rem no mercado e se tornarem competitivas.
lidade de seu Estado. A motivação inicial decorre da vontade do O problema das empresas contábeis está na necessidade
profissional em atuar de forma independente na profissão em de formulação de estratégias para o desenvolvimento de suas
que é formado. Como também pode por ter perdido sua fonte de atividades e no fornecimento de serviços que tenham a qualida-
renda anterior.Por se tratar de uma atividade ligada a sua forma- de percebida pelos clientes.
ção o profissional muitas vezes tem dificuldade de visualizar “Spinelli, ao tratar da questão entre a essencialidade dos
sua atividade como uma atividade empresarial. Considera como serviços das organizações contábeis para o mercado e o ques-
uma fonte de renda para sustento de suas necessidades bási- tionamento sobre a forma como esses serviços são prestados,
cas. aponta para a necessidade de formulação de estratégia e pres-
Por não encarar sua atividade profissional como sendo uma tação de serviços de qualidade como resposta para este tema”6.
atividade empresarial, não se preocupa com o planejamento
das atividades, pesquisas de marketing, desenvolvimento de 3. CONDICIONANTES ESTRATÉGICAS E
estratégias, etc. A sua perspectiva de sucesso está ligada ao AMBIENTAIS PARA AS EMPRESAS DE
fato de estar “ganhando” mais do que no emprego anterior. Essa SERVIÇOS CONTÁBEIS
visão compromete a continuidade deste profissional no merca- Para adequar-se com os fatores externos, a empresa neces-
do. sita descobrir quais são as oportunidades e ameaças ao seu
Entre as ameaças recorrentes para as empresas de serviços funcionamento. E as necessidades dos clientes, isto é, fazer
verifica-se: uma auto-avaliação frente aos concorrentes. Também precisa

Pensar
 Os preços baixos praticados pelo grande número de em- analisar-se quanto aos pontos fortes e fracos de seu funciona-
presas com baixa qualificação, que são menores do que aque- mento, identificando, por exemplo, as condições de atuação
les oferecidos por empresas mais organizadas. quanto aos serviços propostos, capacitação do pessoal, recur-
 Falta de conhecimento dos usuários dos serviços contá- sos tecnológicos, marketing, fidelização de clientes, etc.
beis, do valor da contabilidade para o desempenho de seus Porter7 conceitua estratégia como sendo a melhor forma de
negócios;
 As constantes mudanças na legislação tributária;
 Pouca formação acadêmica de grande parte dos profissi-

onais de contabilidade.
 Preocupação exclusiva no atendimento da legislação
Contábil
uma empresa atuar em seu segmento com o aproveitamento
otimizado de seus recursos produtivos buscando melhor ade-
quação com os fatores externos a que está exposta. Com obje-
tivo de obter vantagem competitiva frente a seus concorrentes.
A otimização dos recursos produzida é conseguida através
fiscal e tributária. de um planejamento de ação e do controle exercido sobre este
 Não utilização de canais de divulgação de seus serviços; plano com o propósito de mensurar os custos de produção e
 Desenvolvimento de atividades de consultoria empresari- identificar as causas prováveis do desvio no curso previamente
al por outros profissionais que poderia ser desenvolvido pe- traçado.
las empresas de serviços contábeis. “Numa empresa a estratégia está relacionada à arte de utili-
Em relação às oportunidades de mercado para as empresas zar adequadamente os recursos tecnológicos, físicos, financei-
de serviços contábeis destacamos as seguintes: ros e humanos, tendo em vista a minimização dos problemas
 A legislação que ampara os profissionais de contabili- empresariais e a maximização do uso das oportunidades iden-
dade como fornecedores exclusivos dos serviços de con- tificadas no ambiente da empresa”8 .

6
- SPINELLI, Enory Lara – Estratégia na Gestão de Empresas Contábeis – Revista Brasileira de Contabilidade – Brasília n.125 p.37-45, setembro/outubro 2000.
7
- PORTER, Michael E. op. cit p 22.
8
- OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de – Estratégia Empresarial e Vantagem Competitiva: como estabelecer, implementar e avaliar – São Paulo, 2001 – Atlas p.25

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Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Mário César Cordeiro Pereira

“A essência da formulação de uma estratégia competitiva é  Disposição em correr riscos elevados;


relacionar uma companhia ao seu meio ambiente. Embora o  Altas barreiras de saída da empresa do setor.
meio ambiente relevante seja muito amplo, abrangendo tan- Poder de barganha dos compradores
to forças sociais como econômicas, o aspecto principal do  O processo é concentrado ou compram grandes volumes

meio ambiente da empresa é a indústria ou as indústrias em em relação às vendas do vendedor;


que ela compete. A estrutura industrial tem uma forte influên-  Os produtos que compram do setor representam parcela

cia na determinação das regras competitivas do jogo, assim significativa de seus custos ou das compras;
como das estratégias potencialmente disponíveis para em-  Os produtos que compram do setor são padronizados ou

presa. Forças externas à indústria são significativas princi- sem diferenciação;


palmente no sentido relativo; uma vez que as forças externas  Enfrentam poucos custos de troca na mudança de forne-
em geral afetam todas empresas na indústria, o ponto básico cedor;
encontra-se nas diferentes habilidades das empresas em li-  Tem lucros baixos;
dar com elas”9.  Apresentam ameaças de integração;
Partindo da premissa de Porter para a adoção de uma cultura  O produto do setor não pesa na qualidade de seus produ-

de planejamento estratégico em uma empresa de serviço con- tos ou serviços, do comprador.


tábil, faz-se necessário uma visão sistêmica de seu segmento  São muito bem informados inclusive sobre preços de
de atuação buscando identificar as forças externas condicio- mercados, e até sobre fornecedores sobre os custos do for-
nantes que afetam todas as empresas do setor.E, após esta iden- necedor.
tificação evidenciar as habilidades necessárias na empresa Poder de barganha dos fornecedores
para lidar com essas condicionantes.  Poucas empresas dominam o setor;
“O que determina o grau de concorrência em um segmento  Não está obrigado a lutar contra produtos substitutos para

empresarial é a sua estrutura econômica básica. E o nível vender ao setor;


desta concorrência é dependente de cinco forças competiti-  O setor não é seu cliente importante;
vas básicas. Ameaça de novos entrantes potenciais, poder  Seu produto é um insumo importante no negócio do com-

de negociação dos compradores, ameaça de produtos ou prador;


serviços substitutos, poder de negociação dos fornecedores  Seus produtos são diferenciados e/ou conseguem criar
e rivalidade entre as empresas existentes”10. custos de trocas.
“A ação da concorrência em um segmento empresarial visa  Apresenta ameaça de integração para frente.
reduzir a taxa de retorno sobre o capital de uma empresa, Ameaça de produtos ou serviços substitutos
com o objetivo de reduzir o número de participantes em fun- Estão sujeitos a tendências que podem melhorar sua de

Pensar


ção da falta de atratividade econômica para realização de preço, São produzidos por empresas que apresentam altos
investimentos seja na ampliação e manutenção das empre- lucros.
sas existentes bem como com o surgimento de novo entran-  Ameaça de entrada de novas empresas no setor
tes”.11 A ameaça de novas empresas concorrentes que podem

Contábil


Porter relaciona alguns aspectos básicos das cinco forças entrar no setor, trazendo novas tecnologias, desejo de con-
que impelem a concorrência dentro de um setor de atividade: quistar fatias de mercado e, freqüentemente, recursos subs-
Rivalidade entre empresas existentes do setor tanciais, o que pode provocar uma situação em que os pre-
 Quantidade e equilíbrio entre os concorrentes, pois quan- ços são puxados para baixo e os custos inflacionados, tendo
do as empresas são numerosas, acreditam poder fazer mu- como resultado redução da lucratividade da empresa.
danças sem ser notadas;
 Crescimento baixo do setor, a concorrência é reduzida a 4. ATUAL MODELO DE PRESTAÇAO
um jogo por fatores de mercado, entre as empresas que pro- DE SERVIÇOS CONTÁBEIS
curaram expandir-se; Segundo experiência profissional do autor, as empresas de
 Custos fixos altos em relação ao valor adicionado, provo- serviços contábeis estão estruturadas em departamentos com
cando aumento de pressão sobre as empresas, para evitar objetivos de atender as necessidades de seus clientes.Os de-
capacidade ociosa; partamentos são classificados de acordo com os serviços por
 Ausência de diferenciação e/ou custo de troca. ele desenvolvidos: Departamento Fiscal, Departamento ou Se-
 Problemas de economia de escala; tor que cuida da Legalização de empresas, alterações de Con-
 Diversidade comportamental entre concorrentes; tratos, entre outros.

9
- PORTER, Michael E. op. cit. p. 22
10
- Ibdem p.23
11
- ibdem, p.24.

8 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 5 - 14, ago./out. 2005


Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

EMPRESAS DE SERVIÇOS CONTÁBEIS – CONDICIONANTES


ESTRATÉGICAS PARA UMA ATUAÇÃO EMPREENDEDORA

No Departamento Contábil são escriturados os livros Contá- 5.2 Aspectos Qualitativos do Sistema de Avaliação
beis, a conciliação de contas, demonstrações financeiras, de- de Desempenho Operacional
clarações fiscais.No departamento de Pessoal cuja função é A facilidade de quantificação leva as empresas a adotarem o
controlar e fornecer informações sobre os funcionários das controle financeiro como medida de desempenho. Aspectos
empresas Clientes, através da admissão permanência e desli- qualitativos estão cada vez mais sendo utilizados como indica-
gamento do funcionário da empresa cliente.Tem o objetivo tam- dores de desempenho de atividades. Abordaremos alguns des-
bém de atender as exigências da fiscalização previdenciária e tes indicadores.
trabalhista. 5.2.1 Medidas de Satisfação do Cliente
O Departamento Fiscal é responsável pela escrituração dos A medida de satisfação do cliente envolve a capacidade da
documentos fiscais, apuração dos impostos e contribuições e empresa em atender suas necessidades, limitada pela sua es-
fornecimento das informações fiscais obrigatórias. trutura funcional. Evidencia o controle de qualidade no atendi-
Departamento que cuida da legalização de empresas, alte- mento direto ao cliente, bem como no comprometimento da pro-
rações contratuais, cancelamento de empresas, obtenção de dução na busca de produtos de qualidade com menor estrutura
certidões junto a órgãos públicos. Recebe nomes diferencia- de custos possível. Engloba também a pontualidade no atendi-
dos segundo estrutura do escritório, não foi definido um nome mento ao cliente.Sua aferição pode ser feita via quantidade de
de consenso para esse departamento. reclamação, de solicitação de serviços e de devoluções. Tam-
bém pode ser considerada a quantidade de entregas feitas no
5. SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO prazo.
DESEMPENHO OPERACIONAL 5.2.2 Medidas de Desempenho Funcional
A função de um sistema da avaliação de desempenho é medir A medida de desempenho funcional visa avaliar a qualidade
o grau de comprometimento da empresa com a estratégia tra- dos processos internos da empresa na busca do objetivo traça-
çada pela administração. Esse sistema pode ser determinado do no planejamento estratégico. Como o que determina o resul-
pelo enfoque quantitativo e qualitativo. No aspecto quantitativo tado positivo da empresa e o resultado individual de cada de-
o objetivo principal é a mensuração do resultado operacional e partamento, seu enfoque esta na avaliação do tempo gasto nos
dos possíveis indicadores para administração daí extraídos. No processos produtivos e na eficácia operacional do departamento
aspecto qualitativo o sistema preocupa-se com a relação em- ou divisão da empresa.
presa – cliente, e a atenção se volta para a qualidade do produ- 5.2.3 Aspectos Humanos no Sistema de Controle
to ou serviço, o tempo despendido para sua execução e grau de O Miniaurélio Século XXI(2000:197) define cultura como o
satisfação do cliente. complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das
“Uma das funções mais importantes da contabilidade geren- instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc., trans-

Pensar
cial consiste em fornecer informações hábeis para avalia- mitidos coletivamente, e típico de uma sociedade, e que se
ção de desempenho. Este desempenho pode ser considera- manifestam em praticamente todos os aspectos da vida: modos
do não somente em relação à apuração de resultados por de sobrevivência, normas de comportamento, crenças, institui-
produtos ou por serviço, mas envolve uma apreciação de ções, valores espirituais, criações materiais, etc.
Em nosso entendimento, e em consonância com os autores

Contábil
“quão bem” se houveram os vários setores da empresa em
relação às metas previstas”12 (Iudicibus). pesquisados, não é possível falar de implantação de controles
5.1 Aspectos quantitativos do controle do desem- gerenciais sem levarmos em consideração a abordagem dos
penho operacional aspectos humanos e comportamentais que envolvem qualquer
Para Gomes e Salas13 a contabilidade de gestão é o sistema tipo de organização empresarial, independente de seu porte ou
de informação formalizado cuja relevância e utilização tem au- atividade econômica.São as pessoas que fazem a estratégia
mentado progressivamente nas ultimas décadas. empresarial tomar forma e através delas que atingiremos ou
Boisvert14 afirma que a finalidade da contabilidade de gestão não as metas previamente traçadas.
é produzir informações úteis aos gestores, com o objetivo de O desafio se mostra em harmonizar o interesse organizacio-
redução dos custos operacionais e alcançar a melhoria na per- nal com os interesses individuais, objetivando alcançar as me-
formance da empresa. tas estabelecidas, sem causar insatisfações e rupturas nos pro-
A abordagem dada pelos autores citados recai sobre o con- cessos de gestão. Uma vez que interesses terão de ser contra-
trole e avaliação das atividades operacionais da empresa e riados tendo em vista a assimetria decorrente dos vários grupos
sinaliza para utilização de centro de responsabilidades para que interagem na organização.
consecução deste objetivo.

12
- OP. CIT. 266
13
- GOMES, Josir Simeone; SALAS, Joan M. Amat – Controle de Gestão: Uma Abordagem Contextual e Organizacional. São Paulo, 2001 Atlas 3. ed p.81.
14
- BOISVERT, Huges – Contabilidade por Atividades: Contabilidade de Gestão. São Paulo – Atlas, 1999 p.18

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 5 - 14, ago./out. 2005 9


Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Mário César Cordeiro Pereira

Anthony15 ao abordar a diversidade de interesses dos grupos 6. MODELO DE REESTRUTURAÇÃO DAS


em uma organização introduz o conceito de congruência de EMPRESAS DE SERVIÇOS CONTÁBEIS
objetivos, que orienta que o processo de gestão deve levar A empresa, durante seu ciclo de vida, relaciona-se e intera-
as pessoas a adotarem atos e atitudes, em conformidade gem com seus clientes, fornecedores, concorrentes, funcioná-
com seus interesses próprios, que sejam também do próprio rios, governo etc.. Esta interação é conhecida como o meio
interesse da organização. A não possibilidade de uma per- ambiente em que a empresa se insere para o desempenho de
feita congruência entre os objetivos pessoais e os objetivos suas atividades.
da organização, deve levar o controle gerencial a envidar Os gestores das empresas devem estar atentos as mudan-
esforças para minimizar o encorajamento dos indivíduos a ças que ocorrem no ambiente empresarial, seja internamente
atuarem contra os propósitos organizacionais. ou externamente. A administração dessas variáveis torna o ato
As organizações estão estruturadas em sistemas formais e de administrar uma atividade de risco pela incerteza existente
informais de controle para realização de seus objetivos estraté- no mercado. A redução da incerteza ocorre pelo gerenciamen-
gicos. Esses fatores impactam no comportamento humano re- to das informações disponíveis para tomada de decisão.
fletindo na congruência de objetivos entre os grupos. Planeja- O risco aumenta quando o ambiente estudado é o das micro
mento estratégico, sistemas de custeio, orçamentos são exem- e pequenas empresas, por não ser possível encontrar informa-
plos de sistemas formais de controle. O comportamento ético, o ções estruturadas para auxilio do gestor. Porque não há obriga-
estilo de liderança e a cultura dos proprietários ou gestores são toriedade para essas empresas de divulgar suas informações
aspectos informais de controle. empresariais. Os defensores desta corrente alegam o custo ele-
Em empresas de serviços contábeis, escopo de nosso traba- vado, para essas empresas, de cumprimento das exigências
lho, percebemos a preponderância dos fatores informais de necessárias para publicação de demonstrações financeiras.
controle sobre os fatores formais. Esse indicador deve ser sem- Em nosso entendimento o ambiente em que estas empresas
pre levado em consideração ao planejarmos a estruturação de operam é reduzido, bastando, portanto que a divulgação se
um sistema de controle de gestão para esse tipo de empresas. desse em periódicos locais.
Gomes e Salas16 chamam a atenção para a importância do A análise ambiental vai ajudar a empresa na implementação
contexto social e organizacional na implantação de controles de sua estratégia competitiva, pois vai delinear as variáveis que
de gestão. Considera que o modelo de gestão deve conter três serão determinantes para o sucesso da empresa em levar a
componentes básicos dentro do processo de controle: o pró- bom termo o resultado de seu planejamento estratégico.
prio sistema de controle, o contexto organizacional e o contexto Dios17 assevera que a análise do ambiente empresarial deve
social. Derivando destes componentes temos os sistemas de ser divido em variáveis externas e variáveis internas. Externa-
controle financeiro, com fundamentos na contabilidade de ges- mente a análise abrange os fatores econômicos, políticos, soci-

Pensar
tão; sistemas de custos e orçamentos; sistemas de controles
formalizados: controle da produção, controle comercial; e siste-
mas de controles menos formalizados: cultura organizacional,
liderança. As características do sistema de controle dependerá
ais, tecnológicos, legais e demográficos. Internamente a análi-
se recai sobre os fatores ligados aos processos de operação e
de administração.
Para desenvolvimento do modelo proposto nos ateremos nas

Contábil
das características da organização e seu contexto social.
As características mais determinantes para uma organização
são suas dimensões, a relação de propriedade, a cultura, o
estilo dos gerentes e as relações interpessoais, o grau de des-
centralização e a formalização da atividade. Já com referên-
seguintes variáveis ambientais:
 Externas – fatores econômicos, decisões governamen-
tais, retorno das mudanças tecnológicas do setor.
 Internas – estrutura organizacional.
O estudo das variáveis ambiental, citado anteriormente, ser-
cia ao contexto social, as características mais importantes são virá de base para a implantação da estratégia empresarial.
o grau de dinamismo e a concorrência.(Gomes e Salas) 6.1 Análise das Oportunidades e Ameaças no Ambi-
Percebe-se então a importância da formalização e da dimen- ente das Empresas de Serviços Contábeis
são para a criação e implementação de controles gerenciais. A Para efeitos do presente estudo abordaremos as principais
formalidade estará mais em destaque em organizações de mai- oportunidades e ameaças de acordo com pelo autor pelo mo-
or porte pela necessidade de padronização dos processos e da delo de Porter.
delegação de responsabilidade entre os setores e departamen-  Grande número de concorrentes de baixa qualifi-
tos. Em uma pequena empresa esses controles serão menos cação e, por isso, sem condições de desempenhar um
formais por sua atuação local e reduzido numero de divisões bom serviço, mas mesmo assim o oferecem a preços
operacionais. extremamente menores do que aqueles oferecidos

15
- op. cit. p.141
16
- op. cit. p.52
17
- DIOS, Selma Alves, anotações de sala de aula, disciplina Contabilidade Gerencial – janeiro/2002

10 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 5 - 14, ago./out. 2005


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EMPRESAS DE SERVIÇOS CONTÁBEIS – CONDICIONANTES


ESTRATÉGICAS PARA UMA ATUAÇÃO EMPREENDEDORA

pelas empresas mais organizadas. sua qualidade. Neste contexto o comprador aumenta seu poder
Essa condicionante externa está relacionada à intensidade de barganha chegando quase a ditar o preço a ser praticado
da rivalidade entre os concorrentes existentes. Aonde o que pelo setor, por saber que não encontrará dificuldade em encon-
vimos é uma disputa por posição no mercado com a utilização trar outra empresa para o fornecimento do serviço.
da tática de concorrência de preços.Porter18 enfatiza que este  Baixa qualificação técnica profissional das em-
tipo de concorrência tem o poder de influenciar negativamente presas concorrentes.
toda a indústria uma vez que a redução intensiva de preços leva A baixa qualificação técnica profissional das empresas con-
uma queda na rentabilidade da empresa pondo em risco sua correntes permite que a empresa utilize os conceitos de Porter20
continuidade. sobre diferenciação do produto. Ao direcionar a empresa de
A redução de preço é facilmente igualado pela concorrência serviço contábil para prestação de serviços de gestão empre-
e uma vez igualados a redução da receita afeta todas as empre- sarial, o empresário deve possuir conhecimentos mais avança-
sas. dos sobre Contabilidade e disciplinas afins, como a Controla-
A baixa qualificação do concorrente pode influenciar sua doria, Administração, Estatística. Além de necessitar contar com
expectativa quanto à taxa de retorno de sua empresa.Partindo um bom sistema de informática e funcionários qualificados para
do pressuposto que a falta de qualificação é resultante da au- o desenvolvimento do novo produto.
sência de investimentos em educação, capacitação técnica e A diferenciação pelo produto dificulta a assimilação da es-
em recursos tecnológicos.A redução da taxa de retorno não é tratégia da empresa pela concorrência e tem a capacidade de
condicionante para sua saída do mercado. fazer a empresa vender um produto diferenciado aos olhos dos
 A falta de conhecimento dos usuários dos servi- compradores. Aumentando sua rentabilidade e melhorando sua
ços contábeis, do valor da contabilidade, para o bom posição no ambiente.
desempenho do seu negócio.  Necessidade das micro e pequenas empresas se
Essa assertiva nos leva ao Poder de Negociação dos manterem no mercado e se tornarem competitivas.
Compradores.Onde a maior arma está em forçar uma queda O mercado competitivo tende a tornar a gestão das micro e
dos preços da empresa, via aumento da quantidade ou da qua- pequenas empresas mais profissionais. A profissionalização de-
lidade do serviço ofertado. Ou motivando a guerra da redução pende de instrumentos de planejamento e controle para a avali-
de preços, afetando a rentabilidade da empresa. ação do desempenho empresarial. A empresa de serviço contá-
O não conhecimento da importância do produto para sua bil poderá oferecer o suporte profissional que ela necessita.
empresa faz com que o comprador identifique o produto como Os controles de gestão oferecidos, aliados a uma boa estra-
commodities19 e não perceba as diferenças existentes nos pro- tégia de marketing, fará com o que o pequeno empresário per-
dutos ofertados.Trazendo o nível da concorrência a patamares ceba o valor da informação contábil gerencial para sua empre-

Pensar
mais baixos. sa. O produto passará a ser de primeira necessidade para o
Entendendo o produto como commodities o comprador ten- comprador, garantido com isso a sua fidelidade para com a
de a avaliar o produto por seu preço uma vez que não percebe empresa.

Contábil

18
- op. cit. p.34
19
- Na falta de termo em língua portuguesa que expressasse de forma clara o conceito proposto utilizamos o termo com o significado de mercadoria sem característica diferenciada.
20
- Op. cit. p.43
21
- Modelo adaptado pelo autor sobre modelo apresentado em sala de aula pela profª Selma Alves Dios – disciplina contabilidade gerencial – janeiro - 2002

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 5 - 14, ago./out. 2005 11


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6.2 - Processo de Formulação Estratégica para as Empresas de Serviços Contábeis

MODELO DE GESTÃO ESTRATÉGICA PARA EMPRESAS DE SERVIÇOS CONTÁBEIS

PLANEJAMENTO EXECUÇÃO CONTROLE

ESTRATÉGICO OPERACIONAL IMPLEMENTAÇÃO IDENTIFICAR AS


Identificar Definição do objeti- DOS PLANOS AÇÕES REALIZADAS
opurtunidades vo e metas operaci- COMPARAR OS
e ameaças onais RESULTADOS
Pontos Fortes Avaliação das alter- OBTIDOS C/ OS
e Fracos nativas existentes PLANEJADOS

DIRETRIZES ES- PLANO DE AÇÃO DEFINIÇÃO DE ME- SISTEMA DE APU-


TRATÉGICAS PARA OPERACIONAL, DIDAS CORRETI- RAÇÃO DE RESUL-
EVITARASAMEAÇAS COM HORIZONTE, VAS DA EXECUÇÃO TADO
E APROVEITAR AS MODELOS TEMPO- DA ATIVIDADE E/OU SISTEMA DE AVALI-
OPORTUNIDADES RAIS, RECURSOS, PLANEJAMENTO AÇÃO DE DESEM-
POTENCIALIZAR OS PRAZOS, ETC. PENHO
PONTOS FORTES E
Modelo de Gestão Estratégica Para Empresas de Serviços Contábeis 1
NEUTRALIZAR AS (Footnotes)
AMEAÇAS
1
Modelo adaptado pelo autor sobre modelo apresentado em sala de aula pela profª Selma Alves Dios – disciplina contabilidade gerencial – janeiro - 2002

Pensar 6.3 - Medidas de Desempenho


Para avaliação da estratégia adotada sugerimos adoção de medidas de desempenho quantitativo e qualitativo.
Modelo de Medida de Desempenho Quantitativo.

Contábil RETORNO SOBRE O INVESTIMENTO 22

RECEITA DE SERVIÇOS
PREÇO MERCADO

QUALIDADE DOS SERVIÇOS


VOLUME QUALIDADE DO ATENDIMENTO
PUBLICIDADE
RESULTADO
E MARKETING
OPERACIONAL

CUSTO E DESPESAS Nº HORAS TRABALHADAS


OPERACIONAIS R.HUMANOS VALOR DOS SALÁRIOS

QUANTIDADE CONSUMIDA
R.MATERIAIS CUSTO DE AQUISIÇÃO

R.FINANCEIROS CUSTO DO DINHEIRO


CUSTO DE OPORTUNIDADE
22
- Ibdem

12 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 5 - 14, ago./out. 2005


Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

EMPRESAS DE SERVIÇOS CONTÁBEIS – CONDICIONANTES


ESTRATÉGICAS PARA UMA ATUAÇÃO EMPREENDEDORA

Modelo de Medida de Desempenho Qualitativo.

CRESCIMENTO E MELHORIA 23 SATISFAÇÃO

RETENÇÃO DOS ATUAIS


GERENCIAMENTO DA
SATISFAÇÃO

CRESCIMENTO Nº CLIENTES
SEGMENTAÇÃO DE
MERCADOS (NICHOS)

OBTENÇÃO DE NOVOS
IDENTIFICAÇÃO DE CLIEN-
TES EM POTENCIAL

ATENDIMENTO
SATISFAÇÃO QUALIDADE PRÉ E PÓS VENDA
PREÇO

CAPACITAÇÃO
FUNCIONÁRIO
ATIVOS HUMANOS
SATISFAÇÃO
FUNCIONÁRIO

MELHORIA PROCESSO INTERNOS REVISÃO

Pensar
DOS PROCESSOS

ATIVOS FÍSICOS
REENGENHARIA

7. CONCLUSÕES
Contábil REESTRUTURAÇÃO
ORGANIZACIONAL

mais qualificada a equipe, mais fácil para a implementação da


A utilização do planejamento estratégico pelas empresas de estratégia traçada. Pois a diferenciação se fará pela prestação
serviços contábeis é condição necessária para aumento de de serviços de gestão empresarial, que demandam de maior
sua lucratividade. O desenho de seu modelo de gestão deve qualificação profissional.
ser estruturado de forma a dar condições ao empresário de Essa estratégia permite a percepção pelo cliente de estar
avaliar as variáveis ambientais internas e externas. A análise adquirindo um produto de qualidade, de difícil oferta no merca-
do ambiente em que está inserida é que vai propiciar ao gestor do. Isso reduz seu poder de barganha, e leva a empresa contábil
a redução da incerteza na implantação da estratégia proposta. a obter de ganhos de rentabilidade, pela retenção do cliente.
A estratégia de diferenciação dos produtos é mais indicada O redirecionamento das atividades da empresa, via mudan-
para as empresas de serviços contábeis porque, no caso dos ça de processos, colocaria o cliente mais próximo da empresa
serviços profissionais, o maior investimento da empresa está por passar a contar com uma estrutura de planejamento e con-
na capacitação técnica de seus sócios e funcionários. Quanto trole dos seus negócios. Planejamento e controle feito por meio

23
- Ibdem

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 5 - 14, ago./out. 2005 13


Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Mário César Cordeiro Pereira

da controladoria, contabilidade gerencial, administração finan- escolaridade ou do nível cultural dos sócios e funcionários. A
ceira, contabilidade de custos e sistemas de informações. valorização profissional tem o poder de aumentar a auto estima
Com auxilio dos profissionais de marketing, as empresas con- dos funcionários e ajuda na retenção do profissional na empre-
tábeis, podem lançar campanhas publicitárias direcionadas para sa.
seu público alvo, como forma de divulgação do produto, e para A comunidade também pode obter ganhos econômicos e
posicionar a empresa de forma diferenciada no mercado. A cam- sociais com a redução da taxa de mortalidade das micro e pe-
panha pode demonstrar a relação custo x beneficio para o cli- quenas empresas, porque a gestão das empresas tornariam-se
ente, por ele não precisar criar uma infraestrutura de planeja- mais profissionais com a utilização dos serviços de planeja-
mento e controle em sua empresa. mento e controle. Pois como foi abordado no trabalho a falta de
Para implantação da estratégia, algumas mudanças preci- profissionalismo é uma variável determinante para o fracasso
sam ser realizadas. A necessidade de reestruturação dos ativos das micro e pequenas empresas.
físicos da empresa pode ser suprida com investimentos em tec- A lucratividade das empresas de serviços contábeis aumen-
nologia da informação, aproveitando a existência de diversas taria com a utilização de sistemas de informática para padroni-
firmas de desenvolvimento de sistemas voltadas para as neces- zação das rotinas de trabalho dos serviços tradicionais. O tem-
sidades das empresas contábeis.A estrutura física da empresa po economizado deve ser utilizado na atividade de gestão em-
deve ser compatível com o número de clientes que ela pretende presarial. Esse procedimento proporcionaria um controle no
atingir e deve proporcionar facilidade para o fluxo de pessoas e aumento do custo do serviço prestado, que se não houvesse
de informações. poderia inviabilizar todo o planejamento estratégico. Outro de-
A reestruturação dos processos visa possibilitar a criação do terminante de redução de custo é a carteira de clientes já exis-
departamento ou setor da empresa que irá desenvolver os ser- tentes, ficando o processo de captação voltado para investi-
viços de gestão empresarial. Em nosso entendimento este de- mento em marketing informativo, podendo ser via boletim infor-
partamento deveria ser de responsabilidade dos sócios da em- mativo ou jornais para os clientes.
presa. Planejar estrategicamente a empresa é condição primeira
A capacitação da equipe funcional pode ser obtida através para determinar sua continuidade e remunerar os agentes eco-
da educação continuada dos funcionários através de cursos de nômicos que com ela se relacionam.
extensão e de especialização tanto latu sensu quanto stricto Antes, porém, de pensar em estratégia empresarial o empre-
sensu. Os recursos tecnológicos educacionais disponíveis, sário contábil precisa pensar sua atividade como sendo uma
como o ensino a distância com auxilio da internet, facilitam a empresa, e desenvolver uma atitude empreendedora. A visão
criação de um planejamento pedagógico de treinamento. de que escritório contábil não é empresa, por parte dos próprios
O investimento em educação também traria um ganho social profissionais, dificulta a assimilação da real necessidade de

Pensar
para a comunidade em que a empresa atua pelo aumento da modelar e utilizar as ferramentas estratégicas em seu negócio.

Contábil BIBLIOGRAFIA
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OLIVEIRA, Djalma Pinho Rebouças de; Estratégia Empresarial e Vantagem Competitiva: Como Estabelecer, Implementar
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– 7a edição. Rio de Janeiro
__________________; Conheça seu lugar. Canal Executivo, São Paulo, março 2002.Seção Negócios e Tendências. Disponível
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SPINELLI, Enory Lara. Estratégia na Gestão de Empresas Contábeis – Revista Brasileira de Contabilidade – Brasília n.125,
setembro/outubro 2000.

14 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 5 - 14, ago./out. 2005


Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

(Trabalho premiado em 3º lugar na 52ª Convenção dos Contabilistas do Estado do Rio de Janeiro)

RESUMO  Patrícia Vasconcelos Boavista da Cunha


Este trabalho compreende espaço público identificado com Rio de Janeiro – RJ
a “cultura”, um universo de símbolos e regras compartilhadas, CRC-RJ 91.115/O
Mestre em Ciências Contábeis, administradora, técnica em contabi-
aberto a visibilidade de todas as partes, acessível a cada um em
lidade, professora do ensino superior - UCAM1 e UNESA2 e de pós-
particular, entendendo que os acordos só são possíveis no es- graduação -UVA3, pesquisadora.
paço público. Acordos só podem ser realizados se há base E-mail: patboavista@uol.com.br
mínima de confiança e identidade. A contabilidade é a ciência
que permite o registro dos aspectos patrimoniais dos acordos, “(...) só são sociais as relações que se fundam na
tanto no sentido preditivo, quanto no de controle e feed-back. É aceitação do outro como um legitimo outro na
ela a fiadora do princípio da transparência, possibilitando a ci- convivência, e que tal aceitação é o que constitui
dadania, a democracia e a autoridade compartilhada. Diminui a uma conduta de respeito”
distância entre os praticantes dos jogos de poder, à medida em (Humberto Maturana 1998)
que informa. Abre espaço para a solidariedade enquanto ma-
peia relações de dependência (interesses estratégicos, tecno-
lógicos, patrimoniais). Estas práticas requerem amadurecimento Key words: Ethics, Accounting, Accounting education, Bo-
moral dos profissionais, amadurecimento que pode ser estimu- aventura Santos, Control
lado por diversas estratégicas didáticas.
Palavras-chave: Ética, contabilidade, educação contábil, Introdução
Boaventura Santos, controle

ABSTRACT
This article understand public environment mainly as “cultu-
Pensar
A Contabilidade, enquanto Ciência Social Aplicada, muito
pouco é discutida em seu viés sociológico. Quais as principais
contribuições que a contabilidade pode trazer à sociedade? Quais
são as principais maneiras pelas quais a contabilidade atua como

Contábil
re”, a set of symbols and shared rules, accessible by each part instrumento de mudança social? Como educar contabilmente
of it. It’s understood that agreements are possible only in this para que os profissionais de contabilidade desenvolvam compe-
public environment, and for this it is necessary a minimum level tências que os permitam atuar de forma consciente e transforma-
of thrust and identification among the parts. Accounting is the dora para o bem da humanidade? Estas foram algumas pergun-
science responsible for registering patrimonial aspects of agre- tas que motivaram as reflexões contidas neste artigo.
ements, either through prediction, simultaneous control or feed- Este trabalho, além de basear-se em revisão bibliográfica, é
back. It’s an instrument of transparency of information, sharing influenciado pelas marcas da formação da autora dentre as
powers and responsibilities, and implementing a true democra- quais se destacam as obtidas nas diversas entrevistas grava-
cy. As accounting informs, it reduces the distance between the das nos últimos anos em vários eventos, onde buscou-se co-
competing forces of power. It creates opportunities for solidarity nhecer melhor os saberes docentes dos professores de conta-
as it maps dependence relationships (strategic, technologic and bilidade. Estas entrevistas sensibilizaram e sensibilizam a pes-
patrimonial interests).The responsibilities of an accouter demand quisadora permitindo o desenvolvimento de seu olhar e escu-
and moral maturity and one of the important ways of reaching it is ta sensíveis específicas em relação a percepção da realida-
through an strategically didactical process. de.

1
UCAM – Universidade Cândido Mendes - Cep 20.900-010 – Rio de Janeiro - RJ
2
UNESA – Universidade Estácio de Sá – Cep 20.071-001 – Rio de Janeiro - RJ
3
UVA – Universidade Veiga de Almeida - Cep 20.271-020 – Rio de Janeiro - RJ

Artigo recebido em 30/07/2004 e aceito em 13/08/2004

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 15 - 22, ago./out. 2005


15
Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Patrícia Vasconcelos Boavista da Cunha

Discutindo Conceitos sultados, saber organizar o tempo, ter ligações com ambi-
O conceito de espaço público, normalmente, se encontra ente imediato, ter alguma ligação com outros poderes
associado com a idéia de poder público e com o Estado. Olivei- presentes,ou passados, ser útil, ser representatividade um
ra referencia a esfera pública como aquela que “emanada do ou vários grupos, estar bem colocado na estrutura, ser um
social regularia politicamente os conflitos” (Oliveira apud contato útil entre grupos que se conhecem pouco e preci-
Weber, 1992, p.29). Apesar de esta idéia ser freqüente, cabe são de informações recíprocas, proteger, pregar, interrom-
ressaltar que o conceito de estado não abrange toda a comple- per ou controlar a lei, e dispor de boas fontes raras, indis-
xidade do espaço público, não podendo ser tomada uma parte pensáveis ou capazes de reduzir o impensável.
pelo todo. Aos quais acrescentamos a posse de bens materiais de inte-
Adorno esclarece que a visão tradicional de espaço público resse da outra parte. O poder pode promover ou impedir a satis-
é a de “lugar onde devem prevalecer os interesses coletivos, fação de necessidades. Assim, ao abrir mãos de qualquer direi-
que configura algo que se poderia imprecisamente nomear de to na presença de um poder, estamos estabelecendo acordos.
“bem comum”(1992, p.10)”. Acrescentando mais uma caracte- Como exemplo podemos citar a compra de uma casa: um indi-
rística, Haberman configura a esfera pública: “ como um espa- víduo tem uma casa e o poder sobre ela, outro indivíduo tem a
ço em que os cidadãos se encontram e falam uns com os outros necessidade de possuir uma casa e está disposto a abrir mãos
de modo a que garanta acessos a todos” (Habermam apud do seu direito de possuir dinheiro para satisfazer sua
Jovchelovith, 1995, 60). Expandindo o conceito Adorno cita necessidade.Ocorre então um acordo, que é a troca do dinhei-
Sennet: “o público identifica-se com a “cultura”, um universo ro pela casa. Alguém abriu mão do direito de ser igual a todos
de símbolos e regras compartilhados, aberto a visibilidade de que tem uma casa, alguém abriu mão de ter dinheiro.
todos, acessível a cada um em “particular” (1992,p.10). Para que exista acordo é preciso que haja base cultural co-
Espaço público não é, ainda conforme Adorno, um lugar de mum mínima, que permita o entendimento entre as partes. Esta-
diferenças e desigualdades, não se identificando (no conceito mos então operando, forçosamente, no conceito estendido de
de Sennet) como o “natural”. Apesar do principio da igualdade espaço público. Acordos só podem ser realizados se há base
ter representado por muitos anos um dos grandes ideais da mínima de confiança e identidade, que garanta a inclusão. Pois
humanidade, atualmente já se percebe que é necessário mais a inclusão: fato dos cidadãos se encontrarem e se comunica-
do que isso. rem de modo a que se garanta o acesso a todos os integrantes
Santos adverte que a igualdade, gera processos de subordi- do acordo , é a característica que diferencia acordo de imposi-
nação, uma vez que ao identificar a que modelo imitar, ou repre- ção pura e simples. Quanto maior equilíbrio de poder houver
sentar, dispensamos outros modelos possíveis, desqualifican- entre as partes do acordo, provavelmente, mais próximo estará
do “as diferenças culturais, étnicas, raciais, sexuais, sobre as a solução, do interesse das partes.

Pensar
quais se sustentava, pela negação, a mega-identidade nacio-
nal (1999, p.45)” sancionada como modelo. Assim propõe: “o
novo imperativo categórico que, (...), deve presidir uma articula-
ção pós moderna e multicultural das políticas de desigualdade
A contabilidade e os acordos
A grande maioria dos acordos envolve impactos patrimoni-
ais. Estes impactos podem acontecer no momento do acordo

Contábil
e de identidade: temos o direito a ser iguais sempre que a dife-
rença nos inferioriza;temos o direito a ser diferentes sempre que
a igualdade nos descaracteriza(1999, p.45).”
Ter o direito1 na significa a obrigatoriedade de exerce-lo. Abrir
mão de um direito é um ato que acontece quando há, na rela-
ou como conseqüências deste. Como exemplo do impacto no
momento do acordo, temos a venda da casa anteriormente des-
crita. Como exemplo de conseqüência posterior podemos citar
um acordo no qual determinada empresa decide contratar um
funcionário desde que ele tire o piercing da língua no horário de
ção, o exercício ou ameaça de exercício do poder. Ulitizamos atendimento. Se este acordo for feito no dia primeiro do mês e o
nesta análise o conceito de poder de Chalvin e Eyssette: “ no funcionário trabalhar o mês todo, no inicio do mês subseqüen-
sentido de influência, capacidade para impor o próprio ponto temente recebera seu salário.
de vista e conseqüentemente leva-lo a ação (1989, p.18)”. Es- A contabilidade é a ciência que permite o registro, e portanto
tes autores enumeram também as fontes mais comuns de influ- o controle dos aspectos patrimoniais dos acordos , em suas
ência: dimensões econômicas ( de resultado) e financeiras (capaci-
Ter dinheiro, dispor de um grande orçamento, ter uma per- dade de pagamento), tanto no uso preditivo, ou seja, preliminar,
sonalidade que se impõe e boas atitudes no comando, ser quanto no simultâneo e no pós ( por feedback).
dotado de uma competência técnica ou muito útil a coleti- O controle preliminar é aquele orientado para o futuro, obje-
vidade, ou porque ninguém mais apresenta tal competên- tiva evitar que os problemas ocorram. Como exemplo de contro-
cia, ou porque esta é especialmente estratégica, obter re- le preditivo, podemos citar o custo-alvo, limite que sinaliza o

1
A palavra direito aqui não se traduz pelo seu uso na teoria contábil (promessa de bem que se realizará no futuro), e sim pelo seu uso na teoria jurídica (é a permissão, dada por meio da norma jurídica válida,
para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter algo, ou ainda, a autorização para exigir, por meio dos órgãos competentes do poder público ou através dos processos legais, em caso de prejuízo
causado por violação de norma, o cumprimento da norma infringida ou a reparação do mal sofrido)

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custo máximo, ao qual acrescida a margem de lucro irá resultar Outro efeito da informação é diminuir os desequilíbrios de
em um preço que o consumidor está disposto a pagar, ou poder:quer por aumentar a capacidade de influência do mais
ainda, o movimento orçamentário tradicional que parte do pre- fraco, caso a informação seja especial; quer por neutralizar a
ço para possibilitar o estabelecimento do custo. Grandes dispa- vantagem do mais forte na medida em que este já não mais
ridades de poder neste tipo de acordo podem conduzir a gran- dispõe de informação privilegiada.
des margens de lucro em detrimento da satisfação das necessi- Desde modo a contabilidade se torna elemento indispensá-
dades básicas de numerosos indivíduos. Como exemplo pode- vel: ao exercício da cidadania por permitir participação política
mos citar a fome, a morte por falta de medicamentos, as doen- consciente, autoridade compartilhada por diminuir os abismos
ças por falta de agasalho; todas causa de mortalidade infantil. de poder , e dos direitos de invocar os princípios da igualdade e
Conforme BATERMAN e SNELL, “controle simultâneo da diferença (uma vez que diminui a dependência de informa-
ocorre enquanto os planos estão sendo implementados. Inclui ções). Tem assim, a contabilidade, um alto grau de responsabi-
a direção, o movimento, e o ajuste em sintonia fina das ativida- lidade e poder ( de permitir ou não estas condições).
des enquanto elas ocorrem. O controle por feedback enfoca o Mas, a final, qual a importância do exercício da cidadania,
uso das informações sobre os resultados para corrigir desvios autoridade compartilhada, e dos direitos de invocar os princípi-
em relação ao parâmetro aceitável depois que eles os da igualdade e da diferença? É que estes na concepção de
surgem(1998,p.433)”. Santos são elementos possibilitadores do multiculturismo, in-
Exemplificando controles simultâneos, podemos citar a atua- dispensável á pratica do conhecimento-emancipaçao, cami-
lização continua dos orçamentos com base num fluxo constan- nho critico apontado pelo autor, como condutor as promessas
te de dados de desempenho . Talvez repensar dos custos de da modernidade que tanto angustiam a humanidade nos últi-
reforma de seu apartamento ao observar o desempenho de um mos séculos :promessa da justiça social, promessa de liberda-
dia de trabalho do pedreiro. de, promessa de paz perpétua. Discutamos um pouco mais
Como exemplo de controle por feedback podemos citar a sobre o assunto:
comparação do orçamento de um ano com o real ao fim do
período, com a finalidade de preparar as informações que servi- A grandes promessas
rão de base para o próximo orçamento.. Repare que neste exem- da humanidade ...
plo passa grande quantidade de tempo entre o desempenho e o Ainda nas palavras de Santos: “ no que diz respeito a pro-
controle, o que caracteriza o controle por feedback. Pode-se messa de igualdade, os paises capitalistas avançados com 21%
comentar também, a respeito deste exemplo, que diferentes ní- da população mundial controlam 78% da produção mundial de
veis de detalhamento destas informações podem conduzir a bens e serviços e consomem 75% de toda a energia produzida
diferentes predições. Assim, um usuário externo pode, ao con- (2002,p.23)” podemos também trazer o dialogo da equipe espe-

Pensar
sultar dados sintéticos com base nas Demonstrações Contá- cial da revista Veja, sob a direção de Graieb, com Edmundo
beis publicadas, prever orçamento muito diferente daquele que Giannetti:”O que aconteceria se o padrão de vida
a empresa usará como base. Pensemos se este usuário é um e consumo de um pais como os Estados Unidos
fornecedor que vende a prazo... se universalizasse? A biosfera simplesmente não agüenta-
Se é a contabilidade que permite o controle patrimonial dos ria este processo (2204, p.101)”, logo, a promessa de igualda-
acordos, é ela a fiadora do principio da transparência. Assim
como um contrato de aluguel normalmente não é celebrado
sem um fiador, quem faria um acordo se não houvesse uma
ciência e uma linguagem capazes de expressar as conseqüên-
cias patrimoniais deste acordo? E se estas conseqüências não
Contábil
de ainda não foi cumprida.
Para comprovar o fracasso da promessa de liberdade, pen-
samos, nas torturas sofridas por prisioneiros Iraquianos, nas
populações características do planeta, nos refúgiados de guer-
ra, nas minorias em locais de intolerância social, etc..
estiverem explícitas? Com certeza a contabilidade paga com a A respeito do cumprimento da promessa de paz perpétua
honra, lembremos dos grandes escândalos financeiros nos EUA. podemos citar como exemplos as recentes guerras: do Afega-
nistão e do Iraque, e também os conflitos entre Arabes e Israe-
A contabilidade e a informação lenses.
A Contabilidade gera tecnologia de informação sobre o patri- Esta emuneração breve dos problemas que nos causam
mônio, sendo esta tecnologia componente indispensável a cons- desconforto ou indignação Nos obriga a interrogarmos-nas
tituição de sistemas de informação. Sistemas de informação criticamente sobre a natureza e qualidade moral de nossa
conforme Bio (1994, 29), transformaram dados em informações, sociedade e buscarmos alternativas(...) Nossa posição
ou seja, fazem com que, a partir da associação de dados, se resume-se assim:não há principio Único de transformação
transmita conhecimento. Ao informar permite-se o entendimento social(...) Não há agentes históricos únicos, nem única for-
e a fala sobre o patrimônio, condição indispensável à possibili- ma de dominação. Sendo múltiplas as faces da domina-
dade de participação política consciente nos conflitos desta ção, são múltiplas as resistências e os agentes que a domi-
natureza. Mais uma vez acrescendo elementos aos acordos que nam, (...) A industrialização não é motor do processo nem
ocorrem na esfera pública (que legitimam ou recusam). parceira do desenvolvimento. Por um lado, ela assenta em

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uma concepção retrógrada de natureza, incapaz de ver a temente não reconhecendo o outro como sujeito. Na outra
relação entre a degradação desta e a degradação da forma de conhecimento, conhecer e reconhecer, e progre-
sociedade que ela sustenta. Por outro lado para os dois dir no sentido de elevar o outro da condição de objeto a
terços da humanidade ela não trouxe desenvolvimento categoria de sujeito. Esse conhecimento-reconhecimento
(...) enfrentamos problemas modernos, para os quais não é que designo por solidariedade. Santos (2002,p.30)
há solução moderna Santos (2002.p.24-29)
A partir desta afirmativa, algumas das principais cadeias de A contabilidade e o conhecimento que eleva o ou-
motivos pelos quais ensinávamos os conhecimentos de gestão tro a condição de sujeito
(inclusive os de contabilidade) passam a não ser a única verda- Cabe perguntar então, que possíveis reflexos uma postura
de possível, tais como: pretendemos a ordem sobre os caos cientifica de reconhecimento poderia trazer a atitude do profes-
(regulação social), a ordem é indispensável a produção é indis- sor de contabilidade. Inicia-se esta discussão pela forma com
pensável ao progresso, o progresso é a solução par a melhoria que parece que vários professores enxergam as insuficiências
social. Linha que sustentava afirmativas do tipo: quanto mais de seus alunos, logo após passaremos então por uma discus-
conteúdo eu lhe ensinar, melhor será a condição social do país, são sobre o reconhecimento do papel do professor de contabi-
preste atenção e trate de aprender, receber, engolir, aceitar, lidade a partir das possibilidades tradicionais da contabilidade
homogeneizar-se, anular seus motivos e suas referências, pois a partir das possibilidades da contabilidade que propomos an-
estes motivos e referências não são processos científicos. teriormente neste texto.
Não há conhecimento geral,tal como não há ignorância Em pesquisa realizada no II Fórum Nacional de Professores
geral. o que ignoramos é sempre a ignorância de uma cer- de Contabilidade Cunha (2003) observou que muitos professo-
ta forma de conhecimento, e vice-versa, o que conhece- res acreditam que seus alunos possuem insuficiências em di-
mos é sempre o conhecimento em cima de uma certa for- versas áreas tais como: integração ao terceiro grau, maturidade
ma de ignorância (...) No projeto de modernidade podemos do projeto profissional, técnicas de estudo, razão, proporção e
distinguir duas formas de conhecimento: o conhecimento- porcentagem, raciocínio com variáveis, interpretação e cons-
regulação, cujo ponto de ignorância se designa por caos e trução de tabelas, compreensão de textos, compreensão de
ponto de saber se designa por ordem e o conhecimento vocabulário técnico da contabilidade, construção e compreen-
emancipação, cujo ponto de ignorância se designa por são de conceitos, produção de textos técnicos.
colonialismo e o ponto de saber se designa por solidarie- Várias destas insuficiências são percebidas em disciplinas
dade. (...) para teoria crítica pós moderna, todo conheci- ministradas em diversos períodos do curso de graduação, o
mento crítico tem que começar pela crítica do conheci- que mostra que muitas vezes, não foram superadas. Ao indagar-
mento. Santos (2002.p.29) se por que estas insuficiências nos cursos de graduação, obe-

Pensar Podemos esquematizar as afirmativas anteriores da


forma a seguir
Ilustração 1 - Mudança paradigmática da modernidade
tem-se diferentes respostas.
A mais tradicional diz respeito a falta de intenção de tratar tal
realidade, algo como: - Meu papel é ensinar o conteúdo da
disciplina , as insuficiências dos alunos não são problema meu.

Contábil
para a pós-modernidade cientifica

Posição atual: máximo conhecimento para máximo


progresso
Mas pode-se considerar também que, para uma cultura tão
deontológica como a manifesta normalmente no ensino da con-
tabilidade (dada a ênfase em compreender e atender, na práti-
ca as exigências fiscais do Estado), fica muito difícil tratar de
problemas inerentes a subjetividade. Entendendo subjetividade
desconhecimento conhecimento como aquilo que caracteriza o sujeito. Torna-se necessário en-
tão, adotar o paradigma pós-moderno,uma vez que este, confor-
Posição proposta: conhecimento prudente para uma me visto anteriormente, eleva o indivíduo da categoria de objeto
vida decente para a categoria de sujeito.
Para se posicionar na relação com o aluno sem comprome-
desconhecimento reconhecimento timento com sua superação (do aluno), o conteúdo da discipli-
na é suficiente, mas se nos relacionamos com a inteireza dos
solidariedade alunos precisamos estar atentos também ao espaço tempo aon-
de estas relações se manifestam: ao cotidiano. E para pensar o
Nesta forma de conhecimento, há a ignorância e o coloni- cotidiano prefiro o olhar que Ferraço2 nos transmitiu em sua fala
alismo e a concepção do outro como objeto e conseqüen- no II Seminário Internacional: “As redes cotidianas de conheci-

2
FRRAÇO, Carlos Eduardo, em sua fala durante o debate ocorrido em sua comunicação encomendada no II Congresso Internacional de Imagem na Educação, UERJ, Rio de Janeiro, 2003.

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mento e tecnologia: imagens e cidadania”: não há dificuldades estudo, técnicas de expressão, a identidade do indivíduo, os
de aprendizado, há possibilidades de aprendizagem”. questionamentos desde indivíduo perante a realidade, e a me-
Talvez, até aquilo que chamamos de dificuldade de aprendi- mória de seus sentimentos. Dificultando as estratégias que re-
zado seja uma invenção para ocupar o espaço deixado pela metem ao material concreto, tão indispensáveis aos alunos com
falta de liberdade de estabelecer formas desafiar os alunos ( dificuldades de estabelecer raciocínios abstratos como: fra-
quer por falta de condições materiais, quer por falta de ambien- ções, regra de três, orientação temporal, causa e efeito, figura X
te político), de repertório de soluções, ou até mesmo cultura no fundo, identificação de sua realidade coma situação problema,
sentido de que diferentes fazeres e fazeres são possíveis. Tal- identificação de processos de desterro, etc....
vez também, as dificuldades de aprendizado sejam respostas Os sentimentos individuais podem nos remeter a realidades
(enquanto pensadas e formatadas como táticas), e não simples antes não imaginadas, consideremos a estória a seguir, retirada
“reações”as nossas práticas (Oliveira 2003). da coletânea do Casseta e Planeta (2002,p.8).
Ou ainda, talvez seja uma forma de resolver dúvidas que
atravessam o educador: E se ele souber mais do que eu? E se A professora perguntou as Juquinha:
ele falar uma palavra que não conheço?, E se expressar racio- - Se você tiver cinco reais e pedir mais cinco reais
cínios eu não consigo sequer alcançar, quanto mais avaliar? E pro seu pai, com quantos reais você fica?
se ele achar que eu não sei? Para que vou servir? Estas pare- - Cinco reais – respondeu o Juquinha.
cem indagações intimamente ligadas com o fato do professor - Errado! Você não sabe nada de aritmética!
se atribuir a responsabilidade de manifestar poder para estabe- - A senhora é que não sabe nada sobre o meu pai!
lecer e manter rituais de verdade, sendo assim um poder produ- Será que esta natureza de conhecimentos, ou seja, a realida-
tivo (Foucault,1979, p.XVI). Como se fosse condição indispen- de do aluno, ou até a realidade de nosso cliente não é importan-
sável para que o aluno aprendesse, o fato do professor lhe reci- te? Será que a realidade de nosso país não é importante? Será
tar, de cor, a lição apresentada. que a realidade de nosso planeta não é importante? Então tal-
Muito importante se torna, estimular a capacidade de sonhar vez seja necessário aprender sobre o que esta fora da sala de
(própria e dos alunos), de acreditar em uma utopia que se reali- aula. Afinal, professores devem ser eternos estudantes dos pro-
zará num futuro. Acreditar que as pessoas se transformam em cessos de facilitação da criação e transmissão do conheci-
contato com outras, que elas se traduzem. A falta de sonho mento: Construir cultura em Universidades passa por reconhe-
pode nos conduzir e abandonar, segregar, separar, considerar cer estes saberes que “vem de fora da escola” não estão aí por
imprestável ou inservível... Talvez a utopia seja uma vacina con- acaso. Conforme lembra Alves (2002, p.8):
tra a destruição de formas de saber causada pelos excessos do A realidade do aluno/aluna e do professor /professora vem
conhecimento-regulação. Esta destruição produz silêncios que como de todos os outros “praticantes” do cotidiano escola

Pensar
tornam impronunciáveis as necessidades e aspirações de gru- está na escola porque estes sujeitos ali estão, o que vamos
pos sociais. Como realizar um diálogo multicultural ? Como aprendendo para melhor ensinar é como encontrar meios
aprender ensina a reconhecer? e caminhos para que as múltiplas redes sociais do apren-
Voltando a subjetividade do aluno, traz-se a fala de Luana, derensinar possam emergir. Inventar processos, sem dúvi-
aluna de segundo período do curso de Administração de Em- da, mas sobretudo, no mesmo processo,fazer aparecer os
presas, a respeito de uma estratégia para aproveitar oportuni-
dades de aprendizagem utilizada: “No início nós nos sentimos
muito revoltados de ter que usar a pasta. Deu tanto trabalho
para que chegássemos a ser adultos e olha aí: tendo filho para
cuidar, casa para arrumar, botando papel na pastinha e fazendo
Contábil
conhecimentos que a prática cotidiana de cada professor/
professora, de cada aluno/aluna e seus coletivos, mais ou
menos organizados, encontram para se fazerem um só
como redes de subjetividades.
Este exercício se torna especialmente desafiador à medida
índice... Depois percebemos como é útil ter nossas coisas orga- que nos induz a escolhas entre: conduzir o aluno à reflexão
nizadas, quando precisamos de uma informação sabemos onde sobre suas afirmativas, transformar nossas certezas, nos trans-
está. É importante ter intimidade com a nossa pasta”. formamos, ou ainda optar por múltiplas combinações das op-
Nesta fala percebemos a confusão freqüente entre muitos ções anteriores. E este exercício tem evidenciado mudanças
jovens entre 18 e 20 anos, que buscam reafirmar seu estado no imaginário social do chamado “mundo dos negócios”. Estas
adulto, negando-se a repetir procedimentos que julga serem mudanças nos conduzem a: trabalhar equipes, cooperar na
inerentes a infância. Dificilmente, em cenas de TV, em convívio construção de conhecimento, reconhecer a interdependência
familiar, ou em outros ambientes, existe reforço de aprendiza- global, valorizar a ética e difundir a responsabilidade. Muitas
dos anteriores que são úteis para operacionalizar outras frases respostas para a aplicação cotidiana destas mudanças encon-
da vida. Parece, que ao contrário, há reforço para considerar tram-se nas vivências dos alunos.
que o que foi aprendido na escola, na fase anterior, só serviu Então, qual será o papel do professor de contabilidade a par-
para passar para próxima fase, e deve ser abandonado. Um tir das considerações que tecemos anteriormente? (como ele-
saber comparti mentalizado e desprovido de utilidade, pega o mento indispensável ao exercício da cidadania, autoridade com-
bloco e joga fora. Deste modo não se perpetuam: técnicas de partilhada, e dos direitos de invocar os princípios da igualdade

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 15 - 22, ago./out. 2005 19


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e da diferença). Esta pergunta, longe de nos conduzir a uma cessidade de auto-realização?


resposta, nos remete a diversas discussões, algumas destas, O que pode haver em comum nas respostas a tão variadas
serão efetuadas a seguir, sem a pretensão de esgotar o assunto. perguntas é que não há uma única resposta para cada uma
Pergunta-se: será que se considerou a aplicação dos princí- delas se consideramos nesta análise a subjetividade dos pro-
pios de igualdade e da diferença na construção da teoria contá- fessores. Entendendo neste trabalho, subjetividade dos atores
bil? Onde pesquisar os instrumentos contábeis que informam (professores) em atividades através do conceito dado por TAR-
para os princípios da igualdade e da diferença? O que poder- DIF:
se-ia pesquisar, ou estimular os alunos a pesquisar de modo a
que suportemos o princípio da diferença? Será que toda esta um professor de profissão não é somente alguém que apli-
responsabilidade pelo uso da contabilidade pode ser apreendi- ca conhecimentos produzidos por outros, não é somente
da apenas através de um contato informativo? Como estimular um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator
nossos alunos a descoberta do prazer de ser moralmente corre- no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua
to, satisfazendo a sua necessidade de auto-realização? prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um
Tentando responder a primeira pergunta: Será que encontra- sujeito que possui conhecimentos, e um saber fazer prove-
mos aplicação dos próprios princípios da igualdade e da dife- niente de sua própria atividade e a partir dos quais ele a
rença na construção da teoria contábil? Verifica-se que a conta- estrutura e a orienta. (2002.p.230)
bilidade financiera foi pensada sob a égide do princípio da igual- A resposta do pesquisador a cada umas das perguntas aci-
dade enquanto a contabilidade gerencial, , guarda relação com ma carregam consigo toda a carga do pesquisador enquanto
o respeito ao princípio da diferença, dada a sua natureza flexí- sujeito, constituindo-se, portanto, em pistas, não em verdades.
vel e específica. O que não quer dize a não se possa fazer uso Guardado devido rigor metodológico, responde-se a seguir:
de ambas para reinvindicar cada princípio Talvez possamos O que poderíamos pesquisar, ou estimular nossos alunos a pes-
indagar: será que estamos utilizando a contabilidade gerencial quisar de modo a que suportemos o princípio da diferença?
como instrumento de melhora da qualidade de informação dos Imagina-se que formas pelas quais as minorias praticam a con-
acordos no espaço público? tabilidade gerencial seja um assunto interessante. Como exem-
Em relação à segunda pergunta: Onde pesquisar os instru- plo poderíamos citar a contabilidade gerencial de micro e pe-
mentos contábeis que informam para os princípios da igualda- quenas empresas, não com a pretensão de generalização mas,
de e da diferença? Acredito que boa parte daquilo que visam os ao contrário, com o resguardo identitário permitido pelos estu-
dois princípios encontra-se na contabilidade financeira e na dos do caso. Outro exemplo seria a contabilidade gerencial de
contabilidade gerencial, dependendo do uso que se faça dos Ongs, que vão desde o MST até as associações de moradores,
relatórios gerados por cada uma delas. Como exemplo, pode- passando pelo Renascer e pela Fundação Airton Sena. É preci-

Pensar
mos citar o uso de uma Demonstração do Resultado do Exercí-
cio de uma pessoa física, para pleitear um tratamento fiscal
homogêneo em relação a uma faixa de contribuintes, ou um
relatório de mesma natureza, usado para pleitear um benefício
so considerar que este tipo de pesquisa causa modificações
sociais: ao aceitar o multiculturaliso abre-se espaço para a so-
lidariedade3 ( conforme dito anteriormente) , uma vez que, ao
mapeia relações de dependência (interesses estratégicos, tec-

Contábil
fiscal específico. Pode-se também imaginar um Balanço Patri-
monial consolidado através de Princípios Contábeis diferentes
dos Brasileiros, constituindo-se para a contabilidade do Brasil
em um relatório gerencial, servindo para pleitear um emprésti-
mo junto a um banco estrangeiro, tanto podendo visar a igual-
nológicos, patrimoniais, entre outros), permite-se a consciência
desta dependência, que é passo inicial para qualquer processo
de libertação.
Acredita-se que este tipo de pesquisa requeira um amadure-
cimento moral dos profissionais, amadurecimento este que pode
dade, quanto a diferença. ser estimulado por diversas estratégias didáticas. Penetra-se
Abordaremos agora, parte da resposta as demais pergun- assim, no território da próxima pergunta: Será que toda esta
tas: O que poderíamos pesquisar, ou estimular nossos alu- responsabilidade pelo uso da contabilidade enquanto instru-
nos a pesquisar de modo a que suportemos o princípio da mento informativo para reivindicações invocando o principio
diferença? Será que toda esta responsabilidade pelo seu da diferença pode ser apreendida apenas através de um conta-
uso pode ser apreendida apenas através de um contato in- to informativo? Acredita-se que não, esta maturidade é resulta-
formativo? Como estimular nossos alunos a descoberta do do da evolução da escala de valores do indivíduo, e do uso que
prazer de ser moralmente correto, satisfazendo a sua ne- o individuo faz desta escala no momento em que “fabrica”. En-

3
solidariedade - Dicionários Universal da Língua portuguesa : s. f., qualidade do que é solidário;responsabilidade mútua;reciprocidade de interesses e obrigações - Houaiss: substantivo feminino caráter,

condição ou estado de solidário (...) - 2 laço ou ligação mútua entre duas ou muitas coisas ou pessoas, dependentes umas das outras Ex.: <a s. entre o vento e o moinho> <a s. entre a corda e os montanhistas>

- 3 sentimento de simpatia, ternura ou piedade pelos pobres, pelos desprotegidos, pelos que sofrem, pelos injustiçados etc. - 4 manifestação desse sentimento, com o intuito de confortar, consolar, oferecer

ajuda etc. Ex.: levou sua s. aos sobreviventes da tragédia - 5 cooperação ou assistência moral que se manifesta ou testemunha a alguém, em quaisquer circunstâncias (boas ou más) Ex.: diante dos fatos, não

hesitou em dar sua s. ao adversário

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CONTABILIDADE, ÉTICA E ESPAÇO PÚBLICO

tendendo-se fabricação através de Certeau: ção de solução de problemas. Permite considerar como resul-
A “fabricação” que se quer detectar é uma produção, uma poé- tados possíveis. Logo integrantes do processo de avaliação: a
tica... mas escondida , porque ela se dissemina nas regiões remoção de barreiras, as pessoas se tornarem mais produtivas
definidas e ocupadas pelos sistemas de “produção” (urbanísti- e felizes, a melhoria do clima organizacional, aumento da faci-
ca, comercial, etc.) é porque a extensão sempre mais totalitária lidade de mudança e inovação, mudança de atitudes e compor-
destes sistemas não deixa aos “consumidores” um lugar onde tamento das pessoas melhoria da qualidade de vida (Chiavena-
possam marcar o que fazem com os produtos (1991, p.39) to, 1999,307-308)
Como estimular nossos alunos a descoberta do prazer de ser
moralmente correto, provindo este prazer da satisfação de sua Ter assim, a contabilidade, um alto grau de responsabilidade
necessidade de auto-realização (o que transcende a expectati- e poder. Compreendo-a desta forma, podemos enxergar pistas
va de recompensa monetária, ou o medo de punição por ato sobre a utilidade desta ciência no cumprimento das promessas
ilegal)? Responder-se através de uma hilação com o moderno da modernidade.
conceito de treinamento exposto por Chiavenato:
Modernamente , o treinamento é considerado um meio de Palavras finais
desenvolver competências nas pessoas para que elas tor- A contabilidade é uma ciência, e como toda ciência depende
nem mais produtivas, criativas e inovadoras, a fim de contri- do propósito de quem dela se serve. Cabe aos Professores de
buir melhor para os objetivos organizacionais, e cada vez Contabilidade contribuir para o desenvolvimento moral de seus
mais valiosas. Assim, o treinamento é uma fonte de lucrativi- alunos de forma a que o uso do conhecimento seja transforma-
dade, ao permitir que as pessoas contribuam efetivamente dor para o bem estar da humanidade.
para o resultado do negócio (1999,p.294). Conforme Maturana (1998,13): “a diferença que existe entre
Esta hilação é necessária mas deve ser analizadas com preparar-se para devolver ao país o que se recebeu dele, traba-
cuidado, pois entende-se que o objetivo do processo de educa- lhando para acabar com a pobreza, e preparar-se para compe-
ção não é tornar as pessoas mais lucrativas (no sentido contá- tir no mercado de trabalho é enorme. Tratam-se de dois mundos
bil do termo) a qualquer preço para a sociedade e sim, permitir completamente distintos”. Resta perguntar para quer estar-se
que as pessoas contribuam efetivamente para a melhoria da contribuindo para preparar os alunos, se é possível preparar
qualidade de existência de toda raça humana. Propor a educa- para ambos; e, caso a resposta seja positiva, se é isto que se
ção como treinamento inclui como estratégias possíveis o de- está fazendo. Ficam registradas como sugestões para futuras
senvolvimento de equipes, as dinâmicas de grupo e a simula- pesquisas.

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Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Patrícia Vasconcelos Boavista da Cunha

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22 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 15 - 22, ago./out. 2005


Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

A SUPREMACIA CONTÁBIL DOS


ESTADOS UNIDOS COMO
ASPECTO DIFICULTADOR À
HARMONIZAÇÃO DAS NORMAS
CONTÁBEIS NO ÂMBITO DA ALCA
RESUMO
 Fabiano Maury Raupp
Vários são os fatores que justificam a harmonização de nor-
Florianópolis - SC
mas contábeis internacionais. Contudo, julga-se que isso só será Contador CRC-SC 23.886/O
possível a partir de harmonizações regionais, proporcionadas Mestre em Administração - CPGA/UFSC
pela formação de blocos econômicos. Neste contexto, a Associ- Professor do Departamento de Ciências Contábeis da UFSC1
E-mail: fabianoraupp@hotmail.com
ação de Livre Comércio da América (ALCA), apesar de ser um
bloco econômico em gestação, já apresenta sua relevância en-  Ilse Maria Beuren
quanto projeto de integração entre os países do continente ame- Florianópolis – SC
ricano. O sucesso de viabilização da ALCA depende de ajustes
entre os países em diversas perspectivas. Trata-se da busca por
Contadora CRC-RS 34.508 T SC
Doutora em Contabilidade e Controladoria - FEA/USP2 - Coorde-
nadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis
A
objetivos comuns, o que inevitavelmente requer a harmonização da FURB3
das normas contábeis dos países-membros. Assim, o artigo aborda
a supremacia contábil dos Estados Unidos (EUA) como elemento
E-mail: ilse@furb.br
DO
dificultador na harmonização das normas contábeis no âmbito

AS
Pensar
da ALCA. Para tanto, nesta pesquisa faz-se uma incursão teórica ce as project of integration among countries of the American
nos fundamentos que sustentam esta temática. Primeiramente, continent. The success of the ALCA depends on adjustments
discute-se a necessidade de harmonização das normas contá- between the countries in several aspects. One of them has to do
beis internacionais, bem como o processo de harmonização no with the search for common objectives, what inevitably requires
âmbito da ALCA. Em seguida, aborda-se alguns organismos en- the harmonization of the accounting norms of the country-mem- HAR
volvidos no desenvolvimento das normas contábeis dos EUA e a
sua supremacia contábil como elemento dificultador à harmoni-
zação das normas contábeis na ALCA.
Palavras-chave: supremacia contábil dos EUA, harmo-
nização das normas contábeis, ALCA.
Contábil
bers. Thus, the article deals with the accounting supremacy of
the United States (U.S.A.), as an element that make things diffi-
cult, concerning the harmonization of the accounting norms in
the scope of the ALCA. For that, this research makes a theoreti-
cal incursion within the structures that support such an issue.
CONT
First, it is argued the need of harmonization of the international
ABSTRACT accounting norms, as well as the process of harmonization in
There are several reasons that justify the harmonization of the scope of the ALCA. After that, the article deals with some
international accounting norms. However, it is implied that that institutions involved in the development of the accounting norms
will be only possible when it starts from regional harmonizations in the U.S.A, and its accounting supremacy as difficult term con-
provided by the formation of economic blocks. In this context, cerning the harmonization of the accounting norms in the ALCA.
the Association of Free Commerce of America (ALCA), though it Key words: accounting supremacy of the U.S.A., har-
is a raising economic block, has already presented its relevan- monization of the accounting norms, ALCA.

1
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina – Cep 88.040-900 – Florianópolis - SC
2
USP – Universidade de São Paulo – Cep 05.508-900 – São Paulo - SP
3
FURB – Universidade Regional de Blumenau – Cep 89.010-500 – Blumenau - SC

Artigo recebido em 27/05/2004 e aceito em 26/08/2004

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 23 - 29, ago./out. 2005 23


Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Fabiano Maury Raupp


Ilse Maria Beuren

ds Board - IASB (Comissão de Normas Contábeis Internacio-


1. INTRODUÇÃO nais), tem por objetivo formular e divulgar normas evoluídas e
Diante da nova conjuntura mundial, cenário de transforma- uniformes para a elaboração das demonstrações contábeis, e
ções de ordem econômica, política, social, cultural e tecnológi- torná-las aceitáveis em nível internacional. Já a IFAC tem como
ca, os desafios da sobrevivência competitiva dos países au- objetivo o desenvolvimento e uniformização da profissão em
mentaram consideravelmente. Para fazer frente a estas mudan- todas as modalidades de sua atuação, sendo uma de suas prin-
ças, os países tentam absorvê-las, inclusive formando blocos cipais tarefas o desenvolvimento e harmonização de normas e
econômicos no sentido de fortalecer objetivos comuns. procedimentos de auditoria, além de regras aplicáveis ao exer-
Percebe-se que várias alterações se processam com veloci- cício dessa atividade.
dade com a formação dos blocos econômicos. A integração Quando se fala em harmonização internacional das normas
dos países sob a forma de blocos econômicos requer compati- contábeis, o IASB tem posição de destaque. Todavia, há outras
bilização de diversos aspectos, desde os oriundos da esfera entidades que têm papel importante neste contexto, como o
econômica até os de natureza mais específica, como a atuação FASB (Financial Accounting Standards Board), a SEC (Securiti-
de profissionais de diferentes áreas nos blocos econômicos. es and Exchange Commission), a Comissão Européia, e a Orga-
Dentre os profissionais que têm participação importante no nização Mundial para o Comércio (STURGE, 1997, apud FRAN-
âmbito desta integração está o profissional contábil. Ele é res- CO, 1999).
ponsável pelo fornecimento de informações econômico-finan- Conforme Franco (2000), existem em quase todos os países
ceiras de empresas nacionais ou transnacionais, cuja utiliza- organismos profissionais ou regulamentadores da profissão,
ção vai desde usuários internos até usuários externos, como emitindo pronunciamentos ou resoluções sobre normas contá-
investidores, órgãos e agentes sociais, públicos ou privados. beis a serem obedecidas nacionalmente. Muitos países não
Entretanto, cumpre destacar que a atuação do profissional fixam suas próprias normas e estão adotando aquelas emitidas
contábil depende, sobretudo, da harmonização das normas pelo IASB, cujos pronunciamentos vêm tendo crescente aceita-
contábeis dos países onde as empresas estão instaladas. Não ção.
se trata de uniformizar a contabilidade em todos os países, mas Neste sentido, são vários os órgãos responsáveis pela nor-
sim eliminar possíveis divergências para fins de comparabilida- matização contábil, sejam eles nacionais ou internacionais.
de da informação. Estes organismos, por sua vez, têm concentrado esforços com
Acredita-se que o processo de harmonização pode ser faci- vistas em promover a harmonização das normas contábeis. Esta
litado com harmonizações regionais, para, posteriormente, pro- configura-se como uma necessidade presente, que tem sido
ceder à harmonização global. O âmbito regional equivale aos evidenciada por uma série de elementos. Apresenta-se na Fi-
limites territoriais dos blocos econômicos como o MERCOSUL, gura 1 alguns elementos impulsionadores da harmonização das

Pensar
Nafta, União Européia, ALCA.
Neste sentido, o presente artigo objetiva abordar a suprema-
cia contábil dos Estados Unidos (EUA) como elemento dificulta-
dor na harmonização das normas contábeis no âmbito da Asso-
normas contábeis.

Contábil
ciação de Livre Comércio da América (ALCA).
Para tanto, primeiramente discorre-se sobre a necessidade
de harmonização das normas contábeis no âmbito internacio-
nal, bem como o processo de harmonização das normas contá-
beis na ALCA. Em seguida, explana-se sobre organismos en-
volvidos no desenvolvimento das normas contábeis dos EUA e
sua supremacia contábil como elemento dificultador à harmo-
nização das normas contábeis no âmbito da ALCA. Figura 1: Fatores impulsionadores da harmonização
das normas contábeis
2. A NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DE Fonte: elaborada pelos autores.
NORMAS CONTÁBEIS INTERNACIONAIS
A harmonização das normas contábeis, segundo Hulle
Segundo Castro (2001, p.3), existem, atualmente, “duas or- (1998b, p.3), “deve contribuir para a liberdade de estabeleci-
ganizações internacionais que se ocupam no desenvolvimento mento e de fornecimento de serviços. Deve garantir níveis equi-
e harmonização de normas e procedimentos contábeis, sendo valentes de competição além das fronteiras. Objetivos mais
elas a International Accounting Standards Commite – IASC (Co- amplos, tais como a proteção dos interesses dos credores e as
mitê de Padrões de Contabilidade Internacional) e a Internatio- necessidades de informações dos empregados e de terceiros,
nal Federation of Accountants – IFAC (Federação Internacional também estão incluídos”.
de Contabilistas)”. Neste mesmo raciocínio, Beuren e Brandão (2001) citam que,
Ressalta que o IASC, atual International Accounting Standar- em decorrência da ascensão dos blocos econômicos e das

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A SUPREMACIA CONTÁBIL DOS ESTADOS UNIDOS COMO ASPECTO DIFICULTADOR À


HARMONIZAÇÃO DAS NORMAS CONTÁBEIS NO ÂMBITO DA ALCA

empresas transnacionais, vem-se consolidando a necessidade Castro (2001) expõe que a harmonização das normas contábeis
de comparabilidade das informações contábeis divulgadas in- é uma preocupação constante nas reuniões das entidades inter-
ternacionalmente. Assim, percebe-se a importância da harmo- nacionais que lidam com o assunto, onde se procura refletir so-
nização de normas contábeis, bem como o interesse de profis- bre as vantagens e desvantagens, a pressão exercida pelos usu-
sionais comprometidos e dispostos a contribuir para o desen- ários da contabilidade, a influência da crescente globalização
volvimento da contabilidade e sua utilidade para os usuários. da economia e os obstáculos à adoção da harmonização.
Entende-se que a harmonização das normas contábeis ten- Contudo, este processo não depende apenas dos organis-
de a diminuir fronteiras e ajudar a fortalecer a integração entre mos internacionais, mas, principalmente, dos organismos naci-
os países. Por outro lado, o sucesso do profissional contábil em onais. Hulle (1998a, p. 9) explicita que “a harmonização inter-
sua atuação internacional também depende da harmonização. nacional é possível apenas se todas as partes reconhecerem
Rosa e Abreu (1998) explicitam que, para atuar com sucesso que há diferenças que não são tão importantes que não possam
em outros países, o contador necessariamente precisa conhecer ser superadas”.
algumas particularidades técnicas vigentes em cada país, que Neste sentido, verifica-se a importância da harmonização
estão em processo de estudo e análise para a possível harmoniza- das normas contábeis internacionais. Este processo tende a
ção, a curto ou a longo prazo, tais como: regulamentação profissi- facilitar não somente os trabalhos do profissional contábil, mas
onal, código de ética profissional, estrutura tributária, legislação também profissionais ou áreas correlatas que são usuários das
fiscal, normas de contabilidade, normas de auditoria, normas para informações contábeis.
as empresas de capital aberto, formas de divulgação das informa-
ções contábeis pelas empresas, legislação trabalhista. 3. O PROCESSO DE HARMONIZAÇÃO
Portanto, a falta de harmonização internacional das normas DAS NORMAS CONTÁBEIS NA ALCA
contábeis poderá trazer algumas implicações à profissão con- A abertura do mercado, aliada ao surgimento de acordos
tábil. Sturge (1997, apud FRANCO, 1999, p.145) cita as seguin- comerciais e econômicos entre países com interesses comuns,
tes implicações: gera a proliferação de atividades comerciais entre os mesmos.
Tal acentua a necessidade de formas de controle e meios viá-
a) na ausência de harmonização internacional, cada país terá veis de divulgação das informações patrimoniais, requerendo,
sua própria linha de fixação de normas, satisfazendo exi- assim, evoluções na ciência contábil (Brandão, 2000).
gências nacionais, independentemente do que é aplicado Neste sentido, o processo de harmonização caminha junto
em outros países; com o processo de globalização dos negócios. Ambos formam
b) haverá o perigo de que a comparabilidade e a credibilidade uma unidade quase indissociável e, quando se fala num, con-
das demonstrações contábeis serão prejudicadas em um seqüentemente se fala no outro.

Pensar
nível internacional. Isto certamente aumentaria o tempo e Segundo Koliver (2001), as palavras globalização, harmoni-
os custos de preparar um conjunto secundário de demons- zação e integração encontram-se na ordem do dia, e a maioria
trações contábeis, usando normas que seriam adequadas das pessoas encara o fenômeno nelas expresso como uma
para uso em outros países; fatalidade, e alguns chegam mesmo a referir-se a elas com um
c) mesmo no próprio país, de acordo com pesquisas feitas, há fervor quase místico.
casos em que existem mais de uma entidade fixadora de nor-
mas, o que cria confusão quando há conflitos entre normas.

Observa-se, portanto, que a ausência de harmonização in-


ternacional das normas contábeis poderá provocar várias im-
Contábil
Dentro do processo de globalização da economia e integra-
ção dos países, sob a forma de blocos econômicos, é de funda-
mental importância a harmonização das normas contábeis, no
sentido de tornar mais eficiente essa integração.
Conforme Castro Neto (1998, p.58), “a harmonização contábil
plicações. Entretanto, segundo Hulle (1997, apud FRANCO, pode ser conceituada como o processo de trazer os padrões contá-
1999), a verdadeira harmonização internacional deve ser um beis internacionais para algum tipo de acordo tal que as demonstra-
processo realmente internacional. Destaca que o processo do ções contábeis de diferentes países sejam preparadas segundo um
IASB não pode ser considerado realmente internacional em conjunto comum de princípios de mensuração e disclosure”.
decorrência de dois problemas. O primeiro diz respeito ao fato Todavia, harmonização não é sinônimo de uniformização.
de que nem todos os países aceitam a forma de pensar dos Trata-se de um processo através do qual as normas contábeis
anglo-saxões, cujas normas contábeis atendem ao mercado de de diferentes países se harmonizem de tal maneira que as infor-
capitais. O segundo corresponde à própria maneira de proce- mações geradas pelos relatórios contábeis possam ser anali-
der desse órgão, ao divulgar os rascunhos das normas para sadas por meio de comparabilidade.
receber comentários, sendo que nem todos os países estão Hulle (1997, apud FRANCO, 1999) explicita que, “para
habituados a este processo e não respondem. restaurar a comparabilidade, onde diferentes soluções são
No entanto, a harmonização contábil internacional é mais do permitidas, por serem consideradas equivalentes, infor-
que urgente, embora alguns países ainda não tenham se preocu- mações adicionais precisam ser dadas em notas explica-
pado com isso, fato que prejudica o processo como um todo. tivas. Está é uma parte importante do processo de harmo-

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 23 - 29, ago./out. 2005 25


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Fabiano Maury Raupp


Ilse Maria Beuren

nização”. Neste sentido, Alhashim e Arpan (1992, p.48, Interamericana de Contabilidade (AIC) celebrou um convênio
apud CASTRO, 2001, p. 2) destacam que: com o Instituto Americano dos Contadores Públicos Certifica-
dos (AICPA) para implantar, em toda a América, o Programa de
a harmonização da terminologia contábil, da classifica- Controle de Qualidade dos Serviços Profissionais, tanto na prá-
ção contábil, da mensuração contábil, e/ou dos relatórios tica de Auditoria como na de Contabilidade. Dentro do progra-
contábeis supriria os usuários dos relatórios contábeis com ma, há uma parte que diz respeito à adoção das normas interna-
demonstrações contábeis comparáveis mais apropriadas cionais e sua harmonização com as normas nacionais (NASI,
para decisões econômicas. Sistemas contábeis harmoni- 2001, apud BEUREN e BRANDÃO, 2001).
zados a nível mundial podem facilitar análises comparati- No entanto, o processo de harmonização das normas contá-
vas de resultados financeiros de empresas nacionais e beis no âmbito da Associação de Livre Comércio da América é
estrangeiras, e assim, ajudaria os usuários externos das um processo complexo e deverá ser composto de algumas fa-
demonstrações contábeis a avaliar o desempenho das ses. Este processo poderá ser composto das seguintes fases:
empresas a nível mundial. a) eliminação das divergências nacionais por meio de órgãos
Segundo Castro (2001), “o Brasil vê com bons olhos a harmoni- profissionais
zação mundial das normas contábeis, mas para tornar-se realida- b) formação de organismos profissionais regionais e conseqüen-
de é preciso que os países europeus e os Estados Unidos deixem te harmonização.
de tarifar os produtos de exportação brasileiros. A formação de c) formação de organismos profissionais no continente e har-
uma Área de Livre Comércio das Américas está prejudicada em monização na ALCA.
virtude das tarifas cobradas sobre os produtos brasileiros”. A Figura 2 apresenta a configuração do processo de harmo-
Neste contexto de harmonização continental, a Associação nização das normas contábeis no âmbito da ALCA proposta

Pensar
Contábil

pelos autores do presente artigo.


Figura 2: Fases do processo de harmonização das normas contábeis no âmbito da ALCA
Fonte: elaborada pelos autores.
26 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 23 - 29, ago./out. 2005
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A SUPREMACIA CONTÁBIL DOS ESTADOS UNIDOS COMO ASPECTO DIFICULTADOR À


HARMONIZAÇÃO DAS NORMAS CONTÁBEIS NO ÂMBITO DA ALCA

Entre os elementos norteadores de sua posição contábil está


Yehia (1997, apud FRANCO, 1999) recomenda a criação de o desenvolvimento econômico do país. Franco (2000, p.5) afir-
um organismo profissional, em nível nacional, pelo governo e ma que:
entidades reguladoras. Os membros do organismo profissional foi nos Estados Unidos, entretanto, em virtude de seu desen-
devem incluir representantes de profissionais liberais, das em- volvimento econômico especialmente após a Primeira Gran-
presas, das universidades e outras entidades reguladoras pre- de Guerra, da qual esse país saiu como grande vencedor,
viamente envolvidas na fixação de normas. Durante o processo que a economia se desenvolveu e a profissão ganhou status
de estudo de qualquer norma, deve-se buscar um consenso, e notoriedade. A década de 20 foi de intensa atividade eco-
para prevenir qualquer conflito entre as exigências de cada nômica naquele país, culminando, entretanto, com a célebre
entidade reguladora. quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, geran-
Destaca ainda que um membro do organismo profissional do a grande recessão americana na década de 30, a qual se
nacional de países selecionados deve participar em um orga- alastrou por todos os continentes e somente foi contida com
nismo internacional. Isto assegurará que as opiniões dos paí- a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
ses sejam manifestadas no estudo de novas normas, o que pelo Contudo, conforme Schmidt (2000), o desenvolvimento da
menos reduzirá as contradições no tratamento de assuntos con- doutrina contábil dos Estados Unidos deve-se principalmente a
tábeis em todo o mundo. associações de profissionais. Apesar de nem todos os profissi-
O processo de harmonização das normas contábeis na ALCA onais norte-americanos acatarem suas diretrizes, é quase una-
justifica-se em função de diversos fatores. Não obstante, en- nimidade com que os contadores aceitam as normas das asso-
contra alguns aspectos impeditivos que se contrapõem a este ciações. A seguir, apresentam-se algumas das principais orga-
processo, dentre eles, a superioridade contábil dos Estados nizações envolvidas no desenvolvimento das normas contá-
Unidos. beis nos Estados Unidos.
a) American Accounting Association
4. ORGANISMOS ENVOLVIDOS A American Accounting Association – AAA (Associação Ame-
NO DESENVOLVIMENTO DAS ricana de Contabilidade) foi fundada em 1916 com o nome de
NORMAS CONTÁBEIS DOS EUA American Association of University Instructors in Accounting.
Seu primeiro presidente, e um de seus principais mentores, foi
De acordo com Franco (2000, p.4), “tudo indica que a profis- John Raymond Wildman, da New York University (SCHMIDT,
são contábil, na forma hoje conhecida e praticada, teve origem 2000).
na Grã-Bretanha, daí disseminando-se para suas colônias e ex- Hendriksen e Van Breda (1999) destacam que esta organiza-
colônias, com destaque para os Estados Unidos da América”. ção procura estimular e patrocinar a pesquisa e o desenvolvi-

Pensar
Neste contexto, o desenvolvimento da escola norte-america- mento de princípios e padrões contábeis, buscando sua aceita-
na, segundo Schmidt (2000, p.87), “tem uma característica pe- ção pela prática. O enfoque do comitê executivo é recomendar
culiar, pois grande parte de suas construções teóricas teve ori- princípios básicos e amplos nos quais possam se apoiar as
gem em entidades ligadas a profissionais da área contábil”. demonstrações contábeis. Apóia duas publicações principais,
A origem da regulamentação nos Estados Unidos, segundo a mais antiga que é The Accounting Review e uma mais recen-
Hendriksen e Van Breda (1999), deu-se com as companhias de
transporte ferroviário, tendo seu maior crescimento de 1878 a
1893, provocado pelas migrações maciças de americanos atra-
vés do continente. Assim, em 1887, o Congresso dos Estados
Unidos criou o primeiro organismo regulamentador federal, a
Contábil
te, a Accounting Horizons. Patrocina, também, numerosas pes-
quisas, revistas representativas de interesses específicos de
seus membros, e publica uma série de monografias.
b) American Institute of Certified Public Accountants
Conforme relata Schmidt (2000), o American Institute of Cer-
Interstate Commerce Commission (ICC), com autoridade para tified Public Accountants – AICPA (Instituto Americano de Con-
regulamentar as estradas de ferro. tadores Públicos Certificados) teve vários predecessores, como
Entretanto, além das companhias de estrada de ferro, outros a American Association of Public Accountants – AAPA, criada
segmentos surgiram e, decorridos alguns anos, já causavam em 1887 em Nova York; e o American Institute of Accounting –
certa preocupação aos americanos. Neste sentido, começa- AIA, criado em 1916 a partir de um núcleo da AAPA que abando-
ram a surgir outros organismos regulamentadores da profissão. nou esta federação.
Importantes questões enfrentadas por esta escola, principal- Explica que este organismo surgiu com o objetivo de propor-
mente neste século, constituem-se em elementos responsáveis cionar um refinamento das relações entre a associação e o
por caracterizá-la como uma das mais consideradas do mundo, governo. Quando a AIA mudou de nome, em 1959, para AICPA,
ditando regras no tratamento de questões ligadas à contabilida- cinco linhas de pesquisa foram determinadas para um progra-
de de custos, controladoria, análise das demonstrações contá- ma de qualificação profissional: contabilidade financeira, ética,
beis, gestão financeira e controle orçamentário, além de vários ensino, auditoria e serviço de certificação e controle da prática.
ramos do conhecimento contábil. Essa escola está na vanguar- c) Financial Accounting Standards Board
da da Contabilidade Mundial (SCHMIDT, 2000). O Financial Accounting Standards Board – FASB (Conselho

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 23 - 29, ago./out. 2005 27


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Fabiano Maury Raupp


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de Padrões de Contabilidade Financeira), criado em 1973, tor- Desse modo, foram apresentados os principais organismos
nou-se a terceira autoridade na condução do direcionamento responsáveis pelo desenvolvimento das normas contábeis nos
da contabilidade financeira. Este organismo é composto por Estados Unidos. As características da escola norte-americana
sete membros com dedicação exclusiva. Para que seja indica- denotam, desde a sua origem, a configuração de uma das mais
do um procedimento contábil pelo FASB, é necessário que exis- importantes escolas contábeis do mundo. Neste contexto, a
ta a chamada super-majority, que requer pelo menos cinco vo- superioridade contábil destacada dificulta a harmonização das
tos a favor da adoção do procedimento. O FASB tem um diretor normas contábeis no âmbito da ALCA.
de pesquisa e quarenta pessoas que colaboram no trabalho de
pesquisa e no desenvolvimento dos materiais de trabalho (SCH- 5. A HARMONIZAÇÃO DAS
MIDT, 2000). NORMAS CONTÁBEIS NO ÂMBITO DA
Hendriksen e Van Breda (1999) citam que a missão deste ALCA LIMITADA PELA SUPREMACIA
órgão é estabelecer e aperfeiçoar padrões de contabilidade CONTÁBIL DOS ESTADOS UNIDOS
financeira e divulgação para orientação e educação do publi- A efetiva integração dos países em blocos econômicos de-
co, incluindo produtores de informação, auditores e usuários de pende da integração de seus setores, particularmente no to-
informações financeiras. cante às normas que regem cada um destes. Todavia, há países
d) Governmental Accounting Standards Board que exercem influência maior sobre outros, seja em função do
Schmidt (2000) diz que o Governmental Accounting Standar- poder econômico ou de normas mais avançadas.
ds Board – GASB (Conselho de Padrões de Contabilidade Go- Quando se fala nos países-membros da ALCA, os Estados
vernamental) foi criado em 1984 para estudar a padronização Unidos é um dos países que mais exerce influência sobre os
das práticas contábeis dos Estados e das empresas estatais. O outros. Além de ser um dos mercados mais importantes do mun-
GASB tem a tarefa de qualificar as informações contábeis de do, particularmente no que concerne à contabilidade possui
entidades públicas para torná-las úteis para os usuários, tais normas bastante avançadas.
como cidadãos, legislativo, outros órgãos públicos, investido- Segundo Castro (2001), o principal mercado de capitais do
res e credores. mundo é o dos Estados Unidos, sendo esse pouco receptivo a
O GASB foi criado em paralelo ao FASB e, como este último, adesão às Normas Internacionais de Contabilidade, preferindo
subordinado à Fundação de Contabilidade Financeira. O acordo adotar as normas contábeis americanas. Menciona que em re-
inicial era de que o GASB decidiria sobre questões que afetas- cente estudo realizado entre as normas emitidas pelo FASB e o
sem os governos estaduais e municipais, enquanto todas as ou- IASC, atual IASB, identificou-se 255 discrepâncias.
tras instituições ficariam sobre a alçada do FASB. Os padrões De acordo com HULLE (1997, apud FRANCO, 1999, p.147):
fixados pela organização anterior, o Conselho Nacional de Con-

Pensar
tabilidade Governamental (National Council Governmental Ac-
counting – NCGA), continuariam em vigor, a não ser que o GASB
determinasse em contrário. Nos casos em que não houvesse
qualquer determinação, nem do GASB, nem do NCGA, seriam
atualmente, a maior parte do trabalho da IASC está basea-
do nos esforços de fixadores de normas de quatro países,
denominado Grupo dos Quatro (Austrália, Canadá, Reino
Unidos e Estados Unidos). Esses países são os que inves-

Contábil
aplicáveis as regras do FASB (HENDRIKSEN e VAN BREDA, 1999).
e) Securities and Exchang Commission
Schmidt (2000, p.92) relata que, “pelo Securities Act de 1934,
o governo federal regulamentou a forma de divulgação das de-
monstrações contábeis de todas empresas abertas, além de
tem mais dinheiro e esforço na fixação de normas contá-
beis. Entre esses quatro países, os Estados Unidos ocupa
uma posição muito especial. Os US GAAP (Princípios de
Contabilidade Geralmente Aceitos, norte-americanos), hoje
emitidos pelo FASB (Financial Accounting Standards Board),
determinar o papel de controle do mercado financeiro por meio têm influência na fixação de normas de muitos países.
da Securities and Exchang Commission (SEC). Com esses atos,
o governo federal passou a avaliar o trabalho dos profissionais Diante destas características, segundo Crooch (1997, apud
da contabilidade”. Destaca ainda que a SEC começou a ter FRANCO, 1999), representantes da SEC e do FASB, nos Estados
poder de impedir a emissão de novos títulos no mercado, caso Unidos, manisfestaram-se extremamente cautelosos quanto ao
as demonstrações contábeis das empresas não estivessem de futuro da harmonização. Até mesmo, membros do IASB são reti-
acordo com suas determinações. centes quanto à probabilidade, ou mesmo à possibilidade, de
A SEC identifica áreas nas quais há necessidades de infor- que a harmonização das normas contábeis seja possível.
mação pelo investidor, e determina os métodos apropriados de Assim, os Estados Unidos acabam exercendo influência tam-
divulgação para atender a tais necessidades, de modo que a bém em outros blocos econômicos. Hulle (1998a, p.3) destaca
SEC não deixou de apoiar o FASB, apenas com algumas reser- em relação à União Européia que, “registros preparados pelas
vas. A regulamentação governamental dos Estados Unidos não companhias americanas, sob os Princípios de Contabilidade
tem imposto controles rígidos à apresentação de demonstra- Geralmente Aceitos (GAAP) dos Estados Unidos são, de fato,
ções financeiras em geral ou à variedade de procedimentos reconhecidos em todos os Estados-Membros. Não é esse o caso,
contábeis utilizados (HENDRIKSEN e VAN BREDA, 1999). nos Estados Unidos, dos registros contábeis preparados, por

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Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

A SUPREMACIA CONTÁBIL DOS ESTADOS UNIDOS COMO ASPECTO DIFICULTADOR À


HARMONIZAÇÃO DAS NORMAS CONTÁBEIS NO ÂMBITO DA ALCA

companhias européias, de acordo com as Diretivas Contábeis”. este um aspecto dificultador à harmonização das normas contá-
Argumenta ainda que, os padrões americanos são desenvol- beis no âmbito da ALCA. Mais do que ceder e eliminar as possíveis
vidos sem nenhum dado europeu. Eles são elaborados para sa- divergências, este país tenderá a impor suas normas, fazendo com
tisfazer as necessidades do mercado americano de capitais, e que as mesmas prevaleçam no âmbito deste bloco econômico.
não são necessariamente adequados em um contexto europeu.
Não se pode desprezar o fato de que os maiores investidores 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
mundiais são as multinacionais de origem americana, que adotam A Associação de Livre Comércio da América (ALCA), apesar
normas do FASB e da SEC, as quais diferem, em aspectos significa- de ser um projeto não totalmente concretizado, justifica sua exis-
tivos, das do IASB, mas são utilizadas em várias partes do mundo, tência ao tentar integrar 34 países do continente americano,
onde predominam os investimentos dos Estados Unidos. Esse fato com exceção de Cuba. A sua implementação é um processo
está sendo levado em conta pelos fixadores de normas de muitos lento e que envolve o interesse de vários países.
países, gerando a criação do grupo conhecido por G-4+1, Grupo de Reconhece-se a importância da harmonização internacio-
4 países mais o IASB (CROOCH, 1997, apud FRANCO, 1999). nal das normas contábeis, especialmente no caso de formação
Percebe-se, portanto, a supremacia dos Estados Unidos em de blocos econômicos. Entretanto, observa-se que este proces-
termos de normas contábeis. Esta superioridade também pode- so poderia ser facilitado a partir de harmonizações regionais,
rá atuar como fator impeditivo à harmonização das normas con- por exemplo, no âmbito do NAFTA, do MERCOSUL, da ALCA.
tábeis no âmbito da ALCA. Para a integração dos países sob a forma de bloco econômi-
Para Castro (2001), tendo em vista que nos Estados Unidos co é de fundamental importância a harmonização das normas
há um dos mercados mais importantes do mundo, também as contábeis, com vistas em tornar mais efetiva, eficiente e eficaz
normas americanas são importantes. Por isso, somente um tra- essa integração. Nesta perspectiva, o artigo abordou a supre-
balho forte junto aos organismos que regulam o mercado de macia contábil dos EUA como aspecto dificultador na harmoni-
capitais, como o IOSCO, que pode resultar em pressão sobre o zação das normas contábeis no âmbito da ALCA.
FASB, organismo que tem assento no IASB. As próprias pres- Acredita-se que, dada a supremacia, tanto no mercado de
sões políticas, como a do Congresso dos Estados Unidos, resul- capitais como nas próprias normas contábeis, mais do que ce-
tam numa possível harmonização das normas. der à harmonização, esta nação tenderá a impor suas normas
Infere-se do exposto que está evidente a supremacia das nor- na ALCA, sem aderir ao processo de eliminar possíveis diver-
mas contábeis dos Estados Unidos. Desse modo, considera-se gências com os demais países deste bloco econômico.

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Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 23 - 29, ago./out. 2005 29


Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

(Este trabalho é parte da dissertação de Mestrado de André Ramos, defendida em outubro/2004,


sob a orientação do Prof. Frederico A. de Carvalho)

ATUAÇÃO DO CONTROLLER NO SETOR HOTELEIRO:

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
À LUZ DA LITERATURA
RESUMO  André da Costa Ramos
Este trabalho trata da atuação do controller, assim como da São João de Meriti – RJ
controladoria no setor hoteleiro. Apesar do assunto ainda ser Contador CRC-RJ 87.222/O
Mestre em Ciências Contábeis – UERJ1,
pouco explorado no Brasil, assume destacada relevância, pois Coordenador do curso de Ciências Contábeis da UNESA2
os hotéis apresentam características incomuns envolvendo pro- E-mail: ramosandre@ig.com.br
priedade e gestão e ainda, o segmento hoteleiro requer níveis
elevados de investimento de capital onde os ativos são de lon-  Frederico A. de Carvalho
Rio de Janeiro - RJ
go prazo e isso significa que os investimentos devem ser plane- Doutor em Economia - UCL3
jados, estrategicamente, durante um período relevante de tem- Professor do programa de mestrado em Ciências
po. Neste sentido, no caso dos hotéis, a controladoria, tem des- Contábeis da UERJ1
E-mail: fdecarv@msn.com
tacado papel em termos de fornecimento de informações que
possam apoiar os gestores na tomada de decisões. Este estudo
apresenta uma contextualização do setor hoteleiro no mercado

Pensar
brasileiro, aborda alguns aspectos sobre a estrutura organiza-
cional, o papel do controller, contabilidade gerencial e o pro-
cesso orçamentário nos hotéis.
Palavras-chave: Hotéis, Gestão hoteleira, Controller e
the controller role, managerial accounting and budget in hotels.
Key words: Hotels, Management Hotel, Controller and Ma-
nagerial Accounting.

Contábil
Contabilidade Gerencial.

ABSTRACT
This paper deals controller’s role and hotel sector controlling.
Despite the subject had been studied a little in Brazil, it has a
Introdução
Sucessivas mudanças desafiam, continuamente, a gestão
das empresas. A situação econômica, a ampliação dos merca-
dos, as reorganizações empresariais e o aumento da concor-
rência levam as empresas a buscar a maximização do desem-
great importance, because hotels present uncommon features penho e do controle gerencial. Por isso mesmo a controladoria
mixing management and ownership. The hotel sector demands exerce papel fundamental, apoiando os gestores no planeja-
high levels of capital investments where the assets are long term mento e controle de gestão.
and this means that investments must been planning strategic Hotéis são considerados peças-chave para o turismo. Se-
during a long time. In hotel case, the controlling, has an impor- gundo Medlik e Ingram (2002, p.4), o negócio hoteleiro, ou, como
tant role to supply information that may help the managers to se diz mais recentemente, a indústria da hospitalidade cada vez
make decisions. This work introduces the hotel sector in brazili- mais exerce função importante na maioria dos países, pois for-
an market, treats some aspects about framework organizational, necem instalações para diversos negócios, tais como reuniões

1
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Cep 20.550-900 – Rio de Janeiro - RJ
2
UNESA – Universidade Estácio de Sá – Cep 21.331-720 – Rio de Janeiro - RJ
3
UCL - Universite Catholique de Louvain - Bélgica

Artigo recebido em 18/07/2005 e aceito em 26/08/2005

30 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 30 - 37, ago./out. 2005


Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

ATUAÇÃO DO CONTROLLER NO SETOR HOTELEIRO:


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES À LUZ DA LITERATURA

e conferências, recreação e entretenimento. Dessa forma, os


hotéis são tão relevantes para a economia e as sociedades
quanto o transporte, a comunicação e o comércio de bens e
serviços, além de constituir em importante fonte de emprego,
oferecendo oportunidades em diversas ocupações. Ademais, a
indústria hoteleira caracteriza-se pelo alto nível de competitivi-
dade, devido ao grande número de concorrentes, contínua in-
trodução de novos produtos e serviços, e acesso a diferentes
canais de promoção.
Em um ambiente desafiador como se mostra a atividade ho-
teleira, é fundamental que os gestores façam uso eficiente e
eficaz de informações gerenciais, incluindo o sistema contábil-
gerencial para tomada de decisão. Neste sentido, no caso dos
hotéis, a controladoria tem papel destacado em termos do for- Fonte: Saab e Daemon, 2001, p.129.
necimento de informações, sejam operacionais (por exemplo,
receitas por tipo de quarto ou por categoria de clientes), sejam Nota-se que as cadeias internacionais detêm a maior parte
estratégicas (por exemplo, segmentação das vendas ou da co- do mercado hoteleiro no Brasil. Segundo Saab e Daemon (2001,
municação), que possam apoiar os gestores na tomada de de- p.128), a Accor, maior grupo hoteleiro em escala mundial, era
cisões. responsável, em 1999, por cerca de 3% da oferta hoteleira no
Brasil, alcançando a primeira posição no mercado nacional.
1. Generalidades sobre o Setor Hoteleiro Conforme classificação da Horwath Consulting & Soteconti
De acordo com Saab e Daemon (2001, p.130), a pouca divul- Auditores S/C (apud Saab e Daemon, 2001, p.129) realizada em
gação do Brasil no exterior, os altos preços de passagens aére- janeiro de 1999, dentre as oito principais cadeias que atuam no
as e da locação de veículos no país, a imagem turística externa Brasil, três são de origem nacional – Othon, Transamérica e
negativa, os problemas associados à violência urbana, entre Tropical. É o que mostra o Quadro 1 a seguir:
outros, constituem alguns dos entraves estruturais contra o tu- Quadro 1 - Ranking das Principais Redes Hoteleiras
rismo brasileiro, especialmente à hotelaria brasileira. É inegá- Nacionais e Internacionais no Brasil – Jan.1999 (Em Unida-
vel, além disso, a ocorrência de problemas relacionados à ad- des Hoteleiras)
ministração pouco profissionalizada e à mão-de-obra pouco
especializada, à estrutura desbalanceada na oferta de unida- Redes Hoteleiras Classificação

Pensar
des hoteleiras, à carência de sistemas de informações gerenci- Accor 1ª
ais e à ausência de planejamento estratégico setorial. Os pro- Othon 2ª
blemas gerais do turismo, associados às questões específicas Best Western 3ª
ao setor hoteleiro, acarretam elevados custos de manutenção e Transamérica 4ª
hospedagem, baixa qualidade e produtividade, maior impacto Tropical 5ª
da sazonalidade e baixa taxa média de ocupação.
Para que o setor hoteleiro se torne mais competitivo, algumas
ações específicas, já iniciadas, precisam ter continuidade, tais
como (a) investimentos em formação de recursos humanos e em
capacitação profissional, visando o aprimoramento da adminis-
Contábil
Meliá
Hilton
Sheraton (Starwood)


Fonte: Saab e Daemon, 2001, p.129.


tração dos hotéis e a melhoria da qualidade dos serviços presta-
dos, e (b) investimentos na modernização dos equipamentos tu- Como se pode observar, apesar dos problemas citados so-
rísticos existentes, viabilizando a oferta segmentada de aloja- bre o turismo e a hotelaria brasileira, algumas redes nacionais
mentos e a diferenciação dos serviços de hospitalidade. ocupam boas posições na classificação geral das cadeias que
A participação, no setor hoteleiro, das cadeias internacio- atuam no Brasil. A Rede Othon ocupa a segunda posição no
nais de hotéis vem sendo cada vez maior. Entre outros fatores, ranking geral e a primeira posição entre as cadeias nacionais,
isto se deve, ainda segundo Saab e Daemon (2001, p.131), à sendo, portanto o maior grupo hoteleiro brasileiro, tanto na ofer-
maior capacidade de penetração, aos serviços altamente pa- ta de meios de hospedagem, quanto em termos de unidades
dronizados, ao elevado padrão de qualidade nas acomodações, habitacionais.
a esquemas não tradicionais para distribuição dos serviços (tais No estudo publicado pela Horwath Consulting e Soteconti
como franquias e contratos de gestão), que ampliam a presen- Auditores S/C, apesar da perda de rentabilidade, o setor vive um
ça no mercado. A Figura 1, a seguir, mostra a composição do ciclo de expansão da oferta de unidades hoteleiras, aparente-
mercado hoteleiro no Brasil, em termos de número de unidades mente não fundamentada na demanda potencial. O negócio
hoteleiras: hoteleiro tem forte componente imobilizado, com retornos em

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 30 - 37, ago./out. 2005 31


Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

André da Costa Ramos


Frederico A. de Carvalho

longo prazo. Assim, necessita de mecanismos que financiem e comunicação hotel – matriz – hotel é essencial para a eficácia
viabilizem um reposicionamento de mercado ou um novo em- operacional e para a obtenção e efetivação das vantagens abor-
preendimento, garantindo aos investidores maior atratividade dadas.
para assumir riscos. Em outras palavras, portanto, o ciclo de A extensão dos problemas encontrados nos grupos hotelei-
expansão está relacionado aos investimentos no setor de cons- ros depende, basicamente, de três fatores: (a) número de unida-
trução de novos hotéis. des hoteleiras no grupo, (b) distribuição geográfica dos hotéis e
Neste mesmo estudo, destaca-se que: (c) nível de centralização das operações do grupo.
“(...) a criação de novos modelos de negócio, que permi- Segundo Warren, Reeve e Fess (2001, p.268), um negócio
tam a um empreendimento aumentar sua competitivida- centralizado é aquele em que as decisões operacionais e de
de, passa necessariamente pela identificação e incorpo- planejamento são tomadas pela alta administração. À medida
ração de novas ferramentas de gestão, as quais tem o que a empresa se expande, torna-se mais difícil manter um con-
objetivo de otimizar resultados, gerenciando custos e tato direto com todas as operações; nesse caso, delegar autori-
maximizando receitas, aliando excelência na prestação dade ao gerente, mais próximo das operações, resulta em me-
de serviços.” lhores decisões. Em contraste, para Garrison e Noreen (2001,
É precisamente nesses termos, ou seja, como ferramenta de p.386) “uma organização descentralizada é aquela em que o
gestão, que a controladoria participa no processo gerencial das poder de decisão não está restrito a poucos executivos de topo,
organizações em geral, dando apoio à tomada de decisões. Em distribuindo-se, ao contrário, pela organização como um todo”.
particular, faz-se presente, também, no setor hoteleiro, forne- Jiambalvo (2002, p.248) completa o argumento, afirmando que
cendo informações para a formação de preços e tarifas, para o a maioria das empresas não é nem totalmente centralizadas,
controle de custos, para a administração de recursos financei- nem totalmente descentralizadas. A descentralização é uma
ros, para as previsões orçamentárias, dentre outras. questão de gradação.
No entanto, Gomes e Amat (1996, p.19) acrescentam que o
2. Controladoria e Gestão Hoteleira – grau de descentralização também influirá sobre as característi-
uma revisão da literatura cas do sistema de controle. Quanto maior for a descentraliza-
Nesta seção são abordados aspectos relacionados à estru- ção, mais difícil e custoso se torna o controle. Dessa forma, à
tura organizacional dos hotéis, às funções típicas do controller medida que a descentralização cresça, será mais necessário
em ambiente hoteleiro, ao uso da contabilidade gerencial e ao fazer funcionar um sistema de controle formalizado, com predo-
processo orçamentário em empresas hoteleiras. mínio de sistemas de controle financeiro e orientado à atuação
2.1. Estrutura Organizacional de cada responsável.
Os hotéis podem operar tanto de forma independente, quan- Para um grupo hoteleiro, destacam Medlik e Ingram (2002, p.

Pensar
to em redes ou grupos, dependendo da estrutura do capital.
Para Medlik e Ingram (2002) o crescimento da indústria hotelei-
ra tem sido cada vez mais associado aos grupos hoteleiros. Os
grupos operam hotéis de sua propriedade ou através de contra-
64), a principal questão é definir quais funções serão centrali-
zadas e qual será o nível de centralização em cada uma; defini-
da esta questão, pode-se almejar a obtenção de algumas van-
tagens financeiras. Para estes autores, as principais funções

Contábil
tos de arrendamento, franquia ou de gestão. A própria natureza
do negócio e os limites de muitos mercados hoteleiros apresen-
tam as principais explicações para o crescimento das empre-
sas hoteleiras através dos grupos. As vantagens para as redes
são aquelas relacionadas ao tamanho, conhecidas como eco-
que se destinam à centralização são:
 Contabilidade e finanças
 Recursos Humanos
 Compras
 Vendas e marketing
nomia de escala.  Serviços técnicos
Em contrapartida, os grupos enfrentam vários problemas, Essas são as áreas em que se originam as principais econo-
especialmente aqueles relacionados à comunicação, à coor- mias de escala; os principais fatores que as influenciam são o
denação entre unidades, ao controle e aos custos. Medlik e número de hotéis e sua distribuição geográfica.
Ingram (2002, p.62) ressaltam que deve haver coordenação e Hansen e Owen (1996, p.1) explicam que atividades relacio-
controle na administração dos hotéis, com o intuito de garantir nadas à contabilidade e finanças - por exemplo, a contabilida-
que as decisões do grupo sejam cumpridas para possibilitar o de geral, contas a pagar, contas a receber, controle do ativo fixo
desempenho como um todo. No mesmo sentido, Barney e e os procedimentos para o fechamento mensal – deverão ser
O’Sullivan (apud Medlik e Ingram, 2002, p.63) sustentam que os desenvolvida e implementadas pelas unidades (hotéis individu-
problemas encontrados nas operações do grupo ocorrem quan- ais) do grupo, que, então, enviarão informações à matriz, para
do há ruptura entre as unidades individuais e a matriz. Na ope- consolidação, e posterior confecção e análise de relatórios.
ração do grupo hoteleiro, a matriz deve comunicar as políticas, Cabe destacar, também, que poucos grupos hoteleiros com-
as diretrizes e os procedimentos a serem seguidos pelas unida- pram a maioria de seus suprimentos diretamente de qualquer
des individuais, que, por sua vez, devem interagir com a matriz fornecedor. Neste caso, a função de compras centralizada pode
e com as demais unidades que compõem o grupo. Portanto, a ser associada à diversificação de fornecedores, assumindo,

32 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 30 - 37, ago./out. 2005


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ATUAÇÃO DO CONTROLLER NO SETOR HOTELEIRO:


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES À LUZ DA LITERATURA

essencialmente, três formas básicas. Em certas situações, quan-  Centro de custos: é um segmento cujo gerente tem con-
do os hotéis estão localizados em uma área limitada, os supri- trole sobre os custos, mas não sobre a receita ou os recursos
mentos são comprados em centrais locais, de onde são distri- para investimento.
buídos às unidades hoteleiras. Na falta de lojas centrais, são  Centros de lucro: é qualquer segmento do negócio cujo
feitos pedidos centralizados, de acordo com as requisições in- gerente tem controle sobre custo e receita.
dividuais dos hotéis, e depois entregues diretamente aos requi-  Centros de investimento: é qualquer segmento de uma
sitantes. Em determinadas circunstâncias, os hotéis fazem seus organização cujo gerente tem controle sobre custo, receita e
pedidos através de contratos negociados, centralmente, com investimentos em ativos de produção. (p. 386)
fornecedores indicados, que entregam diretamente aos hotéis. Especificamente sobre os centros de custos, Zanella (2001,
A descentralização do poder de decisão e da atribuição de p.15) reafirma que independem do organograma ou da estrutu-
responsabilidade aos gerentes apresenta diversos benefícios e ra formal da empresa, pois os diversos setores são classifica-
custos, indicados no Quadro 2. dos, desdobrados ou aglutinados de acordo com sua importân-
Quadro 2 – Benefícios e Custos da Descentralização cia e função em relação ao conjunto de atividades e objetivos
do hotel.
Benefícios Custos 2.2. O Papel do Controller em Hotéis
Maior capacidade de respos- Leva a decisões incongruen- De acordo com Burgess (1996, p.19) a literatura internacio-
ta às necessidades locais. tes com os objetivos globais nal sobre a função dos controllers de hotéis é carente; além
da empresa. disso, prossegue o autor, embora haja alguns artigos relaciona-
dos a esse assunto, geralmente expressam mais opiniões do
Decisões mais rápidas. Duplicação de atividades. que fatos. Quanto aos livros, a maioria das obras relevantes
sobre contabilidade hoteleira limita-se a descrever as tarefas
Aumento da motivação. Maior gasto na obtenção das do departamento de contabilidade e raramente aborda as res-
informações. ponsabilidades do gerente deste departamento; ademais, con-
centra-se em técnicas financeiras e não na gestão.
Ajuda o desenvolvimento e Redução da lealdade para O conhecimento da operação do hotel é essencial ao efeti-
aprendizagem gerencial. com a organização como um vo gerenciamento do processo de controle. Burgess (1994,
todo. p.13) comenta que o conhecimento do negócio hoteleiro é de
grande importância para o controller, assim como a formação
Fonte: Horngren, 1997, p. 637-638. e o treinamento constante. O tipo de formação do controller
pode variar de acordo com o indivíduo e a organização. Ideal-

Pensar
Um conceito associado à idéia de descentralização é o con- mente, ele deve dominar as técnicas hoteleiras, tanto quanto
ceito de centro de responsabilidade. Anthony e Govindarajan as técnicas contábeis, embasadas pela formação contábil. No
(2002, p.180) ensinam que “um centro de responsabilidade é entanto, a pesquisa realizada por Burgess (1994), no Reino
uma unidade da organização sob a supervisão de um executivo Unido, revelou que a tendência era o controller conseguir, pri-
responsável por suas atividades”. O objetivo dos centros de meiro, qualificação e experiência em hospitalidade e mais tar-
responsabilidades é ajudar a implementar as estratégias da
empresa, definindo ou redefinindo, se necessário, papéis e res-
ponsabilidades sem a restrição do organograma tradicional. Para
Gomes e Amat (1996, p.15), “quanto maior for a organização,
mais detalhado deverá ser o desdobramento dos objetivos glo-
Contábil
de especializar-se em contabilidade, sem necessariamente,
tornar-se contador.
Geller et.al. (1990, p.92) fizeram um estudo sobre o perfil dos
controllers de hotéis entre os membros da Associação Interna-
cional de Contadores do Setor de Hospitalidade. Os resultados
bais em objetivos específicos, para as correspondentes unida- que merecem destaque estão resumidos no Quadro 3. Pode-se
des organizacionais ou centros de responsabilidades”. Portan- observar que existe uma concentração na formação em conta-
to, dependendo do tamanho da organização, para a consecu- bilidade, enquanto que a experiência média no setor hoteleiro
ção de seus objetivos será necessária a divisão das tarefas e gira em torno de 10 anos.
responsabilidades entre os diversos órgãos que compõem a Aqueles autores sublinharam o aumento do número de indi-
estrutura funcional da empresa. víduos envolvidos em programas de treinamento de administra-
Através dos centros de responsabilidades é possível fazer a ção hoteleira. Esse aumento pode significar que os cursos de
análise da rentabilidade dos diversos segmentos de negócio e graduação, agora, vêem a posição de controller como carreira,
a avaliação de desempenho dos executivos. Na verdade, se- ou pelo menos como um passo para atingir a alta gerência. Por
gundo Garrison e Noreen (2001), os centros de responsabilida- outro lado, os hotéis também estão reconhecendo o valor do
des podem ser divididos em centros de custo, centros de lucro treinamento específico em administração hoteleira para os con-
e centros de investimento: trollers.

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 30 - 37, ago./out. 2005 33


Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

André da Costa Ramos


Frederico A. de Carvalho

Quadro 3 - Áreas de Estudos e Experiência

Principais áreas de estudo Experiência em Contabilidade em Hotéis


Contabilidade 54,7% < 3 anos 7,2%
Administração Hoteleira 17,4% 3 – 5 anos 22,3%
Finanças 7,0% 6 – 9 anos 17,6%
Outros 20,9% 10 – 12 anos 17,6%
13 – 15 anos 14,2%
> 15 anos 21,1%

Fonte: Adaptado de Geller, Ilvento e Schmidgall, 1990, p.92.

O controller deve ser pró-ativo na avaliação das tendências Além disso, a simples transposição do sistema contábil ge-
negociais e na proposição de alternativas, sendo o membro da rencial pode não ser possível da manufatura para as empresas
equipe gerencial com a melhor visão financeira sobre os efeitos de serviços, em particular na indústria hoteleira, exatamente
provocados pelas decisões tomadas. Na prática profissional, o porque todos os gerentes de hotel, independentemente de seu
que fazem os controllers em ambiente hoteleiro? Burgess (1996, nível hierárquico ou de responsabilidade, estão constantemen-
p.19) afirma que o aumento da ênfase na lucratividade tem re- te expostos aos ambientes externo (clientes e concorrência) e
sultado em nítida expansão das funções dos controllers em ho- interno (produção e preparação de refeições, e alojamento).
téis. Confirmando esse argumento, Hansen e Mowen (2003, p.
Entre as principais habilidades técnicas e conhecimento 123) afirmam que a contabilidade de custos tradicional enfati-
possuídos pelos controllers entrevistados , Geller et al. (1990, zou a manufatura e virtualmente ignorou os serviços. Nesta épo-
p.92) destacaram a gestão de recursos financeiros, o controle ca que destaca a “revolução dos serviços”, essa abordagem
interno e o uso de computadores. Em relação às áreas de auto- não serve mais. A economia tem crescido para os serviços, de
ridade do controller, os autores apontaram a concessão de cré- modo que os custos dos serviços devem ser rastreados tão pre-
ditos, a assinatura de cheques, a aprovação de compras, a apli- cisamente quanto os custos dos produtos manufaturados.
cação e obtenção de fundos e a fixação de tarifas (pricing.). Hansen e Mowen (2003, p.124) destacam quatro caracterís-
Quanto às responsabilidades do controller de hotel, conforme a ticas nas quais os serviços diferem dos produtos, como sendo:
mesma pesquisa, envolvem a contabilidade geral, as contas a intangibilidade, inseparabilidade, heterogeneidade e perecibi-
receber e a pagar, a folha de pagamentos, a auditoria noturna e lidade. A intangibilidade refere-se à natureza incorpórea dos

Pensar
de receita, o controle de alimentos e bebidas, compras e esto-
ques, entre outras.
Resumindo, pode-se perceber que, cada vez mais, o contro-
ller vem ampliando seu envolvimento com os aspectos operaci-
serviços, quando comparados aos produtos. A inseparabilida-
de (ou simultaneidade) significa que a produção e o consumo
são inseparáveis no caso dos serviços. A heterogeneidade re-
fere-se à maior variação no desempenho dos serviços do que

Contábil
onais do hotel, o que lhe confere posição de importância na
equipe gerencial.
2.3. Contabilidade Gerencial em Hotéis
Na visão de Mia e Patiar (2001, p.112), um sistema de infor-
mação adequado pode ajudar os gerentes hoteleiros a satisfa-
na produção industrial, enquanto que a perecibilidade significa
que serviços não podem ser estocados, devendo ser consumi-
dos quando executados.
Essas diferenças afetam os tipos de informações necessári-
as para o planejamento, controle e tomada de decisão na pro-
zer seus clientes e a alcançar suas metas organizacionais. De dução de serviços. O Quadro 4, a seguir, exibe as característi-
acordo com os autores existe evidência empírica, na indústria cas dos serviços, assim como seu impacto para o sistema de
manufatureira, que sustenta uma relação positiva entre o uso do gestão de custos.
sistema contábil gerencial pelos gerentes e seu desempenho Harris e Brown (apud Mia e Patiar, 2001, p.113) apontam três
profissional. Entretanto, na indústria hoteleira essa evidência é razões específicas para explicar porque não existe associação
praticamente inexistente. Os autores justificam a diferença ar- entre uso do sistema contábil gerencial e desempenho no caso
gumentando que as evidências empíricas da indústria manufa- da indústria hoteleira. São elas:
tureira podem não ser aplicáveis à indústria hoteleira: a) O processo de produção na indústria manufatureira é re-
“comparado com o gerente de produção, o gerente de petitivo, envolvendo produtos padronizados e processo de pro-
marketing, na indústria manufatureira, enfrenta um alto dução mecanizado. Este não é o caso da indústria hoteleira. Por
nível de incerteza no trabalho. Isto porque o gerente de exemplo, a estimativa de alimentos e bebidas ou a acomoda-
marketing lida com o ambiente externo, em particular com ção dos hóspedes envolvem considerável interação com os
os clientes e a concorrência, e (dessa forma, é ele que) clientes, exigindo, então, uma ampla variedade de atividades.
usufrui de maiores benefícios do uso do sistema contábil Um hotel recebe clientes heterogêneos (homens, mulheres, jo-
gerencial. (Mia e Patiar, 2001, p.112) vens, idosos, variedade de culturas, etc), cada um com seus

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ATUAÇÃO DO CONTROLLER NO SETOR HOTELEIRO:


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES À LUZ DA LITERATURA

gostos e expectativas sobre aspectos intangíveis do serviço, o mo de acomodações, alimentos e bebidas não permitem aos
que cria uma demanda por múltiplos tipos de serviços e gera gerentes tomar ações corretivas, caso haja algum desvio do
alto nível de incerteza no ambiente de trabalho; planejamento.
b) O fornecimento de produtos e serviços de hospitalidade exi- De acordo com Adams (apud Araújo, 2001, p.71) a contabili-
ge trabalho intenso, e os gerentes desempenham papel-chave na dade gerencial praticada em hotéis está voltada para atender a
gestão da qualidade. Além da citada heterogeneidade, o alto en- demanda por informações necessárias ao planejamento, e para
volvimento dos gerentes e o contato direto entre funcionários e elaborar a avaliação de condições de mercado e a análise dos
clientes também aumentam a incerteza no ambiente de trabalho; e competidores, objetivando aquela provisão de informações (que
c) Sendo perecíveis e simultâneos, os produtos e serviços ajudem no desenvolvimento de planos estratégicos) e o monito-
hoteleiros são afetados tanto pela flutuação da demanda, quan- ramento das condições de mercado, incluindo estruturas de
to pelo fato de que produção, entrega e consumo ocorrem si- preços e custos dos competidores.
multaneamente. Por exemplo, a demanda por quartos e restau- Segundo Araújo (2001, p.72), a política de tarifas das acomo-
rante de um hotel flutua diariamente, se não houver venda no dações ou diárias é definida a partir do conhecimento dos pre-
dia, o potencial de vendas será perdido. Enquanto, na indústria ços de mercado, de modo que a tarefa principal da contabilida-
manufatureira, os produtos acabados podem ser estocados e de não é determinar o custo total, mas gerenciar o nível de
vendidos mais tarde para recuperar, na pior das hipóteses, uma ocupação, adotando estratégias de diferenciação na qualida-
parcela dos custos. A produção simultânea, a entrega e consu- de dos serviços, respaldadas por uma marca forte.

Quadro 4 - Características das Empresas de Serviço e suas Interfaces com o Sistema de Gestão de Custos

Características Relacionamento com os Negócios Impacto no Sistema de Gestão de Custos

Intangibilidade  Serviços não podem ser estocados  Não existem contas de estoque
 Serviços não podem ser protegidos  Há um forte código de ética
por meio de patentes  Os custos devem estar relacionados com
 Serviços não podem ser prontamente toda a organização
mostrados ou comunicados
 É difícil estabelecer preços

Inseparabilidade  O consumidor está envolvido  Pensar


Os custos são contabilizados pelo tipo de cliente

Contábil
na produção  Deve-se gerar um sistema para encorajar
 É difícil a produção em massa centraliza- a consistência na qualidade
da dos serviços

Heterogeneidade  Padronização e controle de qualidade  É necessária uma forte abordagem de sistemas


são difíceis  A medida da produtividade contínua
TQM é fundamental

Perecibilidade  Os benefícios dos serviços  Não existem estoques


vencem rapidamente  É preciso haver um sistema padronizado
 Os serviços podem ser repetidos para lidar com clientes que retornam
freqüentemente para um cliente

Fonte: Hansen e Mowen, 2003, p.124.

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2. 4. O Processo Orçamentário do incremental simples ou o orçamento com base-zero. Devido


Para Anthony e Govindarajan (2002, p.461) um importante ao uso crescente da contabilidade por (centros de) responsabi-
instrumento para o planejamento e controle das empresas, a lidade e do controle de custos, sempre à frente dos negócios,
curto prazo, é o orçamento. Segundo os autores, “um orçamen- muitos orçamentos operacionais são elaborados sob o método
to operacional cobre um ano e inclui as receitas e as despesas do orçamento base-zero. Nessa metodologia, cada real orçado
previstas para esse ano”. deverá ser justificado, ao invés de, simplesmente, usar os valo-
Cabe destacar que tanto o planejamento estratégico, quanto res do exercício anterior, acrescido de um determinado percen-
a elaboração do orçamento certamente incluem planejamento, tual. Por exemplo, a quantia total a ser orçada para mão-de-obra
mas os tipos de atividades de planejamento são diferentes para poderá ser justificada pelo número de pessoas exigidas para
os dois processos. O processo orçamentário concentra-se em atingir um determinado nível de vendas, o tipo de tarefa a ser
um só ano, enquanto que o planejamento estratégico contem- desempenhada, o número de horas de trabalho, a taxa horária
pla atividades que podem estender-se por vários anos. Além de mão-de-obra, os benefícios, os impostos e vários outros com-
disso, o planejamneto estratégico precede a elaboração do or- ponentes.
çamento e proporciona a estrutura na qual o orçamento se Os orçamentos operacionais são classificados, principalmen-
apóia. Segundo DeFranco e Schmidgall (2000, p.5) o orçamen- te, em duas categorias: estático (fixo) e flexível (análise de ce-
to é muito similar ao planejamento estratégico, já que é um mé- nários). Segundo Horngren et al (2000, 154) o orçamento está-
todo de controle que compara os resultados atuais aos estima- tico é baseado em um único nível de produção e não é alterado
dos para que medidas corretivas possam ser tomadas. ou ajustado, após ter sido estabelecido. Já o orçamento flexível
O orçamento operacional é também conhecido como orça- é ajustado de acordo com as mudanças no nível de atividade
mento de receitas e despesas. Ele espelha o resultado estima- real.
do pelos hoteleiros, antes do período contábil corrente. Tam- Segundo DeFranco e Schmidgall (2000) a maioria das uni-
bém serve como parâmetro para que os hotéis possam compa- dades hoteleiras de pequeno porte não vêem necessidade de
rar os resultados de seus esforços e ações passadas com me- desenvolver orçamentos flexíveis. Os orçamentos flexíveis for-
tas realísticas e atingíveis. Há quatro principais elementos na necem à administração informações tais como receitas, custos,
preparação dos orçamentos operacionais: (a) objetivos finan- despesas e lucro, em diferentes níveis de atividade. Assim sen-
ceiros, (b) previsão de receitas, (c) previsão de despesas e cus- do, os orçamentos flexíveis são, usualmente, elaborados em
tos, e (d) previsão do resultado líquido. hotéis maiores, para que todos os departamentos e variáveis
O processo começa com a definição dos principais objetivos possam ser contemplados.
financeiros pela cúpula de diretores, a equipe gerencial e/ou os Anthony e Govindarajan (2002, p.514) acreditam que a mai-
proprietários. Esses objetivos podem tomar a forma de metas de oria das empresas faz uma análise mensal das diferenças entre

Pensar
lucros, de contenção de custos, ou, ainda, de fornecimento de
produtos e serviços de alta qualidade. Os objetivos podem ser
distinguidos segundo o prazo (curto, médio ou longo). Uma vez
definidas as metas e objetivos, inciam-se as previsões. Os dife-
receitas e despesas reais e orçadas, para cada unidade, e para
a empresa como um todo, relatando apenas o valor das varia-
ções. No entanto, uma análise mais detalhada pode identificar
as causas das variações e a unidade responsável por elas.

Contábil
rentes departamentos podem empregar vários métodos de pre-
visão, tais como séries históricas, intuição, experiências passa-
das, volume já registrado de reservas e outros fatores. O próxi-
mo passo no processo de elaboração do orçamento operacio-
nal é a estimativa dos custos e despesas. O escritório central
Sistemas eficientes identificam as variações até o nível mais
baixo do organograma. Assim as variações ganham uma esca-
la hierárquica.
A análise se inicia pelo desempenho geral da unidade, que
esta dividida em duas variações, as de receitas e as de despe-
reunirá todas as informações, incluindo expectativas de aumen- sas. As variações de receitas, por sua vez, são separadas em
to dos custos de fornecedores, alimentos, bebidas e outros gas- variações de volume e variações de preços para a unidade
tos, assim como, aumento dos custos de mão-de-obra, benefíci- inteira e para cada centro de responsabilidade, e podem ainda
os trabalhistas e impostos sobre a folha de pagamentos. ser separadas por área de vendas e por região. As variações de
Os centros de lucros ou departamentos operacionais - tais despesas podem ser separadas em variações de despesas de
como “apartamentos” ou “alimentos e bebidas” - estimarão tan- produção e variações de outras despesas. As variações de des-
to as vendas, quanto os gastos. No caso dos centros de custos pesas de produção podem ainda ser separadas por fábrica, ou
– tais como “administração”, “manutenção” e “marketing” - se- por departamento. Assim, é possível imputar cada variação ao
rão estimados apenas os gastos. executivo responsável por ela. Esse tipo de análise é um pode-
Uma vez que os orçamentos departamentais estejam com- roso instrumento, sem o qual a eficácia dos orçamentos ficaria
pletos, deve ser produzido um relatório consolidado, a partir do limitada.
qual são feitas revisões, modificações para, posteriormente, ser De acordo com a pesquisa desenvolvida por Jones (1998, p.
aprovado. 97) durante os anos de 1996 e 1997, entre todas as 97 empre-
Ainda de acordo com DeFranco e Schmidgall (2000), usual- sas listadas no Cadastro de Operadores de Hotéis do Reino
mente um orçamento segue um ou outro método dentre o méto- Unido, constatou-se que as principais razões para o uso dos

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ATUAÇÃO DO CONTROLLER NO SETOR HOTELEIRO:


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES À LUZ DA LITERATURA

orçamentos estavam relacionadas à avaliação de desempe- fase na lucratividade dos hotéis tem resultado na expansão das
nho e ao apoio ao processo de controle, seguidas de planeja- funções do controller. As principais responsabilidades do con-
mento para curto e longo prazo, da comunicação dos planos e troller giram em torno das áreas de planejamento, gestão contá-
da coordenação das operações. bil, sistemas, finanças, operações e auditoria.
A controladoria tem papel fundamental na consecução dos
3. Comentários conclusivos objetivos e na continuidade das operações, pois negócios como
O setor hoteleiro é um elo importante para a expansão da os hotéis são relativamente dependentes da receita e, normal-
indústria do turismo e da hospitalidade. Como negócio, os ho- mente, precisam manter altos níveis de vendas para sobreviver
téis apresentam características incomuns, devido à natureza e gerar o retorno adequado. Adicionalmente, eles experimen-
de suas atividades, envolvendo propriedade e gestão. Essas tam variações desproporcionais dos lucros durante períodos
características propiciam algumas implicações interessantes de flutuação sazonal da demanda.
para o desenvolvimento das estratégias de gestão. Além do mais, Por último, a literatura apresenta uma clara concentração no
o segmento hoteleiro requer níveis elevados de investimento de estudo da contabilidade voltada para a área manufatureira em
capital, pois predominam os ativos são de longo prazo. Isso detrimento da contabilidade aplicada à área de serviços. É fato
significa que os investimentos devem ser planejados durante que a contabilidade encontrou campo fértil para o seu desen-
um período relevante de tempo. Nesse sentido, a controladoria volvimento na época da revolução industrial. Entretanto, cons-
assessora a administração, fornecendo medidas das alternati- tata-se hoje um crescimento inegável da área de serviços. As-
vas econômicas, possibilitando a integração e a comunicação sim sendo, a contabilidade e a controladoria não devem ignorar
das informações para facilitar o processo decisório. as especificidades do setor de serviços. Neste trabalho procu-
Em relação ao profissional que atua na controladoria dos rou-se mostrar que, no caso particular dos serviços de hospita-
hotéis, pesquisas demonstram que a maioria tem formação em lidade, existe campo fértil para estudos e pesquisas contábeis,
contabilidade e conhecimento do setor de hospitalidade. A ên- especialmente de cunho aplicado.

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Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 30 - 37, ago./out. 2005 37


Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

PLANEJAMENTO
FINANCEIRO
A CURTO PRAZO:
UM ESTUDO DE CASO DA ANÁLISE DINÂMICA
DO CAPITAL DE GIRO APLICADO A UMA
INDÚSTRIA TÊXTIL NO PERÍODO DE 1999-2004
RESUMO  João Bosco Arbués Carneiro Junior
Este trabalho avalia o modelo dinâmico de curto prazo de- Rio de Janeiro – RJ
senvolvido por Fleuriet, enfatizando sua estrutura teórica, ca- Contador CRC-MT 7.903/O
Mestrando na UFRJ1
racterísticas, formas de implementação, além disso, foram inse-
E-mail: Junior@facc.ufrj.br
ridas e abordadas as contribuições realizadas por outros pes- Artigo recebido em 29/07/2005 e aceito em 26/08/2005
quisadores com o objetivo de aprimorar o referido modelo. Apli-
cou-se o modelo a uma indústria têxtil de grande porte. Para sua  José Augusto Veiga da Costa Marques
Rio de Janeiro – RJ
realização foram utilizadas literaturas disponíveis e dissertações
Pós-Doutor em Contabilidade e Controladoria – FEA/USP2
recentes que tiveram seus objetivos ligados ao tema apresenta- Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ1
do, desse modo à pesquisa é classificada como bibliográfica e E-mail: joselaura@uol.com.br
descritiva, utilizando o estudo de caso para sua exemplifica-
ção. Verificou-se a relevância do modelo Fleuriet na gestão fi-
nanceira das empresas, principalmente para fins de planeja-

Pensar
mento e controle. Concluiu-se que existe a necessidade de trol, the Fleuriet model was seen as relevant. The conclusion is
novas pesquisas sobre o assunto que envolva a utilização de that exists the necessity of new researches that correlates the
análises estatísticas para projeções de resultados e das medi- use of statistics analysis for return projections and liquidity de-
das de liquidez e sua integração à análise da Demonstração do grees and its integrations to the analysis of cash flow report.
Fluxo de Caixa. Key words: Spin Capital Analysis – Feuriet Model – Textile

Contábil Palavras-chave: Análise do Capital de Giro – Modelo Fleu-


riet – Indústria Têxtil

ABSTRACT
This paper evaluates the short term dynamic model develo-
Industry

INTRODUÇÃO
Os primeiros modelos de análise dinâmica do capital de giro
foram desenvolvidos no final dos anos 70, sendo o mais conhe-
ped by Fleuriet, giving emphasis to its theorical structure, cha- cido aquele elaborado por Michel Fleuriet (Fleuriet et al: 1980),
racteristics, ways of implementing, and beyond, the contributi- que forneceram novos parâmetros na avaliação de desempe-
ons done by other researchers were inserted and analyzed with nho de curto prazo das organizações, até então estruturada
the objective to upgrade the model. The model was applied to a com base nos indicadores convencionais de liquidez e estrutu-
large textile industry. Recent literature and dissertations which ra extraídos do balanço. Esta abordagem exige a reestrutura-
objectives where linked to the cited subject were used in this ção do balanço patrimonial em seus componentes de curto e
paper, making the research being classified as bibliographic longo prazos e por natureza das transações, para daí serem
and descriptive, utilizing a case study as an example. For com- extraídas medidas de liquidez e estruturas financeiras que de-
panies’ financial management, especially for planning and con- notam níveis de risco distintos. Também, a demonstração de

1
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Cep 22.290-240 – Rio de Janeiro - RJ
2
USP – Universidade de São Paulo – Cep 05.508-900 – São Paulo - SP

Artigo recebido em 29/07/2005 e aceito em 26/08/2005

38 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 38 - 44, ago./out. 2005


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PLANEJAMENTO FINANCEIRO A CURTO PRAZO: UM ESTUDO


DE CASO DA ANÁLISE DINÂMICA DO CAPITAL DE GIRO
APLICADO A UMA INDÚSTRIA TÊXTIL NO PERÍODO DE 1999-2004

resultado passa a expor outras medidas econômicas e finan- decisões administrativas ou negociadas, alheias às atividades
ceiras surgidas de alterações em seu formato usualmente pu- de produção e vendas.
blicado. O ativo circulante financeiro (ACF) compõe-se dos itens
Nesse aspecto, o primeiro objetivo deste artigo consiste em disponibilidades, títulos e valores mobiliários, créditos não de-
retornar à questão do critério de classificação apresentado no correntes das operações contínuas, inclusive juros e dividen-
modelo de Fleuriet (1980), incorporadas as contribuições reali- dos a receber, imposto de renda e contribuição social compen-
zadas por diferentes autores (Braga: 1993; Braga e Marques: sáveis. Já o passivo circulante financeiro (PCF) abrange
1995; Monteiro, 2002; Carneiro, 2004; Mascarenhas, 2005), as duplicatas descontadas, adiantamentos de contratos de câm-
apresentando o ajuste proposto por Matos et al (2002), que de- bio, empréstimos e financiamentos, imposto de renda e contri-
rivaram uma medida mais restrita para o índice tesouraria (T*). buição social a recolher, e dívidas não provenientes das ativi-
Como segundo objetivo pretende-se aplicar o modelo de análi- dades normais do empreendimento.
se dinâmica a uma indústria têxtil no período de 1999 a 2004, Este critério de classificação pode ser, em alguns aspectos,
utilizando os dados financeiros disponíveis no site da Comissão comparado aos utilizados por outros autores. Heath (1980), um
de Valores Mobiliários – CVM. Caracterizando o presente artigo deles, dividiu todo o exigível em dois grupos, os passivos es-
como pesquisa descritiva e bibliográfica que utiliza o estudo de pontâneos e os onerosos. Os passivos onerosos em sua
caso para sua exemplificação. maior parte envolveriam despesas financeiras, ao passo que os
Reorganização do Balanço Patrimonial demais integrariam o passivo espontâneo, sem distinção de seus
Para fins de implementação do modelo, o balanço patrimoni- prazos de vencimento. Logo, o passivo oneroso descrito por
al precisa ser reorganizado de modo a separar seus elementos Heath (1980) seria equivalente ao PCF de Fleuriet et al (1980),
de curto e longo prazo, assim como seus itens de curto prazo excluída a parcela relativa às duplicatas descontadas, mais
que se acham ligados às atividades operacionais (produção e outros passivos erráticos de longo prazo. Já o passivo espontâ-
vendas) daqueles “alheios” a essas atividades (Quadro 1). neo coincidiria com o PCC de Fleuriet et al (1980) adicionado
dos passivos não financeiros de longo prazo, sobretudo os adi-
Quadro 1: Reorganização dos grupos patrimoniais antamentos de clientes. O critério adotado pelo autor valoriza a
natureza do exigível e não seu prazo.
Ativo Ativo Circulante Cíclico Por sua vez, Assaf Neto (1998) definiu como investimento
Circulante Ativo Circulante Financeiro (operacional) o montante do ativo excluído da parcela referente
Realizável a Longo Prazo Ativo não ao passivo de funcionamento, o qual incluiria todas as obri-
Ativo Permanente Circulante gações necessárias ao funcionamento das atividades que não
Passivo Passivo Circulante Cíclico gerassem despesas financeiras. Já os passivos que produzis-

Pensar
Circulante Passivo Circulante Financeiro sem essas despesas abrangeriam o passivo oneroso, tam-
Exigível a Longo Prazo Passivo não bém sem distinção de seus prazos de vencimento. Assim, o
Patrimônio Líquido Circulante autor inclui no investimento determinados ativos mantidos para
fins de renda, mas, em princípio, alheios às operações (como
Dessa maneira, numa primeira etapa os ativos realizável a participações societárias, dividendos a receber e títulos mobili-
longo prazo e permanente são abrangidos no ativo não cir-
culante (ANC), ao passo que o exigível a longo prazo, resulta-
do de exercícios futuros e patrimônio líquido incluídos no pas-
sivo não circulante (PNC).
Na segunda etapa se desmembram os elementos de curto
Contábil
ários), e também dividendos a pagar, imposto de renda e outros
passivos erráticos não onerosos. Em adição, o autor ressalta
para a hipótese de inclusão do item fornecedores no passivo
oneroso, caso seja possível a determinação dos juros embuti-
dos nas compras a prazo. Em outras palavras, o conceito de
prazo em seus componentes financeiro (ou errático) e ope- investimento para o autor difere daquele praticado por Fleuri-
racional (cíclico). As contas cíclicas possuem uma relação et et al (1980), uma vez abranger também ativos e passivos de
diretamente proporcional ao nível de atividade realizado. longo prazo, e não eliminar o ativo financeiro de seu cálculo.
As contas a receber, impostos a recuperar, estoques, adian- Medidas de Desempenho do Balanço
tamentos a empregados e fornecedores, despesas antecipa- Do confronto entre os ativos e passivos descritos surgem
das (todas pertencentes ao ativo), fornecedores, salários e en- determinadas medidas de desempenho operacional, as quais
cargos sociais possuem natureza cíclica, se renovando de fornecem a base do modelo. A fórmula abaixo simplifica o cál-
maneira constante no decorrer das operações normais do ne- culo dessas medidas.
gócio. Nesse aspecto, os elementos cíclicos do ativo integram
o ativo circulante cíclico (ACC), enquanto os do passivo o AC = ACC + ACF AC - PC = PNC - ANC
passivo circulante cíclico (PCC). (-) PC = PCC + PCF CGL = CPL = PNC - ANC
Do lado oposto, nos grupos circulantes existem aquelas ou- (=) CGL = IOG + T
tras contas cujos níveis não sofrem efeitos diretos em decorrên-
cia do volume de atividade desenvolvido. Em geral surgem de A diferença entre os ativos e passivos circulantes equivale

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ao montante do capital de giro líquido (CGL, ou capital cir- das e as variáveis CPL e o IOG.
culante líquido). Não obstante, além de constituir o saldo rema- Com o intuito de contribuir para uma melhor capacidade de aná-
nescente do ativo circulante após a quitação de todos os com- lise financeira das empresas através do modelo estatístico da re-
promissos exigíveis no curto prazo, a medida sinaliza também o gressão múltipla, facilitando o entendimento de sua estrutura e com
montante das fontes de financiamento de longo prazo (PNC) isso possibilitando um diagnóstico da capacidade de solvência de
que excederam aos investimentos de mesmo prazo (ANC), e empresas, Pereira (2005) realizou um estudo de caso, a Companhia
foram direcionadas ao curto prazo (capital permanente lí- Siderúrgica Nacional, utilizando os dados disponibilizados no site
quido - CPL). Ou seja, se uma instituição possui em dado da CVM e trabalhados com softwares estatísticos. Concluiu que os
momento um CGL de R$ 45.000,00, isso quer dizer que do total índices internos podem explicar o comportamento da capacidade
das fontes de financiamento de longo prazo que não foram apli- operacional da empresa e serem utilizados para predição desses
cadas em ativos de longo prazo, R$ 45.000,00 foram investidos valores futuros de série.
em bens e direitos de curto prazo, e/ou na liquidação de dívidas Por outro lado, a fim de viabilizar a comparação daquelas
de mesmo prazo. medidas entre firmas de portes diferentes, torna-se conveniente
O investimento operacional em giro (IOG) representa o relacioná-las aos respectivos volumes de vendas (receita ope-
montante do investimento líquido corrente em contas operacio- racional líquida, ROL), ou seja:
nais necessário à manutenção do atual nível de atividade. Se
houver uma expansão das vendas existirá a necessidade de CPL = IOG + T
um IOG mais elevado, ao passo que uma contração do nível de ROL ROL ROL
operações exigirá certamente um IOG menor considerando os
diversos prazos médios constantes. Em essência o IOG signifi- Estruturas Financeiras e Níveis de Risco
ca a medida-chave do processo de crescimento da empresa, e O comportamento verificado para as três medidas (CPL, IOG e
envolve decisões adequadas quanto a seu financiamento. T) permite o aparecimento de tipos específicos de estruturas finan-
A terceira medida consiste no saldo de tesouraria (T), a ceiras, cada qual envolvendo determinado nível de risco intrínse-
diferença entre os ativos e passivos financeiros (não cíclicos). co (Quadro 2), analisados por Fleuriet et al (1980) e Braga (1991).
Essa medida sinaliza o quanto de recursos onerosos de curto
prazo foram utilizados para financiamento do IOG. Caso T seja Quadro 2: Estruturas financeiras e risco
positivo, há recursos excedentes próprios para serem usados
nas operações correntes, enquanto que, se negativo, expressa Tipo CPL IOG T Situação
uma medida de endividamento, dado que há recursos onerosos I Positivo Negativo Positivo Excelente
de terceiros em excesso financiando o nível de atividade. II Positivo Positivo Positivo Sólida

Pensar Quando empregadas em análises de tendências, as três


medidas fornecem informações úteis ao controlador e ao ana-
lista. Por exemplo, uma situação hoje bastante comum entre as
empresas diz respeito à elevação não planejada das atividades
III
IV
V
VI
Positivo
Negativo
Negativo
Negativo
Positivo
Positivo
Negativo
Negativo
Negativo Insatisfatória
Negativo
Negativo
Positivo
Péssima
Ruim
Arriscada

Contábil
e, assim, do IOG, não acompanhada na mesma proporção pelo
aumento das fontes de financiamento de longo prazo (CPL).
Essa circunstância pode configurar o denominado efeito-tesou-
ra, o qual se caracteriza pela elevação rápida e contínua da
procura por fontes onerosas de curto prazo para seu financia-
Companhias com estrutura financeira do tipo I denotam situa-
ção financeira excelente e caracterizam-se por apresentar IOG
negativo, T e CPL positivos. Essa estrutura é típica de alguns
supermercados: o investimento em giro em geral é negativo, pois
o passivo cíclico (fornecedores) supera o ativo cíclico (clientes e
mento (T cresce negativamente ao longo do tempo).
Qualquer organização pode monitorar e planejar o compor- estoques), na medida em que as vendas são predominantemen-
tamento de seu CPL e T ao longo de um período pré-estabeleci- te à vista. Em adição, o período médio de estocagem é menor
do. O que não constitui uma situação confortável é a presença que o prazo médio de pagamento aos fornecedores.
de saldos de tesouraria declinantes, negativos e contínuos. ACF PCF ACF PCF ACF PCF
Um estudo desenvolvido nesse sentido foi o de Chaves PCC
PCC ACC
(2002), que objetivou analisar a existência da influência da sa- PCC
ACC ACC
zonalidade nas vendas das indústrias de fertilizantes e brinque-
PNC PNC PNC
dos sobre suas estruturas patrimoniais, utilizando o modelo Fleu- ANC ANC ANC
riet como parâmetro do comportamento da situação financeira
de curto prazo das empresas pesquisadas. Utilizaram-se as in- Excelente Sólida Insatisfatória
formações contábeis trimestrais disponibilizadas pela CVM, no CPL > 0 CPL > 0 CPL > 0
período de 1998 até o primeiro semestre de 2001, de sete indús- IOG < 0 IOG > 0 IOG > 0
trias de fertilizantes e duas de brinquedos. Verificou-se a exis- T > 0 T > 0 T< 0
tência de um grau de correlação positivo entre as vendas líqui- Figura 1: Tipos I, II e III de estruturas financeiras e níveis de risco

40 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 38 - 44, ago./out. 2005


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PLANEJAMENTO FINANCEIRO A CURTO PRAZO: UM ESTUDO


DE CASO DA ANÁLISE DINÂMICA DO CAPITAL DE GIRO
APLICADO A UMA INDÚSTRIA TÊXTIL NO PERÍODO DE 1999-2004

Todavia, a estrutura financeira mais freqüente (tipo II) ocorre Quadro 3: Cálculo do lucro bruto operacional
quando a manutenção do nível de operações requer algum in- Lucro (prejuízo) operacional líquido (Lei 6404/76)
vestimento em giro. Na medida em que o IOG é positivo há (+) Despesas financeiras (líquidas das receitas financeiras)
necessidade de recursos para seu financiamento e, se CPL e T (-) Receitas (despesas) de equivalência patrimonial, dividen-
são também positivos, há sobras de recursos de curto e longo dos, juros e amortização do deságio (ágio).
prazos para seu financiamento. Essa estrutura denota uma situ- (+) Despesas de depreciação, amortização e exaustão
ação financeira sólida. Muitos segmentos industriais e comer- (=) Lucro bruto operacional (LBO)
ciais apresentam esse tipo de estrutura. O modelo original (Fleuriet et al: 1980) admite o LBO como
Já a estrutura financeira do tipo III denota uma situação fi- uma medida econômica, uma vez que seu valor decorre de
nanceira insatisfatória. Há necessidade por investimentos ajustes ao lucro contábil, uma medida econômica de desempe-
operacionais, porém o CPL, ainda que positivo, não é suficiente nho. Em adição, seu cálculo identifica-se bastante ao empre-
para seu financiamento, o que requer o uso de fontes onerosas gado para o EBITDA (LAJIDA, lucro antes de juros, impostos,
de curto prazo (PCF). Essa situação de desequilíbrio tende a depreciação e amortização), que visa relatar o potencial de
agravar-se nos momentos de recessão, uma vez que o giro dos geração de caixa do empreendimento.
ativos cíclicos diminui (gerando maiores IOGs subseqüentes) e Um estudo recente que pesquisou o modelo Fleuriet e o LA-
os juros sobem (elevando ainda mais os passivos onerosos). JIDA, foi o trabalho de Mascarenhas (2005). A pesquisa teve
Em princípio essa situação não se sustenta por muitos períodos. como objetivo analisar e comparar o LAJIDA, o capital circulan-
Na estrutura financeira do tipo IV, péssima, há necessidade te das operações, o fluxo de caixa operacional e o fluxo de
por investimento operacional (IOG positivo), contudo não exis- caixa pelo método Fleuriet no período de 2000 a 2003 das em-
tem fontes de longo prazo disponíveis para seu financiamento presas dos setores de siderurgia, energia elétrica, petróleo e
(CPL negativo), o que gera uma sobrecarga às fontes onerosas papel e celulose.
de curto prazo (T negativo). Dentre os resultados encontrados, é importante dizer que os
A situação financeira ruim é encontrada em empresas que quatro itens pesquisados não possuem comportamentos idênti-
apresentam estruturas do tipo V. Embora não haja necessidade cos e que o LAJIDA demonstrou o valor mais elevado. O autor
por investimentos nas operações correntes, também não se dis- afirma que talvez seja este o motivo do destaque que esta medi-
põe de sobras de recursos de curto ou longo prazo, o que con- da recebe nos relatórios anuais das empresas.
duz à existência de T e CPL negativos. O Autofinanciamento (AUT, Quadro 4) é definido como
uma medida financeira. Em situações nas quais o IOG cresce
Tipo IV Tipo V Tipo VI a taxas superiores às do CPL, podem estar acontecendo pro-
blemas na própria geração de capital circulante pelas opera-
ACF PCF ACF PCF ACF PCF

Pensar
ções. O AUT significa o montante de recursos (capital circulan-
ACC
ACC
PCC ACC PCC te) produzido pelas atividades operacionais da organização.
PCC
ANC
ANC PNC PNC ANC Quadro 4: Cálculo do autofinanciamento a partir do
PNC

Contábil
lucro bruto operacional
Péssima Ruim Arriscada Lucro bruto operacional (LBO)
CPL < 0 CPL < 0 CPL < 0 (-) Despesas (mais receitas) financeiras líquidas
IOG > 0 IOG < 0 IOG < 0 (+) Receitas (despesas) de equivalência, dividendos, juros
T<0 T<0 T > 0 (=) Resultado operacional sem depreciação, amortização e
Figura 2: Tipos IV, V e VI de estruturas financeiras e níveis de exaustão
risco (+) Receitas (despesas) não operacionais
Por fim, na estrutura tipo VI, arriscada, não há investimento (-) Provisões para IR e CSLL
em giro (negativo) e nem fontes de longo prazo (CPL negativo), (-) Participações estatutárias
mas existem fontes próprias de curto prazo (T positivo). Essa (-) Dividendos propostos e juros sobre o capital próprio a
situação de desequilíbrio também, em princípio, não se susten- pagar (obtidos da DMPL)
ta por muitos períodos. (=) Autofinanciamento (AUT)
Outras medidas operacionais do modelo Seu cálculo começa pela exclusão ao LBO (1) dos resultados
Além do balanço patrimonial, o modelo ainda propõe a “alheios” às operações, divulgados na parte inferior da demons-
reestruturação da demonstração do resultado econômico tração de resultado, (2) dos dividendos propostos e juros sobre o
de modo a fornecer outras medidas de desempenho subja- capital próprio a pagar, e (3) das despesas que não causam efei-
centes. Nesse aspecto, o Lucro Bruto Operacional tos no capital circulante, provenientes de práticas de alocação.
(LBO, Quadro 3) constitui a fonte geradora de recursos Em outras palavras, pela eliminação e/ou dedução ao resultado
destinada à remuneração dos credores financeiros, fisco líquido das despesas com depreciação, amortização e exaus-
e acionistas. tão, e das remunerações dos acionistas (Quadro 5).

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Quadro 5: Cálculo do autofinanciamento a partir do Aprimoramentos ao critério de classificação usual


resultado líquido Existem vários fatores que dificultam a implementação do
Resultado líquido modelo. Por exemplo: (1) a ausência de notas explicativas cla-
(+) Despesas de depreciação, amortização e exaustão ras sobre a composição de contas do balanço; (2) mudanças
(-) Dividendos propostos e juros sobre o capital próprio a de práticas contábeis com efeitos relevantes; e (3) divergências
pagar na percepção dos elementos operacionais, erráticos e finan-
(=) Autofinanciamento (AUT) ceiros de curto prazo.
O modelo admite, ainda, uma outra forma de cálculo aproxi- Os elementos erráticos nem sempre representam genuina-
mada (Quadro 6), a qual considera os recursos provenientes mente um item financeiro, como acontece com as contas, im-
das operações como substituto ao lucro líquido sem as depreci- posto de renda e dividendos, dentre outras. Nesse sentido, os
ações e amortizações na base de cálculo antes da dedução elementos financeiros poderiam ser decompostos em duas par-
das remunerações dos acionistas. celas (Matos et al: 2001), aprimorando o critério original:
Quadro 6: Cálculo do autofinanciamento a partir do - Ativo Circulante Operacional - Decorrentes das ope-
capital circulante das operações rações, como contas a receber por vendas de produtos ou mer-
Capital circulante das operações (origem de recursos da cadorias e da prestação de serviços;
DOAR) - Ativo Circulante Financeiro - Disponibilidades (quase
(-) Dividendos propostos e juros sobre o capital próprio a todo o valor permanece aplicado), títulos e valores mobiliários e
pagar (aplicação) mútuos com partes relacionadas (com rendimento de juros);
(=) Autofinanciamento (AUT) - Ativo Circulante Errático - Imposto de renda e contri-
Na medida em que o AUT não se eleve no mesmo ritmo de buições restituíveis, dividendos e juros sobre capital próprio a
crescimento do IOG, outras fontes de financiamento de longo receber, depósitos judiciais;
prazo serão exigidas a fim de substituir a própria geração inter- - Passivo Circulante Operacional - Dívidas decorren-
na de lucros como impulsionadora do CPL. tes do andamento das atividades, inclusive contas a pagar por
Por sua vez, o Fluxo de Caixa Operacional (FCO) previs- compras de matérias-primas, mercadorias e serviços;
to pelo modelo é descrito como uma medida financeira da - Passivo Circulante Financeiro - Obrigações que pro-
capacidade de geração de caixa das próprias operações. Seu duzam despesas financeiras, como empréstimos, debêntures e
cálculo (Quadro 7) parte do LBO, ao qual são ajustadas as vari- mútuos com coligadas e controladas; e
ações nos ativos e passivos cíclicos. - Passivo Circulante Errático - Exigíveis não classifica-
Quadro 7: Cálculo do fluxo de caixa operacional dos como operacionais e não produtores de encargos financei-
Lucro bruto operacional ros, como imposto de renda e contribuição social.

Pensar (+) Decréscimo (acréscimo) do ACC no período


(+) Acréscimo (decréscimo) do PCC no período
(=) Fluxo de caixa operacional
Dito de outra maneira, ajusta-se o LBO pela alteração verifi-
são:
Logo, a fórmula inicial seria alterada para a seguinte expres-

AC = ACC + ACF* + ACE


PC = PCC + PCF* + PCE

Contábil
cada para o IOG durante o período (Quadro 8).
Quadro 8: Cálculo do fluxo de caixa operacional
utilizando a variação do IOG
Lucro bruto operacional
(+) Decréscimo (acréscimo) do IOG
CCL = IOG + T* + e
O saldo de tesouraria ajustado seria diferenciado da
medida convencional (T) pela inclusão de um asterisco (T*),
refletindo melhor o endividamento oneroso de curto prazo da
entidade (se negativo) ou sua folga financeira (positivo).
(=) Fluxo de caixa operacional e > 0 ou e < 0, logo T ¹ T* Þ possível mudança do
Monteiro (2002) propôs um modelo de análise dos fluxos de nível de risco
caixa a partir do modelo Fleuriet. Este modelo foi aplicado a Aplicação do modelo da análise dinâmica a uma indústria
quatro grandes empresas varejistas do Brasil, utilizando os rela- têxtil
tórios contábeis de 1997 a 2000. Ficou evidenciado a utilidade A fim de demonstrar a viabilidade e relevância do modelo,
da demonstração de fluxo de caixa como instrumento para pro- segue sua aplicação em uma indústria têxtil de grande porte,
jeções e simulações, além do modelo ter comprovado a sua que atende o mercado nacional e internacional. A escolha da
validade. empresa se deu em virtude da importância dos recursos de
As três medidas (LBO, AUT e FCO) complementam o modelo, curto prazo para empresas deste setor, além da disponibilidade
sendo utilizadas de maneira integrada com vistas a produzir das informações necessárias para a análise. O período pesqui-
informações úteis e confiáveis a controladores e analistas so- sado abrange os exercícios sociais de 1999, 2000, 2001, 2002,
bre o desempenho das sociedades de seus interesses. 2003 e 2004 e estão disponíveis no site www.cvm.gov.br.

42 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 38 - 44, ago./out. 2005


Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 38 - 44, ago./out. 2005

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Quadro 9: Indústria Têxtil S/ABalanços Patrimoniais e Demonstrações do Resultado do Exercício- Período: 1999-2004Contas Reclassificadas para Análise Dinâmica do
Capital de Giro Conforme o Modelo Fleuriet
Contas/Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Contas/Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004

ACF 172.272 150.326 153.389 190.657 144.691 144.856 Receita Bruta 543.501 774.321 864.810 1.056.442 1.276.969 1.699.632

Disponibilidades 172.272 150.326 153.389 156.643 102.245 74.334 Deduções da RB (92.831) (121.722) (137.177) (154.775) (158.402) (277.647)

Impostos e Taxas 0 0 0 34.014 42.446 70.522 Receita Líquida 450.670 652.599 727.633 901.667 1.118.567 1.421.985

ACC 300.465 423.277 445.884 550.195 715.478 856.421 CPV (315.310) (445.022) (479.947) (592.534) (741.306) (965.743)

Créditos 139.604 183.545 204.797 270.389 302.768 376.949 Resultado Bruto 135.360 207.577 247.686 309.133 377.261 456.242

Estoques 143.759 210.372 203.038 199.748 249.930 339.644 Desp. Operac. (116.017) (110.094) (123.852) (97.356) (131.390) (183.409)

Adto. Fornec. 0 0 0 59.823 137.137 133.472 Resultado Operac. 19.343 97.483 123.834 211.777 245.871 272.833

Outros Créditos 17.102 29.360 38.049 20.235 25.643 6.356 Resul. Ñ Operac. (1.735) (105) 434 (4.358) (2.349) 4.209

ANC 709.400 796.698 831.691 932.606 1.035.179 1.258.372 LAIR 17.608 97.378 124.268 207.419 243.522 277.042

ARLP 16.475 28.437 28.392 57.395 82.176 106.541 Provivão IR e CSLL (12.976) (33.849) (38.347) (53.602) (74.992) (86.137)

AP 692.925 768.261 803.299 875.211 953.003 1.151.831 Participações 0 (2.075) (604) (277) (1.094) (910)

APLICADO A UMA INDÚSTRIA TÊXTIL NO PERÍODO DE 1999-2004


TOTAL 1.182.137 1.370.301 1.430.964 1.673.458 1.895.348 2.259.649 Partic. Minotárias 11.776 5.124 1.749 682 (38) (14.167)

PLANEJAMENTO FINANCEIRO A CURTO PRAZO: UM ESTUDO


Contas/Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Lucro/Prejuízo 16.408 66.578 87.066 154.222 167.398 175.828

PCF 138.051 98.924 140.546 184.352 152.212 217.165

DE CASO DA ANÁLISE DINÂMICA DO CAPITAL DE GIRO


Emp. E Financ. 94.452 40.014 73.440 88.919 55.026 113.970

Imp, Txs, Contrib. 29.291 35.385 36.380 39.710 33.129 43.215


Quadro 10: Análise Dinâmica do Capital de Giro
IR e CSLL 0 0 0 2.149 7.285 2.822
Período: 1999 a 2004
Partic. Estatut. 1.328 2.110 1.825 1.079 1.094 910 ITEM 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Pensar
Contábil

Dividendos a pagar 12.980 21.415 28.901 52.495 55.678 56.248 CGL 241.910 279.934 340.463 407.855 589.560 695.599

PCC 58.555 143.343 105.421 142.340 125.918 160.822 IOG 276.131 331.336 353.306 414.160 582.039 623.290

Fornecedores 51.174 34.872 28.636 32.907 28.475 45.646 Saldo de Tesouraria 34.221 51.402 12.843 6.305 (7.521) (72.309)

Outras Contas 7.381 10.713 12.690 31.011 22.818 35.072 Análise da Situação S S S S I I

EGF – MP 0 97.758 64.095 78.422 74.625 80.104 Autofinanciamento 50.479 99.244 121.091 170.799 185.478 202.934

Pensar Contábil
PNC 985.531 1.128.034 1.184.997 1.346.766 1.617.218 1.881.662 LBO 98.873 147.720 175.104 210.111 303.312 344.069

PELP 118.147 166.081 132.207 143.465 233.719 244.703 FCO 76.876 77.626 117.302 107.028 209.882

Partic. Minotárias 15.902 30.776 1.364 682 720 45.649


S – Sólida
PL 851.482 931.177 1.051.426 1.202.619 1.382.779 1.591.310 I - Insatisfatória

TOTAL 1.182.137 1.370.301 1.430.964 1.673.458 1.895.348 2.259.649


43
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superiores ao CGL, provocando uma queda considerável no


saldo de tesouraria e com isso, fazendo a empresa sair de uma
situação sólida para a insatisfatória a partir do exercício de 2003,
sendo que em 2004 o saldo negativo da tesouraria aumentou
quase dez vezes em relação a 2003. Percebe-se assim, que o
crescimento no volume de vendas está relacionado com o fi-
nanciamento a curto prazo, sendo essa uma situação que pode
vir a causar transtornos futuros a empresa.
Por outro lado, é necessária uma análise mais aprofundada,
com dados internos para que se possa emitir conclusões com
maior rigor técnico.
Gráfico 1: Análise da Capital de Giro Líquido, In-
vestimento Operacional em Giro e Saldo de Tesoura-
CONCLUSÃO
Este artigo descreveu a estrutura teórica, características, for-
ria
mas de implementação e aprimoramentos surgidos do/ao mo-
delo dinâmico de capital de giro. Em adição, aplicou-o a uma
indústria têxtil no período de 1999 a 2004.
Ficou clara a relevância do modelo na gestão financeira das
empresas, em especial para fins de controle e planejamento. O es-
tudo de caso realizado mostrou a relevância do modelo dinâmico
de capital de giro para os gestores e também aos acionistas, tendo
em vista que os índices encontrados demonstraram a necessidade
da reavaliação na política financeira da empresa. Essa análise foi
possível graças ao elevado nível de transparência das demonstra-
ções financeiras e notas explicativas divulgadas pela companhia.
Do ponto de vista acadêmico, há necessidade da realização
Gráfico 2: Análise do Autofinanciamento, Lucro Bruto de pesquisas que envolvam aspectos específicos do modelo,
Operacional e Fluxo de Caixa Operacional como a avaliação do impacto da sazonalidade sobre o desem-
A empresa manteve um crescimento anual nas vendas a or- penho das organizações, o emprego de análises estatísticas

Pensar
dem média de 40% nos exercícios analisados, entretanto ob- para projeção de resultados e das medidas de liquidez e sua
serva-se que a partir de 2000 o IOG vem crescendo a taxas integração à análise da demonstração dos fluxos de caixa.

BIBLIOGRAFIA

Contábil ASSAF NETO, A.. Estrutura e Análise de Balanços. Ed. Atlas, 4a edição, 1998.
BRAGA, Roberto. Análise Avançada do Capital de Giro. Caderno de Estudos Fipecafi, FEA/USP, set. 1991.
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44 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 38 - 44, ago./out. 2005


Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

UMA REFLEXÃO
SOBRE A TEORIA
DOS PASSIVOS
RESUMO  Walber Monteiro de Almeida
Pretende-se com este trabalho abordar, num contexto teóri- Rio de Janeiro – RJ
co, as definições, características, classificações, critérios de Contador CRC-RJ 91.727/O
Mestrando em Ciências Contábeis - UERJ1
mensuração, reconhecimento e encerramento dos passivos, Professor da UNIPLI2
bem como diferenciá-los de Patrimônio Líquido. Para tanto, será E-mail: walmeida@click21.com.br
utilizado como fonte de consulta as normas e pronunciamentos
emitidos por órgãos nacionais e internacionais, tais como: FASB,
IASB e IBRACON, e comentários de autores consagrados em compras a prazo, ou até mesmo, obrigações por pagamento de
Teoria da Contabilidade. No entanto, não é o objetivo do traba- impostos.
lho esgotar tal assunto, e sim contribuir para a Ciência Contábil, Embora, no passado, tenha ocorrido fatos relativos à avali-
inclusive ensejar a discussão em relação à classificação de ação e mensuração de ativos, como no ano de 2001, quando
operações polêmicas como os Instrumentos Híbridos de Capi- o CMN emitiu a Circular nº 3.068 sobre avaliação e registro a
tal e Dívida. valor presente dos Títulos e Valores Mobiliários nas institui-
Palavras-chave: Passivo, Patrimônio Líquido e Instrumen- ções financeiras, dependendo da intenção da administração
to Híbrido de Capital e Dívida. em manter tais títulos. Concomitantemente à conscientiza-
ção da necessidade de reconhecer os ativos, surge também
ABSTRACT a dos passivos, com operações que possuem características
The objective of this work is to research, in a theoretical con- de dívida e de participação acionária, são os Instrumentos

Pensar
text, the definitions, characteristics, classifications, recognition Híbridos de Capital e Dívida. Além destes, existem outros cujo
criteria and closing of the liabilities, as well as to differentiate pagamento irá ocorrer no futuro, mas já representam uma
them of Stockholders’ Equity. The laws and pronouncements of obrigação presente, como é o caso dos planos de pensão
the national and international organs, such as: FASB, IASB and que após a Deliberação da CVM nº 371 de 2000, que aprovou

Contábil
IBRACON, will be used as consultation source, and consecra- a NPC 26 do IBRACON – Contabilização de Benefícios a
ted authors’ comments in Accounting Theory. However, it is not Empregados, as empresas passaram a registrar tais obriga-
the objective of the work to drain such subject, but to contribute ções.
for the Accounting Science, and propitiate the discussion of the Diante do crescimento destas obrigações e da necessidade
classification of controversial operations as Hybrid Instruments de conhecimento por parte dos usuários quanto à real situação
of Capital and Debt. líquida das entidades, será abordado, ao longo do trabalho, as
Key words: Liabilities, Stockholders’ Equity and Hybrid Ins- definições, características do passivo, critérios adotados para
trument of Capital and Debt. seu reconhecimento, classificação e encerramento. Além de
um tópico especial cuja classificação entre passivo e patrimô-
CONSIDERAÇÕES INICIAIS nio líquido é obscura.
Durante muitos anos, o passivo1 foi considerado o “patinho
feio” da contabilidade. Comprava-se um bem a prazo e registra- 1. DEFINIÇÕES
va-o como ativo, e secundariamente, reconhecia-se o passivo, Existem várias definições que tratam de passivos, que são
ou seja, o seu registro era realizado apenas quando envolvia expedidas por órgãos nacionais e internacionais, portanto, tor-

1
UERJ – universidade do Estado do Rio de Janeiro – Cep 20.550-900 – Rio de Janeiro - RJ
2
UNIPLI – Universidade Plínio Leite – Cep 24.020-000 – Niterói - RJ

Artigo recebido em 12/05/2005 e aceito em 26/08/2005

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 45 - 51, ago./out. 2005 45


Pensar Contábil Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Walber Monteiro de Almeida

na-se necessário o destaque a seguir de algumas para se for- destacam a necessidade de o evento estar relacionado apenas
mar um conceito mais adequado. ao passado. Iudícibus complementa a definição de passivo,
O FASB, em seu pronunciamento SFAC 6, definiu passivo mencionando que obrigações para a entidade surgem também
como “sacrifícios futuros prováveis de benefícios econômicos fatos contingentes que podem ou não acontecer, ou seja, está
decorrentes de obrigações presentes de uma dada entidade, relacionado a eventos futuros. Estas exigibilidades, com uma
quanto a transferência de ativos ou prestação de serviços a provável probabilidade de ocorrência deveriam ser registradas
outras entidades no futuro, em conseqüência de transações ou como passivo, evidenciando melhor a situação da entidade. 9
eventos passados”.2 Para se obter uma definição mais apropriada, faz-se neces-
Vernon Kam considera “a definição do FASB redundante, pelo sário concatenar a definição do IASB com a observação feita
fato de sacrifícios futuros de benefícios econômicos ter o mes- pelo Iudícibus em relação aos fatos contingentes com uma pro-
mo significado de transferência de ativos ou prestação de servi- vável probabilidade de ocorrência.
ços a outras entidades no futuro”.3
Já o IASB trata dos mesmos aspectos mencionados pelo FASB, 2. CARACTERÍSTICAS DOS PASSIVOS
porém é mais objetivo, ele define o passivo como “uma obriga- As definições abordadas na seção anterior ressaltaram que
ção presente da empresa, resultante de eventos passados, cuja o passivo deve ser registrado desde que haja, no presente, uma
liquidação se espera que resulte em um desembolso pela em- obrigação proveniente de um evento passado, podendo ser
presa de recursos contendo benefícios econômicos”.4 decorrente da aquisição de bens, serviços ou de fatos contin-
Além dessas definições, faz-se necessário a comparação gentes com uma provável probabilidade de ocorrência no futu-
da definição apresentada pelo IBRACON com a do Hendriksen ro.
e Van Breda, embora sejam similares no contexto, literalmente O FASB, em seu pronunciamento SFAC 6, relaciona três ca-
apresentam diferenças significativas, conforme a seguir: racterísticas essenciais para os passivos, conforme a abaixo:
De acordo com o IBRACON são: “1. Contém uma obrigação ou responsabilidade presente com
“obrigações assumidas por uma empresa de entregar a ter- uma ou mais entidades, prevendo liquidação pela transferência
ceiros parte do seu ativo ou lhes prestar serviços.”5 (grifo nos- futura provável ou pelo uso de ativos numa data especificada
so). ou determinável, na ocorrência de um evento predeterminado,
De acordo com Hendriksen e Van Breda são: ou assim que seja solicitada.
“obrigações ou compromissos de uma empresa no sentido 2. A obrigação ou responsabilidade compromete dada enti-
de entregar dinheiro, bens ou serviços a uma empresa ou orga- dade, permitindo-lhe pouca ou nenhuma liberdade para evitar o
nização externa em alguma data futura.”6 (grifo nosso). sacrifício futuro.
Diante de tais definições, surge a dúvida entre obrigação e 3. A transação ou outro evento que obriga a entidade já ocor-

Pensar
compromisso, que é sanada pelo comentário do IASB que dis-
tingue obrigação presente e compromisso futuro. O primeiro
está baseado quando da entrega ou da assinatura de um con-
trato irrevogável de aquisição de ativo ou prestação de serviço,
reu.”10
O IBRACON, em seu pronunciamento IX – Passivo Exigível,
também estabelece características para o registro dos passi-
vos, conforme a seguir:

Contábil
logo, não dá à empresa liberdade de evitar o desembolso. Já o
segundo resulta da intenção da administração da entidade em
adquirir um ativo ou serviço, o que em sua natureza não consti-
tui uma obrigação presente. 7
Se a definição do termo compromisso, citado pelo Hendrik-
“1. Uma obrigação existe no presente em decorrência de
transações passadas.
2. A obrigação é passível de mensuração monetária por uma
quantia definida ou razoavelmente estimada.
3. O credor e a data em que a obrigação torna-se exigível são
sen e Van Breda acima, estiver relação com o comentário IASB, conhecidos ou podem ser estimados com razoabilidade.”11
o passivo não deverá ser registrado.8 Hendriksen e Van Breda afirmam que se alguma das caracte-
Ao analisar as definições acima expostas pelo FASB, IASB, rísticas mencionadas pelo FASB estiver ausente, um passivo
IBRACON e Hendriksen e Van Breda, percebe-se que todas contábil não poderá ser reconhecido.12

1
O passivo, neste trabalho, terá significado de exigibilidades, ou seja, obrigações que deverão ser liquidadas em uma determinada data,
proveniente de transações com terceiros.
2
Apud - HENDRIKSEN, Eldon S, VAN BREDA, Michael F. - Teoria da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999, p. 283.
3
KAM, Vernon. Accounting Theory. California: John Wiley & Sons, 1986, p. 65.
4
IASB. Normas Internacionais de Contabilidade 2001. São Paulo: IBRACON, 2002, p. 54.
5
IBRACON. Princípios Contábeis. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 101.
6
HENDRIKSEN e VAN BREDA. Ob. Cit. p. 287.
7
IASB. Ob. Cit. p. 56.
8
Este assunto será tratado com mais detalhes ao longo do trabalho.
9
IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 146.
10
Apud HENDRIKSEN e VAN BREDA. Ob. Cit. p. 286.
11
IBRACON, Ob. Cit. p. 102.
12
HENDRIKSEN e VAN BREDA, Ob. Cit. p. 286.

46 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 45 - 51, ago./out. 2005


Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

UMA REFLEXÃO
SOBRE A TEORIA DOS PASSIVOS

Analisando as características mencionadas, observam-se 3. As datas de vencimento dos pagamentos dos direitos fi-
diferenças e igualdades que se complementam, inclusive a nais.”14
observação efetuada por Hendriksen e Van Breda também é Em relação ao primeiro elemento, significa dizer que os aci-
válida para as características citadas pelo IBRACON. onistas preferenciais podem ter prioridade sobre os ordinários,
Para Hendriksen e Van Breda a primeira característica enu- porém ambos são residuais diante dos credores.
merada pelo FASB é uma combinação de obrigação presente, O segundo elemento, diz respeito aos valores pagos aos
sendo entre entidades e a existência de um evento no qual a credores que são determináveis e previsíveis, sendo usualmen-
obrigação será cumprida. 12 te expressos em quantidade fixa de unidade monetária. Os divi-
O termo obrigação presente já foi tratado no capítulo anterior dendos geralmente dependem da existência de lucro, das pos-
e também é mencionado pelo IBRACON. sibilidades financeiras da empresa e de uma declaração formal
Embora o conceito de obrigação entre entidades, ou seja, quanto à distribuição por parte da assembléia de acionistas.
entre pessoas físicas ou jurídicas ser óbvio atualmente, no pas- O terceiro elemento, por sua vez, trata da data de vencimento
sado antes do advento do SFAC 6, entidades efetuavam auto- das obrigações que são determináveis e previsíveis. Enquanto
seguro de seus próprios bens como uma forma melhorar o seu que os acionistas não podem esperar receber o capital investi-
patrimônio, creditando-se despesa e criando créditos diferidos. do na entidade em datas determinadas, pois o patrimônio líqui-
Outro ponto citado pelo FASB é a existência de um evento no do não é uma obrigação legal no caso de continuidade das
qual a obrigação será cumprida, em outras palavras que uma operações.
dívida não pode ser considerada como passivo ao menos que a
data de sua extinção possa ser estimada com razoabilidade, 4. CRITÉRIOS DE
conforme menciona a terceira característica do IBRACON que AVALIAÇÃO DOS PASSIVOS
destaca ainda a necessidade de o credor ser razoavelmente A avaliação é o processo de atribuição de valores monetári-
identificado. os as dívidas, ou seja, mensuração dos passivos.
Em relação a segunda característica do FASB, demonstra-se Segundo a Lei das Sociedades por Ações nº 6.404 de 1976,
claramente que as obrigações ou deveres legais, eqüitativos e em seu artigo nº 184, o passivo deve ser avaliado através dos
construtivos terão de ser liquidados e a entidade não deverá critérios abaixo relacionados:
evitá-los. “1. As obrigações, encargos e riscos, conhecidos ou calcu-
A terceira característica citada pelo FASB, transação ou ou- láveis, inclusive (...), serão computados pelo valor atualizado
tro evento que obriga a entidade já ocorreu, significa dizer que até a data do balanço.
a intenção de comprar um bem não é considerada uma obriga- 2. As obrigações em moeda estrangeira, com cláusulas de
ção presente e sim quando há transferência deste. paridade cambial, serão convertidas em moeda nacional à taxa

Pensar
O IBRACON destaca na segunda característica de passivo a de câmbio em vigor na data do balanço.
necessidade da mensuração, que será abordada a seguir. 3. As obrigações sujeitas à correção monetária (...).”15
O primeiro critério de avaliação de passivo quando afirma
3. PASSIVO VERSUS PATRIMÔNIO LÍQUIDO “riscos, conhecidos ou calculáveis”, abre precedente para a
Como já foi visto, o passivo representa a parcela do patrimô- inclusão de provisões e estimativas”.
nio pertencente a terceiros, desde que atendidos alguns critéri-
os. Enquanto, o patrimônio líquido representa a parcela do patri-
mônio pertencente aos proprietários.
Segundo Ynel Camargo, “a sobra existente entre o ativo me-
nos o passivo, isto é, o patrimônio líquido, é representado por
Contábil
Diante das recentes oscilações de caráter temporário
ocorridas na cotação do dólar em 2001, 2002 e 2003, vem
sendo desenvolvida uma nova metodologia por Natan Szus-
ter e Fortunee Szuster que consiste na criação de um mo-
delo no qual as empresas brasileiras passariam a conver-
bens e direitos. Sendo assim, deve ser considerado como ativo ter os ativos e passivos de longo prazo (não hedgeados),
líquido. Por via de conseqüência, não há como rotular tal patri- com base em uma cotação que se aproxima de um “valor
mônio de dívida, senão investimento”.13 justo” (fair value) do dólar, de acordo com a Teoria de Pari-
Iudícibus apresenta três elementos distintos entre passivo e dade do Poder de Compra, em vez de convertê-los à taxa
patrimônio líquido, conforme a seguir: de câmbio vigente na data do balanço, conforme determi-
“1. Os graus de prioridade atribuídos aos vários participantes na a Lei das S.A. 16
no fornecimento de recursos à empresa (próprios e de terceiros); Segundo Iudícibus, Hendriksen e Van Breda, os passivos
2. O grau de certeza na determinação dos montantes a se- monetários deveriam ser evidenciados a valor presente no ba-
rem recebidos pelo participante; e lanço e, para efetuar o desconto a valor presente, torna-se ne-

13
CAMARGO, Ynel. O Patrimônio Líquido não é Passivo . Revista Brasileira de Contabilidade, CFC, nº 103, 1997.
14
IUDÍCIBUS, Ob. Cit. p. 170.
15
LEI das S.A. nº 6.404/76. Coleção de Manuais de Legislação Atlas. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 75.
16
Esta proposta foi publicada no Boletim IOB nºs 08 e 33/2003.
17
IUDÍCIBUS, Ob. Cit. p. 148. & HENDRIKSEN e VAN BREDA, Ob. Cit. p. 413.

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 45 - 51, ago./out. 2005 47


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Walber Monteiro de Almeida

cessário o conhecimento de três variáveis: importância a ser uma obrigação deve ser reconhecida quando corresponder à
paga; a taxa de juros; e o período referente a data dos pagamen- definição de passivo, for mensurável, relevante e precisa. (grifo
tos. Porém, no caso de passivos circulantes, se a diferença en- nosso).20
tre o valor a ser pago no vencimento e o valor presente não for 5.2. O passivo precisa ser preciso?
relevante, deve-se deixar pelo valor nominal.17 A Estrutura Conceitual do IASB responde a esta pergunta
Já o IBRACON não recomenda o registro dos passivos mo- mencionando que “alguns passivos podem ser avaliados so-
netários a valor presente quando a aplicação da taxa de juros mente usando uma elevada dose de estimativa. Algumas enti-
corrente é sobre pagamentos futuros, por outro lado, se a obri- dades descrevem estes passivos como provisões (...). Assim, se
gação de longo prazo estiver acrescida de encargos financei- a provisão envolve uma obrigação presente e satisfaz o resto da
ros futuros, deve o passivo ser refletido a valor presente.18 definição, ela é um passivo, ainda que seu valor tenha que ser
Observa-se que os autores acima prezam pela Convenção estimado. Como exemplo temos as provisões para pagamentos
da Materialidade, inclusive o IBRACON, embora não tenha sido a serem feitos de acordo com garantias em vigor e provisões em
comentado. face de obrigações de aposentadoria”.21
5.3. Provisões
5. RECONHECIMENTO DOS PASSIVOS A norma IAS 37 define provisões como passivos de venci-
5.1. Reconhecimento mentos ou valor incertos (grifo nosso). Uma provisão deve ser
De acordo com a Estrutura Conceitual do IASB, reconheci- reconhecida somente quando:
mento é o processo que consiste em incorporar ao balanço ou 1. Uma entidade tiver obrigação atual, como conseqüência
à demonstração de resultado quando for provável que algum de evento passado;
benefício econômico futuro referente ao item venha a ser rece- 2. For provável de desembolso de recursos para liquidar a
bido ou entregue pela entidade e possua um valor que possa obrigação; e
ser medido. 19 3. Puder ser feita uma estimativa confiável sobre o montante
Em relação ao passivo, Hendriksen e Van Breda afirmam que da obrigação.22

Tendo em vista a definição de provisão citada pelo IASB, faz-se necessário à comparação com reservas e contas a pagar, vide
quadro comparativo a seguir:

Provisão Reservas
Contas a pagar
Capital Lucros
1. Valor - Estimado. - Líquido. - Estimado. - Líquido.
2. Vencimento - Incerto. - Não têm. - Não têm. - Certo / definido.

Pensar 3.Resultante
de evento
- Passado, mas dependente
de confirmação futura.
- Futuro provável, com base
em histórico de ocorrência.
- Passado. - Futuro previsível
(fenômenos naturais).
- Passado.

ContábilAs reservas surgem, normalmente, por meio de contribuições


dos acionistas ou terceiros que não representam aumento de
capital e que não transitam pelo resultado como receita (reser-
vas de capital), ou acréscimos provenientes novas avaliações
do ativo (reserva de reavaliação), ou de lucros não distribuídos
xam de ser contabilizadas no patrimônio líquido para passarem
ao passivo exigível, como no caso de decisão de distribuição
de dividendo.
Analisando o quadro, torna-se apropriado uma reflexão se a
provisão de férias e 13º salário deveria ser chamada de provisão,
aos proprietários, ou de expectativas de perdas ou prejuízos pois o valor calculado pelos sistemas informatizados de folha de
ainda não incorridos, mas previsíveis, portanto segrega-se uma pagamento já são capazes de mensurar o valor líquido que será
parte dos lucros, não os distribuindo para salvaguardar a “saú- pago, o prazo de vencimento também é conhecido, seja até dois
de” financeira da empresa (reserva de lucros). Por outro lado, meses antes do vencimento da próxima férias, ou até o final do
as provisões destinam-se a dar cobertura às perdas ou despe- ano, no caso de 13º salário. Além disso, o valor é devido a cada 1/
sas já incorridas, ou, no caso de provisão para créditos de liqui- 12 de serviço prestado pelo empregado (evento passado). Outro
dação duvidosa, com base em histórico de ocorrências. argumento é o fisco aceitar apenas estas provisões como dedu-
As reservas não possuem qualquer característica de exigibi- tíveis para fins de apuração do lucro real. Será que esta termino-
lidade. Se, em algum momento, houver essa característica, dei- logia é apropriada? Este assunto merece uma reflexão.

18
IBRACON. Ob. Cit. p. 102.
19
IASB. Ob. Cit. p. 60.
20
HENDRIKSEN e VAN BREDA. Ob. Cit. p. 412.
21
IASB. Ob. Cit. p. 57.
22
IASB. Ob. Cit. p. 820.

48 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 45 - 51, ago./out. 2005


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UMA REFLEXÃO
SOBRE A TEORIA DOS PASSIVOS

6. ENCERRAMENTO DOS PASSIVOS destaca Hendriksen.24 Esta forma de classificação tem o objeti-
A liquidação de um passivo geralmente implica na utilização vo de apresentar aos credores, no caso de liquidação da enti-
de recursos pela entidade que encerra benefícios econômicos dade, a possibilidade de pagamento das obrigações devidas
com objetivo de satisfazer o direito da outra entidade. Hendrik- pela entidade. Vatter, ao contrário, sugere a criação de uma
sen e Van Breda23 citam três formas de encerramento de um demonstração especial com esse objetivo, pois, segundo ele, a
passivo, conforme a seguir: comparação de ativos circulantes com passivos circulantes leva
6.1. Extinção à pressuposição falsa de que, em caso de liquidação, os credo-
É quando o devedor fica liberado da obrigação mediante o res a curto prazo têm alguma prioridade sobre os ativos circu-
pagamento da dívida ao credor. A dívida pode ser paga em lantes.25
moeda corrente, prestação de serviços ou entrega de ativo. Está O IBRACON26 conceitua passivo circulante e não circulante
é a forma mais simples e praticada pelo mercado para encerra- como sendo:
mento de um passivo. Circulante:
6.2. Reestruturação “(...) obrigações econômicas que devem ser satisfeitas no
É quando o credor aceita alternativas de negociação. Ocorre período de um ciclo operacional ou um ano, dos dois o mais
normalmente quando o devedor está com dificuldades finan- longo”.
ceiras. Exemplo: renegociação da dívida, com o estabelecimen- Não circulante:
to de novos prazos de pagamento. “(...) obrigações econômicas que devem ser cumpridas num
6.3. Conversão período de tempo superior a um ciclo operacional ou a um ano,
É quando a dívida é convertida em capital, por exemplo: de- dos dois o mais longo”.
bêntures conversíveis. Na data de seu vencimento, ao investi- Entende-se por ciclo operacional, de acordo com o FIPE-
dor têm a opção de converter as debêntures em ações, caso a CAFI, o período de tempo que vai desde a aquisição das maté-
faculdade de conversão esteja prevista em contrato. O portador rias-primas ou mercadorias, inicio da atividade operacional,
de uma debênture passará então a ter participação no patrimô- até o recebimento do valor das vendas.27 FIPECAFI. Ob. Cit. p.
nio da entidade. 342. Já Hendriksen e Van Breda definem ciclo operacional
levando em consideração o conceito de capital de giro, ou
7. CLASSIFICAÇÃO DOS PASSIVOS seja, “como sendo o tempo necessário para converter caixa
7.1. Circulante x Não Circulante em produtos da empresa e depois converter os produtos nova-
Tal como o ativo, o passivo também possui subdivisão para mente em caixa”. 28
auxiliar o usuário das informações contábeis na interpretação Normalmente, as entidades possuem um ciclo operacional
das demonstrações quanto às exigibilidades, sendo subdividi- menor que um ano, optando assim pelo prazo deste último para

Pensar
do em circulante e não circulante, também chamados de exigí- a classificação, no passivo circulante, de suas obrigações a
vel de curto prazo e exigível de longo prazo, respectivamente. curto prazo. São poucas, em relação ao universo, as entidades
A evidenciação dos passivos em ordem de exigibilidades é que possuem um ciclo operacional superior ao exercício soci-
uma das formas mais antigas de classificação do balanço, como al. Exemplo: Estaleiros Navais e de Construção Civil.

Contábil

23
HENDRIKSEN e VAN BREDA. Ob. Cit. p. 417.
24
HENDRIKSEN e VAN BREDA. Ob. Cit. p. 290.
25
VATTER, Fund theory, p. 58 in HENDRIKSEN e VAN BREDA, Ob. Cit. p. 296.
26
IBRACON. Ob. Cit. p. 103. 28 HENDRIKEN e VAN BREDA. Ob. Cit. p. 290.
27
FIPECAFI. Ob. Cit. p. 342.
28
HENDRIKEN e VAN BREDA. Ob. Cit. p. 290.

Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 45 - 51, ago./out. 2005 49


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Walber Monteiro de Almeida

7.2. Outras Classificações

Classificação Descrição Exemplo


1. Monetários - Obrigações denominadas em termos nominais, isto é, envol- - Fornecedores.
vem o pagamento de quantias predeterminadas.
1.1. Não monetários - Obrigações de fornecimento de bens e serviços de quantidade e - Adiantamento de clientes.
qualidade predeterminadas.
2. Oneroso - Obrigações decorrentes de empréstimos, financiamentos e/ou - Encargos financeiros a pa-
outros que se configurem a cobrança de taxa de juro, acarretando gar.
uma despesa para a entidade.
2.1. Não oneroso - Obrigações em que a entidade não tem despesa adicional nem - Salários de pessoal a pagar.
encargos financeiros a pagar.
3. Fixos - Obrigações que não se alteram com o volume de produção e/ou - Taxa de incêndio.
prestação de serviços da entidade.
3.1. Variáveis - Obrigações que são alteradas conforme o aumento ou redução - ICMS, IPI e ISS a pagar.
do volume de produção e/ou prestação de serviços.
4. Preferenciais - Obrigações liquidadas em primeiro lugar no caso de falência de - Encargos da massa falida,
uma entidade. encargos sociais e outros.
4.1. Quirografários - Obrigações que não se enquadram na situação acima, pois não - Fornecedores.
são considerados de liquidação prioritária.
5. Terceiros - Obrigações provenientes de transações com entidades que não - Fornecedores.
possuem vínculo com a devedora.
5.1. Partes relacionadas - Obrigações derivadas de transações com entidades sob controle - Empréstimo com controladas
de um mesmo grupo econômico que a devedora, portanto, pode e coligadas.
existir vínculo acionário entre elas ou não.

8. TÓPICO ESPECIAL - INSTRUMENTOS implique desenquadramento da instituição emissora no nível


HÍBRIDOS DE CAPITAL E DÍVIDA mínimo de capitalização exigido na regulamentação em vigor;
De acordo com Nyama e Gomes29, são instrumentos híbridos VII - devem ser nominativos; e

Pensar
de capital e dívida aqueles que possibilitam às empresas a cap- VIII - devem estar registrados em sistema organizado de re-
tação de recursos mediante a emissão de uma dívida caracteri- gistro e liquidação financeira de títulos, no País ou no exterior,
zada como opção sobre o valor futuro do patrimônio, com o que permita o acesso do Banco Central do Brasil as informa-
principal atrativo de ser menos oneroso para a instituição finan- ções a eles relativas”.

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ceira do que a subscrição de novas ações. Os instrumentos que não atendam as mesmas característi-
O instrumento é chamado de híbrido pela faculdade de con- cas citadas acima são considerados como dívidas subordina-
versão da dívida em patrimônio e suas características são, con- das, desde que atendam certas características previstas na-
forme previsto na Resolução nº 2.543, do CMN, de 1998, em seu quela Resolução, que não serão abordadas neste trabalho.
artigo 1º, inciso II, as seguintes: Embora as características de instrumento híbrido de capital e
“I - não podem conter qualquer garantia ao credor, mesmo dívida seja semelhante a de uma ação, esta, por sua vez, não
que indireta; confere ao aplicador de recursos o controle gerencial (poder
II - devem ser integralizados em espécie; de voto) da instituição financeira, o mesmo ocorre com as ações
III - devem ter seu pagamento subordinado ao pagamento preferenciais.
dos demais passivos da instituição emissora; Outro ponto positivo que leva as instituições financeiras a
IV - não podem ser resgatados por iniciativa do credor; emitirem instrumentos híbridos de capital e dívida é a impossibi-
V - devem conter cláusula prevendo sua utilização na com- lidade de emissão de novas ações preferenciais sem que haja
pensação de prejuízos apurados pela instituição emissora; aumento de capital, pois o número dessas ações não pode ul-
VI - devem conter cláusula prevendo que o pagamento dos trapassar 50% do total de ações emitidas.30
encargos correspondentes pode ser diferido, caso o mesmo O tratamento dos instrumentos híbridos de capital e dívi-

29
GOMES, Amaro L. Oliveira, NIYAMA, Jorge Katsumi. Contabilida-
de de Instituições Financeiras. São Paulo: Atlas, 2000, p. 155.
30
Lei nº 10.303 de 2001 que altera a Lei das Sociedades por Ações
nº 6.404 de 1976, em seu artigo nº 15, § 2º.
31
Resolução nº 2.837, do CMN, de 2001, em seu artigo 1º, inciso II.

50 Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v.7, n. 29, p. 45 - 51, ago./out. 2005


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UMA REFLEXÃO
SOBRE A TEORIA DOS PASSIVOS

da como patrimônio de referência, para fins de apuração de direito, em virtude, principalmente, da explosão de novas
dos limites operacionais, 31 que torna ainda mais obscura a operações que necessitam ser enquadradas às classificações
segregação entre dívida e participação acionária. Por ou- tradicionais de passivo e patrimônio líquido.
tro lado, deve-se analisar o grau de certeza na determina- Ao término deste trabalho, constatou-se a dificuldade em
ção dos valores a serem recebidos, ou seja, a remunera- definir teoricamente a classificação dos instrumentos híbridos
ção fixa, o que não ocorre nas ações ordinárias e prefe- de capital e dívida entre passivo e patrimônio líquido, oriundo
renciais, e se comparada apenas as ações ordinárias, não basicamente da semelhança com as ações e pelo fato de pou-
conferem direito a voto. Uma forma de atenuar essa ques- cos livros de teoria da contabilidade nacionais discutirem tais
tão é evidenciar nas notas explicativas as características operações.
de cada título. Por último, deve-se ter em mente que as notas explicativas
fazem parte das demonstrações contábeis, portanto, deverão
CONSIDERAÇÕES FINAIS ser utilizadas em sua plenitude, pois a correta evidenciação
Foram vistos neste trabalho que apesar de o passivo ter sido das características das operações, sejam elas ativas ou passi-
considerado por muitos anos o “patinho feio” da contabilidade, vas, são vitais para a transparência das informações prestadas
atualmente ele está gradativamente alcançando a sua posição aos usuários.

BIBLIOGRAFIA

ASSAF NETO, Alexandre. Mercado Financeiro. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2000.
BRASIL. Circular nº 3.068, de 8 de novembro de 2001, do Conselho Monetário Nacional.

ção de Benefícios a Empregados, da Comissão de Valores Mobiliários.


_______. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Pensar
_______. Deliberação nº 371, 13 de dezembro de 2000, que aprovou o pronunciamento do IBRACON sobre a Contabiliza-

Contábil
_______. Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001. Altera e acrescenta dispositivos na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de
1976.
_______. Resolução nº 2.543, de 26 de agosto de 1998, do Conselho Monetário Nacional.
_______. Resolução nº 2.837, de 30 de maio de 2001, do Conselho Monetário Nacional.
CAMARGO, Ynel. O Patrimônio Líquido não é Passivo. Revista Brasileira de Contabilidade, CFC, nº 103, 1997.
EQUIPE DE PROFESSORES DA FEA/USP. Contabilidade Introdutória. 9.ed. São Paulo: Atlas, 1998.
FIPECAFI. Manual de contabilidade das sociedades por ações: aplicável também às demais sociedades. 6.ed. São Paulo:
Atlas, 2003.
GOMES, Amaro L. Oliveira, NIYAMA, Jorge Katsumi. Contabilidade de Instituições Financeiras. São Paulo: Atlas, 2000.
HENDRIKSEN, Eldon S., VAN BREDA, Michael F. Teoria da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999.
IASB. Normas Internacionais de Contabilidade 2001. São Paulo: IBRACON, 2002.
IBRACON. Princípios Contábeis. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994.
IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2000.
KAM, Vernon. Accounting Theory. California: John Wiley & Sons, 1986.
MARION, José Carlos. Contabilidade Empresarial. 6.ed. São Paulo: Atlas, 1997.

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