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Rudolf Steiner

Teosofia
Int rodução ao conheciment o supra-sensível
do mundo e do dest ino humano

7ª edição

Ret raduzida e at ualizada

Tr adução:
Daniel Brilhant e de Brit o
Jacira Cardoso

1
Sobr e a publ i cação da obr a de Rudol f St ei ner

Os f undament os da Ciência Espirit ual Ant roposóf ica encont ram-se nas obras escrit as e
publicadas por Rudolf St einer (1861— 1925). Além disso, exist em reproduções das numerosas conf e-
rências prof eridas e cursos minist rados por ele ent re os anos de 1900 e 1924, t ant o ao público em
geral quant o aos membros da Sociedade Teosóf ica e, subseqüent ement e, da Sociedade Ant ropo-
sóf ica. A princípio, ele mesmo não desej ava que suas conf erências, prof eridas livrement e, f ossem
regist radas por escrit o, vist o que as considerava “ comunicações verbais, não dest inadas à im-
pressão” . Com o aument o da dist ribuição de anot ações de ouvint es, às vezes incomplet as e
incorret as, ele decidiu regulament ar a reprodução escrit a. Essa t aref a f oi conf iada a Marie St einer-
von Sivers, a quem passou a incumbir a designação dos est enógraf os, a administ ração das anot ações
e a necessária revisão dos t ext os a serem publicados. Como, por escassez de t empo, apenas em
muit o poucos casos Rudolf St einer pôde corrigir pessoalment e as anot ações, suas ressalvas em
relação a t odas as publicações de conf erências devem ser consideradas: “ É preciso admit ir que em
edições não corrigidas por mim possam encont rar-se erros. ”
Após a mort e de Marie St einer (1867—1948), f oi iniciada, de acordo com as diret rizes deixadas
por ela, a publicação de uma edição complet a (Gesamt ausgabe) da obra de Rudolf St einer, cuj os
volumes f oram numerados sob a sigla GA. O t rabalho de seleção, revisão e not as é realizado pelo
Rudol f St ei ner Ar chi v, pert encent e à inst it uição administ radora do espólio lit erário do Aut or — a
Rudol f St ei ner Nachl assver wal t ung, t ambém propriet ária da edit ora (Ruddol f St ei ner Ver l ag) que
procede às publicações.
A at ividade do Rudol f St einer Ar chi v — que não recebe qualquer incent ivo est at al ou de out ra
nat ureza — depende int eirament e de doações f inanceiras e, mais recent ement e, dos direit os
aut orais das obras t raduzidas. Mais inf ormações:

RUDOLF STEINER ARCHIV


Pot f ach 135 — CH 4143 Dor nach, Suíça
www. r udol f -st ei ner . com

2
Sumário

Not a à sét ima edição brasileira 4

Not a à segunda edição brasileira 4

Pref ácio à décima edição alemã 5

Pref ácio à nona edição alemã 5

Pref ácio à sext a edição alemã 6

Pref ácio à t erceira edição alemã 7

Int rodução 9

A nat ureza do homem 11


1. A nat ureza corpórea do homem 12
II. A nat ureza anímica do homem 13
III. A nat ureza espirit ual do homem 14
IV. Corpo, alma e espírit o 14

Reencarnação do espírit o e dest ino 23

Os t rês mundos 32
1. O mundo anímico 32
II. A alma no mundo das almas após a mort e 37
III. O mundo espirit ual 41
IV. O espírit o no mundo dos espírit os após a mort e 44
V. O mundo f isico e sua ligação com os mundos
das almas e dos espírit os 49
VI. Das f ormas-pensament os e da aura humana 53

A senda do conheciment o 58

Not as avul sas e compl ement ar es 65

3
Not a à sét i ma edi ção br asi l ei r a

Aos cem anos da primeira publicação alemã dest e livro (1904—2004), pareceu-nos oport uno,
para est a sét ima edição no Brasil, proceder a uma prement e revisão e at ualização do t ext o,
considerando-se que a t radução publicada at é recent ement e dat ava ainda de 1966, com apenas
algumas revisões ao longo dos anos. Elaborada naquela época com primorosa e erudit a linguagem,
com o decorrer das décadas evidenciou, f inalment e, a necessidade de uma adequação ao
vocabulário at ual e t ambém às sucessivas alt erações e anot ações ocorridas nas edições em alemão.
Com base na edição mais recent e do original, dedicamo-nos a um t rabalho de cot ej o e, onde
necessário, ret radução, acrescent ando ainda inúmeras not as explicat ivas.
Cient es de que t raduções das obras de Rudolf St einer nunca são def init ivas, dadas as
peculiaridades especiais do cont eúdo e da t erminologia, congrat ulamo-nos porém com o f at o de
nest e signif icat ivo cent enário podermos of erecer, aos leit ores e est udiosos, mais um f rut o do
esf orço em vert er para nossa língua os conceit os básicos da Ant roposof ia.

São Paul o, mai o de 2004

A edit ora

Not a à segunda edi ção br asi l ei r a (1983)

Quando publicou est a obra pela primeira vez, em 1904, Rudolf St einer era Secret ário Geral da
Sociedade Teosóf ica na Alemanha. Várias novas edições vieram à luz depois que St einer se desligou
da Sociedade Teosóf ica para f ormar o moviment o espirit ual chamado ‘ Ant roposof ia’ , que deu
origem à Sociedade Ant roposóf ica.
Cont udo ele não alt erou o t ít ulo do livro, e at é hoj e t odas as edições, t ant o em alemão quant o
em out ras línguas, t êm mant ido esse t ít ulo em vez de subst it uí-lo por ‘ Ant roposof ia’ . Essa aparent e
cont radição explica-se f acilment e pelo f at o de o t ermo ‘ t eosof ia’ ser or i gi nal ment e um subst ant ivo
comum, e não um nome próprio de uma ent idade ou part e dele. Já houvera ‘ t eósof os’ no século
XVIII, e at é ant es. O livro simplesment e t em por cont eúdo uma t eosof ia sem vínculo com
inst it uições que usem a palavra em sua própria denominação.
Nessas condições, não vemos mot ivo para não mant er o t ít ulo original para a present e edição
brasileira. Embora sendo uma obra básica da Ciência Espirit ual Ant roposóf ica — muit os a consideram
mesmo um livro de ‘ int rodução’ — Teosof ia não é de leit ura f ácil; muit o ao cont rário: sua
linguagem corret a e t ransparent e acerca de prof undos mist érios t em em cada palavra, em cada
f rase, um sent ido preciso e específ ico; sem dúvida Rudolf St einer t inha em ment e Teosof i a (ent re
out ros livros) quando coment ou, em cert a ocasião, que o esf orço ment al expresso por uma leit ura
conscient e j á produz no leit or um despert ar de novas capacidades anímicas.
Teosof i a não é um livro ‘ at ual’ ou melhor, ‘ da moda’ — e, muit o menos sensacionalist a. A
Ant roposof ia procura dist anciar-se de moviment os esot éricos com t al cunho, de duvidosa seriedade,
que brot am e viçam em t odo lugar. O f at o de ser há cerca de oit ent a anos um ‘ clássico’ da
lit erat ura esot érica coloca uma obra como Teosof ia em seu devido lugar. No verdadeiro esot erismo,
as obras dos grandes mest res conservam seu valor e sua at ualidade, alheios a quaisquer modismos.
É com est a convicção que colocamos est e livro à disposição dos est udiosos da Ant roposof ia e de
t odos os que desej em vir a sê-lo.

Os edi t or es

4
Pref ácio à décima edição alemã

Ant es da nona edição dest a obra, em 1918, eu a submet i a uma cuidadosa revisão. Dest e ent ão
t em aument ado consideravelment e o número de t ext os cont rários à cosmovisão ant roposóf ica aqui
represent ada. Em 1918, a reelaboração levou a um grande número de acréscimos e ampliações. Já
a revisão para est a nova edição não levou ao mesmo result ado. Quem quiser at ent ar ao f at o de, em
inúmeras passagens de minhas obras, eu t er f eit o a mim próprio as obj eções possíveis a f im de
det erminar seu peso e amenizá-las, saberá, no essencial, o que t enho a dizer cont ra t ais
ref ut ações. Cont udo, dest a vez não houve razões ínt imas para complet ar o cont eúdo t al qual o f iz
em 1918, embora precisament e nest es últ imos quat ro anos a concepção ant roposóf ica se haj a
ampliado em minha alma sob muit os aspect os, e eu t ambém t enha podido aprof undá-la. Essa
ampliação e aprof undament o, porém, não me conduziu a abalar o que const a nest e livro, e sim ao
parecer de que os f at os descobert os desde ent ão j ust if icam o f at o de eu não modif icar nada de
essencial no cont eúdo dest a exposição básica.

St ut t gart , 24 de novembro de 1922


Rudol f St ei ner

Pref ácio à nona edição alemã

Tal qual nas ant eriores reedições dest e livro, t ambém dest a vez eu reescrevi suas exposições.
Essa revisão levou a um considerável número de ampliações e complement ações do cont eúdo.
Especialment e o capít ulo ‘ Reencarnação do espírit o e dest ino’ se verá quase t ot alment e reescrit o.
Em t udo o que f oi validado nas edições ant eriores como result ados da Ciência Espirit ual, nada
houve que eu achasse necessário alt erar. Por isso, nada se omit iu de essencial do que const ava
ant eriorment e. Por out ro lado, muit a f oi acrescent ado.
No domínio da Ciência Espirit ual sempre sent imos, ant e uma exposição que t enhamos f eit o, a
necessidade de conduzir a uma clareza maior, mediant e cert as luzes, o que f oi dit o urna vez. Sobre
a necessidade de valorizar na cunhagem dos t ermos, na f orma de expressão, o que a cont ínua
experiência da alma proporciona, j á me pronunciei no pref ácio à sext a edição. At endi a essa neces-
sidade especialment e nest a nova edição. Por isso me permit o j ust ament e denominá-la urna edição
‘ mult iplament e ampliada e complement ada’ .

Berlim, j ulho de 1918


Rudol f St ei ner

5
Pref ácio à sext a edição alemã

Quase t odas as vezes em que uma nova edição dest e livro se f ez necessária, ef et uei uma at ent a
revisão de suas exposições. Também nest a oport unidade me submet i a essa t aref a. O que eu t eria a
dizer sobre est a nova revisão assemelha-se ao que eu j á disse sobre a da t erceira edição. Por isso
mant enho o ‘ Pref ácio à t erceira edição’ precedendo o cont eúdo do livro.
Dest a vez, porém, t ive um cuidado especial no sent ido de elucidar melhor mui t os por menor es,
mais do que me f oi dado f azer para as edições precedent es. Est ou cônscio de que muit a, muit a
coisa ainda deveria ser f eit a nesse sent ido. Só que, nas descrições do mundo espirit ual, encont rar o
t ermo realment e expressivo, a f raseologia própria para exprimir um f at o, uma experiência,
depende dos caminhos que a alma percorre. Nesses caminhos é que se apresent a, ‘ chegada a hora
cert a’ , a expressão que se procura em vão ao querer empregá-la int encionalment e. Creio que em
muit os t rechos dest a nova edição consegui realizar algo relevant e j ust ament e com relação a
import ant es pormenores do conheciment o do mundo espirit ual. Muit as coisas parecem-me agora
apresent adas da maneira devida. Posso dizer que est e livro, desde seu apareciment o há dez anos,
acompanhou em cert a medida o que minha alma veio experiment ando em seu empenho por um
conheciment o cada vez maior do mundo espirit ual. Em t odo o essencial, a próprio apresent ação
dest a edição ainda est á de pleno acordo com a primeira; cont udo, em muit as passagens do livro se
poderá ver que ele se me apresent ou como algo vivo, no qual deposit ei o que creio t er adquirido
em dez anos de pesquisa espirit ual. Como o livro devia ser uma nova edição do ant igo, e não um
livro complet ament e novo, nat uralment e a reest rut uração só pôde mant er-se em limit es modest os.
Com a inclusão de algumas ‘ complement ações e ampliações’ , eu t ambém procurei cuidar para que
est a ou aquela quest ão que o leit or possa levant ar em alguns t rechos encont re sua respost a no
próprio livro.
É num período t umult uoso, e com a alma emocionada, que escrevo est as linhas dest inadas a
pref aciar a sext a edição do livro. A impressão j á est ava t erminada at é a página 18911 quando se
desencadeou sobre a Europa o f at ídico acont eciment o que a humanidade est á vivendo agora. 2
Escrevendo est e pref ácio, t enho como impossível deixar de aludir ao que se precipit a sobre a alma
numa época como est a.

Berlim, 7 de set embro de 1914


Rudol f St ei ner

1
Da edição alemã em quest ão. (N. E. )
2
Primeira Gueirra Mundial (1914-1918). (N. T. )

6
Pref ácio à t erceira edição alemã

O que se disse ao ser publicada a segunda edição dest e livro aplica-se igualment e a est a
t erceira. Dest a vez t ambém f oram inseridas ‘ complement ações e ampliações’ , que me parecem im-
port ant es para uma f ormulação mais precisa da mat éria apresent ada; em nenhum pont o considerei
necessário ef et uar alt erações essenciais no que j á se achava cont ido na primeira e na segunda
edições. Tampouco necessit a ser alt erado, at ualment e, o que se disse da missão dest a obra j á na
edição de lançament o e t ambém no pref ácio à segunda edição. Por isso, reproduziremos aqui o
pref ácio à primeira edição e a seguir o que f oi acrescent ado no pref ácio à segunda.
Nest e livro, pret ende-se apresent ar uma descrição de algumas part es do mundo supra-sensível.
Quem só at ribui validade ao mundo sensível t omará essa descrição por uma vã f ant asia. Quem, no
ent ant o, quiser buscar os caminhos que conduzem para além do mundo sensível, compreenderá
logo que a vida humana só adquire valor e signif icado mediant e um lance de visão num out ro
mundo. A pessoa que alcança t al visão não f ica — como muit os receiam —alheada da vida ‘ real’ ,
pois apenas essa visão lhe permit e alcançar f irmeza e segurança nest a vida. Ela aprende a conhecer
as causas da vida, ao passo que sem isso t at eia como um cego em busca dos ef ei t os. E soment e
pelo conheciment o do supra-sensível que o sensorialment e ‘ real’ passa a t er um signif icado.
Port ant o, mediant e esse conheciment o a pessoa se t orna mais e não menos —apt a para a vida. Só
pode t ornar-se uma pessoa verdadeirament e ‘ prát ica’ quem compreende a vida.
O aut or dest e livro nada descreve que ele não possa t est emunhar pela experiência, pelo t ipo de
experiência possível de ser f eit a nesses domínios. E só nesse sent ido que deve ser apresent ado o
cont eúdo da vivência própria.
Não se pode ler est e livro como se cost umam ler livros em nossa época. Em cert o sent ido, cada
página aliás, cada f rase — t erá de ser t r abal hada. Isso f oi t encionado conscient ement e, pois só assim
o livro pode vir a ser, para o leit or, o que realment e deve ser. Quem simplesment e o ler da
primeira à últ ima página não o t erá lido de f at o. Suas verdades devem ser vivenciadas. A Ciência
Espirit ual só t em valor nesse sent ido.
Do pont o de vist a da ciência corrent e, est e livro não poderá ser j ulgado se o crit ério para t al
j ulgament o não f or obt ido do próprio livro. Se o crít ico adot ar esse crit ério, ef et ivament e verá que
em nada se cont radiz o espírit o cient íf ico mediant e est as exposições. O aut or sabe que não ent rou,
por meio de nenhuma palavra sequer, em cont radição com sua convicção cient íf ica.
Quem quiser buscar por out ro caminho as verdades aqui apresent adas encont rará esse caminho
em meu livro A f i l osof i a da l i ber dade. 3 De maneiras dif erent es, ambos os livros visam aos mesmos
obj et ivos. Para a compreensão de um deles o out ro não é absolut ament e necessário, embora para
muit as pessoas sej a, obviament e, est imulant e.
Quem busca nest e livro as verdades ‘ f inais’ t alvez o ponha de lado com insat isf ação; pois
inicialment e t iveram de ser apresent adas, j ust ament e do âmbit o genérico da Ciência Espirit ual, as
ver dades f undament ais.
Cert ament e é da nat ureza do homem indagar pelo princípio e f im do mundo, pelo sent ido da
exist ência e pela nat ureza de Deus. Quem, no ent ant o, não t em em ment e palavras e conceit os
para o i nt el ect o, e sim conheciment os reais para a vida, sabe que numa obra sobre a int rodução ao
conheciment o espirit ual não l he é per mi t i do dizer coisas pert encent es aos graus superiores da sa-
bedoria. Aliás, só pelo ent endiment o dessa int rodução se t orna claro o modo como quest ões
superiores devem ser f ormuladas. Numa out ra obra nossa, vinculada à present e e int it ulada A ci ên-
ci a ocul t a4, encont ram-se out ras comunicações sobre o domínio aqui t rat ado.
No pref ácio à segunda edição f oi acrescent ado o seguint e:
Quem f az hoj e uma explanação de f at os supra-sensíveis deveria t er clareza sobre duas coisas:
primeiro, que o nosso t empo pr ecisa do cult ivo de conheciment os supra-sensíveis; e segundo, que
nos meios int elect uais exist e hoj e uma abundância de idéias e emoções f azendo com que essa
explanação pareça árida f ant asia e devaneio. A época at ual necessit a de conheciment os supra-sen-
síveis, pois t udo o que o homem sabe usualment e do mundo lhe provoca uma inf inidade de

3
Edicão brasileira em t rad. de Marcelo da Veiga (São Paulo: Ant roposóf ica, 2000). (N. E. )
4
Edição brasileira em t rad. de Rudolf Lanz e Jacira Cardoso (6. ed. São Paulo: Ant roposóf ica, 2002). (N. E. )

7
pergunt as que só podem ser respondidas pelas verdades supra-sensíveis. Ora, é preciso não iludir-se
sobre um pont o: o que se pode obt er das corrent es do pensament o moderno a respeit o dos
f undament os da exist ência const it ui, para uma alma com sensibilidade mais prof unda, não
respost as, mas i ndagações relacionadas com os grandes enigmas do mundo e da vida. Alguém pode
supor, por algum t empo, t er encont rado uma solução para os enigmas da exist ência nos ‘ result ados
de f at os est rit ament e cient íf icos’ , ou nas conclusões de algum pensador cont emporâneo; mas se a
alma descer às prof undezas que deve alcançar quando realment e compreende a si mesma, aquilo
que inicialment e lhe parecia uma solução lhe parecerá apenas uma incit ação à verdadeira
pergunt a. E uma respost a a essa pergunt a não apenas redundará numa sat isf ação da curiosidade
humana: ela mesma const it ui condição essencial para a serenidade e coerência int erior da alma.
Alcançar t al respost a não soment e sat isf az o impulso cognit ivo, mas f az do homem um ser laborioso
e maduro para as t aref as da vida, enquant o a ausência de solução para os ref eridos problemas
t endem a paralisar-lhe a alma e, em últ ima inst ância, t ambém o corpo. O conheciment o do supra-
sensível não é simplesment e algo que at enda à necessidade t eórica, mas à verdadeira vida prát ica.
É j ust ament e por causa do est ilo da vida ment al moderna que o conheciment o espirit ual const it ui
um domínio cognit ivo indispensável ao nosso t empo.
Por out ro lado, é pat ent e que muit os repelem hoj e, com a maior veemência, precisament e
aquilo de que mais necessit am. O poder coercit ivo de muit as opiniões f ormadas com base nas
‘ experiências cient íf icas exat as’ é t ão grande, para muit as pessoas, que elas não conseguem senão
considerar um absurdo espant oso a mat éria de um livro como est e. Quem expõe conheciment os su-
pra-sensíveis consegue encarar essas coisas sem ilusão alguma. Aliás, esse t ipo de exposit or será
f acilment e int imado a dar provas ‘ imparciais’ de suas af irmações. Só que em t al caso nunca se
ref let e que isso é ent regar-se a uma ilusão; pois o que se exige — aliás, inconscient ement e — não
são as provas inerent es às coisas, mas aquelas que se quer ou se est á em condições de reconhecer.
O aut or dest a obra sabe que nada se encont ra nela que não possa ser reconhecido por t oda e
qualquer pessoa f irmada nas bases do conheciment o cient íf ico da at ualidade. Sabe que é possível
at ender a t odas as exigências das Ciências Nat urais e, precisament e por isso, ver f undament ada em
si mesma a f orma de exposição f eit a aqui a respeit o do mundo supra-sensível. Aliás, j ust ament e a
genuína ment alidade cient íf ica deveria sent ir-se em casa nest a exposição. E quem assim pensa se
sent irá, em muit as discussões, t ocado de um modo que f oi caract erizado pelas seguint es palavras
de Goet he, prof undament e verdadeiras: “ Uma dout rina f alsa não admit e ser ref ut ada, pois af inal
repousa sobre a convicção de que o f also sej a verdadeiro. ” Discussões são est éreis diant e de quem
só queira aceit ar provas exist ent es em sua própria ment alidade. Quem sabe em que consist e uma
‘ prova’ t em bem claro, em sua ment e, que a alma humana encont ra a verdade por caminhos
diversos da discussão. E com base nest a convicção que a segunda edição dest e livro é igualment e
ent regue ao público.

Rudol f St ei ner

8
Int rodução
Quando, no out ono de 1813, Johann Got t lieb Ficht e5 apresent ou sua ‘ Dout rina’ [ Lehre] como
f rut o maduro de uma vida int eirament e dedicada ao serviço da verdade, disse logo de início o
seguint e:

Est a dout rina pressupõe um inst rument o sensorial int erior complet ament e novo,
mediant e o qual é revelado um novo mundo que, para o homem comum, não exist e em
absolut o. 6

Depois demonst rou, numa comparação, por que sua t eoria não poderia ser compreendida por
quem quisesse j ulgá-la com as represent ações ment ais dos sent idos comuns:

Imaginem um mundo de cegos nat os que, port ant o, só conheçam obj et os e suas
correlações exist ent es graças ao sent ido do t at o. Dirij am-se a eles e f alem-lhes de cores
e de out ras realidades exist ent es apenas por meio da luz e para a visão; ou ent ão lhes
f alarão de nada — e melhor será se eles o disserem, pois desse modo logo os amigos se
darão cont a do erro e, a menos que possam dot á-los do sent ido da visão, int erromperão
o inút il discurso.

Aliás, quem f ala às pessoas das coisas ref eridas nest e caso por Ficht e encont ra-se, com
f reqüência, numa sit uação similar à de alguém dot ado de visão ent re cegos nat os. Porém são essas
coisas que se relacionam com a verdadeira essência e o f im supremo do homem. Assim sendo,
deveria desesperar da humanidade quem quisesse acredit ar ser necessário int erromper o inút il dis-
curso” . Em nenhum moment o se deve duvidar ser possível, com relação a essas coisas, ‘ abrir os
olhos’ a t oda pessoa que most re boa vont ade para isso.
É part indo dessa premissa que t êm f alado e escrit o, port ant o, t odos os que sent iram em si
mesmos o desabrochar do ‘ inst rument o sensorial int erior’ que lhes permit iu conhecer a verdadeira
nat ureza do homem, vedada aos sent idos ext ernos. É por isso que desde t empos primordiais se t em
f alado repet idament e dessa ‘ sabedoria ocult a’ . Quem capt ou alguma coisa dela sent e essa posse
t ão segura quant o os que t êm olhos perf eit os sent em segurança a respeit o das cores. Para ele,
port ant o, essa ‘ sabedoria ocult a’ não requer ‘ prova’ alguma. E ele sabe t ambém que ela não pode
exigir prova alguma de qualquer out ra pessoa que, como ele, t ambém possua abert o o ‘ sent ido
superior’ . Ele pode f alar com essa pessoa como um viaj ant e pode f alar da América aos que nunca lá
est iveram, mas que são capazes de f ormar uma idéia daquele cont inent e porque veriam t udo o que
ele viu se t ivessem oport unidade para t al.
Cont udo, nem só a pesquisadores do mundo espirit ual deve f alar o observador do supra-
sensível. Ele deve dirigir suas palavras a t odos os homens, pois t em de inf ormar sobre coisas que
int eressam a t odos eles; sim, ele sabe que ninguém pode ser ‘ homem’ na plena acepção do t ermo
sem um conheciment o dessas coisas — e f ala a t odos os homens por saber que exist em vários graus
de ent endiment o para o que t em a dizer; sabe que t ambém podem compreendê-lo os que ainda
est ej am longe do moment o de t er acesso à sua própria pesquisa espirit ual — pois o sent iment o e a
compreensão da verdade exist em em t odo ser humano. E a essa compreensão capaz de acender-se
em t oda alma sadia que o observador do supra-sensível se dirige inicialment e. Ele sabe t ambém que
nessa compreensão reside uma f aculdade que paulat inament e deve conduzir aos graus superiores
de conheciment o. Esse sent iment o, que de início t alvez não enxergue absolut ament e nada. do que
lhe é dit o, é o próprio mágico que descerra os ‘ olhos do espírit o’ . É na escuridão que esse
sent iment o vibra. A alma não vê, mas graças a esse sent iment o é arrebat ada pelo poder da ver-
dade; e ent ão a verdade vai-se aproximando gradualment e da alma, vindo a abrir seu ‘ sent ido
superior’ . Para uma pessoa isso poderá durar menos, para out ra mais t empo; quem t em paciência e
perseverança alcança essa met a — pois, embora nem t odo cego nat o possa ser operado, t odos os
olhos espirit uais podem ser abert os. Só rest a pergunt ar quando isso ocorrera.
Erudição e f ormação cient íf ica não são premissas indispensáveis para a abert ura desse
‘ sent ido superior’ , que pode abrir-se t ant o para um homem simples quant o para um cient ist a de

5
Johann Got t lieb Ficht e (1762—1814), f ilósof o. (N. T. )
6
Apud I. H. Ficht e, Johann Got t l i eb Fi cht e’ s Ei nl et ungsvor l esungen . . . l8l2 u. 13 (Bonn, 1334), p. 4. (N. E. orig. )

9
renome. O que hoj e em dia é f reqüent ement e designado como ‘ única e exclusiva ciência’ pode at é
mesmo ser, para esse f im, ant es um empecilho do que uma aj uda — pois para essa ciência só é
válido como ‘ real’ o que é acessível aos sent idos comuns. E por maiores que sej am seus mérit os
quant o ao conheciment o dessa realidade, ela ao mesmo t empo cria, ao def inir como padrão para
t odo o saber humano o que é necessário e benéf ico à sua própria sapiência, uma inf inidade de
preconceit os que f echam o acesso às realidades superiores.
Cont ra est e parecer apresent a-se muit as vezes a obj eção de que exist em ‘ limit es
int ransponíveis’ para o conheciment o humano, não sendo possível t ransgredir t ais f ront eiras e
devendo-se, port ant o, recusar t odas os conheciment os que não observem t ais ‘ limit es’ . Considera-
se, assim, imodest o e presunçoso quem af irma algo sobre coisas que t ranscendem clarament e a
f aculdade cognit iva humana. Quem f az essa obj eção desconsidera por complet o que o
conheciment o superior deve ser precedido por uma evolução das f orças coguit ivas do homem. O
que t ranscende os limit es do conheciment o ant es dessa evolução sit ua-se, após o despert ar de
f aculdades lat ent es em cada pessoa, int eirament e dent ro da esf era coguit iva.
Há, porém, um f at o que não deve escapar à consideração. Poder-se-ia dizer o seguint e: de
que serve f alar aos homens de coisas para cuj o conheciment o eles ainda não t êm despert as as
f aculdades adequadas? Esse crit ério, porém, é errôneo. Necessit a-se de cert as f aculdades para
descobrir as coisas em quest ão; mas se após t erem sido descobert as elas são comunicadas, pode
ent ão compreendê-las t oda e qualquer pessoa que queira aplicá-las com lógica isent a e sadio
sent iment o da verdade. Nest e livro não serão t ransmit idos quaisquer cont eúdos senão os que
possam causar, na ment alidade isent a de preconceit os e caiu livre sent iment o da verdade, a
impressão de que por meio deles é possível penet rar sat isf at oriament e nos segredos da vida
humana e nos f enômenos do Universo. Bast a f ormular, como pont o de part ida, a seguint e pergunt a:
será que exist e uma explicação sat isf at ória da vida caso sej am verdadeiras as coisas aí af irmadas?
Ent ão se verá que a vida de t odo ser humano proporciona a comprovação.
Para ser ‘ mest re’ nesses domínios superiores da exist ência, não bast a simplesment e ao
homem que o sent ido para eles lhe t enha sido abert o. Isso implica t ambém em ‘ sapiência’ a seu
respeit o, da mesma f orma como é preciso t er conheciment os cient íf icos para lecionar uma
disciplina da realidade comum. A ‘ visão superior’ em si não bast a para t ornar alguém ‘ sapient e’ no
âmbit o espirit ual, t ant o quant o os sent idos sadios não f azem de alguém um ‘ erudit o’ na realidade
sensorial. E como verdadeirament e t oda a realidade — t ant o a inf erior quant o a espirit ual superior
— é const it uída por duas f aces de uma única ent idade f undament al, quem é ignorant e nos
conheciment os inf eriores cont inuará, com boa razão, sendo-o nas coisas superiores. Est e f at o
produz, em quem — por vocação espirit ual — se sent e mot ivado a pronunciar-se sobre as esf eras
espirit uais da exist ência, um sent iment o de incomensurável responsabilidade, impondo-lhe
modést ia e reserva. Cont udo, não deve impedir ninguém de ocupar-se das verdades superiores,
nem sequer aquele a quem os demais af azeres não dão ensej o algum para ocupar-se com as
ciências comuns. Ora, pode-se muit o bem cumprir a própria missão como ser humano sem ent ender
algo de bot ânica, zoologia, mat emát ica e out ras ciências; mas não se pode ser um ‘ homem’ , na
plena acepção do t ermo, sem abordar de alguma maneira a nat ureza e o dest ino do ser humano,
revelados pelo saber a respeit o do supra-sensível.
A mais elevada inst ância à qual homem pode erguer seu olhar é designado por ele como o
‘ Divino’ . E, sej a como f or, ele t em de associar seu próprio f im supremo a esse ser divino. Por isso a
sabedoria que t ranscende os sent idos e lhe revela sua nat ureza, e com isso seu f im últ imo, pode ser
denominada ‘ sabedoria divina’ ou Teosof ia. A observação dos processos espirit uais na vida humana
e no Universo pode ser denominada Ciência Espirit ual. Se dessa mesma Ciência Espirit ual se
dest acarem — conf orme sucede nest e livro — especialment e os result ados relat ivos ao cerne
espirit ual do homem, para esse domínio poderá ser ut ilizado o t ermo ‘ Teosof ia’ , porque há séculos
est e vem sendo aplicado em t al sent ido.
É com base na convicção aqui expost a que é t raçado, nest a obra, um esboço da cosmovisão
t eosóf ica. Não pret endemos apresent ar nada que, para nós, não const it ua um f at o no mesmo sen-
t ido em que uma experiência do mundo ext erior é um f at o para os olhos, os ouvidos e o
ent endiment o comum. Trat a-se de experiências acessíveis a t oda e qualquer pessoa dispost a a
t rilhar a ‘ senda cognit iva’ delineada num capít ulo especial dest a obra. Assume-se uma at it ude
corret a perant e as coisas do mundo supra-sensível ao pressupor que o pensament o e o sent iment o
sadios são capazes de compreender t udo o que lhes possa af luir dos mundos superiores como
conheciment os verdadeiros; e que, part indo-se dessa compreensão e f irmando-se com ela os
alicerces, j á se t erá dado um passo bast ant e ponderável no sent ido da visão própria, embora para

10
chegar a isso sej a necessário algo mais. Todavia, f icam vedados os acessos ao verdadeiro
conheciment o superior a quem despreze esse caminho e só queira penet rar nos mundos superiores
de out ra maneira. O princípio que impõe reconhecer mundos superiores soment e após t ê-los vist o
const it ui um obst áculo a essa visão. A vont ade de primeiro compreender pelo sadio pensar o que
pode ser visualizado mais t arde f avorece essa visão, despert ando na alma, como que por encant o,
import ant es f orças que conduzem a esse ‘ olhar do vident e’ .

A nat ureza do homem

As seguint es palavras de Goet he caract erizam admiravelment e o pont o de part ida de um dos
caminhos pelos quais se pode vir a conhecer a nat ureza do homem:

Tão logo o homem se apercebe dos obj et os em seu derredor, considera-os com relação a
si mesmo; e com razão, pois t odo o seu dest ino depende da alt ernat iva de que eles lhe
agradem ou desagradem, at raiam-no ou o aborreçam, sej am-lhe út eis ou prej udiciais.
Est e modo nat uralíssimo de ver e j ulgar as coisas parece t ão f ácil quant o necessário e,
no ent ant o, nisso o homem est á expost o a mil enganos, que por vezes o envergonham e
lhe amarguram a vida. Taref a muit o mais árdua empreendem aqueles cuj o vivo impulso
para o conheciment o dos seres da nat ureza leva a apreciá-los em si mesmos e em suas
relações recíprocas; pois logo dão por f alt a da norma que lhes vinha em auxílio quando,
como homens, apreciavam as coisas com relacão a si mesmos. Falt a-lhes a norma do
agrado e desagrado, da at ração e repulsa, do proveit o e dano. Eles t êm de renunciar
t ot alment e a essa norma e como seres equivalent es e por assim dizer divinos, buscar e
invest igar o que é, e não o que agrada. Assim, ao genuíno bot ânico não deve t ocar nem a
beleza nem a ut ilidade das plant as, mas sua f ormação, sua correlação com o rest ant e
mundo veget al; e, da mesma f orma como elas são at raidas e iluminadas pelo sol, ele
deve cont emplá-las e abrangê-las t odas com um olhar sereno e imparcial, ext raindo a
norma para esse conheciment o, os dados para j ulgament o não de si mesmo, mas do
âmbit o das coisas que observa. 7

Esse pensament o expresso por Goet he chama a at enção dos homens para t rês coisas. A
primeira são os obj et os cuj as impressões lhe af luem cont inuament e pelos port ais dos sent idos,
obj et os que ele apalpa, cheira, degust a, ouve e vê. A segunda são as impressões que esses obj et os
causam nele, e que sob f orma de agrado ou desagrado, cobiça ou noj o, caract erizam-se pelo f at o
de ele achar um simpát ico e out ro ant ipát ico, um út il e out ro nocivo. E a t erceira são os
conheciment os que ele alcança sobre os obj et os “ como se f ossem um ent e divino” ; são os mist érios
da at uação e da exist ência desses obj et os que se lhe desvelam.
Esses t rês domínios dist inguem-se nit idament e na vida humana; e assim o homem se apercebe
de est ar ent ret ecido ao mundo de t ríplice maneira. A primeira maneira é algo com que ele se
depara, aceit ando-o como f at o dado; pela segunda maneira ele f az do mundo seu assunt o próprio,
algo que t em import ância para ele; a t erceira maneira ele considera como uma met a à qual deve
aspirar incessant ement e.
Por que o mundo se apresent a ao homem dessa f orma t ríplice? Urna simples consideração
pode explicar isso: Venho por um prado cobert o de f lores; as f lores anunciam-me as cores por meio
de meus olhos. Esse é um f at o que eu t omo como dado. Alegro-me com a magnif icência das cores;
com isso t ransf ormo o f at o em meu assunt o próprio. Por meio de meus sent iment os, ligo as f lores
ao meu próprio exist ir. Passado um ano, percorro novament e o mesmo prado. Out ras f lores est ão
ali novas alegrias me são proporcionadas. Minha alegria do ano ant erior apresent a-se como lem-
brança. Ela est á em mim; o obj et o que a despert ou esvaiu-se. Mas as f lores que eu hoj e cont emplo
são da mesma espécie que as do ano passado; cresceram segundo as mesmas leis que aquelas. Se
eu t iver f ormado urna noção dessa espécie e dessas leis, irei reencont rá-las nas f lores dest e ano,
t al qual as conheci nas do ano passado. E t alvez ref lit a: as f lores do ano passado esvaíram-se; a
alegria que me proporcionaram f icou apenas em minha lembrança, achando-se ligada apenas à
mi nha exist ência. Porém o que no ano passado eu reconheci nas f lores, e t orno a reconhecer est e

7
Do ensaio Der Ver such al s Ver mi t t ler von Obj ect and Suhj ect (1793).

11
ano, permanecerá enquant o t ais f lores crescerem. Isso é algo que se revelou a mim, porém não
depende de minha exist ência da mesma f orma como minha alegria. Meus sent iment os de alegria
sit uam-se dent r o de mim; as leis e a essência das f lores sit uam-se f ora de mim, no mundo.
Assim, o homem se associa cont inuament e às coisas do mundo dessa t ríplice maneira. Não
j unt emos a esse f at o int erpret ação alguma, mas aceit emo-lo t al qual se apresent a. Dele decorre
que o homem t em t r ês f aces em sua nat ur eza. E isso, e nenhuma out ra coisa, que por ora
indicaremos com as t rês palavras cor po, al ma e espír i t o. Quem associar essas t rês palavras a
quaisquer opiniões preconcebidas, ou mesmo hipót eses, f at alment e ent enderá mal o que será
expost o em seguida. Por cor po ent ende-se element o pelo qual as coisas em redor do homem se
apresent am a ele — como, no exemplo acima, as f lores do prado. Por al ma deve-se ent ender o
element o pelo qual o homem associa as coisas ao seu próprio exist ir, sent indo nelas agrado e
desagrado, prazer e desprazer, alegria e dor. Por espír i t o ent ende-se o que se revela nele quando,
segundo a expressão de Goet he, ele cont empla as coisas “ como se f osse um ent e divino” . E nesse
sent ido que o homem consist e em cor po, al ma e espír i t o.
Por meio de seu corpo o homem pode colocar-se moment aneament e em relação com as
coisas; por meio de sua alma ele guarda em si as impressões que as coisas produzem nele; e por
meio de seu espírit o lhe é apresent ado o que as coisas conservam em si. Só considerando o homem
segundo essas t rês f aces é que se pode t er a esperança de alcançar uma elucidação de sua nat ureza
—pois essas t rês f aces most ram-no relacionado de modo t riplament e diverso com o rest o do mundo.
Por meio de seu corpo o homem t em af inidade com as coisas que, de f ora, se apresent am aos seus
sent idos. São as subst âncias do mundo ext erior que compõem esse seu corpo; as f orças do mundo
ext erior t ambém at uam nele. E t al qual observa as coisas do mundo ext erior com seus sent idos,
assim t ambém ele pode observar sua própria exist ência corpórea. Porém é impossível observar do
mesmo modo a exist ência anímica. Tudo o que em mim const it ui processos corpóreos pode ser
t ambém percebido com sent idos corpóreos; porém meu agrado e desagrado, minha alegria e minha
dor não podem ser percebidos, nem por mim nem por mais ninguém, com sent idos corpóreos. O
anímico é um domínio inacessível à observação corpórea. A exist ência corpórea do homem acha-se
manif est a aos olhos de t odos; a anímica, ele a t raz em si como sendo seu mundo. Por meio do
espír i t o, no ent ant o, o mundo ext erior lhe é revelado de uma f orma superior. E em seu ínt imo, sem
dúvida, que se lhe desvendam os segredos do mundo ext erior; porém no espírit o ele sai de si e
deixa as coisas f alar sobre si mesmas, sobre o que t em signif icado não para ele, mas para el as. O
homem levant a o olhar para o céu est relado: o encant o que sua alma vive pert ence a ele; as leis
et ernas dos ast ros, que ele discerne no pensament o, no espír i t o, pert encem não a ele, mas aos
próprios ast ros.
O homem é, assim, cidadão de t r ês mundos. Por meio de seu cor po, pert ence ao mundo que
ele percebe com esse mesmo corpo; por meio de sua al ma, edif ica para si seu próprio mundo; por
meio de seu espír i t o se lhe manif est a um mundo elevado acima dos out ros dois.
Ant e a dif erença essencial ent re esses t rês mundos, parece evident e que só se poderá obt er
clareza a seu respeit o, bem como a respeit o da part icipação do homem neles, mediant e t rês dif e-
rent es t ipos de observação.

I. A nat ureza corpórea do homem

É por meio dos sent idos corpóreos que se vem a conhecer o corpo do homem; e o modo de
observar não pode ser, nesse caso, senão aquele pelo qual se conhecem out ras coisas percept íveis
aos sent idos. Tal como se observam os minerais, as plant as e os animais, pode-se t ambém observar
o homem. Ele t em af inidade com essas t rês f ormas de exist ência. À semelhança dos minerais, ele
edif ica seu corpo com as subst âncias da nat ureza; à semelhança das plant as, ele cresce e se
reproduz; à semelhança dos animais, apercebe-se das coisas em seu redor e est rut ura vivências
int eriores com base em suas impressões. Pode-se, port ant o, at ribuir ao homem uma exist ência
mineral, uma veget al e uma animal.
A diversidade na est rut ura dos minerais, plant as e animais corresponde às t rês f ormas de sua
exist ência. E essa est rut ura — a f orma —é o que se percebe com os sent idos, sendo unicament e o
que se pode chamar de corpo. Ent ret ant o, o corpo humano é diverso do corpo animal. Essa
diversidade deve ser reconhecida por t odos, sej am quais f orem as concepções quant o ao
parent esco do homem com os animais. Nem o mat erialist a mais radical, que nega t udo o que sej a

12
anímico, poderá deixar de subscrever a seguint e declaração de Carus8, em sua ‘ Organograf ia do
conheciment o da nat ureza e do espírit o’ 9:

A est rut ura mais ínt ima e sut il do sist ema nervoso, e especialment e do cérebro,
permanece um enigma insolúvel para o f isiólogo e anat omist a; porém é um f at o
perf eit ament e est abelecido que aquela concent ração de f ormas vai-se elevando cada
vez mais no reino animal, alcançando no homem um grau mais alt o do que em qualquer
out ro ser; para o desenvolviment o espirit ual do homem esse f at o é da maior signif icação
— aliás, podemos j ust ament e declarar que j á const it ui uma explicação suf icient e. Nos
casos em que a est rut ura do cérebro não se haj a desenvolvido devidament e,
denunciando uma cert a pequenez e imperf eição, como nos microcéf alos e nos idiot as, é
nat ural que nem se possa f alar de elaboração de idéias e conheciment os próprios, como
t ampouco de reprodução da espécie em pessoas cuj os órgãos geradores t enham f icado
at rof iados. Por out ro lado, se é bem verdade que uma const rução vigorosa e harmoniosa
da pessoa em seu t odo, e do cérebro em part icular, não subst it uirá por si só o gênio, em
t odo o caso const it ui a primeira condição indispensável para o conheciment o superior.

Tal como se at ribuem ao corpo humano as t rês f ormas da exist ência —a mineral, a veget al e a
animal —, deve-se at ribuir-lhe ainda uma quart a, a especif icament e humana. Mediant e sua f orma
mineral de exist ência, o homem t em af inidade com t udo o que é visível; mediant e sua f orma
veget al, com t odos os seres que crescem e se reproduzem; mediant e sua f orma animal, com t odos
os que percebem seu mundo circundant e e, com base em impressões ext eriores, t êm experiências
int eriores; mediant e sua f orma humana ele const it ui, j á no sent ido corpóreo, um reino em si.

II. A nat ureza anímica do homem

A nat ureza anímica do homem dist ingue-se de sua corporalidade como um mundo int erior
pr ópr i o. Esse âmbit o próprio se apresent a t ão logo dirigimos a at enção à mais simples impressão
sensorial. Ninguém pode saber a pr i or i se out ra pessoa experiment a essa mera sensação
exat ament e do mesmo modo como ela própria. É sabido que exist em pessoas cegas em relação a
cores; elas só vêem as coisas em diversos mat izes de cinza. Out ras são parcialment e dalt ônicas, e
por isso não conseguem perceber det erminadas nuances de cores —a imagem do mundo proporcio-
nada por seus olhos é complet ament e diversa daquela das pessoas dit as normais. E algo similar é
mais ou menos válido para os out ros sent idos. Já de part ida f ica evident e que a mais simples
impressão sensorial pert ence ao mundo int erior. Com meus sent idos f ísicos posso perceber a mesa
vermelha que out ra pessoa t ambém percebe; mas não posso perceber a sensação que a out ra
pessoa t em do vermelho.
Deve-se, port ant o, designar a impressão sensorial como algo aními co. Quem se esclarece
int eirament e sobre esse f at o deixa logo de considerar as experiências int eriores como mer os
processos cerebrais ou algo semelhant e.
À impressão sensorial j unt a-se de início o sent iment o. Uma sensação dá ao homem prazer,
out ra desprazer. Trat a-se de emoções de sua vida int erior, anímica. Em seus sent iment os o homem
acrescent a um segundo mundo àquele que o inf luencia de f ora; e a isso vem agregar-se ainda um
t erceiro: a vont ade, mediant e a qual o homem reage ao mundo ext erior, imprimindo assim a esse
mundo ext erior seu ser int erior. Em seus at os volit ivos, a alma do homem como que j orra para o
ext erior. Os at os do homem dif erem dos f enômenos da nat ureza ext erna por serem port adores de
sua vida int erior. Assim sendo, é a al ma que se cont rapõe ao mundo ext erior como o element o
próprio do homem. Est e recebe os est ímulos do mundo ext erior; porém const rói, de acordo com
esses est ímulos, um mundo pr ópr io. A corporalidade t orna-se o alicerce do anímico.

8
Carl Gust av Carus (1789—1869). (N. T. )
9
Organon der Erkennt nis der Nat ur and des Geist es (Leipzig, 1856), cap. ‘ Von dem Erkennen’ , p. 89 s. (N. E. orig. )

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III. A nat ureza espirit ual do homem

O element o anímico do homem não é det erminado soment e pelo corpo. O homem não vagueia
sem direção e sem obj et ivo de uma impressão sensorial a out ra; nem t ampouco age sob a impressão
de um est ímulo qualquer exercido sobre ele, sej a por algo ext erior ou pelos processos de seu corpo.
Ele r ef l et e sobre suas percepções e sobre suas ações. Ref let indo sobre as percepções, adquire
conheciment os sobre as coisas; ref let indo sobre suas ações, int roduz em sua vida uma coerência
racional. E sabe que sua missão como ser humano só é cumprida dignament e quando, t ant o no
processo cognit ivo quant o no agir, ele se deixa conduzir por pensament os cor r et os. O element o
anímico se def ront a, pois, com uma dupla necessidade. Por necessidade nat ural, ele é det erminado
pelas leis do corpo; pelas leis que conduzem ao corret o pensar, ele se deixa det erminar por
reconhecer livrement e a necessidade das mesmas. E por obra da nat ureza que o homem se acha
suj eit o às leis do met abolismo; j á às leis do pensament o el e se submet e espont aneament e.
Com isso o homem se t orna part icipant e de uma ordem superior à que pert ence por seu corpo;
e essa ordem é a espir i t ual . Tão diverso quant o o corpóreo é do anímico, t ão diverso é est e, por
sua vez, do espirit ual. Enquant o se f ala simplesment e das part ículas de carbono, hidrogênio,
nit rogênio e oxigênio que se moviment am no corpo, não se t em em vist a a alma. A vida anímica só
começa quando, em meio a esse moviment o, surge a sensação: eu sint o o sabor doce ou sint o
prazer. Tampouco se t em em vist a o espír i t o quando se assist e apenas às experiências anímicas que
perpassam o homem quando est e se ent rega complet ament e ao mundo ext erior e à vida de seu
corpo. Esse element o anímico const it ui, muit o mais, soment e a base para o espirit ual, do mesmo
modo como o corpóreo const it ui a base para o anímico.
O pesquisador da nat ureza lida com o corpo, o pesquisador do anímico (psicólogo) com a alma
e o pesquisador do espirit ual com o espír i t o. Obt er clareza sobre a dif erença ent re corpo, alma e
espírit o ref let indo a respeit o de si mesmo é uma exigência a quem queira esclarecer-se, de modo
pensant e, sobre a essência do homem.

IV. Corpo, alma e espírit o

O homem só pode esclarecer-se corret ament e acerca de si mesmo quando se dá cont a da


import ância do pensar na nat ureza humana. O cérebro é o inst rument o corpóreo do pensar. Da
mesma f orma como o homem só pode ver cores com olhos normalment e desenvolvidos, um cérebro
adequadament e f ormado serve-lhe para pensar. Todo o corpo humano est á dispost o de modo a
encont rar seu coroament o nesse órgão do espírit o que é o cérebro. Só se pode compreender a
est rut ura do cérebro humano observando-o com vist as à sua t aref a, que consist e em ser a base
corpórea do espírit o pensant e. Um olhar comparat ivo sobre o mundo animal demonst ra isso. Ent re
os anf íbios, o cérebro é ainda pequeno diant e da medula espinhal; ent re os mamíf eros se t orna
relat ivament e maior, e no homem alcança suas máximas dimensões f rent e ao rest o do corpo.
Cont ra t ais observações sobre o pensar , aqui apresent adas, reina muit o preconceit o. Muit as
pessoas t endem a subest imar o pensar e enalt ecer, acima dest a f aculdade, a “ vida ínt ima dos sen-
t iment os” , a “ sensibilidade” . Chegam a dizer que não é pelo “ árido pensar” , mas pelo calor do
sent iment o, pela f orça imediat a das emoções que o homem se eleva aos conheciment os superiores.
As pessoas que assim se manif est am t emem embot ar os sent iment os ao pensar de modo claro. No
caso do pensament o cot idiano, que se ref ere t ão-soment e às coisas de ut ilidade prát ica,
cert ament e é isso o que ocorre; mas no caso dos pensament os que conduzem a regiões superiores
da exist ência, sucede o cont rário. Não há sent iment o ou ent usiasmo que possa comparar-se em
ardor, beleza e elevação àqueles despert ados pelos puros e crist alinos pensament os ref erent es aos
mundos superiores. Os sent iment os mais elevados são, j ust ament e, não os que se inst alam ‘ por si’ ,
mas os que são conquist ados num enérgico labor do pensament o.
O corpo humano possui uma est rut ura adequada ao pensar . As mesmas subst âncias e f orças
que exist em no mundo mineral acham-se est rut uradas no corpo humano de modo t ão peculiar que,
graças à sua combinação, o pensament o pode manif est ar-se. Essa const rução mineral, que at ende à
f inalidade a que f oi dest inada, t erá nest e est udo a designação cor po f ísi co do homem.
A est rut ura mineral, ordenada em f unção do cérebro como seu pont o cent ral, surge por meio
de r epr odução e recebe sua f orma desenvolvida por meio do cr esci ment o. Reprodução e cres-
ciment o, o homem os t em em comum com as plant as e os animais. Pela reprodução e pelo

14
cresciment o o ser vivo se dist ingue do mineral inanimado. O vivo nasce do vivo por meio do germe.
O descendent e segue-se ao ascendent e na série dos seres vivos. As f orças que dão origem a um
mineral visam às mesmas mat érias que o compõem. Um crist al de rocha f orma-se pelas f orças
inerent es ao silício e ao oxigênio que nele se acham associados. As f orças que dão f orma a um
carvalho, devemos buscá-las indiret ament e, por int ermédio do germe, nas plant as mat erna e pa-
t erna; e a f or ma do carvalho conserva-se de ascendent e para descendent e mediant e reprodução.
Exist em condições i ner ent es, i nat as ao ser vivo.
Foi uma concepção grosseira da nat ureza aquela que acredit ava poderem os animais
inf eriores, at é peixes, f ormar-se da lama. A f orma do ser vivo reproduz-se por her edi t ar iedade. O
modo como se desenvolve um ser vivo depende de qual t enha sido seu ent e pat erno ou mat erno,
ou, em out ras palavras, da espéci e a que ele pert ença. As subst âncias que o compõem se alt eram
cont inuament e; a espécie cont inua exist indo durant e a vida e t ransmit e-se à prole. Com isso a
espéci e é o que det ermina a combinação das subst âncias. Essa f orça gerat riz das espécies deve ser
denominada f or ça vi t al . Assim como as f orças minerais se manif est am nos crist ais, a f orça vit al
plasmadora se exprime nas espécies ou f ormas de vida veget al e animal.
As f orças minerais são percebidas pelo homem graças aos sent idos corpóreos —e ele só pode
perceber o que lhe f acult am t ais sent idos. Sem olhos não há percepção ót ica, sem ouvidos não há
percepção acúst ica. Dos sent idos exist ent es no homem, os organismos inf eriores só possuem uma
espécie de t at o. Para eles, só exist em similarment e à percepção humana as f orças minerais que se
dão a conhecer pelo t at o. Conf orme o grau de desenvolviment o alcançado pelos sent idos ent re os
animais superiores, o mundo ambient e — que o homem t ambém percebe — é mais rico e variado para
eles. Depende, port ant o, dos órgãos de um ser vivo se aquilo que exist e no mundo ext erior t ambém
exist e para ele como percepção, como sensação. O que ocorre no ar como det erminado moviment o
t orna-se, no homem, sensação acúst ica.
As manif est ações da f orça vit al não são percebidas pelo homem mediant e os sent idos comuns;
ele vê as cores das plant as, cheir a-l hes o perf ume; a f orça vit al permanece ocult a para est a
observação. Todavia, da mesma f orma como não cabe ao cego nat o o direit o de negar a exist ência
das cores, t ampouco cabe aos sent idos ordinários negar a f orça vit al. As cores passam a exist ir para
o cego nat o assim que ele é operado; similarment e, passam a exist ir para o homem, t ambém como
percepção, não apenas os i ndi víduos, mas as espéci es de plant as e animais plasmadas pela f orça
vit al, uma vez descerrado nele o órgão para t al.
Um mundo t ot alment e diverso descort ina-se ao homem com o descerrament o desse órgão.
Agora ele não mais percebe merament e as cores, os aromas e out ras caract eríst icas dos seres vivos,
mas t ambém a pr ópr i a vi da desses ser es vi vos. Em cada plant a, em cada animal ele passa a
perceber, além da f orma f ísica, a f or ma espir i t ual pl ena de vi da. A f im de expressar ist o, chame-se
essa f orma espirit ual de cor po et ér i co ou cor po vi t al . 10
Ao pesquisador da vida espirit ual, est as coisas apresent am-se do seguint e modo: para ele, o
corpo et érico não é simplesment e um result ado das subst ancias e f orças do corpo f ísico, mas uma
ent idade real e aut ônoma que conclarna à vida as cit adas subst âncias e f orças. É no sent ido da
Ciência Espirit ual que se f ala ao dizer que um corpo purament e f ísico por exemplo, um crist al —

10
O autor do present e livro, ainda muit o t empo após a redacão do mesmo (cf . periódico Das Rei ch, t omo IV, ano I [ j aneiro
de 1917] ), chamou t ambém o que vem aqui designado como corpo et érico ou vit al de ‘ corpo das f orças f ormat ivas’ [ Bi l de-
Kr äf t e-Lei b] . Viu-se induzido a dar-lhe esse nome por acredit ar nunca ser bast ant e o que se pode f azer para evit ar a possível
conf usão ent re o corpo et érico, aqui indicado e a ‘ f orça vit al’ das ant igas Ciências Nat urais. Mas quando se t rat a de repet ir
essa velha concepção com argument os da moderna Ciência Nat ural , em cert o sent ido o aut or se col oca no pont o de vist a dos
oposit ores de t al f orça; pois com est a eles queriam explicar o modo peculiar pelo qual as f orças inorgânicas at uam no
organismo. Mas o que at ua inorganicament e dent ro do organismo não exerce, nele, ação diversa do que no mundo
inorgânico. As leis da nat ureza inorgânica não são, no organismo, nada diversas do que o são no crist al, et c. Porém no
organismo exist e algo que não é inorgânico: a vida f ormat iva. Essa vida t em por base o corpo et érico ou corpo das f orças
plasmadoras. Sua aceit ação não const it ui, de modo algum, um empecilho à j ust a missão das Ciências Nat urais: observar no
mundo dos organismos aquilo que elas observam na nat ureza inorgânica em mat éria de at uação de f orças. E recusar-se a
imaginar essa at uação de f orças sendo alt erada, dent ro do organismo, por uma f orça vit al específ ica é algo que uma uma
verdadeira Ciência Espirit ual t ambém considera j ust if icado. O pesquisador do espírit o f ala de corpo et érico na medida em
que no organismo se manif est a algo di ver so do que no inanimado. Apesar de t udo isso, o present e aut or não se sent e de
modo algum induzido a subst it uir nest e livro, o t ermo ‘ corpo et érico’ pelo out ro — ‘ corpo de f orças f ormat ivas’ —, pois
dent ro de t odo o present e cont ext o est á excluído, para quem queira ver, algum mal-ent endido. Tal mal-ent endido só pode
ocorrer quando o t ermo é ut ilizado numa explanação incapaz de most rar est e cont ext o. (Vej a-se t ambém o que é dit o, no
f im dest e livro sob o t ít ulo ‘ Not as avulsas e complement ares’ . )

15
t em sua f orma graças às f orças f ísicas f ormat ivas inerent es ao ser inorgânico; um ser vivo não t em
sua f orma em virt ude dessas f orças, pois se desagrega logo que a vida o abandona e f ica ent regue
soment e às f orças f ísicas. O corpo vit al é uma ent idade por cuj o int ermédio, a cada moment o da
vida, o corpo f ísico vai sendo preservado da desagregação.
Para ver esse corpo vit al, percebê-lo em out ro ser, necessit a-se j ust ament e de ol hos
espir i t uais despert os. Sem est es pode-se admit ir, por mot ivos lógicos, a exist ência do corpo
et érico; cont udo só é possível vê-lo com os olhos espirit uais, t al qual se podem ver as cores
soment e com os olhos f ísicos.
Ninguém deveria chocar-se com a expressão ‘ corpo et érico’ . ‘ Ét er’ designa aqui algo diverso
do hipot ét ico ét er da Física. Aceit e-se o t ermo simplesment e como designação para o que é descri-
t o aqui. E t al qual o corpo humano, em sua est rut ura, é uma imagem de sua t aref a, assim t ambém
ocorre com o corpo et érico do homem, que t ambém só é compreendido quando relacionado com o
espírit o pensant e. Por sua ordenação no sent ido do espírit o pensant e é que o corpo et érico do
homem se dif erencia do das plant as e animais. Assim como por meio de seu corpo f ísico o homem
pert ence ao mundo mineral, por meio de seu corpo et érico ele pert ence ao mundo vit al. Depois da
mort e o corpo f ísico dissolve-se no mundo mineral, e o et érico no mundo vit al. Com ‘ corpo’
pret ende-se designar o que proporciona ‘ conf iguração’ , ‘ f orma’ a um ser de qualquer espécie. Não
se deveria conf undir a expressão ‘ corpo’ com a f orma corpórea sensorial. No sent ido aqui t enciona-
do, a designação ‘ corpo’ pode t ambém ser ut ilizada para aquilo que se conf igura como anímico e
espirit ual.
O corpo vit al é ainda algo ext erior ao homem. Com o primeiro vibrar da sensação, o próprio
ser int erior do homem responde aos est ímulos do mundo ext erior. Por mais que se procure naquilo
que é j ust if icado denominar mundo ext erior, não se poderá encont rar nele a sensação.
Os raios luminosos penet ram nos olhos e, uma vez dent ro deles, propagam-se at é a ret ina. Ali
desencadeiam (no chamado pigment o ót ico) processos químicos; o ef eit o desses est ímulos t rans-
mit e-se pelo nervo ót ico at é o cérebro, onde t êm origem ainda out ros processos f ísicos. Caso f osse
possível observar esses processos, ver-se-iam simplesment e processos f ísicos, como em qualquer
out ra part e do mundo ext erior. Se, porém, me f or dado observar o corpo vit al, aí perceberei como
o processo f ísico cerebral é simult aneament e um processo vit al. Porém a sensação da cor azul, que
o recept or dos raios luminosos experiment a, eu não posso encont rar em part e alguma por essa via.
Ela surge t ão-soment e dent ro da alma do recept or. Se, port ant o, a nat ureza dest e recept or se
limit asse aos corpos f ísico e et érico, não poderia exist ir a sensação. A at ividade pela qual a
sensação se t orna um f at o é essencialment e diversa da at uação da f orça vit al plasmadora. Mediant e
essa at ividade, uma vivência int erior é obt ida daquela at uação. Sem t al at ividade exist iria um
simples processo vit al, observável t ambém na plant a. Imagine-se o homem recebendo impressões
de t odos os lados. É preciso imaginá-lo como f ont e da mencionada at ividade volt ado, ao mesmo
t empo, para t odos os lados dos quais ele receba essas impressões. Para t odos os lados as sensações
respondem às impressões. Essa f ont e de at ividade deverá chamar-se al ma da sensação. Est a alma
da sensação é t ão real quant o o corpo f ísico. Se um homem est á diant e de mim e eu f aço abst ração
de sua alma da sensação, represent ando-o na ment e merament e como corpo f ísico, é o mesmo que,
de um quadro, eu represent ar ment alment e apenas a t ela.
Quant o à percepção da alma da sensação, cabe t ambém dizer algo similar ao que j á f oi dit o
sobre o corpo et érico. Os órgãos f ísicos são ‘ cegos’ com relação a ela; igualment e o é o órgão pelo
qual a vida é percebida como vida. Cont udo, assim como o corpo et érico é vist o por meio desse
órgão, o mundo int erior das sensações pode t ransf ormar-se, mediant e um órgão ainda mais eleva-
do, num t ipo especial de percepções supra-sensíveis. Ent ão o homem não apenas recebe as
impressões dos mundos f ísico e vit al sob f orma de sensações, mas vê as sensações. Diant e de uma
pessoa dot ada de t al órgão, o mundo das sensações de um out ro ser se apresent a como uma
realidade ext erior. E preciso dist inguir ent re vivenciar o próprio mundo das sensações e cont emplar
o mundo das sensações de um out ro ser. Perscrut ar o próprio mundo das sensações é,
nat uralment e, possível a t odo e qualquer ser humano; mas enxer gar o mundo das sensações de um
out ro ser só é possível a um vi dent e com os ‘ olhos espirit uais’ abert os. Sem ser vident e, o homem
só conhece o mundo das sensações como experiências i nt er i or es, como as próprias vivências ocult as
de sua alma; com os olhos espirit uais’ abert os, reluz ant e a visão espirit ual ext erna o que
normalment e só vive ‘ no ínt imo’ do out ro ser.
***

16
A f im de prevenir mal-ent endidos, sej a aqui expressament e dit o que o vident e não
experiment a em si a mesma coisa que o out ro ser t em como cont eúdo de seu mundo das sensações.
Esse out ro ser experiment a as sensações do pont o de vist a de seu int erior — o vi dent e percebe uma
revelação, uma ext eriorização do mundo das sensações.
Com relação à sua at ividade, a alma da sensação depende do corpo et érico —pois ext rai dele
o que f ará luzir como sensação; e como o corpo et érico é a vida dent ro do corpo f ísico, a alma da
sensação t ambém depende indiret ament e dest e últ imo. Só em olhos sadios e bem f ormados são
possíveis sensações adequadas das cores. É desse modo que a corporalidade at ua sobre a alma da
sensação. Port ant o, em sua at ividade est a últ ima é det erminada e limit ada pelo corpo; ela vive
dent ro dos limit es que lhe são t raçados pela corporalidade.
O cor po é, pois, const ruído com as subst âncias minerais e vivif icado pelo corpo et érico, sendo
que ele próprio limit a a alma da sensação. Port ant o, quem possui o j á cit ado órgão para ‘ ver’ a
alma da sensação const at a que est a é limit ada pelo corpo. Porém os limit es da alma da sensação
não coincidem com os do corpo f ísico. Essa alma ult rapassa o corpo f ísico. Disso se conclui que ela
most ra ser mais pot ent e do que ele. Porém a f orça que lhe impõe os limit es procede do corpo
f ísico. Com isso se int erpõe ent re os corpos f ísico e et érico, de um lado, e a alma da sensação, de
out ro, mais um component e especial da ent idade humana: o cor po aními co ou corpo das sensações.
Poder-se-ia t ambém dizer que uma part e do corpo et érico é mais sut il do que a out ra, f ormando
uma unidade com a al ma da sensação, enquant o a part e mais densa f orma uma espécie de unidade
com o corpo f ísico. Todavia, como j á f oi dit o, a alma da sensação ult rapassa o corpo anímico.
O que aqui é denominado sensação é soment e uma part e do ser anímico. (O t ermo ‘ alma da
sensação’ f oi escolhido a bem da simplicidade. ) Às sensações se j unt am os sent iment os de prazer e
desprazer, os impulsos, os inst int os, as paixões. Tudo isso t raz o mesmo carát er de vida própria que
as sensações, e depende, como elas, do corpo f ísico.

***

Tal qual com o corpo, a alma da sensação ent ra em int eração t ambém com o pensar, com o
espírit o. Ant es de t udo, ela é servida pelo pensar. O homem elabora pensament os sobre suas sensa-
ções, esclarecendo-se com isso sobre o mundo ext erior. A criança que se queimou ref let e e chega
ao seguint e pensament o: “ Fogo queima. ” Tampouco aos seus impulsos, inst int os e paixões o homem
obedece de modo cego; sua ref lexão proporciona a oport unidade para que ele possa sat isf azê-los. O
que se denomina civilização mat erial encaminha-se int eirament e nessa direção, consist indo nos
serviços que o pensament o prest a à alma da sensação. Incomensuráveis quant idades de energias
ment ais são direcionadas para essa met a. É a energia ment al que t em const ruído navios, f errovias,
t elégraf os, t elef ones; e t udo isso serve, em sua maior part e, à sat isf ação das necessidades das
almas da sensação. E similarment e ao modo como a f orça vit al plasmadora impregna o corpo f ísico
que a f orça pensant e impregna a alma da sensação. A f orça vit al plasmadora liga o corpo f ísico a
ascendent es e descendent es, sit uando-o assim num conj unt o de leis que em nada concernem à
simples mineralidade. Da mesma maneira, a f orça pensant e insere a alma num conj unt o de leis ao
qual ela, como simples alma da sensação, não pert ence.
Por int ermédio da alma da sensação, o homem é af im com os animais. Também ent re os
animais observamos a exist ência de sensações, impulsos, inst int os e paixões. Porém o animal os
segue imediat ament e; aqui eles não est ão ent remeados por pensament os aut ônomos, que
ult rapassem a experiência imediat a. Na pessoa incult a esse t ambém é, at é cert o pont o, o caso. A
simples alma da sensação é, port ant o, diversa do membro anímico desenvolvido e superior que
coloca o pensar a seu serviço. Denomine-se al ma do i nt el ect o essa alma servida pelo pensar. Poder-
-se-ia chamá-la t ambém de alma da índole ou [ simplesment e] índole.
A alma do int elect o permeia a alma da sensação. Quem possui o órgão para ‘ ver’ a alma
observa a alma do int elect o como uma ent idade especial diant e da simples alma da sensação.

***

Pelo pensar o homem é alçado acima de sua vida própria, adquirindo algo que t ranscende sua
alma. Para ele, é evident e a convicção de que as leis do pensament o est ão em sint onia com a
ordem universal. Pelo f at o de essa sint onia exist ir, ele se considera cidadão do Universo. Essa
sint onia é um dos import ant es f at os que propiciam ao homem o conheciment o de sua própria

17
nat ureza. Em sua alma, o homem busca a verdade; e por meio dest a verdade exprimem-se não
soment e a alma, mas t ambém as coisas do mundo. O que é reconhecido como verdade pelo pensar
possui um si gni f i cado i ndependent e, relat ivo às coisas dest e mundo, e não soment e à própria alma.
A alegria que experiment o ao cont emplar o céu est relado é algo subj et ivo; mas os pensament os que
f ormo sobre as órbit as dos corpos celest es t êm, para o pensar de qualquer out ra pessoa, o mesmo
signif icado que para mim. Seria absurdo f alar de minha alegria se eu próprio não exist isse; mas não
seria igualment e absurdo f alar de meus pensament os sem r ef er ênci a a mim —pois a verdade que eu
hoj e penso era t ão ver dadei r a ont em quant o o será amanhã, embora soment e hoj e eu me ocupe
dela. Se um conheciment o me proporciona alegria, est a só t em signif icação enquant o vive em mim;
a ver dade do conheciment o t em seu signif icado t ot alment e independent e dessa alegria. Ao capt ar a
verdade, a alma se liga a algo que t em seu valor int rínseco — e esse valor não desaparece com a
sensação da alma, nem t ampouco t eve origem nela. O que realment e é verdade não nasce nem
perece; t em um signif icado que não pode ser dest ruído.
Isso não cont radiz o f at o de algumas ‘ verdades’ humanas t erem um valor t ransit ório, por
serem reconhecidas em apenas cert o moment o, como erros parciais ou t ot ais. Ora, o homem deve
reconhecer que a verdade, af inal, consist e em si mesma, embora seus pensament os sej am apenas
f ormas perecíveis de manif est ação das verdades et ernas. Quem —como Lessing’ 11 — diz sat isf azer-
se com a et erna busca da verdade, j á que a verdade plena e pura só poderia exist ir para um deus,
t ampouco nega o valor et erno da verdade, e sim o conf irma com t al declaração pois só o que t raz
em si um signif icado et erno pode provocar uma aspiracão et erna em sua direcão. Se a verdade não
f osse aut ônoma por si, se recebesse seu valor e seu signif icado mediant e a sénsibilidade da alma
humana, ent ão não poderia const it uir met a única para t odos os homens. Querendo aspirar à
verdade, o homem lhe reconhece a nat ur eza aut ônoma.
E o mesmo que sucede com o verdadeiro sucede t ambém com o ver dadei r ament e bom. O
moralment e bom independe de inclinações e paixões na medida em que não se deixa dominar por
elas, e sim as domina. Agrado ou desagrado, desej o ou repulsa pert encem à alma individual do
homem; o dever est á acima de agrado e desagrado; pode sit uar-se t ão alt o para o homem que est e
sacrif ique a vida por ele. E o homem sit ua-se t ant o mais alt o quant o mais haj a enobrecido suas
inclinações, seu agrado e desagrado, a pont o de cumprir, espont aneament e, sem const rangiment o
e sem submissão, o que reconhece como seu dever. O moralment e bom, t al como a verdade, t raz
inerent e seu valor et erno, e não o recebe por meio da alma da sensação.
Fazendo reviver em seu próprio ínt imo o que por si é verdadeiro e bom, o homem se eleva
acima da mera alma da sensação. O espírit o et erno penet ra-a com seu esplendor, e nela se acende
uma luz que é imperecível. Na medida em que vive nest a luz, a alma part icipa de algo et erno,
ligando a est e sua própria exist ência. O que a alma t raz em si de verdadeiro e bom é imor t al nela.
O que ref ulge dent ro da alma como algo et erno será denominado aqui al ma da consci ência. De
consci ência t ambém se pode f alar ao ref erir os impulsos inf eriores da alma. A mais corriqueira
sensação é obj et o da consciência. Nessa medida, a consciência t ambém compet e aos animais. O
cerne da consciência humana — port ant o, a al ma dent r o da al ma — é subent endido aqui como al ma
da consciência. A alma da consciência é dif erenciada aqui da alma do int elect o como mais um
membro anímico aut ônomo. Est a últ ima est á ainda ent rosada nas sensações, nos impulsos, af et os e
assim por diant e. Toda pessoa sabe o quant o, para ela, inicialment e vale como ver dadei r o aquilo
t em pref erência em suas emoções, et c. ; cont udo, só é per manent e aquel a verdade que se
desprendeu de t odo e qual quer resquício de t ais simpat ias e ant ipat ias das emoções e assim por
diant e. A verdade é verdadeira mesmo quando t odos os sent iment os pessoais se levant am cont ra
ela. A part e da alma onde vive est a verdade deve ser denominada alma da consciência.
Tal como no corpo, caberia, port ant o, dist inguir na alma t rês component es: a al ma da
sensação, a al ma do i nt el ect o e a al ma da consci ênci a; e assim como, de baixo para cima, a
corporalidade exerce sobre a alma uma ação l i mit ant e, a espirit ualidade at ua de cima para baixo
exercendo sobre ela uma ação ampl i ador a; pois quant o mais a alma se preenche de verdade e
bondade, t ant o mais o et erno se t orna, nela, amplo e abrangent e.
Para quem consegue ‘ enxergar’ a alma, o esplendor que emana do homem devido ao
cresciment o de sua part e et erna é t ão real quant o o é, para os olhos, a luz que irradia de uma
chama. Para o ‘ vident e’ , o homem corpóreo é soment e uma part e do homem t ot al . O corpo é a
mais densa conf iguração em meio a out ras, que o permeiam e se int erpenet ram mut uament e. Como

11
Got t hold Ephraim Lessing (1729-1781). (N. T. )

18
uma f orma vit al, o corpo f ísico preenche o corpo ast ral; ult rapassando est e últ imo em t odas as
direções, reconhece-se o corpo anímico (f igura ast ral); e por sua vez, ult rapassando est e últ imo, a
alma da sensação e depois a alma do int elect o, que se t orna t ant o maior quant o mais t enha
assimilado de verdade e bondade. É que essa parcela de verdade e bondade ocasiona a ampliação
da alma do int elect o. Uma pessoa que vivesse merament e para at ender às suas inclinações, seus
agrados e desagrados, t eria uma alma do int elect o cuj os limit es coincidiriam com os de sua alma da
sensação. Essa f igura em meio à qual o corpo f isico aparece como que numa nuvem - pode ser
designada como aur a humana. É em f unção dela que a ‘ essência do homem’ se enriquece ao ser
observada conf orme procuramos descrever nest e livro.

***

No decorrer da evolução inf ant il, surge na vida do homem o moment o em que pela primeira
vez ele se sent e um ser aut ônomo perant e t odo o rest o do mundo. Para pessoas sensíveis, est a é
uma vivência signif icat iva. O poet a Jean Paul relat a, em sua aut obiograf ia12:

Jamais esqueço o f enômeno ocorrido comigo - e ainda não relat ado a ninguém - no moment o em
que assist i ao nasciment o de minha aut oconsciência, e at é sei precisar a dat a e o lugar. Cert a
manhã, em minha t enra inf ância, eu me encont rava sob a port a f ront eira de minha casa e olhava
para um mont e de lenha à esquerda quando, repent inament e a visão int erior “ eu sou um eu” me
golpeou como um relâmpago dos céus e desde ent ão permaneceu indelevelment e impressa: meu
eu havia vist o a si mesmo pela primeira vez e para sempre. Dif icilment e se pensaria aqui em
ilusões da memória, pois nenhum relat o est ranho poderia mesclar-se a um event o ocorrido
simplesment e no mais sagrado recôndit o do homem, event o que só por sua novidade pudesse f icar
na memória, com t odos os det alhes secundários das circunst âncias do moment o.

É sabido que as crianças pequenas dizem de si mesmas “ Carlos é bonzinho” , “ Maria quer ist o” .
Acha-se nat ural que elas f alem de si t al qual f alam de out ros, pois ainda não se t ornaram
conscient es de sua ent idade aut ônoma, ainda não nasceu nelas a aut oconsciência. Pela
aut oconsciência o homem se designa como um ser aut ônomo, separado de t udo o mais, como “ eu” .
No ‘ eu’ o homem concent ra t udo o que ele vivencia como ent idade corpórea e anímica. Corpo e
alma são port adores do eu; é neles que o eu at ua. Assim como o corpo f ísico t em seu cent ro no
cérebro, a alma t em seu pont o cent ral no eu. Para as sensações, o homem é est imulado de f ora; os
sent iment os se f azem valer como ef eit os do mundo ext erior; a vont ade relaciona-se com o mundo
de f ora, pois se realiza em ações ext eriores. O eu, como a genuína ent idade do homem, permanece
t ot alment e invisível. É por isso que Jean Paul, bem a propósit o, denomina a conscient ização do eu
como “ um event o ocorrido simplesment e no mais sagrado recôndit o do homem” , pois com seu eu o
homem est á complet ament e só.
Esse eu é o próprio homem. Ist o lhe dá direit o a considerar esse eu como sua verdadeira
ent idade. Port ant o, ele pode chamar seu corpo e sua alma de ‘ invólucros’ dent ro dos quais vive,
podendo designá-los corno condições corpóreas para seu agir. No decorrer de seu desenvolviment o,
ele aprende cada vez mais a ut ilizar esses inst rument os como servidores do seu eu. A palavrinha
‘ eu’ , como, por exemplo, é empregada na língua alemã [ Ich] , é um nome que se dist ingue de t odos
os demais. Quem ref let e adequadament e sobre a nat ureza desse nome t em, com isso, acesso ao
conheciment o da ent idade humana num sent ido mais prof undo. Todas as pessoas podem aplicar, de
maneira igual, cada nome ao obj et o correspondent e. Cada uma pode chamar a mesa de ‘ mesa’ , a
cadeira de ‘ cadeira’ . O mesmo j á não ocorre com o nome ‘ eu’ . Ninguém pode ut ilizá-lo para
designar out ra pessoa; cada um só pode chamar a si mesmo de ‘ eu’ . Nunca a palavra ‘ eu’ pode
chegar de f ora ao meu ouvido quando est a designação se ref ere a mi m. Só de dent ro para f ora, por
si pr ópr i a, a alma pode denominar-se ‘ eu’ . Port ant o, quando o homem diz ‘ eu’ ref erindo-se a si,
começa a f alar dent ro dele algo que nada t em a ver com nenhum dos mundos dos quais procedem
os ‘ invólucros’ mencionados at é agora. O eu t orna-se cada vez mais senhor do corpo e da alma.
Também isso se expressa na aura. Quant o mais o eu é senhor de seu corpo e de sua alma,
t ant o mais complexa, mult if ária, mult icolorida é a aura. O ef eit o do eu sobre a aura pode ser ob-
servado pelo ‘ vident e’ . O eu propriament e dit o t ambém é invisível para ele, pois est á realment e no

12
Jean Paul é pseudônimo do escrit or alemão Johann Friedrich Richt er (1763—1825). A experiência a seguir f oi
descrit a pela primeira vez em Wahr ei t aus Jean Paul s Leben. Ki ndhei t sgescchi cht von i hm sel bst geschr i eben
[ 3 cadernos em 2 volumes] (Breslau, 1826—1828), cad. 1, p. 53) (N. E. orig. )

19
“ no mais sagrado recôndit o do homem” .
Porém o eu absorve os raios da luz que ref ulge no homem como luz et erna. Assim como est e
concent ra no eu as vivências do corpo e da alma, ele t ambém f az af luir para o eu os pensament os
de verdade e bondade. Por um lado manif est am-se ao eu os f enômenos sensoriais, e, por out ro, o
espír i t o. O corpo e a alma se ent regam ao eu para servi-lo; o eu, porém, ent rega-se ao espírit o
para que est e o preencha. O eu vive no corpo e na alma, mas o espírit o vive no eu; e o que de
espírit o exist e no eu é algo et erno pois o eu recebe essência e valor daquilo a que est á ligado. En-
quant o vive no corpo f ísico, ele est á suj eit o às leis minerais; por meio do corpo et érico, às leis da
reprodução e do cresciment o; por meio das almas da sensação e do int elect o, às leis do mundo
anímico; e na medida em que acolhe o espirit ual, subordina-se às leis do espírit o. O que é plasmado
pelas leis minerais, pelas leis vit ais, nasce e perece; o espírit o, porém, nada t em a ver com nas-
ciment o e pereciment o.

***

O eu vive na alma. Embora a mais elevada manif est ação do eu pert ença à alma da
consciência, ainda assim se deve dizer que esse eu, irradiando de lá, inunda a alma int eira e, por
meio dela, ext erioriza seu ef eit o sobre o corpo; e é no eu que o espírit o é vivo e at uant e. O espírit o
irradia para dent ro do eu f azendo dele seu ‘ envolt ório’ , do mesmo modo como o eu vive no corpo e
na alma t endo-os como seus ‘ envolt órios’ . O espírit o f orma o eu de dent ro para f ora e o mundo
mineral de f ora para dent ro. Denomine-se ‘ ident idade espirit ual’ 13 o espírit o que f orma um eu e
vive como t al, porque ele se manif est a como ‘ eu’ ou sel f do homem. A dif erença ent re a
‘ ident idade espirit ual’ e a ‘ alma da consciência’ pode ser def inida do seguint e modo: a alma da
consciência t oca a verdade, exist ent e por si mesma e independent e de qualquer ant ipat ia e
simpat ia; a ident idade espirit ual cont ém em si a mesma verdade, porém assimilada e encerrada
pelo eu individualizada por ele e acolhida na ent idade aut ônoma do homem. É pelo f at o de a
verdade se individualizar assim e vincular-se ao eu, f ormando uma ent idade única, que o próprio eu
alcança a et ernidade.
A ident idade espirit ual é uma revelação do mundo espirit ual no int erior do eu, da mesma
f orma como dent ro dele a impressão sensorial é uma manif est ação do mundo f ísico. No que é
vermelho, verde, claro, escuro, duro, mole, quent e ou f rio, reconhecem-se as manif est ações do
mundo corpóreo; no que é verdadeiro e bom, as manif est ações do mundo espirit ual. No mesmo
sent ido em que a manif est ação do mundo corpóreo é chamada de sensação, sej a a manif est acão do
mundo espirit ual denominada i nt ui ção. O mais simples pensament o j á cont ém int uição, pois não se
pode apalpá-lo com as mãos nem vê-lo com os olhos: é preciso receber sua revelação vinda do
espírit o, at ravés do eu.
Quando um homem pouco evoluído e out ro evoluído cont emplam uma plant a, o que se passa
no eu de um é t ot alment e diverso do que se passa no eu do out ro, embora as sensacões de ambos
sej am despert adas pelo mesmo obj et o. A dif erença reside no f at o de um poder f ormar pensament os
muit o mais perf eit os do obj et o do que o out ro. Se os obj et os só se manif est assem pela sensação,
não poderia haver progresso algum na evolução espirit ual. Um selvagem t ambém é sensível à
nat ureza; porém as leis da nat ureza só se descort inam aos pensament os f ecundados pela int uição,
próprios do homem superiorment e [ espirit ualment e] evoluído. A criança t ambém sent e os est ímulos
do mundo ext erior como impulsos da vont ade, mas os imperat ivos do que é moralment e bom só lhe
f icam pat ent es no decorrer de seu desenvolviment o, à medida que el a aprende a viver no espírit o e
a compreender sua revelação.
Assim como sem olhos não haveria sensações de cores, sem o pensament o superior da
ident idade espirit ual não haveria int uições; e do mesmo modo como a sensação não cria a plant a
em que se manif est a a cor, t ampouco a int uição cria o espirit ual: o que ela f az é, muit o mais,
anunciá-lo.
Pelas int uições, o eu do homem que despont a na alma capt a as mensagens do alt o, do mundo
espirit ual, do mesmo modo como, por meio das sensações, recebe as mensagens do mundo f ísico.
Com isso int egra o mundo espirit ual na vida própria de sua alma do mesmo modo como, por meio
dos sent idos, int egra o mundo f ísico. A alma, ou o eu que nela ref ulge, abre suas port as para dois
lados: para o lado do corpóreo e para o do espirit ual.
Ora, assim como o mundo f ísico só pode anunciar-se ao eu por const ruir, com suas próprias

13
Al. Geist selbst , usualment e t raduzido t ambém, em t ext os ant roposóf icos, como ‘ personalidade espirit ual’ . (N. T. )

20
subst âncias e f orças, um corpo em que a alma conscient e possa viver e dent ro do qual ela possua
seus órgãos para a percepção do mundo f ísico ext erior, assim t ambém o mundo espirit ual const rói,
com suas f orças e subst âncias espirit uais, um corpo espirit ual em que o eu possa viver e perceber o
mundo espirit ual por meio de int uições. (É evident e que os t ermos subst ânci a espi r i t ual e cor po
espir i t ual , t omados lit eralment e, cont êm uma cont radição. Eles só devem ser ut ilizados para
evocar no pensament o o que no mundo espirit ual corresponde ao corpo f ísico. )
Da mesma maneira como dent ro do mundo f ísico os corpos humanos individuais são f ormados
como ent idades dist int as, assim o são dent ro do mundo espirit ual os corpos espirit uais. Também ali,
t al qual no mundo f ísico, exist e para o homem um ‘ f ora’ e um ‘ dent ro’ . Do mesmo modo como
assimila as subst âncias do ambient e f ísico e as elabora em seu corpo f ísico, o homem absorve o
element o espirit ual no ambient e espirit ual e o t ransf orma em seu próprio. O espirit ual é o aliment o
et erno do homem; e do mesmo modo como nasceu do mundo f ísico, o homem nasce igualment e do
espírit o por meio das et ernas leis do verdadeiro e do bom. Ele se acha separado do mundo
espirit ual circundant e t al qual, como ser aut ônomo, est á separado de t odo o mundo f ísico.
Chamemos est a ident idade espirit ual independent e de ‘ homem-espírit o’ .
Examinando o corpo f ísico do homem, encont raremos nele as mesmas subst âncias e f orças que
exist em f ora dele no rest ant e do mundo f ísico. O mesmo se dá com o homem-espírit o. Os ele-
ment os do mundo espirit ual circundant e pulsam dent ro dele, e em seu int erior at uam as f orças do
mundo espirit ual rest ant e. Tal como na derme f ísica se acha encerrado um ser vivo e sensível,
assim t ambém ocorre no mundo espirit ual. Chamemos a derme espirit ual que separa o homem-
espírit o do mundo espirit ual unit ário - t ornando-o, lá dent ro, um ser aut ônomo que vive por si e
int uit ivament e percebe o cont eúdo espirit ual do mundo — de envol t ór io espir i t ual (envolt ório
áurico); mas é preciso f ixar na ment e que essa ‘ derme espirit ual’ se expande cont inuament e com o
progressivo desenvolviment o do homem, de modo que a individualidade espirit ual do homem (seu
envolt ório áurico) é capaz de um cresciment o ilimit ado.
Dent ro desse envolt ório espirit ual vi ve o homem-espírit o. Est e é const ruído pela f or ça vit al
espirit ual no mesmo sent ido em que o é o corpo f ísico pela f orça vit al f ísica. Do mesmo modo como
se f ala de um corpo et érico, deve-se, pois, f alar de um espírit o et érico com relação ao homem
espirit ual. Chamemos esse espírit o et érico de espír i t o vi t al .
A ent idade espirit ual do homem consist e, pois, em t rês part es: homem-espír i t o, espír i t o vi t al
e i dent i dade espir i t ual .
Para o ‘ vident e’ nas esf eras espirit uais, essa ent idade espirit ual do homem, com o part e
superior — genuinament e espirit ual — da aur a, é uma realidade percept ível. Ele ‘ vê’ , dent ro do
envolt ório espirit ual, o homem-espírit o como espírit o vit al; e ‘ vê’ t ambém como esse espírit o vit al’
vai crescendo à medida que absorve o aliment o espirit ual do mundo espirit ual circundant e. Além
disso vê como, por meio dessa assimilação, o envolt ório espirit ual se expande cont inuament e —
como o homem-espírit o vai-se t ornando cada vez maior. A visão espacial desse ‘ cresciment o’
const it ui, nat uralment e, apenas uma i magem da realidade. Não obst ant e, a alma, ao t er a
represent ação dessa imagem, direciona-se para a realidade espirit ual correspondent e. A dif erença
exist ent e no homem ent re a ent idade espirit ual e a f ísica é que est a últ ima possui um t amanho
limit ado, ao passo que a primeira pode crescer ilimit adament e. O que é assimilado como aliment o
espirit ual possui, na verdade, valor et erno. Port ant o, a aura humana se compõe de duas part es que
se int erpenet ram; uma delas recebe sua cor e sua f orma da exist ência humana f ísica e a out ra da
vida espirit ual do homem.
O eu marca a separação ent re ambas, porque o f ísico t em a caract eríst ica de ent r egar -se e
const ruir um corpo capaz de f azer despont ar em si umna alma; o eu, por sua vez, ent rega-se
f azendo surgir em si o espírit o, que de seu lado permeia a alma e lhe indica a met a no mundo
espirit ual. Por meio do corpo, a alma encont ra-se conf inada no mundo f ísico; por meio do homem-
espírit o, crescem-lhe asas para a moviment açao no mundo espirit ual.

***

Querendo-se compreender o homem i nt ei r o, deve-se concebê-lo int egrado pelas part es


mencionadas. O corpo se const rói ut ilizando subst âncias do mundo f ísico, de modo que est a
const rução f ica subordinada ao eu pensant e. Ele é permeado por f orça vit al, t ransf ormando-se
assim em corpo et érico ou vit al. Como t al, abre-se para o mundo ext erior nos órgãos sensíveis e
t ransf orma-se em corpo anímico. Est e é permeado pela alma da sensação, que passa a f ormar uma
unidade com ele. A alma da sensação não se limit a a receber, sob f orma de sensações, as

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impressões do mundo ext erior; ela t em sua própria vida, que é f ecundada pelo pensament o t ant o
quant o pelas sensações, t ransf ormando-se assim em alma do int elect o. Ela é capaz disso porque ‘ se
abre t ant o pára cima, às int uições, quant o para baixo, às sensações — sendo, assim, alma da
consciência. Isso é possível porque o mundo espirit ual esculpe nela o órgão da int uição, t al como o
corpo f ísico lhe f orma os órgãos dos sent idos. O espírit o t ransmit e as int uições pelo órgão int uit ivo
t al qual os sent idos t ransmit em as sensações pelo corpo anímico. Assim sendo, o homem-espírit o
encont ra-se unido à alma da consciência do mesmo modo como o corpo f ísico se acha ligado à alma
da sensação no corpo anímico. Alma da consciência e ident idade espirit ual f ormam uma unidade. E
nest a unidade que vi ve o homem-espírit o como espírit o vit al, da mesma f orma como o corpo
et érico const it ui, para o corpo anímico, a base vit al corpórea. E assim como o corpo f ísico é
conf inado na derme f ísica, o homem-espírit o o é no envolt ório espirit ual. A const it uição do homem
compl et o result a, pois, no seguint e:

A. Corpo f ísico
B. Corpo et érico ou vit al
C. Corpo anímico
D. Alma da sensação
E. Alma do int elect o
F. Alma da consciência
G. Ident idade espirit ual
H. Espírit o vit al
I. Homem-espírit o

Corpo anímico (C) e alma da sensação (D) const it uem uma unidade no homem t erreno; do
mesmo modo, a alma da consciência (F) e a ident idade espirit ual (G). — Com ist o result am, pois,
set e part es no homem t erreno:

1. O corpo f ísico
2. O corpo et érico ou vit al
3. O corpo anímico-sensit ivo
4. A alma do int elect o
5. A alma da consciência plenament e espirit ualizada
6. O espírit o vit al
7. O homem-espírit o

É na alma que o eu lampej a, recebendo o impact o do espírit o e t ornando-se, port ant o, veículo
do homem-espírit o. Com isso o homem part icipa dos ‘ t rês mundos’ (f ísico, anímico e espirit ual). Ele
se acha arraigado no mundo f ísico pelos corpos f ísico, et érico e anímico, desabrochando no mundo
espirit ual com a ident idade espirit ual, o espírit o vit al e o homem-espírit o. Porém o t r onco, que por
um lado se arraiga e por out ro f loresce, é a própria alma.
É possível, em coerent e harmonia com est a const it uição do homem, apresent á-la t ambém
numa f orma mais simples. Embora o eu do homem resplandeça na alma da consciência, nem por
isso ele deixa de impregnar t odo o ser anímico. As part es desse ser anímico não são nit idament e
separadas, como os membros corpóreos; elas se int erpenet ram num sent ido mais elevado. Com-
preendendo-se as almas do int elect o e da consciência como dois envolt órios int erdependent es do
eu, e est e como cerne delas, o homem pode ser art iculado em: corpo f ísico, corpo vit al, corpo
ast ral e o eu. Com a expressão ‘ corpo ast ral’ f ica indicado o con j unt o represent ado pelo corpo
anímico e a alma da sensação. O t ermo é encont rado j á na lit erat ura mais ant iga, sendo aqui apli-
cado à part e do ser humano que t ranscende a nat ureza acessível aos sent idos. Embora a alma da
sensação sej a, de cert o modo, f ort alecida pelo eu, ela se acha em t al relação com o corpo anímico
que para ambos, t omados em conj unt o, bem se j ust if ica um t ermo único. Ora, quando o eu se f az
permear pela ident idade espirit ual, est a se manif est a de modo que o corpo ast ral sej a t rans-
f ormado a part ir do campo anímico. No corpo ast ral at uam inicialment e, na medida em que são
experiment ados, os inst int os, cobiças e paixões do homem; aí at uam t ambém as percepções sen-
sórias. Est as surgem por int ermédio do corpo anímico como uma parcela do homem advinda do
mundo ext erior. Os inst int os, cobiças, paixões, et c. nascem na alma da sensação na medida em que
est a é revigorada por seu int erior ant es que esse int erior se haj a ent regue à ident idade espirit ual.

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Se o eu se f az permear pela ident idade espirit ual, a alma, por sua vez, f ort alece o corpo ast ral com
essa ident idade espirit ual. Isso se expressa no f at o de os inst int os, cobiças e paixões serem
‘ t ransiluminados’ pelo que o eu recebeu do espírit o. Em virt ude de sua part icipação no mundo
espirit ual, o eu t orna-se, port ant o, senhor do mundo dos inst int os, cobiças, paixões, et c. A medida
que isso ocorre, a ident idade espirit ual vai despont ando no corpo ast ral; e est e, por sua vez, é
t ransf ormado por esse processo. O próprio corpo ast ral aparece, ent ão, como uma ent idade dupla,
em part e não-t ransf ormada e em part e t ransf ormada. Assim, pode-se designar a ident idade es-
pirit ual, t al qual se manif est a no homem, como sendo o corpo ast ral t ransf ormado. Algo
semelhant e se processa no homem quando est e acolhe no próprio eu o espírit o vit al. Ent ão o corpo
vit al se t ransf orma, sendo permeado pelo espírit o vit al. Est e se manif est a de modo que o corpo
vit al passe a ser out ro. Daí se poder dizer t ambém que o espírit o vit al é o corpo vit al t ransf ormado.
E o eu, ao absorver o homem-espírit o, recebe com isso a poderosa f orça para permear com ele o
corpo f ísico. É nat ural que a porção do corpo f ísico que est ej a assim t ransf ormada não possa ser
percebida com os sent idos f ísicos. É j ust ament e essa porção espirit ualizada que, no corpo f ísico, se
t ornou homem-espírit o. Agora ela exist e, para a percepção sensorial, como algo sensório; e na
medida em que est ej a espirit ualizado, esse algo deve ser percebido por f aculdades cognit ivas
espirit uais. Aos sent idos ext ernos, t ambém a part e f ísica impregnada pelo espirit ual só se manif est a
sensorialment e.
Com base em t udo isso, pode-se t ambém apresent ar a seguint e composição do homem:
1. Corpo f ísico
2. Corpo vit al
3. Corpo ast ral
4. Eu, como cerne da alma
5. Ident idade espirit ual, como corpo ast ral t ransf ormado
6. Espírit o vit al, como corpo vit al t ransf ormado
7. Homem-espírit o, como corpo f ísico t ransf ormado.

Reencarnação do espírit o e dest ino

No meio, ent re o corpo e o espírit o, vive a al ma. As impressões que lhe chegam at ravés do
corpo são t ransit órias. Elas só exist em enquant o o corpo t em seus órgãos abert os às coisas do
mundo ext erior. Minha vist a só percebe a cor da rosa enquant o a rosa est á à sua f rent e e abert a. E
necessária a pr esença t ant o do obj et o no mundo ext erior quant o do órgão corpóreo para que haj a
uma impressão, uma sensação ou percepção. Porém o que eu reconheci no espírit o como ver dade a
respeit o da rosa não se vai j unt o com o moment o present e, nem sua verdade depende, em
absolut o, de mim. Isso seria verdadeiro mesmo que eu nunca t ivesse deparado com a rosa. O que
eu reconheço por meio do espírit o est á f undament ado num element o da vida anímica, pelo qual a
alma se vincula a um cont eúdo do mundo que se manif est a nela independent ement e das bases
t ransit órias do meu corpo. Não import a se o que se manif est a é, por si, t ot alment e imperecível, e
sim se a revelação à alma ocorre de f orma que disso não part icipe sua base corpórea perecível, mas
o que nela independe do t ransit ório. O duradouro na al ma ent ra em consideração quando o homem
se apercebe de exist irem experiências não limit adas por sua part e t ransit ória. Não import a que
essas experiências sej am ou não conscient izadas por meio de f unções t ransit órias da organização
corporal; o que import a é o f at o de encerrarem al go que, embora viva na alma, em sua plena
verdade independe do processo passageiro da percepção. A alma se sit ua ent re o present e e a
et ernidade, pois medeia ent re o corpo e o espírit o. Mas ela t ambém é medi ador a ent re o present e
e a et ernidade; conserva o present e para a lembrança, subt raindo-o, port ant o, ao t ransit ório e
acolhendo-o na et ernidade de seu espírit o. Ela t ambém imprime et ernidade ao perecível e
t emporário — pois, além de não se ent regar, em sua vida, exclusivament e aos est ímulos
passageiros, det ermina por si mesma as coisas, incorporando sua própria nat ureza às ações que
execut a. Pela lembrança, a alma conserva o ont em; pela ação, prepara o amanhã.
Minha alma deveria perceber sempre de novo o vermelho da rosa para t ê-lo na consciência,
caso não pudesse ret ê-lo por meio da memória. O que f ica ret ido de uma impressão ext erna, o que
pode ser guardado pela alma, pode, por sua vez, t ornar-se novament e uma r epr esent ação ment al ,

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independent ement e das impressões ext eriores. Mediant e essa f aculdade, a alma f az do mundo
ext erior seu próprio mundo int erior; pode, assim, ret ê-lo na memór ia — para a recordação e
cont inuar vivendo com ele uma vida própria, independent ement e das impressões recebidas. A vida
anímica t orna-se, assim, o ef ei t o dur adour o das impressões passageiras do mundo ext erior.
Mas t ambém a ação adquire perpet uidade, uma vez impressa no mundo ext erior. Quando
cort o um galho de uma árvore, por int ermédio de minha alma ocorre algo que alt era complet a-
ment e o curso dos acont eciment os do mundo ext erior. Teria ocorrido algo t ot alment e diverso com
o galho se eu não t ivesse int erf erido com minha ação. Eu dei origem a uma série de ef eit os que não
t eriam ocorrido se eu não exist isse. O que eu f iz hoj e permanece para amanhã; t orna-se duradouro
por meio da ação, t al como minhas impressões de ont em se t ornaram permanent es por meio da
memória.
Para essa permanência por meio da ação não se f orma, na consciência comum, uma
represent ação ment al como a que se denomina ‘ memória’ , ret enção de uma experiência result ant e
de uma percepção; mas acaso o eu do homem não se encont ra t ão vinculado à mudança ocorrida no
mundo por seu at o quant o àlembrança result ant e de uma impressão? O eu j ulga dif erent ement e as
novas impressões, conf orme t enha ou não est a ou aquela recordação; mas, enquant o um eu, ele
ent ra t ambém numa out ra relação com o mundo conf orme t enha ou não prat icado est a ou aquela
ação. A quest ão de exist ir algo de novo nas relações do mundo com meu eu depende de eu t er ou
não produzido uma impressão em out ra pessoa por meio de um at o. Eu sou out ro homem em minha
relação com o mundo desde o moment o em que produzi uma impressão sobre meu ambient e. O f at o
de não se perceber esse processo do mesmo modo como [ se percebe] a alt eração do eu ao acessar
uma lembrança ocorre apenas porque a lembrança, t ão logo f ormada, se associa à vida anímica
sent ida desde sempre como própria; mas o ef eit o ext erno da ação, libert o dessa vida anímica,
desdobra-se em conseqüências que const it uem algo diverso do que o homem guarda a t al respeit o
em sua memória. Mesmo assim, dever-se-ia admit ir que, após consumada uma ação, passa a exist ir
no mundo alguma coisa cuj o carát er é moldado pelo eu. Quem ref let ir com rigor sobre esse pont o
chegará à seguint e indagação: acaso não é possível que as conseqüências de uma ação consumada,
as quais t êm sua nat ureza moldada pelo eu, possuam uma t endência a reapresent ar-se ao eu da
mesma f orma como uma impressão guardada na memória t orna a surgir quando provocada por uma
causa ext erior? O que se conserva na memória espera por um ensej o assim; mas será que o que se
conserva no mundo ext erior com um carát er egóico não poderia esperar, igualment e, para
apresent ar-se do ext er i or à alma humana, do mesmo modo como a lembrança lhe surge do ínt i mo
em dada oport unidade? Est e assunt o é colocado aqui apenas como pergunt a, pois cert ament e seria
possível j amais ocorrer o ensej o de as conseqüências de uma ação com um carát er egóico viessem a
af et ar a alma humana. Mas que elas exist em como t ai s e, em sua exist ência, det erminam a relação
do mundo com o eu, f ica logo pat ent e como uma possível idéia ao se acompanhar com a at ividade
pensant e o que se expôs aqui. Nas considerações seguint es, examinaremos se exist e na vida
humana algo que, com base nest a ‘ possível’ idéia, apont e alguma realidade.

***

Observemos primeirament e a memória. Como é que ela surge? Evident ement e, de modo bem
diverso da sensação ou da percepção. Sem olhos eu não posso t er a sensação do ‘ azul’ ; mas por
meio dos olhos ainda não f ormo qualquer lembrança do ‘ azul’ . Para que os olhos me dêem est a
sensação, é preciso surgir à sua f rent e um obj et o azul. A corporalidade deixaria submergir cont i-
nuament e t odas as impressões no nada se, ao f ormar-se a represent ação ment al pr esent e por meio
do at o percept ivo, não ocorresse ent re o mundo ext erior e a alma algo de t al ef eit o no homem que,
mais t arde, devido a processos em si pr ópr i o, ele possa novament e t er uma represent ação ment al
daquilo que ant es provocou uma represent ação vinda de f or a. Quem t iver adquirido prát ica na
observação da alma poderá considerar int eirament e errônea a af irmat iva com base na seguint e
opinião: hoj e se t em uma represent ação ment al e amanhã, graças à memória, essa represent ação
t orna a aparecer, após, ent rement es, t er-se conservado em alguma part e do homem. Não, est a
represent ação ment al que eu t enho agor a é um f enômeno que se esvai com o ‘ agora’ . Quando a
recordação se apresent a, acont ece em mim um processo que é a conseqüência de algo que, na
relação ent re o mundo ext erior e mim, ocorreu f or a da evocação da represent ação at ual. O que f oi
provocado pela lembrança é uma represent ação nova, e não a ant iga, conservada. A lembrança
consist e em se poder represent ar de novo, e não em uma represent ação ant iga reviver. O que se

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apresent a novament e é algo diverso da represent ação propriament e dit a. (Faz-se aqui est a
observação devido à necessidade, no campo cient íf ico-espirit ual, de f ormar sobre cert as coisas re-
present ações ment ais mais pr eci sas do que na vida cot idiana, e at é na ciência comum. )
“ Eu me lembro” signif ica: eu vivencio algo que não est á mais present e —associo à minha vida
present e uma experiência passada. Isso se aplica a t oda lembrança. Por exemplo, eu encont ro uma
pessoa e a reconheço porque a vi ont em. Ela me seria absolut ament e est ranha caso eu não pudesse
associar a impressão que hoj e t enho dela à imagem percept iva de ont em. A imagem de hoj e me é
f ornecida pela percepção, ist o é, por meu sist ema sensório. Mas o que me evoca mist eriosament e
na alma a imagem de ont em? O mesmo ser que est ava present e em minha experiência de ont em e
que est á t ambém na de hoj e: aquele que nas explicações ant eriores f oi designado por al ma. Se est a
não f osse f iel deposit ária do passado, t oda e qualquer impressão ext erior result aria sempre nova
para o homem. E cert o que a alma imprime no corpo, como que com um sinal, o processo pelo qual
algo se t orna lembrança; porém é j ust ament e a al ma que deve realizar essa impressão e, mais
t arde, perceber essa impressão como algo ext erior. Assim, ela é a deposit ária da lembranca.
Como conservadora do passado, a alma recolhe cont inuament e t esouros para o espírit o. O f at o
de eu saber dist inguir o cert o do errado depende de eu ser, como ser humano, um ent e pensant e,
capaz de apreender a verdade no espírit o. A verdade é et erna; e ela poderia est ar sempre se
revelando a mim novament e nas coisas, mesmo se eu est ivesse cont inuament e esquecendo o
passado e t oda e qualquer impressão f osse nova para mim. Porém o espírit o em mim não se
rest ringe soment e às impressões do present e: a al ma est ende seus horizont es ao passado; e quant o
mais ela pode acrescent ar-lhes do passado, mais os enriquece. Assim a alma t ransmit e ao espírit o o
que recebeu do corpo.
Port ant o, o espírit o do homem leva em si duas coisas em t odos os moment os de sua vida:
primeiro, as leis et ernas do Verdadeiro e do Bom; segundo, a recordação das experiências do pas-
sado. Tudo o que ele f az é realizado sob a inf luência desses dois f at ores. Se quisermos
compreender o espírit o de um homem deveremos, pois, saber duas coisas a seu respeit o: primeiro,
o quant o lhe f oi revelado do et erno, e, segundo, quant os t esouros do passado repousam dent ro
dele.
De maneira alguma esses t esouros permanecem no espírit o de f orma inalt erada. As impressões
que o homem obt ém das experiências vão-se esvaindo da memória. Não, porém, seus f rut os. As
pessoas nao se lembram de t odas as experiências do período em que, na inf ância, aprenderam a
art e de ler e escrever; mas não poderiam ler nem escrever se não t ivessem passado por essas
experiências, nem se est as não t ivessem sido preservadas sob f orma de capacidades. Est a é a
t ransf ormação que o espírit o opera nos t esouros da memória. Ele abandona à própria sort e o que
pode conduzir a imagens de cada uma das experiências, ext raindo disso soment e a f orça para
aument ar suas capacidades. Assim, obviament e nenhuma experiência passa por ele sem ser ut iliza-
da: a alma a conserva corno lembrança, e o espírit o absorve dela o que pode enriquecer suas
f aculdades, seu cont eúdo de vida. O espírit o humano cr esce por meio das experiências elaboradas.
Assim sendo, não se pode encont rar as experiências passadas guardadas no espírit o como num
depósit o: encont ram-se seus ef ei t os nas capacidades que o homem adquiriu.

***

At é agora, o espírit o e a alma só f oram considerados dent ro dos limit es sit uados ent re o
nasciment o e a mort e. Cont udo, não se pode permanecer nist o. Fazê-lo seria o mesmo que
considerar t ambém o corpo humano apenas dent ro de t ais limit es. E cert o que muit a coisa se
encont ra dent ro deles; mas a f or ma humana j amais poderia ser explicada pelo que reside ent re o
nasciment o e a mort e. Ela não pode const it uir-se diret ament e de meras subst âncias e f orças f ísicas;
só pode provir de uma f orça igual a ela, t ransmit ida por heredit ariedade. As f orças e mat érias
f ísicas vão const ruindo o corpo durant e a vida: as f orças da reprodução f azem surgir dele out ro
corpo que pode t er sua f orma —um corpo capaz de ser o veículo do mesmo corpo vit al.
Todo corpo vit al é uma repet ição de seu genit or. Só pel o f at o de sê-lo é que ele aparece não
sob uma f orma qualquer, mas sob a que lhe f oi comunicada por heredit ariedade. As f orças que
t ornaram possível minha f orma humana est avam cont idas em meus ascendent es. Mas t ambém o
espírit o do homem aparece sob det erminada f orma (a palavra ‘ f orma’ t em nat uralment e, nest e
cont ext o, uma conot ação espirit ual); e as f ormas do espírit o são, de homem para homem, o que há
de mais diverso imaginável. Não há dois homens que t enham a mesma f orma espirit ual. Nest e

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campo é preciso observar com a mesma calma e obj et ividade que no campo f ísico. Não se pode
dizer que as dif erenças humanas quant o ao espírit o só decorrem da het erogeneidade de seu meio
de sua educação, et c. Não, não é est e absolut ament e o caso; pois duas pessoas expost as às mesmas
inf luências de meio, educação, et c. desenvolvem-se de modo bem diverso. Sendo assim, cabe ad-
mit ir que elas t enham começado suas vidas com predisposições t ot alment e dif erent es.
Temos aí um f at o import ant e que, reconhecido em t oda a sua ext ensão, espalha luz sobre a
nat ureza do homem. Quem só queira ver as coisas em seu aspect o mat erial dirá, cert ament e, que
as personalidades humanas dif erem ent re si porque as propriedades dos germes mat eriais são
diversas. (E em f ace das leis da heredit ariedade descobert as por Gregor Mendel, desenvolvidas por
out ros, essa opinião pode sust ent ar-se com muit os argument os que na aparência se j ust if icam,
inclusive para o j ulgament o cient íf ico. ) Mas quem assim j ulga demonst ra apenas não t er
compreensão alguma da verdadeira relação ent re o homem e suas vivências; pois a observação
obj et iva leva a concluir que as circunst âncias ext ernas at uam de modo diverso sobre as dif erent es
pessoas, mediant e algo que não ent ra di r et ament e em int eração com a evolução mat erial. A um
pesquisador realment e crit erioso nest e domínio, é evident e que o que procede da base mat erial se
f az dist inguir daquilo que, embora surj a pela int eração do homem com suas experiências, só pode
f ormar-se porque a própria al ma ent ra nessa int eração. A alma est á, aí, em evident e relação com
algo do mundo ext erior que, por sua pr ópr i a nat ur eza, não pode relacionar-se com as disposições
exist ent es nos germes mat eriais.
Por sua f orma f ísica, os seres humanos dif erem das criat uras do reino animal na Terra. Dent ro
de cert os limit es, porém, com relação a essa f orma eles são semelhant es ent re si. Exist e apenas
uma espécie humana. Por maiores que possam ser as dif erenças ent re raças, est irpes, povos e
personalidades, a semelhança ent re um ser humano e out ro é sempre maior do que a exist ent e
ent re ser humano e animal. Tudo o que se manif est a na espécie humana é condicionado pela
t ransmissão heredit ária dos ascendent es aos descendent es; e a f orma humana est á ligada a essa
herança. Assim como o leão só pode herdar sua f orma f ísica de ascendent es leoninos, o homem só
pode herdá-la de ascendent es humanos.
Assim como a semelhança f ísica ent re os homens é visível, do mesmo modo a diversidade de
suas f ormas espirit uais se revela a um olhar espirit ual despreconcebido. Há um f at o bem evident e
que t est emunha isso: a exist ência da biograf ia de uma pessoa. Se um homem f osse apenas um
exemplar de cert a espécie, não poderia haver biograf ia. Um leão, um pombo, só provocam int e-
resse na medida em que pert encem à espécie leonina ou columbina. Uma vez descrit as os
caract eres de uma espécie, t odo e qualquer exemplar seu f ica compreendido no que lhe é
essencial. Pouco import a aqui se lidamos com o pai, o f ilho ou o net o. O que nos int eressa neles
exist e em comum no pai, no f ilho e no net o. Já o que t em import ância no homem começa onde,
deixando de ser simples membro de uma espécie, ele é um ser individual. Descrever o f ilho ou o pai
do sr. Fulano de Tal de um lugarej o qualquer não me bast a, em absolut o, para compreender seu
verdadeiro ser; eu preciso conhecer sua biograf ia part icular. Quem ref let e sobre a essência da
biograf ia apercebe-se de que, num cont ext o espirit ual, t odo i ndi víduo é uma espéci e em si .
Nat uralment e, para quem só concebe a biograf ia como um relat o de acont eciment os ext ernos
é t ão possível escrever a biograf ia de um cão quant o a de um homem; mas quem descreve, na
biograf ia, as caract eríst icas genuínas de um homem compreende haver ali algo que, numa espécie
animal, corresponde à descrição de uma espécie int eira. Não se t rat a de poder dizer algo de biográ-
f ico — pois isso é evident e mesmo quando se t rat a de um animal, morment e se f or int eligent e —,
mas de a biograf ia de um homem corresponder não a essa biograf ia de animal, mas à descrição da
espécie animal. Sempre haverá gent e para cont est ar est as af irmações recorrendo ao exemplo dos
donos de circo, que t êm bast ant e present es as dif erenças individuais ent re animais da mesma
espécie. Quem assim j ulga demonst ra apenas sua própria incapacidade em dist inguir ent re uma
dif erença e aquela que se revela alcançada soment e pela individualidade.
Ora, se a espécie, no sent ido f ísico do t ermo, só é compreendida quando se t em em ment e o
condicionament o da heredit ariedade, assim t ambém a ent idade espirit ual só pode ser com-
preendida por meio de uma her edi t ar i edade espir it ual análoga. Eu possuo minha f orma humana
porque descendo de ascendent es humanos. De onde provém o que se expressa em minha biograf ia?
Como ser humano f isico, eu repit o a f orma de meus ascendent es. O que é que eu repit o como ser
humano espirit ual? Quem pret ender af irmar que o cont eúdo de minha biograf ia não requer
nenhuma explicação adicional, devendo simplesment e ser aceit o t al qual é, poderá af irmar t er
vist o em cert o lugar um mont e de t erra cuj as massas se aglomeraram espont aneament e, f ormando

26
uma pessoa viva.
Como ser humano f ísico eu provenho de out ros seres humanos f ísicos, pois t enho a mesma
f orma que t oda a espécie humana. Foi assim que, dent ro da espécie, f oi possível adquirir suas
caract eríst icas pela heredit ariedade. Como ser humano espirit ual eu possuo minha própria f orma,
do mesmo modo como possuo minha própria biograf ia. Não posso, port ant o, t er recebido essa
f orma de ninguém mais senão de mim mesmo; e como ent rei no mundo não com t endências
anímicas indef inidas, e sim def inidas — pois meu rumo de vida, t al qual se expressa na biograf ia, é
det erminado por t ais predisposições — meu t rabalho sobre mim mesmo não pode t er-se iniciado
com meu nasciment o. Tenho de t er exist ido como ser humano espirit ual ant es de meu nasciment o.
Em meus ascendent es cert ament e eu não exist i, pois est es, como seres humanos espirit uais, são
dif erent es de mim. Minha biograf ia não pode ser explicada pela deles. Como ent e espirit ual, não
posso deixar de ser a repet ição de um indivíduo por cuj a biograf ia a minha possa ser explicada. A
out ra alt ernat iva em que ini ci al ment e se poderia pensar é que eu devo a f ormação do cont eúdo de
minha biograf ia excl usivament e a uma vida espirit ual ant es do nasciment o (ou da concepção). Mas
para essa idéia só haveria j ust if icat iva admit indo-se que os impulsos do ambient e f ísico sobre a
alma humana f ossem idênt icos, em sua nat ureza, ao que a alma t raz consigo de um mundo
purament e espirit ual. Tal hipót ese cont radiz a observação verdadeirament e exat a pois o ef eit o
desse meio f ísico sobre a alma humana é como o ef eit o, produzido por uma nova experiência. f eit a
na vida f ísica, sobre uma experiência ant erior f eit a na mesma vida. Para observar corret ament e
essas relações, deve-se adquirir a capacidade de perceber como, na vida humana, há impressões
que at uam sobre as disposições da alma do mesmo modo como ao se conf ront ar um at o a ser
prat icado com o que j á se prat icou na vida; só que t ais impressões não at ingem algo j á prat icado na
vida present e, e sim disposições da alma que se deixam inf luenciar da mesma maneira como as
apt idões adquiridas pela prát ica. Quem vê essas coisas de modo compreensivo chega à
represent ação ment al de vidas t errenas que devem t er precedido a at ual. Pela at ividade pensant e
essa pessoa não pode det er-se em experiências purament e espirit uais ant es dest a vida t errena.
A f igura f ísica de Schiller 14 f oi herdada por ele de seus ascendent es mas assim como essa
f orma f ísica não pode t er crescido da t erra, t ampouco pode t ê-lo f eit o a ent idade espirit ual de
Schiller. Est a deve ser a repet ição de out ra ent idade espirit ual cuj a biograf ia pode explicar a sua,
do mesmo modo como a f orma humana de Schiller pode ser explicada em t ermos de reprodução
humana.
Port ant o, assim como o vult o f ísico do homem é sempre e sempre uma repet ição, uma
reencarnação da nat ureza própria da espécie humana assim o ser humano espirit ual deve ser uma
reencarnação do mesmo ser humano espirit ual — pois como ser humano espirit ual cada um é urna
espécie part icular.
Cont ra os argument os acima, pode-se obj et ar que eles não passam de meros raciocínios
especulat ivos; e pode-se exigir provas ext ernas, como é praxe nas Ciências Nat urais comuns. A isso
cabe replicar que a reencarnação do ser humano espirit ual é um processo não pert encent e ao
domínio dos f at os f ísicos ext ernos, mas um f enômeno que se passa int eirament e na esf era
espirit ual; e que a essa esf era não t em acesso nenhuma out ra de nossas f aculdades ment ais comuns
a não ser o pensar . Quem não quiser conf iar na f orça do pensar não poderá inst ruir-se quant o aos
f at os espirit uais superiores.
Para aquele cuj os olhos espirit uais est ej am abert os, os raciocínios acima at uam exat ament e
com o mesmo vigor que um processo ocorrido diant e de seus olhos f ísicos. Quem at ribui a uma
dessas chamadas ‘ provas’ , obt idas segundo os mét odos do conheciment o cient íf ico comum, maior
f orça do que às ref lexões acima sobre o signif icado da biograf ia, pode ser um grande cient ist a no
sent ido ordinário do t ermo, mas est á muit o longe dos caminhos da pesquisa genuinament e
espir i t ual .
Um dos preconceit os mais perigosos é querer explicar as part icularidades espirit uais de uma
pessoa pela herança do pai, da mãe ou de out ros ascendent es. Quem incorre no preconceit o
segundo o qual Goet he, por exemplo, t eria herdado do pai e da mãe as caract eríst icas essenciais de
sua personalidade, não será cert ament e acessível a quaisquer argument os, pois sua ant ipat ia pela
observação despreconceit uosa est á muit o arraigada. Uma inf luência mat erialist a o impede de ver
sob luz corret a as relações ent re os f enômenos.
Nest as explanações são dadas as premissas para seguir a ent idade humana para aquém do

14
Johann Friederich von Schiller (1759—1805), escrit or, poet a e dramat urgo. (N. T. )

27
nasciment o e para além da mort e. Dent ro dos limit es t raçados pelo nasciment o e pela mort e, o ho-
mem pert ence aos t rês mundos — o da corporalidade, o anímico e o espirit ual. A alma f orma o elo
ent re corpo e espírit o, na medida em que permeia com a f aculdade sensit iva o t erceiro membro do
corpo — o corpo anímico — e impregna o primeiro membro do espírit o — a ident idade espirit ual —
como alma da consciência. Com isso ela part icipa, durant e a vida, t ant o do corpo quant o do
espírit o. Essa part icipação se expressa em t oda a sua exist ência. Da organização do corpo anímico
dependerá o modo como a alma da sensação poderá desenvolver suas f aculdades; e da vida da alma
da consciência dependerá, por out ro lado, em que ext ensão poderá desenvolver-se nela a
ident idade espirit ual. A alma da sensação desenvolverá relações t ant o mais perf eit as c. om o mundo
ext erior quant o o corpo anímico f or melhor est rut urado. E a ident idade espirit ual será t ant o mais
rica e plena quant o mais f or nut rida pela alma da consciência. Já f oi most rado que, durant e a vida,
esse aliment o é minist rado à ident idade espirit ual pelas experiências assimiladas e pelos f rut os
dessas experiências. É que a int eração ent re a alma e o espírit o só pode ocorrer quando est es se
int erpenet ram e permeiam mut uament e, ou sej a, dent ro da conj unção ‘ ident idade espirit ual com
alma da consciência’ .
Observemos primeiro a int eração, ent re o corpo anímico e a alma da sensação. O corpo
anímico é, como j á vimos, a part e mais elaborada da corporalidade; cont udo, ainda pert ence a ela
e dela depende. Corpo f ísico, corpo et érico e corpo anímico f ormam, de cert o modo, um t odo. Por
isso o corpo anímico t ambém est á engaj ado nas leis da heredit ariedade f ísica, pelas quais o corpo
recebe sua f orma. Sendo ele, por assim dizer, a f orma mais móvel e inst ável da corporalidade, deve
t ambém apresent ar os f enômenos mais móveis e inst áveis da heredit ariedade. É por isso que,
enquant o o corpo f ísico só dif ere em mínimo grau ent re raças, povos e est irpes, e o corpo et érico,
embora dif erindo um pouco mais de um ser humano para out ro, é ainda predominant ement e
unif orme, a diversidade relat iva ao corpo anímico j á é bem grande. Nele se expressa o que j á se
percebe como peculiaridade ext er na, pessoal do homem. Ele é, pois, o port ador das caract eríst icas
pessoais dos pais, avós, et c. , t ransmit idas aos descendent es por heredit ariedade.
É verdade que a alma como t al possui, conf orme dissemos, uma vida t oda própria; ela se
encerra em si mesma com suas simpat ias e ant ipat ias, sent iment os e paixões. Ainda assim, porém,
at ua como um t odo, e por isso esse t odo t ambém se exprime na alma da sensação. E pelo f at o de a
alma da sensação permear o corpo anímico, como que preenchendo-o, est e se est rut ura conf orme a
nat ureza da alma, podendo assim, como port ador da heredit ariedade, t ransmit ir de ascendent es
para descendent es as inclinações, as paixões, et c. E a esse f at o que alude Goet he ao dizer: “ De
meu pai t enho a est at ura / e uma séria condut a na vida; / de minha mãezinha a nat ureza alegre /
e a vont ade de f abular. ” 15 O gênio, nat uralment e, ele não o possui nem de um nem de out ro. Desse
modo nos f ica evident e qual part e de suas caract eríst icas anímicas o homem como que cede à linha
da heredit ariedade f ísica.
As subst âncias e f orças do corpo f ísico se acham de igual modo present es em t odo o âmbit o da
nat ureza f ísica ext erna. Elas são cont inuament e assimiladas da nat ureza e rest it uídas a ela. Em
alguns anos se renova int eirament e o conj unt o de subst âncias do nosso corpo f ísico. Para assumir a
f orma do corpo humano e renovar-se cont inuament e dent ro dele, esse conj unt o de subst âncias
precisa ser mant ido coeso pelo corpo et érico; e sua f orma não é apenas det erminada pelos
processos que ocorrem ent re o nasciment o — ou a concepção — e a mort e, mas est á suj eit a às leis
da heredit ariedade, que t ranscendem o nasciment o e a mort e. O f at o de as caract eríst icas anímicas
t ambém poderem ser t ransmit idas por heredit ariedade, ou sej a, de o processo da heredit ariedade
f ísica obt er um t oque anímico, ocorre devido à possibilidade de o corpo anímico ser inf luenciado
pela alma da sensação.
Como se est abelece, pois, a int eração ent re alma e espírit o? Durant e a vida o espírit o est á
ligado à alma, conf orme j á indicado. Est a recebe dele o dom de viver no verdadeiro e bom, e assim
exprimir o próprio espírit o em sua vida individual, em suas inclinações, em seus inst int os e paixões.
A ident idade espirit ual t raz da esf era do espírit o, para o eu, as leis et ernas do verdadeiro e bom.
Est as se ligam, por meio da alma da consciência, às experiências da vida própria da alma. Essas
experiências são, em si, ef êmeras. Seus f rut os, porém, permanecem. O f at o de a ident idade
espirit ual t er est ado ligada a elas deixa na mesma uma impressão duradoura. Quando o espírit o
humano se depara com uma experiência semelhant e a uma out ra j á vivida, ele a vê como algo
conhecido e sabe t omar, com relação a ela, uma at it ude diversa da que assumiria se a est ivesse

15
Em Zahme Xeni en, livro VI. (N. E. orig. )

28
vivendo pela primeira vez. Aliás, énesse princípio que se baseia t oda a aprendizagem; e os f rut os da
aprendizagem são as capacidades adquiridas.
No espírit o et erno se imprimem, dessa maneira, f rut os da vida t ransit ória. E acaso não
percebemos esses f rut os? Em que consist em as predisposições ref eridas acima como caract eríst icas
do ser humano espirit ual? Ora, em capacidades para ist o ou aquilo que o homem t raz consigo ao
iniciar sua vida t errena. De cert o modo, essas capacidades se assemelham int eirament e às que po-
demos adquirir t ambém durant e a vida. Tomemos a genialidade de det erminada pessoa. Sabe-se
que Mozart 16, quando menino, podia escrever de memória t oda uma ext ensa obra musical uma vez
ouvida. Ele só era capaz disso porque conseguia abranger o t odo de uma vez só. Dent ro de cert os
limit es, o homem vai ampliando pela vida af ora sua capacidade de ver int egralment e, de
compreender correlações, adquirindo assim novas f aculdades. Lessing17 at é af irmou que, pelo
exercício da observação crít ica, adquirira algo muit o próximo do gênio. Se não quisermos consi-
derar milagres essas f aculdades baseadas em capacidades inat as, deveremos ver nelas f rut os de
experiências que a ident idade espirit ual t eve por int ermédio de uma alma. Elas f oram gravadas
nessa ident idade espirit ual; e como não f oram implant adas nest a vida, f oram-no numa vida
ant erior. O espírit o humano é sua própria espécie; e t al como o homem, enquant o membro f ísico
de uma espécie, t ransmit e suas caract eríst icas dent ro dessa espécie, assim o espír i t o as t ransmit e
dent ro de sua espécie, ou sej a, dent ro de si mesmo. Numa vi da, o espír i t o humano sur ge como
r epet i ção de si mesmo, com os f r ut os das exper iênci as vivi das dur ant e as vidas pr ecedent es. Est a
vida é, port ant o, a repet ição de out ras, t razendo consigo o que a ident idade espirit ual elaborou na
vida precedent e. Quando essa ident idade espirit ual assimila algo que possa t ornar-se f rut o, ela se
ent ret ece ao espírit o vit al. Assim comno o corpo vit al repet e a f orma de espécie em espécie, o
espírit o vit al repet e a alma de uma exist ência pessoal para out ra.
Pelas considerações precedent es, adquire validade a idéia de procurar nas repet idas vidas
t errenas a causa para det erminados processos na vida do homem. Essa idéia só pode alcançar seu
pleno signif icado por meio de uma observação nascida do discerniment o espirit ual, corno a que se
alcança pelo caminho cognit ivo indicado no f im dest e livro. Aqui só cabia most rar que uma
observação comum corret ament e orient ada pelo pensament o j á conduz a essa idéia. Todavia, essa
observação não poderá produzir inicialment e mais do que um esboço da idéia; além disso, não
est ará capacit ada a responder às obj eções de uma observação inexat a, que não sej a corret ament e
nort eada pelo pensament o. Mas, por out ro lado, é cert o que quem alcança essa idéia guiado pela
observação pensant e comum j á est á se preparando para a observação supra-sensível. Em cert a
medida, elabora algo que é preciso t er ant es dessa observação supra-sensível, do mesmo modo
como é preciso t er olhos ant es da observação sensorial. Quem obj et a que ao f ormar essa idéia a
observação supra-sensível est aria exercendo aut o-sugest ão, prova apenas sua incapacidade de
penet rar na realidade com o livre pensar, e que é precisament e el e próprio quem, com i st o, sugere
suas obj eções.

***

Assim sendo, as experiências anímicas são permanent ement e conservadas não soment e dent ro
dos limit es do nasciment o e da mort e, mas para além da mort e. A alma imprime suas vivências não
apenas no espírit o que nela reluz, mas t ambém, conf orme indicamos (pág. 24), no mundo ext erior
por meio da ação. O que o homem f ez ont em subsist e hoj e em seus ef eit os. Uma imagem adequada
para a relação ent re causa e ef eit o é a comparação ent re sono e mort e.
O sono é, muit as vezes, denominado o irmão mais moço da mort e. Eu me levant o pela manhã.
O f luxo da minha at ividade f oi int errompido pela noit e. Ora, em circunst âncias normais não é
possível que eu ret ome minhas at ividades dando-lhes uma direção arbit rária. Preciso remont ar ao
que f iz ont em para que haj a ordem e coerência em minha vida. Minhas ações de ont em são as
precondições para o que me cumpre f azer hoj e. Com o que ont em realizei, eu criei meu dest ino de
hoj e. Por cert o t empo me separei de minha at ividade; mas essa at ividade pert ence a mim, e me
at rai novament e para si depois de eu me haver subt raído a ela por cert o período. Meu passado
cont inua ligado a mim; cont inua vivendo em meu present e e me seguirá em meu f ut uro. Eu hoj e
não deveria desper t ar , mas ser novament e criado do nada, se minhas ações de ont em não

16
Wolf gang Amadeus Mozart (1756—1791). (N. T. )
17
Cit . (v. not a na p. 40).

29
const it uíssem meu dest ino de hoj e. Seria realment e absurdo se, em condições normais de vida, eu
não me mudasse para uma casa que eu mesmo t ivesse mandado const ruir para mim.
Assim como o homem não é criado de novo pela manhã, t ampouco o é o espírit o humano
quando inicia seu caminho t erreno. Busquemos compreender clarament e o que sucede no princípio
desse caminho. Surge um corpo f ísico, que recebe sua f orma pelas leis da heredit ariedade. Esse
corpo t orna-se o port ador de um espírit o que, sob f orma nova, repet e uma vida ant erior. Ent re
ambos sit ua-se a alma, que leva uma vida própria, encerrada em si mesma. Suas simpat ias e
ant ipat ias, seus desej os e cobiças servem-na; ela coloca o pensament o a seu serviço. Como alma da
sensação ela recebe as impressões do mundo ext erior, t razendo-as ao espírit o para que est e
assimile os f rut os delas para a et ernidade. Ela desempenha como que um papel int ermediário, e
cumpre sua missão quando ist o é f eit o sat isf at oriament e. O corpo f orma-lhe as impressões; ela as
t ransf orma em sensações, guarda-as na memória como represent ações ment ais e cede-as ao
espírit o, para que est e as leve consigo pela et ernidade. A alma é ef et ivament e o que propicia ao
homem ligar-se à sua vida t errena. Por seu corpo, ele pert ence f isicament e à espécie humana; por
meio do corpo ele é um membr o dessa espécie. Com seu espírit o, ele vive num mundo superior. A
alma int erliga t emporariament e ambos os mundos.
Porém o mundo f ísico em que o espírit o humano penet ra não é um cenário est ranho. Nele
est ão gravados os t raços de suas ações. Algo desse cenário lhe pert ence, leva o cunho do seu ser,
t em af inidade com ele. Assim como out rora a alma lhe t ransmit iu as impressões do mundo ext erior
para que est as se lhe t ornassem duradouras, ela própria, como seu órgão, met amorf oseou em ações
igualment e duradouras as f aculdades que lhe f oram comunicadas por ele. Assim sendo, a alma se
acha ef et ivament e inst ilada nessas ações. Nos ef eit os de seus at os, a alma do homem cont inua a
viver uma segunda vida independent e. Isso, no ent ant o, pode ensej ar que se observe como as
vicissit udes do dest ino incidem nessa vida. Algo ‘ vem de encont ro’ à pessoa. De início ela t ende a
considerar esse ‘ algo vindo de encont ro’ como um ‘ acaso’ adent rando sua vida. Só que consegue
const at ar como ela própria é result ado de t ais ‘ acasos’ . Quem observa a si mesmo aos quarent a
anos de vida e, ao indagar pela nat ureza de sua alma, não quer permanecer numa idéia vã e
abst rat a do eu, pode dizer consigo: “ Eu não sou out ra coisa senão o que me t ornei por causa
daquilo que at é hoj e ‘ veio de encont ro’ a mim por obra do dest ino. Acaso não seria eu um out ro se,
aos vint e anos, houvesse t ido uma série de experiências diversas das que t ive?” Ele ent ão buscará
seu eu não soment e nos impulsos evolut ivos oriundos de seu ‘ ínt imo’ , mas t ambém naquilo que ‘ de
f ora’ int erf ere de f orma plasmadora em sua vida. Naquilo que ‘ lhe acont ece’ , reconhecerá o
próprio eu. Se uma pessoa se abandona sem reservas a t al reconheciment o, é necessária apenas
mais uma et apa de observação realment e prof unda da vida int erior para const at ar, no f luxo de
cert as vivências do dest ino, algo que capt a o eu de f ora, t al como a lembrança at ua de dent ro a
f im de iluminar novament e uma experiência passada. Desse modo a pessoa se t orna capaz de
perceber, na vivência do dest ino, como uma ação ant erior da alma encont ra o caminho para o eu
da mesma f orma como, na lembrança, uma vivência ant erior encont ra o caminho para a
represent ação ment al quando exist e um ensej o ext erior para isso. Já f oi apont ada como ‘ possível’
a idéia de que as conseqüênci as da ação podem apresent ar-se novament e à alma do homem (v. pág.
24 e ss. ). Dent ro da vida t errena isolada f ica, port ant o, excluído esse encont ro com cert as conse-
qüências de um at o, porque essa vida t errena cont ém as disposições para a realização do at o. Aí, a
experiência reside em prat icar a ação. Nesse caso, é t ão impossível cert a conseqüência da ação vir
ao encont ro da alma quant o é impossível recordarmos uma experiência que ainda est ej amos
vivendo. Nesse sent ido, t rat a-se apenas de conseqüências de ações que não se apresent am ao eu
com as disposições pert encent es a ele durant e a vida t errena em que a ação é prat icada. Só é
possível dirigir o olhar para result ados de ações de out ras vidas t errenas. Assim, t ão logo se sent e
que o que parece ‘ vir de encont ro’ a alguém como vivência do dest ino est á t ão ligado ao eu quant o
o que se origina ‘ do ínt imo’ desse mesmo eu, a única conclusão é que t al vivência do dest ino se
relaciona com conseqüências de ações de vidas t errenas ant eriores. Como se vê, uma compreensão
ínt ima da vida, dirigida pelo pensar, f az chegar à suposição — paradoxal para a consciência comum
— de que as vivências do dest ino numa vida são ligadas às ações de vidas t errenas ant eriores. E
cert o que essa represent ação ment al só pode alcançar seu pleno cont eúdo por meio dos co-
nheciment os supra-sensíveis: sem est es, permanece um mero cont orno vazio; mas, mesmo sendo
obt ida da consciência comum, prepara a alma para cont empl ar essa sua verdade numa observação
realment e supra-sensível.
Só uma part e de minha ação est á no mundo ext erior; a out ra est á em mim mesmo. Um

30
simples exemplo das Ciências Nat urais pode t ornar clara essa relação ent re o eu e a ação. Animais
que, dot ados do sent ido da visão, imigraram para as cavernas do Kent ucky, perderam sua f aculdade
visual em virt ude de sua vida ali. A permanência nas t revas deixou os olhos sem at ividade. Nesses
olhos não mais se processa a at ividade f ísica e química que acompanha o at o de ver. A corrent e
nut rit iva ant eriorment e empregada em t al at ividade vai agora para out ros órgãos. Agora esses
animais só conseguem viver naquelas cavernas. Por sua ação — o imigrar —, criaram as condições de
sua vida ult erior. A imigração t ornou-se part e de seu dest ino. Um ser que out rora era at ivo f icou
preso ao result ado das ações. O mesmo se dá com o espírit o humano. A alma só pôde t ransmit ir-lhe
cert as f aculdades enquant o era at iva; e essas f aculdades correspondem às ações. Por causa de uma
ação que a alma t enha realizado, f ica vivendo nela uma predisposição plena de energia no sent ido
de prat icar out ra ação que sej a o f rut o da ant erior. A alma t raz isso dent ro de si como necessidade,
at é que a últ ima ação est ej a consumada. Pode-se t ambém dizer que por meio de uma ação f ica
impressa na alma a necessidade de cumprir sua conseqüência.
Com suas ações, o espírit o humano realment e preparou seu próprio dest ino. Numa nova vida
ele se acha ligado ao que f ez em sua vida ant erior.
Alguém pode levant ar a seguint e quest ão: como pode ser isso, se o espírit o do homem, em sua
reencarnação, é t ransf erido a um mundo complet ament e diverso daquele que em dado moment o
abandonou? Est a pergunt a se baseia numa noção bast ant e superf icial dos encadeament os do
dest ino. Se eu desloco meu campo de ação da Europa para a América, vej o-me logo num ambient e
complet ament e novo para mim; e, não obst ant e, t oda a minha vida na América depende de minha
vida precedent e na Europa. Se eu, na Europa, me t ornei mecânico, minha vida na América será
t ot alment e diversa do que se eu me t ivesse t ornado bancário. No primeiro caso, na América eu
est arei provavelment e cercado de máquinas; no segundo, de uma organização bancária. Em cada
um dos casos minha vida ant erior det ermina meu novo ambient e; por assim dizer, ela at rai para si,
de t oda a esf era ambient e, as coisas que lhe são af ins. O mesmo se dá com a ident idade espirit ual.
Numa nova vida, ela necessariament e se cerca do que lhe é f amiliar de sua vida ant erior.
Assim, o sono é uma imagem adequada para a mort e porque durant e o sono o homem se acha
subt raído ao cenário em que seu dest ino est á à sua espera. Enquant o ele dorme, os event os desse
campo de ação seguem seu caminho. Por cert o t empo não se t em nenhuma inf luência sobre essa
marcha. Apesar disso, t odo o desenrolar de nossa vida num novo dia depende dos ef eit os das ações
do dia ant erior. Realment e, t odas as manhãs nossa personalidade se encarna de novo em nosso
mundo das ações. O que est ava separado de nós durant e a noit e f ica como que nos envolvendo
durant e o dia t odo.
O mesmo se dá com as as ações realizadas nas encarnações ant eriores do homem. Elas est ão
vinculadas a ele como seu dest ino, da mesma f orma como a vida em cavernas t enebrosas f ica
vinculada aos animais que, f azendo delas seu hábit at , perderam a visão. Assim como esses animais
só podem viver no meio ao qual se t ransf eriram, o espírit o humano só pode viver no ambient e que
ele próprio criou por suas ações. O curso diret o dos acont eciment os é que f az com que pela manhã
eu me depare com a sit uação que eu próprio criei no dia precedent e. O f at o de, ao me reencarnar,
eu encont rar um ambient e correspondent e aos result ados de minhas ações numa vida ant erior
decorre da af inidade de meu espírit o reencarnado com as coisas do mundo circundant e. Disso se
pode t er uma idéia de como a al ma est á int egrada ao ser do homem. O corpo f ísico obedece às leis
da heredit ariedade. O espírit o humano, pelo cont rário, deve encarnar-se cont inuament e e sua lei
consist e em t ransmit ir os f rut os das vidas passadas às vidas subseqüent es. A alma vive no present e;
mas est a vida no present e não é independent e da vida ant erior: o espírit o que se encarna agora
t raz seu dest ino consigo, de suas encarnações passadas — e é esse dest ino que det ermina a vida.
Que impressões a alma poderá t er, quais desej os lhe poderão ser sat isf eit os, quais alegrias e
t rist ezas lhe caberão, quais pessoas ent rarão em seu caminho, t udo isso depende da nat ureza das
ações consumadas no decurso das encarnações ant eriores do espírit o. As pessoas as quais a alma
est eve ligada numa vida deverão ser reencont radas por ela numa vida subseqüent e, porque os at os
ocorridos ent re elas devem t er suas conseqüências. Tal como a alma isolada, t ambém as almas
ligadas a ela procuram reencont rar-se no mesmo período. A vida da alma é, assim, um result ado do
dest ino que o espírit o humano cria para si mesmo.
Três coisas condicionam o rumo de vida de um ser humano ent re o nasciment o e a mort e; e
com ist o ele é t riplicement e dependent e de f at ores sit uados aquém do nasciment o e al ém da
mort e. O corpo est á suj eit o às leis da her edi t ar i edade. A alma est á suj eit a ao dest ino criado pelo
próprio ser humano; esse dest ino criado pelo homem é denominado com a ant iga palavra car ma. E

31
o espírit o obedece às leis da reencarnação, das repet idas vidas na Terra.
Sendo assim, a relação ent re corpo, alma e espírit o pode ser expressa da seguint e maneira: o
imperecível é o espírit o; o nasciment o e a mort e imperam na corporalidade segundo as leis do
mundo f ísico; a vida anímica, suj eit a ao dest ino, serve para unir o espírit o e a corporalidade
durant e uma vida t errena. Todos os demais conheciment os sobre a nat ureza do homem pressupõem
o conheciment o dos ‘ t rês mundos’ a que ele pert ence. Disso t rat aremos no capít ulo seguint e.
Um pensar que se depara com os f enômenos da vida e não t eme seguir, at é seus últ imos elos,
as idéias que lhe surgem de uma vívida observação, pode chegar, pela pura lógica, à idéia das
repet idas vidas na Terra e às leis do dest ino. Assim como é verdade que ao vident e com ‘ olhos
espirit uais’ abert os as vidas ant eriores se apresent am como vivênci a, t al qual um livro expost o,
t ambém é cert o que a ver dade de t udo isso pode resplandecer para a r azão cont emplat iva. 18

Os t rês mundos

I. O mundo anímico

A observação do ser humano most rou que ele pert ence a t rês mundos. Do mundo da
corporalidade f ísica são ret iradas as mat érias e f orças que const it uem seu corpo. Ele t em
conheciment o desse mundo pelas percepções de seus sent idos f ísicos ext ernos. Quem conf ia
soment e nest es sent idos, desenvolvendo exclusivament e as f aculdades percept ivas ligadas a eles,
não pode adquirir elucidação alguma quant o aos dois out ros mundos, ou sej a, o aními co e o
espir i t ual . Convencer-se da realidade de um obj et o ou ser depende de se possuir um órgão
percept ivo, um sent ido para t al.
Nat uralment e é f ácil incorrer em mal-ent endidos, chamando-se os órgãos de percepção
superior de sent i dos espirit uais como f azemos aqui, pois quem f ala de ‘ sent idos’ associa
involunt ariament e a esse t ermo a idéia de ‘ f ísico’ . Aliás, at é se designa o mundo f ísico como o
‘ sensível’ , em oposição ao ‘ espirit ual’ . Para evit ar essa conf usão, cumpre t er em ment e que só
f alamos aqui de ‘ sent idos superiores’ de modo comparat ivo, em sent ido f igurado. Assim como os
sent idos f ísicos percebem o f ísico, os anímicos e espirit uais percebem o anímico e o espirit ual. É só
na acepção de ‘ órgão percept ivo’ que o t ermo ‘ sent ido’ é por nós ut ilizado. O homem não t eria
qualquer conheciment o de luz e cor se não possuísse olhos sensíveis à luz; nada saberia de sons se
não t ivesse ouvidos sensíveis aos sons. Bem diz a esse respeit o o f ilósof o alemão Lot ze 19:

Sem olhos sensíveis à luz e sem ouvidos sensíveis aos sons, o mundo int eiro seria obscuro e mudo.
Tant o não haveria luz ou som quant o t ampouco seria possível uma dor de dent e sem um nervo
dent ário sensível à dor 20.

Para compreender as palavras de Lot ze em seu j ust o sent ido, bast a considerar quão dif erent e
do modo como se revela ao homem é a maneira como o mundo se revela aos seres vivos inf eriores,
dot ados apenas de uma espécie de t at o em t oda a superf ície do corpo. Luz, cor e som cert ament e
não exist em para t ais seres do mesmo modo como exist em para seres dot ados de olhos e ouvidos.
As vibrações provocadas no ar por um t iro de f uzil poderão produzir t ambém sobre eles
det erminados ef eit os, se os at ingirem; mas para que as vibrações do ar se apresent em à alma como
det onação, é necessário um órgão audit ivo; e para que cert os processos na f ina subst ância que
chamamos de ét er se apresent em como luz e cor, é necessário um órgão visual.
O homem só sabe alguma coisa de um ser ou obj et o pelo f at o de receber dele um ef ei t o
at ravés de um de seus órgãos. Essa relação do homem com o mundo do real se expressa de modo
perf eit o no seguint e argument o de Goet he:

Na verdade, preocupamo-nos em vão ao querer exprimir a nat ureza de alguma coisa. Ef ei t os — eis
o que percebemos, e uma hist ória complet a desses ef eit os t alvez abarcasse, em t odo o caso, a

18
Vej a-se o que é dit o a esse respeit o no f im do livro, em ‘ Not as avulsas e complement ares’ .
19
Rudolf Hermann Lot ze (1817 – 1881), medico e f ilósof o em Leipzig, Göt t ingen e Berlim. (N. E. orig. )
20
Em Grundzüge der Psychologie (Leipzig, 1894), p. 19 s. (N. E. orig. )

32
nat ureza dessa coisa em quest ão. É em vão que nos esf orçamos para descrever o carát er de uma
pessoa; reunamos, porém, suas ações, seus at os, e uma imagem de seu carát er se apresent ará
diant e de nós. As cores são at os da luz, at os e sof riment os. . . As cores e a luz guardam ent re si a
mais rigorosa das relações, mas devemos concebê-las como pert encent es à nat ureza int eira; pois
est a quer revelar-se, desse modo, em sua t ot alidade, part icularment e ao sent ido da visão. É assim
que a nat ureza t ambém se revela a um out ro sent ido. . . É assim que ela f ala a out r os sent i dos co-
nheci dos, mal conheci dos, desconhecidos; é assim que ela, por mil f enômenos, f ala t ant o a si
própria quant o a nós. Par a uma pessoa at ent a, el a nunca é nem mor t a nem muda. 21

Seria um erro int erpret ar esse argument o de Goet he como se ele est ivesse negando a
cognoscibílídade da essência das coisas. Goet he não quer dizer que o homem percebe apenas os
ef eit os de uma coisa, est ando a essência da mesma ocult a por t rás dela. Ele quer, ant es, dizer que
não se deve absolut ament e f alar de t al ‘ essência ocult a’ . A essência de uma coisa não se encont ra
por t rás de sua manif est ação: ela est á pat ent e em t al manif est ação. Só que essa nat ureza essencial
é por vezes t ão r ica que pode manif est ar-se t ambém a out ros sent idos, sob out ras f ormas. O que se
manif est a pert ence à essência, mas por causa das limit ações dos sent idos não const it ui t oda a
essência. Est a concepção goet hiana t ambém é a que aqui t emos em ment e, de um pont o de vist a
cient íf ico-espirit ual.
Assim como o homem desenvolve, no corpo f ísico, olhos e ouvidos como órgãos de percepção,
como sent idos para os processos corpóreos, ele pode t ambém desenvolver dent ro de si órgãos
percept ivos anímicos e espirit uais pelos quais os mundos anímico e espirit ual se desvendem para
ele. Para quem não possui t ais sent idos superiores, esses mundos são ‘ mudos e escuros’ , da mesma
f orma como, para um ser desprovido de órgãos audit ivos e visuais, o mundo corpóreo é t ambém
‘ mudo e obscuro’ . Não obst ant e, a relação do homem com esses sent idos superiores é dif erent e do
que com os corpóreos. Do perf eit o desenvolviment o dest es últ imos encarrega-se, via de regra, a
bondosa Mãe Nat ureza, sem que o homem int erf ira. No desenvolviment o de seus sent idos
superiores, ele próprio deve t rabalhar. Deve cult ivar a alma e o espírit o se quiser perceber os
mundos anímico e espirit ual, do mesmo modo como a nat ureza cult ivou seu corpo para que ele
possa perceber seu ambient e corpóreo e nele orient ar-se. Esse cult ivo de órgãos superiores, que a
nat ureza ainda não desenvolveu por si mesma, não é ant inat ural; pois, num sent i do mai s el evado,
t udo o que o homem realiza pert ence t ambém à nat ureza. Só quem queira af irmar que o homem
deve permanecer no mesmo grau de evolução em que f oi deixado pelas mãos da nat ureza chamaria
de ant inat ural esse cult ivo dos sent idos superiores. Para ele esses órgãos seriam ‘ desconhecidos’ ,
no sent ido do ref erido argument o de Goet he. Mas ent ão essa pessoa deveria combat er igualment e
t oda e qualquer educação do homem, pois t ambém est a cont inua a obra da nat ureza. E, em
part icular, deveria ser cont ra a operação dos cegos nat os — pois um cego de nascença, operado
com êxit o, bem pode ser comparado ao homem que despert a em si seus sent idos superiores do
modo descrit o na últ ima part e dest e livro. O mundo passa a revelar-lhe f at os, propriedades e
f enômenos dos quais os sent idos f ísicos nada lhe apresent avam. Fica-lhe claro que, embora ele
próprio nada acrescent e à realidade por meio desses órgãos superiores, sem est es a part e essencial
dessa realidade lhe t eria permanecido ocul t a. Os mundos anímico e espirit ual não são, em
absolut o, par al el os ao mundo f ísico ou ext er ior es a ele; não est ão separados espacialment e dest e
mundo. Assim como para o cego nat o, operado com êxit o, o mundo ant es mergulhado em t revas
irradia luzes e cores, para quem est á anímica e espirit ualment e desper t o os obj et os que ant es só
lhe apareciam f isicament e passam a revelar-lhe suas próprias qualidades anímicas e espirit uais.
Aliás, est e mundo est á replet o de processos e ent idades que permanecem t ot alment e des-
conhecidos a quem não est ej a anímica e espirit ualment e despert o. (Mais adiant e, nest e mesmo
livro, f ocalizaremos o cult ivo dos sent idos anímicos e espirit uais. Limit amo-nos, por ora, a descre-
ver esses mundos superiores em si. Quem nega esses mundos só f az dizer que ainda não
desenvolveu seus órgãos superiores. O desenvolviment o da humanidade não t ermina em grau
algum; deve sempre prosseguir. )
Muit as vezes se imaginam, involunt ariament e, os ‘ órgãos superiores’ como sendo
demasiadament e semelhant es aos f ísicos. Cont udo, é preciso t er bem claro que se t rat a de
f ormações anímicas e espirit uais. Port ant o, não se deve esperar que o que se percebe nos mundos
superiores sej a apenas uma mat erialidade dif usa e raref eit a. Enquant o se esper ar algo assim não se

21
Em Zur Far benl ehr e, pref ácio, p. 77. (N. E. orig. ) [ Vej a t b. Rudolf St einer, A obr a ci ent íf i ca de Goet he (São Paulo:
Ant roposóf ica, 1984). (N. E. )]

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chegará a nenhuma noção clara do que aqui realment e se ent ende por ‘ mundos superiores’ . Para
muit as pessoas não seria t ão dif ícil, como realment e é, saber algo desses mundos superiores —
primeiro, nat uralment e, as coisas mais element ares — se elas não imaginassem algo f ísico raref eit o
naquilo que devem perceber. Como part em dessa premissa, via de regra elas não querem admit ir a
realidade do que percebem, achando-o irreal, inaceit ável, insat isf at ório, et c. Cert o é que os graus
mais elevados da evolução espirit ual são dif íceis de alcançar; mas o grau de evolução suf icient e
para se aceit ar a nat ureza do mundo espirit ual — o que j á é muit o — não seria t ão dif ícil de at ingir
se as pessoas quisessem, ant es de t udo, libert ar-se do preconceit o que consist e em imaginar o
anímico e espirit ual como algo f ísico mais t ênue.
Assim como não conhecemos int eirament e uma pessoa quando só t emos uma idéia de sua
aparência f ísica, t ampouco podemos conhecer o mundo que nos cerca quando só sabemos dele o
que nos revelam nossos sent idos f ísicos. E assim como uma f ot ograf ia se t orna compreensível e
cheia de vida quando nos aproximamos da pessoa ret rat ada a pont o de reconhecer sua alma, nós só
podemos compreender t ot alment e o mundo f ísico ao discernirmos seu f undament o anímico e
espirit ual. Por isso é convenient e, aqui, f alarmos primeiro dos mundos superiores — do anímico e
espirit ual — para depois apreciarmos o mundo f isico do pont o de vist a da Ciência Espirit ual.
Falar dos mundos superiores na civilização at ual é algo que apresent a cert a dif iculdade; pois
nossa época se dist ingue sobret udo pelo conheciment o e conquist a do mundo corpóreo. A princípio,
nossas palavras receberam seu cunho e signif icado com relação a est e mundo f ísico; no ent ant o, é
preciso recorrer a essas palavras usuais para nos apoiarmos em algo conhecido. Com isso se abrem
as port as dos mal-ent endidos para os que só querem conf iar em seus sent idos ext ernos.
Muit as coisas só podem ser inicialment e expressas e indicadas por meio de met áf oras; mas é
assim que deve ser, pois t ais met áf oras são o meio pelo qual o homem é remet ido a esses mundos
superiores e incent ivado a elevar-se, ele próprio, at é esses mundos. (Dessa ascensão f alaremos num
capít ulo post erior, ao f ocalizarmos o desenvolviment o de órgãos percept ivos anímicos e espirit uais.
De início, o homem deve t omar conheciment o dos mundos superiores por meio de met áf oras; só
depois é que pode pensar em vislumbrá-los por si. )
Assim como as mat érias e energias que compõem e regem nosso est ômago, nosso coração,
nossos pulmões, nosso cérebro, et c. procedem do mundo corpóreo, nossas caract eríst icas psíquicas,
nossos inst int os, apet it es, sent iment os, paixões, desej os, emoções, et c. provêm do mundo anímico.
A alma do homem é part e int egrant e desse mundo anímico, t al como seu corpo o é do mundo f ísico
e corpóreo. Querendo-se f azer uma dist inção inicial ent re os mundos f ísico e anímico, pode-se dizer
que est e últ imo é muit o mais t ênue, mut ável e plást ico do que o primeiro. Ent ret ant o, é preciso t er
em ment e que ent rar no mundo anímico signif ica ent rar num mundo complet ament e novo com
relação ao f ísico. Port ant o, quando se f ala de mais denso e mais sut il, nesse sent ido, épreciso t er
consciência de apenas se est ar i ndi cando, por met áf ora, algo radicalment e diverso. Assim ocorre
com t udo o que se diz sobre o mundo anímico com palavras ext raídas da corporalidade f ísica.
Levando isso em consideração, pode-se dizer que as f ormações e ent idades do mundo anímico
consist em em subst âncias anímicas e são dirigidas por f orças anímicas, t al como ocorre no mundo
f ísico com mat érias e energias f ísicas.
Assim como as f ormações corpóreas se caract erizam por ext ensão e moviment o espaciais, os
seres e ent idades anímicas se caract erizam por excit abilidade e cobiça impulsiva. Por isso o mundo
anímico é t ambém chamado de mundo das ânsias ou mundo dos desej os, ou ainda de mundo das
‘ apet ências’ . Est as expressões provêm da esf era anímica do homem. Deve-se, pois, t er em ment e
que as coisas sit uadas nas part es do mundo anímico ext eriores à alma do homem são, aí, t ão
diversas das f orças anímicas quant o as mat érias e energias do mundo f ísico ext erior o são das
part es component es do corpo humano f ísico. (Impulso, desej o e apet ência são t ermos usados para
denominar a subst ância do mundo anímico. Chamemos essa subst ância de ‘ ast ral’ . Ao f ocalizarmos
as ener gias do mundo anímico, podemos f alar de ‘ nat ureza do desej o’ . Todavia, é preciso não
esquecer que nesse plano a dist inção ent re ‘ subst ância’ e ‘ energia’ não é t ão pronunciada como no
mundo f ísico. Um impulso t ant o pode ser chamado de ‘ energia’ quant o de ‘ subst ância’ . )
Quem vislumbra o mundo anímico pela primeira vez sent e que suas dessemelhanças com o
mundo f isico geram considerável conf usão. Aliás, isso t ambém ocorre ao se descerrar um sent ido
f ísico ant es inat ivo. O cego de nascença operado com êxit o t em de aprender a orient ar-se no
mundo que ant eriorment e ele só conhecia pelo t at o. Ele vê, por exemplo, os obj et os primeiro em
seus olhos; mais t arde os avist a f ora de si, mas como se est ivessem pint ados sobre uma superf ície.
Só aos poucos vai compreendendo a perspect iva, a dist ância ent re os obj et os, et c.

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No mundo anímico vigoram leis t ot alment e diversas das vigent es no f ísico. É bem verdade que
muit as f ormas anímicas est ão ligadas às dos out ros mundos. A alma do homem, por exemplo, est á
ligada ao corpo f ísico e ao espírit o humanos. Os processos observáveis nela são símult aneament e
inf luenciados pelos mundos f ísico e espirit ual. Isso deve ser levado em cont a na observação do
mundo anímico, e não se devem t omar por leis anímicas as que provêm da inf luência de um out ro
mundo.
Quando, por exemplo, um homem concebe um desej o, est e é veiculado por um pensament o,
uma represent ação ment al do espírit o, e segue as leis dest e. Mas assim como se podem est abelecer
as leis do mundo f isico abst raindo das inf luências que, por exemplo, o homem exerce sobre os
processos das mesmas, t ambém é possível algo semelhant e com relação ao mundo anímico.
Uma import ant e dist inção ent re os processos anímicos e os f ísicos pode ser expressa ao se
designar a int eração ent re os primeiros como sendo muit o mais int er i or i zada. No espaço f ísico rei-
na, por exemplo, a lei do ‘ impact o’ . Quando uma bola de bilhar post a em moviment o at inge out ra,
est a se desloca numa direção que pode ser calculada segundo o moviment o e a elast icidade da
primeira. No espaço anímico, a int eração ent re duas f ormas que se encont ram depende de suas
qualidades int eriores. Quando af ins, elas se int erpenet ram, se ent rosam; quando suas nat urezas se
cont rast am, elas se repelem mut uament e.
No espaço corpóreo exist em, por exemplo, det erminadas leis que regem a visão. Obj et os que
se dist anciam vão minguando em suas dimensões. Quando olhamos por uma avenida arborizada, as
árvores mais dist ant es — segundo as leis da perspect iva —parecem menos espaçadas do que as
próximas. Já no espaço anímico, o próximo e o longínquo most ram-se ao vident e em dist âncias
correspondent es à sua nat ureza anímica. Isso, nat uralment e, produz os mais variados equívocos em
quem penet ra no mundo anímico e quer orient ar-se nele segundo os princípios que t raz consigo do
mundo f ísico.
Uma das premissas para a orient ação no mundo anímico é dist inguir os diversos t ipos de
f ormações exist ent es nele, t al como no mundo f ísico se dist inguem sólidos, líquidos e gasosos. Para
conseguir isso, é preciso conhecer as duas energias f undament ais que aqui t êm suma import ância.
Pode-se denominá-las si mpat i a e ant i pat i a. O modo como essas f orças f undament ais at uam numa
f ormação anímica é que det ermina a espécie dest a. Por simpat ia deve-se ent ender a energia com a
qual uma f ormação at rai out ras, buscando mesclar-se e most rando-se af im com elas. Ant ipat i a, ao
cont rário, é a f orça de repulsa ent re as f ormações anímicas, com a qual est as af irmam sua
part icularidade. É da proporção em que uma ou out ra dessas f orças f undament ais exist e numa f or-
mação anímica que depende sua f unção no mundo anímico. É preciso dist inguir inicialment e t rês
espécies de f ormações anímicas, conf orme a at uação da simpat ia e da ant ipat ia nelas. E essas ca-
t egorias dif erem ent re si pelo f at o de, nelas, a simpat ia e a ant ipat ia est arem relações mút uas bem
def inidas. Em t odas as t rês exist em ambas as energias f undament ais.
Tomemos inicialment e uma f ormação da primeira espécie. Est a at rai out ras f ormações de seu
meio em virt ude da simpat ia que vigora nela. Mas além da simpat ia exist e nela simult aneament e a
ant ipat ia, mediant e a qual ela repele o que se encont re à sua volt a. Para o ext erior, t al f ormação
parece est ar dot ada soment e de f orças da ant ipat ia. Cont udo, não é esse o caso. Nela há simpat ia e
ant ipat ia. Só que est a últ ima é preponderant e, prevalecendo sobre a primeira. Tais f ormações
represent am, na esf era anímica, um papel, por assim dizer, egoíst i co. Elas repelem muit o do que
as circunda e at raem amavelment e muit o pouco. Por isso se moviment am pelo espaço anímico
como f ormas inalt eráveis. Pela f orça da simpat ia que há nelas, parecem ávi das. Mas a avi dez
parece ao mesmo t empo insaciável, impossível de sat isf azer, porque a ant ipat ia predominant e
repele t ant a coisa vindo ao seu encont ro que não é possível ocorrer sat isf ação. Se quisermos com-
parar as f ormações anímicas dessa espécie com alguma coisa do mundo f ísico, poderemos dizer que
elas correspondem aos corpos f isicos sólidos. Chamemos esse domínio da subst ância anímica de
região das ânsi as ar dent es. A parcela dest as ânsias ardent es mescladas nas almas de animais e
homens det ermina neles o que chamamos de seus baixos i mpul sos sensuais, seus inst int os egoíst as
predominant es.
A segunda espécie de f ormações anímicas é aquela em que as duas energias f undament ais
mant êm equilíbrio, ou sej a, onde simpat ia e ant ipat ia agem com f orça igual. Tais f ormações se
apresent am perant e out ras com cert a neut ralidade, most rando-se af ins com elas sem, porém,
at raí-las ou repeli-las de modo especial. Elas não t raçam, por assim dizer, quaisquer limit es ent re si
mesmas e o mundo ambient e, deixando cont inuament e agir sobre elas out ras f ormações do âmbit o
em redor; pode-se, port ant o, comparálas às subst âncias líquidas do mundo f ísico. E nenhuma avidez

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se manif est a na maneira como t ais f ormações at raem as out ras. O ef eit o ao qual nos ref erimos
ocorre, por exemplo, quando a alma humana se sensibiliza diant e de uma cor. Quando eu t enho a
sensação da cor vermelha, começo por receber um est ímulo neut r o do ambient e. Só quando a esse
est ímulo vem j unt ar-se o sent iment o agradável em relação ao vermelho é que ent ra em j ogo um
out ro ef eit o anímico. O que provoca o est ímul o neut r o são f ormações anímicas sit uadas numa int er-
relação t al que simpat ia e ant ipat ia se mant êm em equilíbrio. A subst ancialidade anímica em ques-
t ão deverá ser considerada perf eit ament e plást ica e f luida. Não é replet a de egoísmo, como a
primeira, que ela percorre o espaço anímico; sua exist ência recebe impressões de t odos os lados,
sendo ela af im com muit o do que lhe vem ao encont ro. Uma expressão adequada para ela seria
suscet i bi l i dade f l ui da.
O t erceiro grau das f ormações anímicas é aquele em que a simpat ia prevalece sobre a
ant ipat ia. A ant ipat ia provoca a prevalência egoíst a, que no ent ant o cede à t endência para as
coisas do ambient e. Imagine-se uma f ormação dessas no espaço anímico. Ela aparece como cent ro
de uma esf era de at ração que se est ende por sobre os obj et os do ambient e. Tais f ormações devem
ser designadas especialment e como subst ancíal i dade do desej o. Essa designação parece corret a
porque, devido à exist ência da ant ipat ia, embora mais escassa do que a da simpat ia, a at ração f az
com que os obj et os at raídos sej am levados para o âmbit o próprio daquela f ormação. A simpat ia
recebe, com isso, uma coloração básica egoíst ica. Est a subst ancialidade do desej o pode ser compa-
rada aos seres gaseif ormes ou aéreos do mundo f ísico. Assim como o gás t ende a expandir-se, a
subst ancialidade do desej o est ende-se em t odas as direções.
Graus mais elevados de subst ancialidade anímica caract erizam-se pelo f at o de neles est ar
complet ament e ret raída uma das f orças f undament ais, a ant ipat ia, permanecendo apenas a simpa-
t ia como f at or ef et ivament e at uant e. Ora, est a pode f azer-se valer primeiro ent re as part es da
própria f ormação anímica. Essas part es exercem at ração recíproca. A f orça da simpat ia no int erior
de uma f ormação anímica exprime-se naquilo que se denomina prazer; e t oda redução dessa
simpat ia é despr azer . O desprazer é soment e um prazer diminuído. Prazer e desprazer são aquilo
que exist e no homem como mundo dos sent iment os — em sent ido mais rest rit o. O sent i r é a t rama
do anímico em si mesmo. Do modo como os sent iment os de prazer e desprazer se ent ret ecem na
alma depende o que se designa por bem-est ar anímico.
Um grau ainda superior é o assumido pelas f ormações anímicas cuj a simpat ia não permanece
encerrada nos conf ins da própria vida part icular. Essas f ormações se dist inguem dos t rês out ros
graus e const it uem j á um quart o, pois nelas a f orça da simpat ia não t em nenhuma ant ipat ia
ant agônica a superar. E só por meio dest as cat egorias superiores de subst ancialidade anímica que a
múlt ipla variedade das f ormações anímicas se concent ra para f ormar um mundo anímico comum.
Enquant o se t rat a da ant ipat ia, a f orma anímica anseia por algo diverso no int eresse de sua própria
vida, a f im de se f ort alecer e enriquecer por meio desse algo. Quando a ant ipat ia sai de cena, o
out ro é aceit o como manif est ação, como comunicação. Est a f orma superior de subst ancialidade
anímica no espaço anímico t em uma f unção semelhant e à da luz no espaço f ísico. Ela f az com que
uma f ormação anímica como que absorva a exist ência e o ser das out ras por obra delas mesmas,
ou, como t ambém se poderia dizer, f az com que ela se deixe irradiar pelas out ras. É alent ando-se
nessas regiões mais elevadas que os seres anímicos são despert ados para a verdadeira vida anímica.
Sua vida indist int a na escuridão desabrocha, reluz e irradia-se pelo espaço anímico; a t rama morosa
e sonolent a no int erior, querendo isolar-se pela f orça da ant ipat ia quando exist em apenas as
subst âncias das regiões inf eriores, t orna-se energia e vivacidade que f lui caudalosament e do
int erior para o ext erior. A suscet ibilidade f luida da segunda região só at ua durant e o encont ro das
f ormações anímicas. Ent ão uma se f unde com a out ra, mas para isso é necessário o cont at o diret o.
Nas regiões mais elevadas reina a livre irradiação, o derramament o. (É com razão que se denomina
a nat ureza essencial dessa esf era como uma ‘ irradiação’ , pois a simpat ia que é desenvolvida at ua
de modo a j ust if icar o uso simbólico de um t ermo ext raído do ef eit o da luz. ) Assim como a plant a
murcha quando guardada num porão, as f ormações anímicas t ambém perecem quando privadas das
subst âncias anímicas das regiões superiores. Luz aními ca, ener gi a aními ca at i va e aut ênt ica vi da
aními ca no sent ido mais est rit o pert encem a essas regiões, comunicando-se a part ir delas com os
seres anímicos.
É preciso, pois, dist inguir t rês regiões inf eriores e t rês superiores no mundo anímico; ambos
os planos são int erligados por um quart o plano, o que result a na seguint e divisão do mundo
anímico:

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1. Região das ânsias ardent es
2. Região da suscet ibilidade f luida
3. Região dos desej os
4. Região de prazer e desprazer
5. Região da luz anímica
6. Região da energia anímica at iva
7. Região da vida anímica.

At ravés das t rês primeiras regiões, as f ormas anímicas recebem suas propriedades conf orme
as relações de ant ipat ia e simpat ia; at ravés da quart a região, a simpat ia at ua nas próprias f or-
mações anímicas; at ravés das t rês superiores, a f orça da simpat ia vai-se t ornando cada vez mais
livre; resplendent es e vivif icant es, as subst âncias anímicas dest a região do espaço anímico
permeiam, despert ando, o que em out ras circunst âncias se perderia por si mesmo na própria
exist ência.
Poderia parecer supérf luo, mas a bem da clareza f risaremos que essas set e part es do mundo
anímico não represent am, em absolut o, regiões separadas ent re si. Assim como o sólido, o líquido e
o gasoso se int erpenet ram no mundo f ísico, ânsias ardent es, suscet ibilidade f luida e energias do
mundo dos desej os int erpenet ram-se no anímico. E do mesmo modo como o calor penet ra nos
corpos f ísicos e a luz os ilumina, assim ocorre no anímico em relação a prazer e desprazer e
t ambém à luz anímica. Algo semelhant e sucede com a energia anímica at iva e a vida anímica pro-
priament e dit a.

II. A alma no mundo das almas após a mort e

A alma é o vínculo ent re o espírit o do homem e seu corpo. Suas f orças de simpat ia e ant ipat ia,
que por suas int er-relações ocasionam as manif est ações anímicas — ânsia, excit abilidade, desej o,
prazer, desprazer, et c. —, at uam não soment e ent re uma f orma anímica e out ra, mas se manif est am
t ambém perant e as ent idades dos out ros mundos — o f isico e o espirit ual. Enquant o a alma vive no
corpo, de cert o modo ela part icipa de t udo o que se processa nesse corpo. Quando as f unções
f ísicas do corpo ocorrem com regularidade, surgem na alma o prazer e o bem-est ar; quando essas
f unções são pert urbadas, manif est am-se o desprazer e a dor. E t ambém nas at ividades do espírit o a
alma t em sua part icipação: um pensament o a enche de alegria, out ro de horror; um j uízo corret o
t em a aprovação da alma, e um f also, seu desagrado.
Enf im, o est ágio evolut ivo de uma pessoa depende da direção t omada pela inclinação de sua
alma. Um ser humano é t ant o mais perf eit o quant o mais sua alma simpat ize com as manif est ações
do espírit o; e é t ant o mais imperf eit o quant o mais suas inclinações sej am sat isf eit as pelas f unções
do corpo.
O espírit o é o pont o cent ral do homem, e seu corpo é o int ermediário por meio do qual o
espírit o não só observa e conhece o mundo f isico, mas t ambém at ua nele. A alma, porém, é a
mediadora ent re o espírit o e o corpo. Ela ext rai da impressão f ísica cansada pelas vibrações do ar,
no ouvido, a sensação do som, experiment ando prazer nesse som. Tudo isso ela comunica ao
espírit o, que assim alcança compr eensões do mundo f ísico. Um pensament o que surge no espírit o é
t ransf ormado pela alma em desej o de realização, só podendo por esse meio, com a aj uda do
inst rument o corpóreo, t ornar-se ação.
Ora, o homem só pode cumprir sua missão deixando-se reger pelo espírit o em t odas as suas
ações. A alma, por si mesma, pode dirigir suas inclinações t ant o para o f ísico quant o para o
espirit ual. Ela pode, por assim dizer, t ant o baixar seus t ent áculos ao mundo f ísico quant o alçá-los
ao espirit ual. Quando ela imerge no mundo f isico, é impregnada e t ingida em seu próprio ser pela
nat ureza desse mundo f isico. Mas como o espírit o só pode at uar no mundo f ísico por int ermédio da
alma, ele mesmo f ica, por isso, orient ado em direção ao f ísico. Suas f ormações são at raídas, pelas
f orças da alma, para o mundo f ísico. Observe-se um homem pouco desenvolvido [ espirit ualment e] .
As inclinações de sua alma dependem das f unções do corpo. Ele só sent e prazer com as impressões
que o mundo f ísico produz sobre seus sent idos; e, em virt ude desse f at o, sua vida int elect ual
t ambém é int eirament e arrast ada para essa esf era. Seus pensament os servem apenas à sat isf ação
de suas necessidades f ísicas.
Enquant o vive de encarnação em encarnação, o sel f espirit ual deve t er sua direção cada vez
mais det erminada pelo mundo espirit ual. Sua f aculdade cognit iva deve ser dirigida pelo espírit o da

37
verdade et erna, e seu agir, pela bondade et erna.
A mort e, considerada como f at o do mundo f ísico, signif ica uma alt eração das f unções do
corpo. Com a mort e est e deixa de ser, por sua const it uição, o mediador ent re a alma e o espírit o. A
part ir da mort e ele f ica int eirament e subordinado, em suas f unções, ao mundo f ísico e suas leis;
t ransf ere-se para est e, a f im de dissolver-se aí. Soment e esses processos f ísicos do corpo podem ser
observados, após a mort e, com os sent idos f ísicos. O que ent ão acont ece com a alma e o espírit o
escapa a esses sent idos — pois alma e espírit o só podem ser observados sensorialment e, durant e a
vida, à medida que se ext eriorizam em processos f ísicos. Após a mort e, t al ext eriorização não é
mais possível. Por isso a observação dos sent idos f ísicos e a ciência que nela se baseia não vêm ao
caso quando se t rat a de invest igar o dest ino da alma e do espírit o após a mort e. É aí que ent ra um
conheciment o superior, f undado na observação dos processos nos mundos anímico e espirit ual.
Uma vez separado do corpo, o espírit o permanece vinculado à alma — e do mesmo modo como
durant e a vida f isica o corpo o ligava ao mundo f isico, agora a alma o prende ao mundo anímico.
Mas não é nesse mundo anímico que se encont ra seu verdadeiro e aut ênt ico ser. Ao mundo anímico
incumbe soment e ligar o espírit o a seu campo de ação, ao mundo f ísico. Para aparecer com f orma
mais perf eit a numa nova encarnação, ele deve ext rair energia e f ort aleciment o do mundo
espirit ual. Cont udo, ele f oi vinculado ao mundo f ísico pela alma; est á preso a um ser anímico que é
perpassado e colorido pela nat ureza do mundo f ísico, e por isso ele próprio recebeu essa
orient ação. Depois da mort e a alma não est á mais vinculada ao corpo, mas soment e ao espírit o.
Agora ela vive num meio anímico. Assim sendo, só as f orças do mundo anímico podem t er ainda
uma inf luência sobre ela. E t ambém o espírit o se acha inicialment e vinculado a essa vida da alma
no mundo anímico. Ele se encont ra t ão ligado a ela quant o est á ligado ao corpo durant e a
encarnação f ísica. O moment o da mort e do corpo f ísico é det erminado pelas leis del e. No geral,
aliás, cabe dizer que não são a alma e o espírit o que abandonam o corpo, mas est e é que é
dispensado22 por ambos quando suas f orças não mais podem at uar no sent ido da organização
[ ent idade] do homem. O mesmo ocorre na relação ent re alma e espírit o. A alma ent regará o
espírit o ao mundo espirit ual superior quando suas f orças não mais puderem at uar no sent ido da
organização anímica do homem. O espírit o será libert ado no moment o em que a alma t iver
ent regue à dissolução o que ela só pode vivenciar no int erior do corpo, conservando apenas o que
puder cont inuar a viver com o espírit o. Esse rest o — que, aliás, pode ser vivido no corpo mas f ica
impresso no espírit o, como f rut o — liga a alma ao espírit o no puro mundo espirit ual.
Para se conhecer o dest ino da alma após a mort e, é preciso considerar igualment e seu
processo de dissolução. Sua t aref a ant erior era dar ao espírit o a orient ação para o f ísico. No
moment o em que cumpriu essa t aref a, ela t oma a direção do mundo espirit ual. Em virt ude dessa
nat ureza de sua t aref a, na verdade deveria passar logo a agir apenas espirit ualment e, j á que est á
despoj ada do corpo e, port ant o, não pode mais ser um víncul o. Isso é o que t ambém ocorreria caso
ela não f osse, em sua vida no corpo, inf luenciada por est e e at raída para ele em suas inclinações.
Sem essa coloração assumida em sua ligação com o mundo corpóreo, logo após a desencarnação ela
seguiria as meras leis do mundo anímico-espirit ual e não desenvolveria nenhuma inclinação pelo
mundo sensível. E assim seria se por ocasião da mort e o homem t ivesse perdido complet ament e
qualquer int eresse pelo mundo t erreno, se est ivessem sat isf eit os t odos os seus desej os, cobiças,
et c. que o vinculassem à exist ência abandonada por ele. Na medida, porém, em que isso não
ocorre, t odo o remanescent e nesse sent ido cont inua preso à alma.
Para não se incidir em erro, aqui é preciso dist inguir cuidadosament e ent re aquilo que prende
o homem ao mundo, de modo a t ambém poder ser compensado numa encarnação ult erior, e aquilo
que o vincula a uma encarnação det erminada, ist o é, à últ ima em quest ão. O primeiro é
compensado pela lei do dest ino, do carma; o out ro, porém, só pode ser desprendido pela alma
depois da mort e. Após a mort e, segue-se para o espírit o humano um período em que a alma vai-se
desprendendo de suas inclinações à exist ência f ísica, para ent ão volt ar a seguir exclusivament e as
leis do mundo anímico-espirit ual e libert ar o espírit o. É nat ural que esse período sej a mais ou
menos ext enso na medida em que a alma t enha sido mais ou menos apegada ao mundo f ísico. Será
curt a num homem que pouco se t enha ligado à vida f ísica, e, por out ro lado, longa naquele cuj os
int eresses t enham est ado complet ament e vinculados a est a vida, de modo que por ocasião da
mort e permaneçam na alma muit os desej os, ânsias, et c.

22
Da 19ª à 26ª edicão alemã (St ut t gart , 1922—1948), nesse t recho const ava “ . . . mas são di spensodos por el e. . . ” . Desde a
27ª edição (St ut t gart , 1955) f oi rest abelecido o t ext o da 1ª à 18ª edicão. Por não se t er cert eza de que a alt eração de 1922
t enha sido f eit a pelo Aut or, indicam-se aqui ambas as redações. (N. E. orig. )

38
O meio mais f ácil de imaginar o est ado em que a alma vive no período logo após a mort e é a
seguint e ref lexão:
Tomemos um exemplo ext remament e banal — as sat isf ações de um gour met . Seu prazer est á
na excit ação do paladar provocada pelos aliment os. Esse prazer, nat uralment e, nada t em de f ísico,
e sim algo de anímico. É na alma que vive o prazer e t ambém a ânsia do prazer. Cont udo, para
sat i sf azer as ânsias é preciso o órgão corpóreo correspondent e — o palat o, e assim por diant e. Ora,
após a mort e a alma não perde logo essa ânsia; só que agora ela não possui mais o órgão corpóreo,
ou sej a, o meio de sat isf azê-la. É como se ent ão o homem — se bem que por uma razão diversa,
cuj os ef eit os, porém, são semelhant es e t ambém muit o mais int ensos — se encont rasse numa região
t ot alment e sem água e sof resse de uma sede ardent e. É assim que a alma sof re ardent ement e pela
f alt a de prazer, por t er sido despoj ada do órgão corpóreo que o proporciona. Assim sucede com
t udo o que a alma desej a e que só pode ser sat isf eit o mediant e os órgãos corpóreos. Esse est ado
(privação ardent e) perdura por quant o t empo a alma leve para aprender a não mais ansiar pelo que
só pode ser sat isf eit o mediant e os órgãos corpóreos. E o t empo decorrido nesse est ado pode ser
designado ‘ região das ânsias’ , embora, é claro, não se t rat e de det erminada ‘ localidade’ .
Ao adent rar o mundo anímico após a mort e, a alma passa a reger-se pelas leis nele vigent es.
Essas leis at uam sobre ela, e é dessa at uação que depende a maneira como lhe são ext int as as
inclinações para o mundo f ísico. Os ef eit os serão diversos conf orme as qualidades das subst âncias e
f orças anímicas em cuj o domínio ela agora est á inserida. Cada uma dessas qualidades f ará valer sua
inf luência purif icadora, depuradora. O processo que ent ão se realiza é de t al ordem que t odo t raço
ant ipát ico da alma vai sendo gradat ivament e superado pelas f orças da simpat ia, sendo est a últ ima
int ensif icada at é seu ápice; pois, mediant e esse máximo grau de simpat ia em relação a t odo o
mundo anímico rest ant e, a alma como que se f unde nele, t orna-se una com ele; seu egoísmo acaba
ent ão por exaurir-se. Ela deixa de exist ir como um ser inclinado à exist ência f ísico-sensível: o
espírit o é libert ado por ela. Port ant o, a alma vai-se purif icando pelas regiões do mundo anímico
acima descrit as at é que, na região da perf eit a simpat ia, t orna-se una com o mundo anímico em
geral. O f at o de at é est e últ imo moment o de libert ação de sua alma o espírit o est ar, ele próprio,
vinculado a ela, deve-se à sua t ot al af inidade com a alma at ravés da vida. Essa af inidade é muit o
maior do que a exist ent e ent re o espírit o e o corpo, pois com est e o espírit o se acha ligado por
int ermédio da alma, com a qual, por sua vez, ele est á vinculado diret ament e. Aliás, ela é sua vida
própria. Por isso o espírit o não f ica ligado ao corpo em decomposição, e sim à alma que pau-
lat inament e se libert a.
Por sua ligação diret a com a alma, o espírit o só pode sent ir-se desvinculado dest a t endo-se
t ornado uno com o mundo anímico em geral.
Na medida em que o mundo anímico const it ui a morada do ser humano no período
imediat ament e post erior à mort e, esse âmbit o pode ser chamado de ‘ região das ânsias’ . Os vários
sist emas religiosos que acolheram, em suas dout rinas, cert a consciência de t ais condições
conhecem est a região das ânsias pelo nome de ‘ purgat ório’ , ‘ f ogo purif icador’ , et c.
A região mais baixa do mundo anímico é a das ânsi as ar dent es. At ravés dela, depois da mort e,
é eliminado da alma t udo o que est a possui de desej os egoíst icos mais grosseiros, relacionados à
vida corpórea mais inf erior; pois mediant e t ais desej os ela pode experiment ar um ef eit o das f orças
dessa região anímica. As ânsias insat isf eit as, remanescent es da vida f ísica, const it uem o pont o de
at aque. A simpat ia de t ais almas se est ende apenas ao que pode aliment ar sua nat ureza egoíst ica,
sendo amplament e superada pela ant ipat ia, que se vert e sobre t udo o mais. Ora, os desej os t êm
por obj et o os pr azer es f ísicos, que não podem ser sat isf eit os no mundo anímico. Por essa
impossibilidade da sat isf ação, a avidez é int ensif icada ao máximo. Ao mesmo t empo, porém, essa
impossibilidade t ambém deverá ext inguir pouco a pouco a avidez. As volúpias ardent es vão-se
consumido cada vez mais; e a alma t erá sent ido que o único meio de impedir a dor provenient e de
t ais volúpias é eliminá-las. Durant e a vida f ísica, há sempre cada vez mais sat isf ação. Com isso, a
dor da avidez ardent e é encobert a por uma espécie de ilusão. Depois da mort e, no ‘ f ogo
purif icador’ , essa dor se manif est a abert ament e, percorrendo-se as correspondent es vivências de
privação. É t enebroso o est ado em que as almas aí se encont ram. Obviament e, só podem incorrer
nesse est ado os seres humanos cuj as ânsias na vida f ísica t endiam às coisas mais grosseiras.
Nat urezas com poucas volúpias at ravessam-no sem o perceber, pois não t êm af inidade alguma com
ele. E preciso dizer que as almas são inf luenciadas pelas ânsias ardent es na mesma ext ensão em
que t enham t ido af inidade com elas em sua vida f ísica; daí a menor ou maior necessidade de
purif icar-se nelas. Não se pode designar essa purif icação como padeciment o no mesmo sent ido em
que, no mundo sensório, se sent iria apenas como padeciment o algo semelhant e. É que após a

39
mort e a alma anseia por sua purif icação, o único meio de ser ext int a uma imperf eição exist ent e
nela.
Uma segunda espécie de processos do mundo anímico é de nat ureza t al que, neles, a simpat ia
e a ant ipat ia mant êm o equilíbrio. Na medida em que uma alma humana permanece no mesmo
est ado após a mort e, durant e cert o período ela é inf luenciada por esses processos. A absorção em
f ut ilidades ext eriores da vida e o prazer causado pelas impressões ef êmeras dos sent idos
condicionam esse est ado. Os homens vivem nele na medida em que o mesmo é condicionado pelas
mencionadas inclinações da alma. Eles se deixam inf luenciar por t oda e qualquer f rivolidade do
moment o; mas como sua simpat ia não se inclina para coisa alguma em especial, as inf luências
passam depressa. Tudo o que não pert ença a esse f út il domínio é ant ipát ico a t ais pessoas. Ora,
mas se após a mort e a alma experiment a esse est ado sem que aí est ej am as coisas f isico-sensoriais
necessariament e vinculadas àsua sat isf ação, f inalment e ele t ambém deve ext inguir-se. A privação
que reina dent ro da alma ant es de sua complet a ext inção é, nat uralment e, penosa. Essa dolorosa
sit uação é a escola para o aniquilament o da ilusão em que o homem se acha envolt o durant e a vida
f ísica.
Em t erceiro lugar se observam, no mundo anímico, os processos com predominant e simpat ia,
aqueles em que predomina a nat ureza própria do desej o. As almas sof rem sua inf luência mediant e
t udo o que, após a mort e, conserva uma at mosf era de desej os. Também esses desej os vão-se
ext inguindo gradat ivament e, em virt ude da impossibilidade de sua sat isf ação.
Na região de prazer e desprazer do mundo anímico, designada mais acima como a quart a, a
alma passa por provas especiais. Enquant o vive no corpo, ela part icipa de t udo o que concerne a
esse corpo. A t eia de prazer e desprazer est á ligada a ele. Ele lhe proporciona bem-est ar e
conf ort o, desprazer e desconf ort o. Durant e a vida f ísica, o homem experiment a seu corpo como sua
ident idade. Aquilo que se denomina sent i ment o de si se baseia precisament e nesse f at o; e quant o
mais o homem é propenso à vida dos sent idos, t ant o mais seu sent iment o de si assume esse carát er.
Após a mort e, f alt a o corpo como obj et o desse sent iment o de si. Por isso a alma, para a qual
esse sent iment o permanece, sent e-se como que oca, experiment ando uma sensação de haver
perdido a si mesma. Isso perdura at é ser reconhecido o f at o de que no mundo f ísico não reside o
verdadeiro homem. As inf luências dessa quart a região dest roem, assim, a ilusão da ident idade
corpórea. A alma aprende a não sent ir mais essa corporalidade como algo essencial, sendo sanada e
purif icada de sua t endência à corporalidade. Com isso t erá superado o que ant es a acorrent ava
f ort ement e ao mundo f ísico, podendo ent ão desenvolver plenament e as f orças de simpat ia volt adas
para o ext erior. Ela, por assim dizer, renunciou a si mesma e est á preparada para derramar-se, em
plena int egração, no mundo anímico geral.
Não se deve deixar de mencionar que as vivências dessa região são percorridas de modo
especial pelos suicidas. Eles abandonam seu corpo f ísico de modo art if icial, enquant o t odos os sen-
t iment os relacionados com ele permanecem inalt erados. Na mort e nat ural ocorre, paralelament e à
decadência do corpo, um amort eciment o parcial dos sent iment os presos a ele. Nos suicidas, porém,
às penas cansadas pelo vácuo repent ino se acrescent am as ânsias e os desej os insat isf eit os que
mot ivaram o suicídio.
O quint o grau do mundo anímico é o da l uz aními ca. A simpat ia em relação ao out ro j á t em,
aqui, alt a import ância. Com esse grau são af ins as almas que, durant e a vida f ísica, não se
consumiram na sat isf ação de necessidades inf eriores, t endo, sim, sent ido alegria e prazer em suas
relações com o mundo em redor. A paixão pela nat ureza, na medida em que haj a cont ido um cará-
t er sensorial, est á, por exemplo, suj eit a aqui à purif icação. Cumpre, no ent ant o, dist inguir essa
espécie de paixão pela nat ureza daquele convívio mais elevado com a nat ureza, que é de cunho
espirit ual e busca o espírit o que se manif est a nas coisas e processos nat urais. Est a espécie de senso
da nat ureza pert ence às coisas que desenvolvem o próprio espírit o e f undam nele algo duradouro.
Dest e senso da nat ureza, porém, cabe dist inguir aquele desf rut e da nat ureza cuj as bases est ão nos
sent idos. Dest es a alma precisa purif icar-se t ant o quant o de out ras inclinações radicadas
unicament e na vida f ísica. Muit as pessoas vêem em inst it uições que servem ao bem-est ar dos
sent idos, num sist ema educacional volt ado sobret udo para a sat isf ação dos mesmos, uma espécie
de ideal. Não se pode dizer que elas servem apenas a seus impulsos egoíst icos; porém sua alma est á
realment e volt ada para o mundo sensível, devendo ser curada pela f orça da simpat ia reinant e na
quint a região do mundo anímico, à qual f alt am esses meios ext ernos de sat isf ação. Paulat inament e
a alma reconhece, aqui, que essa simpat ia deve t omar out ros caminhos; e esses caminhos são
encont rados no derramament o da alma no espaço anímico graças à simpat ia em relação ao
ambient e anímico.

40
Também são purif icadas aqui as almas que, por suas prát icas religiosas, buscam em primeiro
lugar um aument o de seu bem-est ar sensorial, sej a ansiando por um paraíso t erreno ou por um
celest ial. No ‘ t errit ório anímico’ elas encont ram esse paraíso, mas soment e com a f inalidade de
int eirar-se da f alt a de valor do mesmo. Nat uralment e t odos esses são apenas exemplos avulsos de
purif icações que ocorrem nessa quint a região. Eles poderiam ser mult iplicados à vont ade.
At ravés da sext a região, a da f or ça aními ca at i va, ocorre a purif icação da parcela da alma
sedent a de at ividade, a qual não t raz carát er egoíst ico mas, ainda assim, t em seus mot ivos na sa-
t isf ação sensorial proporcionada pelos at os. Índoles que desenvolvem t al dinamismo dão a
impressão ext erior de serem idealist as, parecendo ser pessoas capazes de sacrif icio. Ent ret ant o,
num sent ido mais prof undo o que buscam é o aument o do prazer sensorial. Muit as nat urezas
art íst icas, e t ambém as que se ent regam à at ividade cient íf ica pelo deleit e que ist o lhes
proporciona, pert encem a esse grupo. O que as prende ao mundo f ísico é a crença de que art e e
ciência exist em para proporcionar t al deleit e.
A sét ima região, a da vida aními ca propriament e dit a, libert a o homem de suas últ imas
inclinações volt adas para o mundo f ísico sensível. Cada uma das regiões precedent es assimila da
alma o que lhe é af im. O que agora ainda envolve o espírit o é a idéia de que sua at ividade deve ser
int eirament e dedicada ao mundo sensorial. Há personalidades alt ament e dot adas que, no ent ant o,
não ref let em sobre out ra coisa senão os processos do mundo f ísico. Pode-se chamar t al crença de
mat erialist a. Essa crença deve ser dest ruída, e ef et ivament e o é na sét ima região. Ali as almas
vêem que na verdadeira realidade não exist em quaisquer obj et os para uma concepção mat erialist a.
É como gelo ao sol que, aqui, essa crença se esvai da alma. Agora o ser anímico é absorvido por seu
mundo, est ando o espírit o libert o de t odas as cadeias. Ele ascende às regiões onde f ica vivendo
apenas em seu próprio ambient e.
A alma cumpriu sua missão t errena precedent e e, após a mort e, dissolveu o que permanecera
dessa missão como peso para o espírit o. Tendo superado os resíduos t errenos, ela própria é rest i-
t uída ao seu element o.
Por est a descrição se deduz que as vivências do mundo anímico, e com elas t ambém os
est ados da vida anímica após a mort e, vão assumindo um aspect o cada vez menos repugnant e à
alma quant o mais o homem se despoj a daquilo que, pela ligação t errena com a corporalidade
f ísica, é inseparável dest a por af inidade imediat a.
De acordo com as precondições criadas na vida f ísica, a alma pert encerá por t empo maior ou
menor a uma ou a out ra região. Onde sent ir af inidade, ela permanecerá at é que est a se ext inga.
Onde não exist ir af inidade alguma, ela seguirá caminho, sem sent iment os, at ravés de t odas as
int erf erências possíveis.
Aqui se buscou descrever apenas em t raços genéricos as caract eríst icas f undament ais do
mundo anímico e o carát er da vida da alma nesse mundo. O mesmo vale para as descrições do
mundo espirit ual, a seguir. Ult rapassaria os limit es f ixados para est e livro adent rar out ras
caract eríst icas desses mundos superiores; pois daquilo que seria comparável a relações espaciais e
curso de t empo, âmbit os em que t udo aqui é t ot alment e diverso do mundo f ísico, só se pode f alar
de modo compreensível f azendo uma descrição bem det alhada. Algumas ref erências import ant es
encont ram-se em meu livro A ci ência ocul t a. 23

III. O mundo espirit ual

Ant es de o espírit o poder ser observado em sua caminhada post erior, cumpre observar
primeiro a própria região em que ele ingressa. Trat a-se do ‘ mundo do espírit o’ . Esse mundo é t ão
dessemelhant e do f ísico que t udo o que é dit o a seu respeit o poderá parecer mera f ant asia a quem
só desej e conf iar em seus sent idos f isicos; e aqui se aplica em proporçao ainda maior o que j á
dissemos ao considerar o ‘ mundo da alma’ : é preciso recorrer às met áf oras para descrevê-lo — pois
nossa linguagem, que em geral só serve à realidade sensível, não é exat ament e rica em expressões
diret ament e aplicáveis ao ‘ mundo dos espírit os’ . Por isso, aqui é especialment e necessário pedir ao
leit or que ent enda algumas coisas dit as como sendo i ndi cações. Tudo o que aqui é descrit o é t ão
diverso do mundo f ísico que só pode ser apresent ado dessa maneira. O aut or dest a descrição
sempre est eve cônscio, dada a imperf eição de nossos meios de expressão verbal aj ust ados ao

23
Cit . (v. pág. 7).

41
mundo f ísico, de quão pouco suas indicações realment e podem corresponder à experiência nessa
região espirit ual.
Ant es de mais nada, cumpre acent uar que esse mundo é ent ret ecido pela subst ância (a
palavra ‘ subst ância’ t ambém é ut ilizada aqui, nat uralment e, numa acepção bem imprópria) da qual
são const it uídos os pensament os humanos. Da maneira, porém, como vive no homem, o
pensament o é apenas uma imagem sombria, um esboço de sua ent idade real. Assim como a sombra
de um obj et o numa parede est á para o obj et o real que a proj et a, assim o pensament o manif est o
por um cérebro humano est á para a ent idade que lhe corresponde no ‘ mundo dos espírit os’ . Pois
bem, uma vez despert o o sent ido espi r i t ual do homem, ele realment e percebe essa ent idade
pensament al 24 do mesmo modo como os olhos f ísicos percebem uma mesa ou uma cadeira. Ele se
moviment a numa esf era de seres-pensament os. Os olhos sensoriais percebem um leão, e o pensar
volt ado para o mundo sensível percebe simplesment e o pensament o correspondent e ao leão como
um espect ro, como uma imagem sombria. Os olhos espi r i t uai s no ‘ mundo dos espírit os’ vêem de
modo t ão real o pensament o correspondent e ao leão quant o os olhos f ísicos vêem um leão f ísico.
Mais uma vez se j ust if ica aqui o emprego da met áf ora j á empregada em relação ao ‘ mundo das
almas’ . Tal qual ao cego nat o operado com êxit o o meio ambient e se apresent a de uma só vez com
as novas qualidades de cor e luz, t ambém a quem aprende a ut ilizar seus ol hos espir i t uais o meio
ambient e aparece preenchido com um novo mundo, com o mundo de pensament os vivos ou ser es
espir i t uais.
Nesse mundo vêem-se inicialment e os ar quét i pos espirit uais de t odas as coisas e seres
exist ent es nos mundos f ísico e anímico. Imagine-se o quadro de um pint or como sendo exist ent e no
espírit o ant es de ser pint ado. Tem-se aí uma met áf ora do que se ent ende pelo t ermo ar quét i po.
Não import a que t alvez o pint or não t enha na cabeça t al arquét ipo ant es de pint ar, e que est e só se
complet e aos poucos, no decorrer do t rabalho prát ico. No verdadeiro ‘ mundo do espírit o’ exist em
t ais arquét ipos para t odas as coisas, e os obj et os e ent idades do mundo f ísico são r epr oduções
desses arquét ipos.
Se quem só conf ia nos sent idos ext ernos nega a exist ência desse mundo arquet ípico,
af irmando que os arquét ipos são apenas abst rações que o int elect o comparat ivo obt ém dos obj et os
sensíveis, isso é compreensível; pois j ust ament e essa pessoa não consegue t er percepções nesse
mundo superior — só conhece o mundo dos pensament os em sua abst ração espect ral. Ela ignora que
o vident e espirit ual est ej a t ão f amiliarizado com os seres espirit uais quant o est á com seu cão ou
seu gat o, e que para o vident e o mundo dos arquét ipos t enha uma realidade muit o mais int ensa do
que a f isico-sensível.
Sem dúvida, um primeiro relance nesse ‘ mundo dos espírit os’ é ainda mais desorient ador do
que aquele no mundo anímico. É que os arquét ipos, em sua verdadeira f orma, são muit o desse-
melhant es de suas cópias f ísicas; mas são igualment e dessemelhant es de suas sombr as, os
pensament os abst rat os.
No mundo espirit ual t udo est á em cont ínua at ividade e moviment o, em incessant e processo
criat ivo. Um repouso, uma permanência num só lugar, como no mundo f ísico, não exist e ali, pois os
arquét ipos são ent i dades cr iador as. Eles são os const rut ores de t udo o que surge nos mundos f ísico
e anímico. Suas f ormas são rapidament e mut ant es; e em cada arquét ipo exist e a possibilidade de
assumir inumeráveis f ormas part iculares. Eles f azem, por assim dizer, brot ar de si mesmos as
f ormas específ icas, e mal nasce uma, o arquét ipo se prepara para f azer out ra emanar dele. E os
arquét ipos t êm ent re si relações de maior ou menor af inidade. Eles não at uam isolados: um precisa
da aj uda do out ro para sua at ividade criat iva. É f reqüent e inumeráveis arquét ipos colaborarem
para que est a ou aquela ent idade surj a no mundo anímico ou f ísico.
Além do que se pode perceber nesse ‘ mundo dos espírit os’ por meio da ‘ visão espirit ual’ ,
exist e ali ainda algo diverso, que se pode considerar como uma ‘ audição espirit ual’ . Logo que o
‘ clari vident e’ se eleva do mundo animico ao espirit ual, os arquet ipos percebidos t ornam-se
t ambém sonor os. Essa ‘ sonoridade’ é um purament e espirit ual. Deve ser imaginada sem nenhuma
conot ação com um som f ísico. O observador sent e-se como que imerso num mar de sons; e nesses
sons, nessa sonoridade espirit ual, exprimem-se as ent idades do mundo espirit ual. Em suas
consonâncias e harmonias, rit mos e melodias expressam-se as leis primordiais de sua exist ência,
suas relações recíprocas e af inidades. O que no mundo f ísico é percebido pelo int elect o como lei,

24
Neologismo int encional para t raduzir a expressão original Gedankenwesenhei — ‘ ent idade dos pensament os’ —, repet ido
adiant e em expressões similares. (N. T. )

42
como idéia, apresent a-se aos ‘ ouvidos espirit uais’ como espirit ualidade musical. (Por isso os
pit agóricos chamavam essa percepção do mundo espirit ual de ‘ musica das esf eras’ . Para quem
possui esses ‘ ouvidos espirit uais’ , essa ‘ música das esf eras’ não é simplesment e qualquer coisa de
imaginário ou alegórico, mas uma realidade espi r it ual bem conhecida. ) Só que se alguém quiser
chegar a um conceit o dessa ‘ música espirit ual’ deverá pôr de lado t odas as represent ações de
música sensorial como a que é percebida pelos ‘ ouvidos mat eriais’ . Trat a-se aqui de uma
‘ percepção espi r i t ual ’ — port ant o, de uma espécie que deve ser muda para o ‘ ouvido sensorial’ .
Nas descrições a seguir, do mundo espirit ual, a bem da simplicidade serão omit idas as indicações
dessa ‘ música espirit ual’ . Bast a t er em ment e que t udo o que é descrit o como ‘ imagem’ , como algo
‘ luminoso’ , é ao mesmo t empo algo sonor o. A cada cor, a cada percepção de luz corresponde um
som espirit ual, e a cada combinação de cores corresponde uma harmonia, uma melodia e assim por
diant e. Cabe t er bem present e que onde predomina a sonoridade t ampouco cessa, de modo algum,
a percepção dos ‘ olhos espirit uais’ . A sonoridade vem j ust ament e acrescent ar-se à luminosidade.
Nas páginas a seguir, quando se f ala de ‘ arquét ipos’ cumpre acrescent ar ment alment e os ‘ sons
primordiais’ . Acrescent am-se ainda out ras percepções, que podem ser designadas met af oricament e
como ‘ sabor espirit ual’ , et c. ; porém não cabe det alhar aqui esses processos, pois o que import a é
despert ar uma represent ação ment al do ‘ mundo dos espírit os’ mediant e alguns t ipos escolhidos de
percepção que ocorrem nele.
Ora, ant es de t udo é necessário dist inguir as várias espécies de arquét ipos. Também no
‘ mundo dos espírit os’ cabe discernir cert o número de graus ou regiões para orient ar-se. Aqui, t al
qual no mundo anímico, não se deve conceber as várias regiões como sobrepost as em camadas, mas
ant es como permeando-se e int erpenet rando-se.
A pr imei r a r egi ão cont ém os arquét ipos do mundo f ísico naquilo em que est e não é dot ado de
vida. Encont ram-se aqui os arquét ipos dos minerais, e ainda os das plant as — porém só enquant o
purament e f ísicas, ou sej a, na medida em que não se leva em cont a a vida exist ent e nelas.
Também se encont ram aqui as f ormas f ísicas animais e humanas. Com ist o ainda não se esgot a o
que exist e nest a região; bast a ilust rá-lo com os exemplos mais óbvios.
Est a região const it ui o arcabouço básico do ‘ mundo dos espírit os’ . Podemos compará-la ao
solo f irme em nossa Terra f ísica. Ela é a massa cont inent al do ‘ mundo dos espírit os’ . Sua relação
com o mundo f ísico e corpóreo só pode ser descrit a mediant e comparações. Podemos obt er uma
idéia aproximada a seu respeit o do seguint e modo: — Imagine-se um espaço delimit ado qualquer,
replet o de corpos f ísicos das espécies mais variadas. Agora f açamos abst ração desses corpos f ísicos
e concebamos em seu lugar espaços ocos em suas f ormas. Os int ervalos ant eriorment e vazios,
concebamo-los replet os das f ormas mais variadas, que guardem múlt iplas relações com os corpos
ali exist ent es ant es.
É esse, pouco mais ou menos, o aspect o da região mais baixa do mundo dos arquét ipos. Nela,
as coisas e os seres que se incorporam no mundo f ísico exist em como ‘ espaços ocos’ ; e nos int erva-
los se processa a moviment ada at ividade dos arquét ipos (bem como da ‘ música espirit ual’ ). Por
ocasião da encarnação f ísica, os espaços ocos são, em cert a medida, preenchidos de subst ância
f isica. Quem olhasse no espaço com olhos simult aneament e f ísicos e espirit uais veria os corpos
f isicos e, ent re eles, a at ividade cont ínua dos arquét ipos criadores.
A segunda região do ‘ mundo dos espírit os’ cont ém os arquét ipos da vida; porém essa vida
f orma aqui uma unidade perf eit a. Como element o f luido ela percorre o mundo do espírit o e, à
semelhança do sangue, circula por t oda part e com suas pulsações; é comparável aos mares e águas
de nossa Terra f ísica. Cont udo, o modo pelo qual esse ‘ element o’ se dist ribui parece-se ant es com
a dist ribuição do sangue no corpo animal do que com a dist ribuição de mares e rios. Vida f luida,
f ormada por subst ância espirit ual —assim podemos denominar est e segundo grau do ‘ mundo dos
espírit os’ . Nest e element o sit uam-se as f orças primordiais f ormadoras de t udo o que se manif est a
na realidade f ísica como ser vivo. Aqui f ica evident e que t oda a vida const it ui uma unidade, que a
vida no homem é af im com a de t odas as demais criat uras.
Devem ser designados como t er ceir a região do ‘ mundo dos espírit os’ os arquét ipos de t udo o
que é anímico. Vemo-nos aqui diant e de um element o mais t ênue e sut il do que nas duas primeiras
regiões. Por analogia, podemos chamá-la de r egi ão aér ea do ‘ mundo dos espírit os’ . Tudo o que se
processa nas almas de ambos os out ros mundos t em aqui seu equivalent e espirit ual. Todas as
emoções, t odos os sent iment os, inst int os, paixões e assim por diant e exist em igualment e, aqui, sob
f orma espirit ual. Os processos at mosf éricos nessa região aérea correspondem aos sof riment os e
alegrias das criat uras nos out ros mundos. É como uma suave brisa que se manif est a aqui o anelo de
uma alma humana; e como um vent o possant e e t empest uoso, um arroubo de paixão. Quem é

43
capaz de f ormar idéias a t al respeit o há de ent ender a f undo os suspiros de qualquer criat ura, caso
prest e at enção a isso. Pode-se, por exemplo, f alar aqui de t rovoadas t empest uosas com relâmpagos
f aiscant es e ribombar de t rovões; e, avançando mais no assunt o, const at a-se que nessas
‘ t empest ades espirit uais’ se expressam as paixões provocadas por uma bat alha na Terra.
Os arquét ipos da quar t a região não se relacionam diret ament e com os out ros mundos. Trat a-
se, de cert o modo, de ent idades que regem os arquét ipos das t rês regiões inf eriores, int ermediando
seu encont ro. Port ant o, ocupam-se em ordenar e agrupar esses arquét ipos subordinados. Dest a
região emana, pois, uma at ividade mais abrangent e do que as das inf eriores.
A qui nt a, a sext a e a sét ima regiões são essencialment e dist int as das precedent es. É que as
ent idades ali exist ent es f ornecem aos arquét ipos das regiões inf eriores os i mpul sos para sua
at ividade. Nelas se encont ram as f orças criadoras dos próprios arquét ipos. Quem ascende a essas
regiões t rava conheciment o com as i nt enções25 subj acent es ao nosso mundo. Como pont os
embrionários vivos, os arquét ipos se acham aqui preparados para assumir as mais variadas f ormas
de seres-pensament os. Ao serem dirigidos para as regiões inf eriores, esses pont os embrionários
como que se int umescem e se manif est am nas f ormas mais variadas. As idéias por cuj o int ermédio o
espírit o humano se apresent a criat ivament e no mundo f ísico são o ref lexo, a sombra desses seres-
pensament os embrionários do mundo espirit ual superior. O observador dot ado de ‘ ouvidos
espirit uais’ , ao ascender das regiões inf eriores do mundo espirit ual para est as mais elevadas, se
apercebe de como os sons e harmonias se t ransf ormam numa ‘ linguagem espirit ual’ . Ele começa a
perceber o ‘ Verbo Espirit ual’ , graças ao qual as coisas e ent idades não soment e lhe manif est am
suas nat urezas por meio da música, mas t ambém as exprimem por meio de ‘ palavras’ . Elas lhe
dizem — conf orme se pode denominar isso na Ciência Espirit ual — seus nomes et er nos.
Cumpre t er em ment e que esses seres-pensament os embrionários são de nat ureza complexa.
Ao element o do mundo dos pensament os só é t omado, por assim dizer, o envolt ório embrionário; e
é est e que encerra o verdadeiro núcl eo vi t al . Com ist o chegamos ao limit e ext remo dos ‘ t rês
mundos’ , pois o núcl eo procede de esf eras ainda mais elevadas. Quando, mais acima, o ser humano
f oi descrit o segundo seus membros const it ut ivos, f oi-lhe at ribuído esse núcleo vit al cuj os
component es f oram designados como o ‘ espírit o vit al’ e o ‘ homem-espírit o’ . Também para out ras
ent idades cósmicas exist em núcleos vit ais semelhant es. Eles procedem de mundos superiores e são
int roduzidos nos t rês mundos acima mencionados a f im de cumprir neles suas t aref as.
Agora será acompanhada a peregrinação ult erior do espírit o humano at ravés do ‘ mundo dos
espírit os’ ent re duas incorporações ou encarnações. Aí se evidenciarão clarament e de novo as
condições e part icularidades desse ‘ mundo’ .

IV. O espírit o no mundo dos espírit os após a mort e

Uma vez t endo percorrido o ‘ mundo das almas’ em seu caminho ent re duas encarnações, o
espírit o do homem alcança o ‘ mundo dos espírit os’ , para ali permanecer at é que est ej a maduro
para uma nova exist ência corpórea. Só pode compreender o sent ido dessa permanência no ‘ mundo
dos espírit os’ quem sabe int erpret ar corret ament e o obj et ivo da peregrinação do homem at ravés
de suas encarnações. Enquant o se acha encarnado no corpo f ísico, o homem at ua e cria no mundo
f isico — at ua e cria como ser espi r it ual . O que seu espírit o cogit a e desenvolve, ele o imprime nas
f ormas f ísicas e nas subst âncias e energias corpóreas. Port ant o, como mensageiro do mundo
espirit ual ele t em de incorporar o espírit o no mundo f ísico. Apenas pelo f at o de se encarnar é que o
homem pode at uar no mundo corpóreo. Ele deve assumir o corpo f ísico como seu inst rument o para
at uar no corpóreo por meio do corpóreo e, com isso, para que o corpóreo possa at uar sobre ele.
Cont udo, o que at ua por int ermédio dessa corporalidade f isica do homem é o espír i t o. E dest e que
procedem as i nt enções, as diret rizes para a at uação no mundo f ísico.
Ora, enquant o at ua no corpo f ísico, o espírit o não pode, como t al, viver em sua verdadeira
f orma; só pode como que revelar-se at ravés do véu da exist ênci a f ísi ca. A vida pensament al 26 do
homem pert ence, na verdade, ao mundo espirit ual; e, do modo como se manif est a na exist ência

25
Pelas dif iculdades de expressão lingüíst ica, mencionadas ant eriorment e, f ica evident e que designações como ‘ int enções’
são aqui subent endidas apenas met af oricament e. Não se cogit a de reaquecer a ant iga dout rina t eleológica [ aquela que
relaciona um f at o com sua causa f inal] .
26
Al. Gedankenl eben (v. t b. not a 24). (N. T. )

44
f isica, sua verdadeira f orma se acha velada. Pode-se t ambém dizer que a vida pensament al do
homem f ísico é uma sombra, um ref lexo da verdadeira ent idade espirit ual a que pert ence. Assim,
durant e a vida f ísica o espírit o, por int ermédio do corpo f ísico, ent ra em int eração com o mundo
corpóreo t errest re; mas embora uma das missões do espírit o humano consist a precisament e em agir
sobre o mundo f ísico à medida que avança de encarnação em encarnação, o cert o é que ele não
poderia, de f orma alguma, cumprir devídament e essa missão caso vivesse apenas em sua exist ência
corpórea. É que é t ão impossível as int enções e met as da missão t errest re serem desenvolvidas e
alcançadas no âmbit o da encarnação t errena quant o a plant a de uma casa se mat erializar por si no
local da obra onde at uam os operários. Do mesmo modo como essa plant a é elaborada no est údio
do arquit et o, assim t ambém são elaboradas no ‘ mundo dos espírit os’ as met as e int enções da
at uação t errena.
O espírit o do homem sempre precisa t ornar a viver nesse mundo ent re duas encarnações, a
f im de, equipado com o que de lá t raz consigo, poder apresent ar-se ao t rabalho na vida f ísica. Tal
qual o arquit et o, em seu est údio, desenha a plant a segundo normas arquit et ônicas e out ras sem t er
de ocupar-se pessoalment e com o ciment o e os t ij olos, o arquit et o da at uação humana, o espírit o
ou o sel f [ eu] superior do homem deve, no ‘ mundo dos espírit os’ , desenvolver as capacidades e
met as segundo as leis desse mesmo mundo, para ent ão t ransmit i-las ao mundo t erreno. Só
permanecendo repet idas vezes em seu próprio domínio é que o espírit o humano t ambém poderá
t razer, mediant e os inst rument os f ísico-corpóreos, o espírit o para o mundo t errest re.
Em seu campo f ísico de at uação, o homem t rava conheciment o com as propriedades e f orças
do mundo f ísico. Enquant o at ua, reúne as experiências relat ivas ao que esse mundo exige de quem
quer t rabalhar nele. Ao mesmo t empo, aprende as propriedades da subst ância em que desej a
incorporar seus pensament os e idéias. Os pensament os e idéias propriament e dit os ele não pode
sugar da subst ância. Assim sendo, o mundo t errest re é ao mesmo t empo o cenário para o at uar e o
apr ender . No ‘ mundo dos espírit os’ , o que f oi aprendido é ent ão met amorf oseado em capacidade
at uant e do espírit o. Pode-se cont inuar a comparação f eit a mais acima, a f im de elucidar o assunt o:
O arquit et o elabora a plant a de uma casa. Essa plant a é execut ada. Nesse processo ele
adquire uma soma das mais variadas experiências. Todas essas experiências aument am suas ca-
pacidades. Quando ele desenha a plant a seguint e, t odas essas experiências af luem j unt as; e essa
plant a seguint e parece, f rent e à primeira, enriquecida de t udo o que f oi aprendido na ant enor. O
mesmo se dá com as sucessivas vidas humanas. Nos int ervalos ent re as encarnações, o espírit o vive
em seu próprio domínio. Ele pode dedicar-se int eirament e às exigências da vida espirit ual: libert o
da corporalidade f ísica, desenvolve-se em t odas as direções, int roduzindo nesse seu
desenvolviment o os f rut os das experiências de suas vidas ant eriores. Assim, seu olhar est á sempre
dirigido ao cenário de suas t aref as t errenas, de modo que ele se esf orça cont inuament e por seguir a
Terna — na medida em que est a const it ui o campo de sua at ividade — at ravés de t oda a evolução
que lhe é necessária. Ele t rabalha em si para, a cada encarnação, poder desempenhar
adequadament e seus serviços na caminhada t errena.
Cont udo, est a é apenas uma imagem genér i ca das sucessivas vidas humanas; e a realidade
j amais corresponderá t ot alment e a essa imagem, e sim apenas mais ou menos. As condições podem
acarret ar o f at o de uma vida seguint e de um homem ser muit o mais imperf eit a do que a ant erior.
Só que, de modo geral, dent ro de cert os limit es essas irregularidades acabam por equilibrar-se nas
encarnações sucessivas.
A evolução do espírit o no ‘ mundo dos espírit os’ ocorre pelo f at o de o homem se f amiliarizar
com as várias regiões desse mundo. Sua própria vida se mescla a essas regiões na correspondent e
seqüência; ele assume t ransit oriament e as propriedades delas. Por isso elas permeiam o ser do
homem com seu próprio ser, para que aquele possa agir no mundo t erreno f ort alecido com est e.
Na primeira região do ‘ mundo dos espírit os’ , o homem se acha cercado pelos arquét ipos das
coisas t errenas. Durant e a vida t errena ele só t rava conheciment o com a sombra desses arquét ipos,
capt ada por ele em seus pensament os. O que na Terra é merament e pensado é nessa região,
vi venciado. O homem caminha ent re pensament os, mas esses pensament os são ent i dades r eai s. O
que durant e a’ vida t errena ele percebeu com seus sent idos se lhe apresent a, agora, sob f orma
pensament al. Cont udo, o pensament o não se manif est a como a sombra que se esconde at rás das
coisas; ele const it ui uma realidade plena de vida, a qual gera as coisas. O homem se encont ra como
que na of icina dos pensament os, onde as coisas t errenas são f ormadas e plasmadas. É que no
‘ mundo do espírit o’ t udo é at ividade e mobilidade replet a de vida. Aqui o mundo dos pensament os
opera como um mundo de seres vivos, criat ivos e plasmadores. Vê-se ent ão como é mol dado o que
se viveu durant e a exist ência na Terra. Assim como no corpo f ísico as coisas sensíveis são

45
vivenciadas como realidade, no mundo espirit ual o homem, agora como espírit o, vivencia como
reais as f orças f ormat ivas do mundo espirit ual. Ent re os seres-pensament os ali exist ent es encont ra-
se t ambém o pensament o da própria corporalidade f ísica. Dest a o homem se sent e separado,
sent indo apenas sua ent idade espirit ual como pert encent e a ele. E quando, t al qual na lembrança,
o corpo de que se despoj ou não é mais percebido como f ísico, mas como um ser-pensament o, j á se
inclui na observação a pert inência do corpo ao mundo ext erior. O homem aprende a considerá-lo
como algo pert encent e ao mundo ext erior, como uma part e desse mundo. Conseqüent ement e, não
separa mais sua corporalidade do rest o do mundo como sendo algo mais af im à sua própria
ident idade; sent e uma unidade em t odo o mundo ext erior, incluindo as próprias encarnações corpó-
reas. As próprias encarnações se f undem aqui com o mundo rest ant e, f ormando uma unidade. Assim
sendo, ele olha os arquét ipos da realidade corpórea e f isica como uma unidade à qual ele próprio
pert enceu. Por isso vai aprendendo cada vez mais a conhecer, pela observação, sua própria unidade
e af inidade com o mundo circundant e. Aprende a dizer a esse respeit o: “ Isso que se est ende ao seu
redor é o que você próprio f oi. ”
Est e, porém, é um dos pensament os básicos da ant iga sabedoria indiana do Vedant a. Já
durant e a vida t errena, o ‘ sábio’ se apropria daquilo que o out ro só experiment ará após a mort e, ou
sej a, compreende que ele próprio é af im com t odas as coisas e compenet ra-se do pensament o “ Isso
é você” . Na vida t errena esse é um ideal ao qual a vida dos pensament os pode dedicar-se; no
‘ mundo dos espírit os’ é um f at o imediat o, que se vai t ornando cada vez mais evident e pela
experiência espirit ual. E nessa região o próprio homem vai-se t ornando cada vez mais cônscio de
que ele, por sua própria essência, pert ence ao mundo espirit ual. Percebe ser um espírit o ent re
espírit os, um membro dos espírit os primordiais, e sent irá em si mesmo os dizeres do Espírit o
Primordial: “ Eu sou o Espírit o Primordial. ” (A sabedoria do Vedant a diz “ Eu sou Brahma” , ist o é,
sou membro int egrant e do Ser Primordial do qual procedem t odos os seres. )
Vê-se, pois, que o que na vida t errena é capt ado como pensament o f ugaz, sendo almej ado por
t oda sabedoria, no ‘ mundo dos espírit os’ é vivenciado diret ament e. Aliás, durant e a vida t errena só
é pensado por que é um f at o na exist ência espirit ual.
Assim, durant e sua própria exist ência espirit ual o homem vê de um mirant e mais elevado,
como que de f ora, os f at os e condições em meio aos quais se encont ra durant e a vida t errena; e na
região mais baixa do ‘ mundo dos espírit os’ ele vive, dessa f orma, diant e das conj unt uras t errenas
diret ament e ligadas à realidade f ísica e corpórea.
Na Terra, o homem nasce no seio de uma f amília, de um povo; ele vive em cert o país. Sua
exist ência t errena é det erminada por t odas essas condições. Devido às sit uações t razidas pelo
mundo f ísico, ele encont ra est e ou aquele amigo; prat ica est e ou aquele of ício. Tudo isso
det ermina as condições de sua vida t errena; t udo isso vem ao seu encont ro como ent idade
pensament al vi vent e durant e sua vida na primeira região do ‘ mundo dos espírit os’ . De cert o modo
ele percorre t udo isso uma vez mais, porém de um lado espirit ualment e at ivo. O amor f amiliar que
prat icou e a amizade que of ereceu reavivam-se dent ro dele, e suas capacidades são int ensif icadas
nessa direção. Aquilo que, no espírit o humano, age como f orça de amor pela f amília e pelos
amigos, é f ort alecido. Nesse sent ido, mais t arde ele ingressa de novo na exist ência t errena como
um ser humano mais perf eit o.
São, em cert a medida, as condições diárias da vida t errena que amadurecem como f rut os
nest a região mais inf erior do ‘ mundo dos espírit os’ ; e aquilo que no homem é int eirament e absorvi-
do, j unt ament e com seus int eresses, por esses f at ores da vida cot idiana, sent ir-se-á f amiliarizado
com est a região durant e a maior part e da vida espirit ual ent re duas encarnações.
As pessoas com as quais se conviveu no mundo f ísico são reencont radas no mundo espirit ual.
Da mesma f orma como a alma despoj a t udo u que lhe era próprio por int ermédio do corpo f ísico,
assim t ambém o laço que na vida t errena ligava uma alma à out ra é desat ado das condições que só
no mundo f ísico t êm import ância e ef et ividade. Cont udo, para além da mort e — pelo mundo espiri-
t ual adent ro — t em cont inuação t udo o que na vida f ísica uma alma signif icava para out ra. É
nat ural que palavras cunhadas para condições f ísicas só possam t ransmit ir de modo impreciso o que
sucede no mundo espirit ual. Feit a est a ressalva, pode-se considerar absolut ament e cert a a
af irmação de que almas ligadas ent re si na vida f isica se reencont ram no mundo espirit ual, para aí
prosseguir sua convivência de maneira adequada.
A região seguint e é aquela em que a convi vênci a da vida t errena f lui como ent idade
pensament al, semelhant ement e ao element o líquido do ‘ mundo dos espírit os’ . Enquant o se observa
o mundo dent ro da encarnação f ísica, a vida parece ligada a det erminados ser es vi vos. No ‘ mundo

46
dos espírit os’ ela é separada deles e, com o um sangue vit al, circula por t odo esse mundo. Exist e ali
a unidade vivent e que exist e em t udo. Durant e a vida t errena, só t ransparece ao homem como que
um ref lexo dela; e est e se exprime em t oda f orma de veneração que o homem prest a ao t odo,
àunidade e harmonia do mundo. A vida r el i giosa dos homens se origina desse ref lexo. O homem se
apercebe do quant o o sent ido t ot al da exist ência não reside no t ransit ório, no part icular. Ele
considera esse element o t ransit ório como uma ‘ met áf ora’ e imagem de um element o et erno, de
uma unidade harmônica; ergue o olhar com veneração e adoração para essa unidade e dedica-lhe
cerimônias religiosas.
No ‘ mundo dos espírit os’ se manif est a não o ref lexo, mas a f orma real como ent idade viva do
pensament o. Aqui o homem pode realment e j unt ar-se à unidade que adorou na Terra. Os f rut os da
vida religiosa e de t udo o que lhe diz respeit o manif est am-se nessa região. O homem aprende agora
a reconhecer, por experiência espirit ual, que seu dest ino individual não pode separar-se da
comunidade à qual ele pert ence. A capacidade de reconhecer a si mesmo como membro de um
t odo desenvolve-se aqui. Os sent iment os religiosos, t udo o que na vida ansiou por uma moral pura e
nobre, absorverá nova f orça dessa região durant e boa part e do est ágio espirit ual; e o homem se
reencarnará nessa direção com uma elevação de suas capacidades.
Enquant o na primeira região o homem convive com as almas às quais, na vida f ísica
precedent e, se achava preso pelos laços mais ínt imos do mundo f ísico, na segunda região ele ent ra
no campo de t odas aquelas com as quais se sent ia unido num sent ido mais amplo — em virt ude de
uma veneração em comum, de uma crença comum, et c. É preciso acent uar que as vivências
espirit uais das regiões precedent es cont inuam present es durant e as seguint es. Assim sendo, o
homem não é arrancado aos vínculos de f amília, amizade, et c. quando penet ra na vida da segunda
região e seguint es.
Tampouco as regiões do ‘ mundo dos espírit os’ se acham separadas como ‘ compart iment os’
est anques; elas se int erpenet ram, e o homem se sent e numa nova região não por t ê-la ‘ adent rado’
de alguma f orma, mas por t er adquirido as f aculdades int eriores para perceber, no int erior dela, o
que ant es não percebia.
A t erceira região do ‘ mundo dos espírit os’ cont ém os arquét ipos do mundo anímico. Tudo o
que vive nest e últ imo exist e ali como ent idade pensament al viva. Encont ram-se aí os arquét ipos das
cobiças, dos desej os, dos sent iment os, et c. Porém aqui, no mundo espirit ual, nenhum anseio
egoíst a se apega à alma. Do mesmo modo como ocorre na segunda região com t udo o que é vida,
nest a t erceira t udo o que é anseio, desej o, prazer e desprazer f orma uma unidade. Os anseios e
desej os do out ro não se acham aqui dif erenciados dos meus. As emoções e sent iment os de t odos os
seres const it uem um mundo comum que encerra e abrange t udo o mais, t al qual a at mosf era f ísica
envolve a Terra. Essa região é, por assim dizer, a at mosf era do ‘ mundo dos espírit os’ . Aqui
f rut if icará t udo o que o homem realizou na vida t errena a serviço da comunhão ent re os homens e
em dedicação abnegada a seus semelhant es; pois mediant e esse serviço, mediant e essa dedicação,
ele viveu num ref lexo da t erceira região do ‘ mundo dos espírit os’ . Os grandes benf eit ores da
humanidade, as índoles abnegadas, aqüeles que realizam os grandes serviços em suas comunidades,
alcançaram nest a região sua capacidade para t al depois que, em vidas precedent es, obt iveram o
mérit o de ligar-se a ela com part icular af inidade.
É evident e que as t rês regiões do ‘ mundo do espírit o’ descrit as at é agora se acham em cert a
relação com os mundos sit uados abaixo delas o f ísico e o anímico —, pois encerram os arquét ipos,
os seres espirit uais vivent es que nesses mundos assumem exist ência f ísica ou anímica. Soment e a
quart a região const it ui o ‘ puro mundo dos espírit os’ ; mas t ampouco o é na plena acepção do t ermo,
dist inguindo-se das t rês regiões inf eriores porque nest as últ imas se acham os arquét ipos das
correlações f ísicas e anímicas que o homem encont ra previament e nos mundos f ísico e anímico
ant es de ele próprio int erf erir nos mesmos. As circunst âncias da vida cot idiana ligam-se às coisas e
seres que o homem encont ra no mundo; as coisas t ransit órias dest e mundo dirigem o olhar do
homem ao seu et erno f undament o primordial; e t ambém as criat uras ao redor do homem, às quais
ele dedica seus pensament os alt ruíst as, não exist em por obra dele. Cont udo, é por sua obra que
exist em no mundo as criações das art es e das ciências, da t écnica, do governo, et c. — em suma,
t udo o que ele incorpora ao mundo como produção original de seu espírit o. Sem sua at uação não
haveria reproduções f ísicas no mundo. Pois bem, os arquét ipos dessas criações purament e humanas
encont ram-se na quart a região do ‘ mundo dos espírit os’ .
O que o homem, durant e sua vida t errena, desenvolve em mat éria de conquist as cient íf icas,
idéias e f ormas art íst icas e descobert as da t écnica, produz seus f rut os nest a região. É dest a região

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que os art ist as, sábios e grandes invent ores absorvem seus impulsos durant e sua permanência no
‘ mundo dos espírit os’ , e é nela que int ensif icam sua genialidade a f im de, numa próxima
encarnação, poder cont ribuir ainda mais int ensament e para o progresso da cult ura humana.
Não se deve imaginar que essa quart a região do ‘ mundo dos espírit os’ só t enha import ância
para pessoas especialment e dist int as. Ela a t em para t odos os seres humanos. Tudo o que, na vida
f isica, int eressa ao homem para além da esf era da vida, dos desej os e do querer cot idianos t em seu
manancial nest a região. Se ent re a mort e e um novo nasciment o o homem não passasse por essa
região, em out ra vida não t eria quaisquer int eresses que t ranscendessem o âmbit o rest rit o de sua
vida pessoal em direção ao humano em geral.
Foi dit o acima que t ampouco est a região pode ser denominada, em sent ido pl eno, ‘ puro
mundo dos espírit os’ . Ist o se deve ao f at o de o est ado em que os homens deixaram a evolução geral
da cult ura na Terra desempenhar um papel em sua exist ência espirit ual. No ‘ mundo dos espírit os’
eles só podem usuf ruir dos f rut os daquilo que lhes f oi dado realizar segundo suas predisposições e o
grau de evolução do povo, do est ado, et c. em que t enham nascido.
Nas regiões ainda mais elevadas do ‘ mundo dos espírit os’ , o espírit o humano f ica livre de
t odos os vínculos t errenos. Ele ascende ao ‘ puro país dos espírit os’ , no qual vivencia os f ins e os
ideais que o espírit o se propôs para a vida t errena. Tudo o que j á est á realizado no mundo conduz à
exist ência, soment e numa imagem mais ou menos débil, os f ins e ideais mais elevados. Todo
crist al, t oda árvore, t odo animal, e t ambém t udo o que é realizado na esf era do agir humano,
proporciona apenas cópias das int enções do espírit o; e o homem, durant e suas encarnações, pode
apenas ligar-se a essas cópias imperf eit as das int enções e f ins perf eit os. Assim, ele próprio, durant e
uma de suas encarnações, pode ser apenas uma cópia daquilo que se t encionou a seu respeit o no
reino do espírit o. O que ele verdadeirament e é como espírit o no ‘ reino dos espírit os’ se revela,
port ant o, quando ele, num cert o est ado int ermediário ent re duas encarnações, eleva-se à quint a
região do ‘ mundo dos espírit os’ . O que ele é aqui, é realment e ele mesmo. Trat a-se do que, nas
mais diversas encarnações, recebe uma exist ência ext erior. Nest a região, o verdadeiro ‘ eu’ do ho-
mem pode expandir-se livrement e em t odas as direções; e esse ‘ eu’ é, port ant o, o que em cada
encarnação ressurge sempre como sendo o mesmo. Esse ‘ eu’ t raz consigo as capacidades que se de-
senvolveram nas regiões inf eriores do ‘ mundo dos espírit os’ , t ransmit indo assim os f rut os da vida
ant erior para a seguint e. Ele é o port ador dos result ados das encarnações ant eriores.
Port ant o, é no reino das int enções e f ins que o eu se encont ra enquant o vive na quint a região
do ‘ mundo dos espírit os’ . Tal qual o arquit et o aprende com as imperf eições encont radas em seu
t rabalho e só acolhe em suas novas plant as o que, dessas imperf eições, conseguiu t ransf ormar em
perf eições, assim t ambém o eu despoj a, na quint a região, t udo o que pert ence às imperf eições dos
mundos inf eriores, f ecundando as int enções do ‘ mundo dos espírit os’ — com as quais agora convive
— com os result ados de suas vidas ant eriores.
É claro que a f orça possível de ser haurida dessa região dependerá do quant o o eu, durant e
sua encarnação, houver obt ido de t ais result ados apropriados para serem recebidos no mundo das
int enções. O eu que durant e sua exist ência t errest re haj a buscado realizar as int enções do espírit o,
mediant e uma vibrant e vida de pensament os ou um amor sábio e operoso, adquirirá um grande
mérit o nessa região. Quem se haj a deixado absorver complet ament e pelas circunst âncias
cot idianas, t endo vivido apenas no que é t ransit ório, não lançou sement e alguma que possa exercer
um papel nas int enções da et erna ordem universal. Soment e a mínima parcela que haj a at uado
para além dos int eresses cot idianos pode vingar como f rut o nessas regiões superiores do ‘ mundo
dos espírit os’ . Cont udo, não cabe pensar que aqui se est ej a considerando algo em especial que
t raga ‘ glória t errena’ ou similar. Não, t rat a-se j ust ament e do que, no âmbit o vit al mais rest rit o,
t raz à consciência o f at o de t odo element o individual t er sua import ância para o et erno vir-a-ser da
exist ência. É preciso f amiliarizar-se com a idéia de que o homem, nest a região, deve j ulgar de
modo diverso de como é capaz de f azer na vida f ísica. Tendo ele, por exemplo, conquist ado pouca
coisa af im com est a quint a região, nasce-lhe o est ímulo para imprimir na vida f ísica subseqüent e
um impulso — por cuj a ação essa vida t ranscorrerá de modo a revelar em seu dest ino (carma) o
correspondent e ef ei t o dessa f alha. O que na vida t errena seguint e aparece ent ão como sina
dolorosa, do pont o de vist a dessa vida — e t alvez sej a prof undament e lament ado como t al —, o
homem o sent e, nest a região do ‘ mundo dos espírit os’ , como ext remament e necessario.
Pelo f at o de na quint a região o homem se encont rar em seu verdadeiro sel f , ele é alçado
acima de t udo o que, dos mundos inf eriores, o envolvia durant e as encarnações. Ele est á sendo o
que sempre f oi e será no decorrer de suas encarnações; est á vivendo na esf era das int enções

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relat ivas a essas encarnações, e que ele incorpora à sua própria ident idade. Ele olha ret rospect i-
vament e para seu próprio passado e sent e que t udo o que aí vivenciou f oi absorvido nas int enções a
serem realizadas no f ut uro. Uma espécie de memória de suas vidas ant eriores e a visão prof ét ica
das f ut uras põem-se a lampej ar.
Vê-se, pois, que nest a região aquilo que nest e livro f oi denominado ‘ ident idade espirit ual’
vive, segundo a ext ensão de seu desenvolviment o, numa realidade que lhe é adequada; vai-se de-
senvolvendo e preparando para possibilit ar, numa nova encarnação, a consumação das int enções
espirit uais na realidade t errest re.
Tendo essa ‘ ident idade espirit ual’ , após uma série mais ou menos longa de permanências no
‘ mundo dos espírit os’ , evoluído a pont o de poder mover-se livrement e nest a esf era, passa a pro-
curar cada vez mais aqui sua verdadeira pát ria. A vida no espírit o se lhe t orna t ão f amiliar quant o o
é para o homem comum a vida na realidade f ísica. Os pont os de vist a do mundo dos espírit os
passam a ser aqueles det erminant es, que ela assume de maneira ora mais, ora menos conscient e
para as vidas t errenas a seguir. O eu pode sent ir-se part e int egrant e da ordem universal divina. As
limit ações e as leis da vida t errena não mais conseguem t ocá-lo em sua nat ureza mais ínt ima. A
f orça para t udo o que ele realiza provém do mundo espirit ual. Cont udo, o mundo espirit ual é uma
unidade. Quem vive nele sabe como o et erno part icipou na f ormação do passado, e pode, do
âmbit o do et erno, det erminar o rumo para o f ut uro. A perspect iva do passado se amplia para uma
perf eit a. Um homem que t enha alcançado esse grau propõe a si mesmo met as a serem cumpridas
numa encarnação seguint e. Do ‘ mundo dos espírit os’ ele exerce inf luência sobre seu f ut uro, para
que est e decorra no sent ido do verdadeiro e espirit ual. No int ervalo ent re duas encarnações o
homem se encont ra na presença de t odos os seres sublimes, diant e de cuj os olhos se est ende, sem
nenhum véu, a sabedoria divina — pois agora ele at ingiu o grau em que pode compreendê-la.
Na sext a região do ‘ mundo dos espírit os’ o homem consumará, em t odas as suas ações, t udo o
que mais f or adequado à ver dadei r a essênci a do i nundo — pois ele não pode ir em busca do que lhe
apraz, e sim unicament e do que deve acont ecer segundo a corret a seqüência da ordem universal.
A sét ima região do ‘ mundo dos espírit os’ conduz aos limit es ext remos dos ‘ t rês mundos’ . O
homem se encont ra aqui diant e dos ‘ núcleos vit ais’ que, dos mundos superiores, são t ransport ados
aos t rês mundos descrit os para neles cumprir suas missões. Chegado aos conf ins dos t rês mundos, o
homem reconhece a si mesmo em seu próprio ‘ núcleo vit al’ . Ist o implica que os enigmas desses t rês
mundos devam est ar agora solucionados para ele. Ele lança, pois, um olhar abrangent e sobre t oda a
vida desses mundos. Na vida f ísica, não são normalment e conscient es as f aculdades anímicas
mediant e as quais a alma t em, no mundo espirit ual, as experiências aqui descrit as. Elas t rabalham,
em suas prof undezas inconscient es, sobre órgãos corporais que f ormam a consciência do mundo
f ísico. É exat ament e essa a razão de não permanecerem despercebidas nest e mundo. Os olhos
t ampouco vêem a si mesmos, porque neles agem as f orças que lhes t ornam visível out ra coisa.
Querendo-se j ulgar em que medida uma vida humana ent re nasciment o e mort e pode ser result ado
de vida t errenas ant eriores, deve-se ponderar que um pont o de vist a sit uado nest a mesma vida —
conf orme, nat uralment e, deve ser aceit o a pr i or i — não of erece possibilidadade alguma de
j ulgament o. Para t al pont o de vist a, uma vida t errena, por exemplo, poderia parecer penosa,
imperf eit a e assim por diant e, enquant o para um pont o de vist a ext er i or a essa mesma vida ela
deve revelar-se, j ust ament e nest a sua conf iguração, com seus sof riment os e imperf eições, como
result ado de vidas ant eriores. Adent rando a senda cognit iva no sent ido em que é descrit a num dos
capít ulos seguint es, a alma se libert a das condições da vida corpórea. Com isso ela pode perceber,
sob f orma de i magem, as experiências que percorre ent re a mort e e um novo nasciment o. Tal
percepção dá a possibilidade de descrever os processos do ‘ mundo dos espírit os’ t al qual, em linhas
gerais, se f ez aqui. Não deixando de t er em ment e que t oda a sit uação da alma no mundo f ísico é
diversa do que na pura vivência espirit ual, só assim se discernirá, em sua verdadeira luz, a
descrição aqui apresent ada.

V. O mundo f ísico e sua ligação com o mundo das almas e o mundo dos espírit os

As f igurações do mundo das almas e do mundo dos espírit os não podem ser obj et o de
percepção sensorial ext erior. Os obj et os dessa percepção sensorial devem const it uir um t erceiro
mundo, somado aos out ros dois j á descrit os. Durant e sua exist ência f ísica, o homem t ambém vive
simult aneament e nos t rês mundos. Ele percebe as coisas do mundo sensível e at ua sobre elas. As

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f igurações do mundo das almas at uam sobre ele com suas f orças de simpat ia e ant ipat ia; e sua
própria alma provoca, mediant e suas inclinações e repulsões, mediant e seus anseios e desej os,
vibrações no mundo anímico. Porém a nat ureza espirit ual das coisas ref let e-se no mundo
pensament al do homem; e ele próprio, como ser espirit ual pensant e, é cidadão do mundo espirit ual
e companheiro de t udo o que vive nessa esf era do Universo.
Disso f ica evident e que o mundo sensível é apenas uma parcela do que exist e em t orno do ser
humano. Essa parcela salient a-se com cert a aut onomia do ambient e geral do homem, porque pode
ser percebida pelos sent idos alheios ao anímico e espirit ual que igualment e pert ence a est e mundo.
Assim como um f ragment o de gelo f lut uando na água é subst ância igual à do líquido que o circunda,
dif erindo dele soment e por cert as propriedades, os obj et os sensoriais são subst ância igual à dos
mundos anímico e espirit ual ao seu redor, só di f erindo dest es por cert as propriedades que os
t ornam sensorialment e percept íveis. Eles são — dit o de modo um pouco met af órico — f igurações
anímicas e espirit uais condensadas; e é j ust ament e em virt ude dessa condensação que os sent idos
podem conhecê-los. Pois bem, assim como o gelo é apenas uma das f ormas sob as quais a água
exist e, os obj et os dos sent idos são apenas uma das f ormas sob as quais os seres anímicos e espiri-
t uais exist em. Tendo-se compreendido ist o, compreende-se t ambém que, assim como a água se
convert e em gelo, pode haver uma conversão do mundo espirit ual em mundo anímico e dest e em
mundo f ísico.
Desse pont o de vist a se evidencia t ambém por que o homem pode f ormar pensament os sobre
as coisas f ísicas. Ora, exist e uma pergunt a que t odo pensador deve f ormular a si mesmo: qual a
relação exist ent e ent re a idéia que o homem f az de uma pedra e a própria pedra em si? Às pessoas
que observam de modo especialment e prof undo a nat ureza ext erior, est a pergunt a se apresent a
com t oda a clareza diant e dos olhos espirit uais. Elas sent em a sint onia ent re o universo dos
pensament os humanos e a est rut ura e ordenação da nat ureza. O ast rônomo Kepler 27 exprime-se
admiravelment e sobre essa harmonia:

É verdade que o divino chamado para que os homens aprendam ast ronomia se acha inscrit o no
próprio Universo — na verdade, não em palavras e sílabas, mas de acordo com os f at os, graças à
correspondência ent re os conceit os e sent idos humanos e o concat enament o dos corpos e est ados
celest es. 28

É só pelo f at o de as coisas do mundo f ísico não serem senão ent idades espirit uais condensadas,
que o homem — o qual, mediant e seus pensament os, eleva-se a essas ent idades pode compreender
as coisas em sua at ividade pensant e. As coisas f ísicas procedem do mundo espirit ual, sendo apenas
uma out ra f or ma das ent idades espirit uais; e quando o homem elabora pensament os sobre as
coisas, seu int erior est á dirigido da f orma sensorial para os arquét ipos espirit uais dessas coisas.
Compreender uma coisa por meio de pensament os é um processo comparável àquele pelo qual um
corpo sólido é primeirament e liquef eit o ao f ogo para que o químico possa invest igá-lo em sua f orma
líquida.
Nas várias regiões do mundo dos espírit os se apresent am (v. pág. 41 e ss. ) os arquét ipos
espirit uais do mundo sensível. Na quint a, na sext a e na sét ima regiões esses arquét ipos ainda se
encont ram como pont os germinais vivos, e nas quat ro regiões inf eriores j á se conf iguram como
f ormações espirit uais. São essas f ormações espirit uais que o espírit o humano percebe num pálido
lampej o quando quer alcançar uma compreensão das coisas f ísicas por meio do pensar. De que
modo essas f ormações se condensaram em mundo sensível — eis uma quest ão para quem aspira a
um ent endiment o espirit ual do mundo ao seu redor.
A princípio esse mundo circundant e se art icula, para a observação sensorial do homem, nos
quat ro graus bem dist int os ent re si: o mineral, o veget al, o animal e o humano. O reino mineral
épercebido pelos sent idos e compreendido pelo pensar. Quando se elabora um pensament o a
respeit o de um corpo mineral, lida-se com duas coisas: com o obj et o sensível e com o pensament o.
Correspondent ement e, é preciso imaginar que esse obj et o sensível sej a um ser pensament al
condensado. Ora, um ser mineral age sobre out ro de maneira ext erior. Ele se choca cont ra o
mesmo e o moviment a; ele o aquece, ilumina, dissolve, et c. Esse t ipo ext erior de ef eit o pode ser
expresso por meio de pensament os. O homem elabora pensament os sobre o modo como os corpos

27
Johannes Kepler (1571—1630). (N. T. )
28
Trecho dos ‘ Coment ários’ em Ast r onomi a nova II Part e, cap. VII. (N. E. orig. )

50
minerais, segundo leis próprias, int eragem ext eriorment e. Com isso seus pensament os individuais se
ampliam para uma imagem ment al de t odo o mundo mineral; e essa imagem ment al é um ref lexo
da imagem arquet ípica de t odo o mundo mineral sensível, podendo ser encont rada como um t odo
no mundo espirit ual.
No reino veget al, ao ef eit o ext erno de uma coisa sobre out ra acrescent am-se os f enômenos do
cresciment o e da reprodução. A plant a cresce e produz novos seres à sua semelhança. Àquilo que se
manif est a ao homem no reino mineral vem acrescent ar-se aqui a vi da. A simples ref lexão sobre
esse f at o of erece um panorama que aqui é elucidat ivo. A plant a cont ém a f orça para conf erir a si
mesma sua f or ma vi va e reproduzir essa f orma num ser de sua espécie; e no meio, ent re o t ipo
amorf o das subst âncias minerais — conf orme são encont radas nos gases, nos líquidos, et c. — e a
f orma viva do mundo veget al, sit uam-se as f ormas dos crist ais. Nos crist ais t emos a t ransição do
mundo mineral amorf o para a viva capacidade conf igurat iva do reino veget al.
Nesse processo ext erno, sensorial, de conf iguração — em ambos os remos, no mineral e no
veget al — deve-se ver a condensação sensorial do processo purament e espirit ual que se desenrola
quando os germes espirit uais das t rês regiões superiores do mundo dos espírit os evoluem para as
f ormações espirit uais das regiões inf eriores. Ao processo de crist alização corresponde, no mundo
espirit ual, como seu arquét ipo, a t ransição do germe espirit ual amorf o para a f igura dot ada de
f or ma. Quando essa t ransição se condensa a pont o de os sent idos poderem perceber seu result ado,
ela se apresent a no mundo f ísico como processo mineral de crist alização.
Acont ece que na vida veget al t ambém exist e um germe espirit ual dot ado de f orma; porém
aqui ainda se mant eve, nesse ser dot ado de f orma, a viva capacidade plasmadora. No crist al o ger-
me espirit ual perdeu, durant e sua conf iguração, a capacidade f ormat iva; ele se exauriu na f orma
levada a t ermo. A plant a possui f orma e t ambém a capacidade f ormat iva. A peculiaridade dos
germes espirit uais nas regiões superiores do mundo espirit ual f oi conservada na vida veget al. A
plant a t em, port ant o, f orma como o crist al e, além disso, f orça plasmadora. Além da f orma que os
seres primordiais assumiram na plant a, j unt o a est a labora ainda uma out ra f orma que t raz o cunho
dos seres espirit uais das regiões superiores. Cont udo, da plant a só é sensorialment e percept ível aos
sent idos aquilo que se manif est a na f orma acabada; as ent idades plasmadoras que conf erem
vit alidade a essa f orma exist em, no reino veget al, de modo sensorialment e impercept ível. Os olhos
sensoríais vêem um pequeno lírio hoj e e, após algum t empo, o mesmo lírio crescido. A f orça
plasmadora que t ransf orma o lírio pequeno nest e últ imo, maior, não pode ser vist a por t ais olhos.
Essa ent idade-f orça plasmadora const it ui a part e at iva invisível do mundo veget al. Os germes
espirit uais desceram um grau para at uar no reino das f ormas. Na Ciência do Espírit o pode-se f alar
de remos element ais. Denominando-se como pr imeir o r ei no el ement al os moldes primordiais ainda
isent os de f orma, as ent idades-f orças invisíveis aos sent idos, que at uam como art íf ices no cresci-
ment o das plant as, pert encem ao segundo r ei no el ement al .
No mundo animal, às f aculdades de crescer e reproduzir-se j unt am-se ainda a sensação e o
inst int o, que são ext eriorizações do mundo aními co. Um ser dot ado dest as últ imas pert ence a esse
mundo, recebendo dele impressões e produzindo ef eit os sobre ele. Ora, t oda sensação, t odo
impulso que surge num ser animal provém das prof undezas da alma animal. A f orma é mais durável
do que a sensação ou o impulso. Pode-se dizer que a f orma cambiant e da plant a est á para a f orma
crist alina assim como a vida das emoções est á para a f orma vivent e mais durável. A plant a se exau-
re, de cert o modo, na f orça modeladora de f orma, engendrando sempre novas f ormas durant e sua
vida. Primeiro lança a raiz, depois as f olhas, depois as f lores, et c. O animal alcança uma f orma
perf eit a em si e, dent ro dela, desenvolve a vida alt ernada das sensações e impulsos. E essa vida
t em sua exist ência no mundo anímico. Assim como a plant a é aquilo que cresce e se reproduz, o
animal é aquilo que t em sensações e desenvolve seus impulsos. Para o animal, est es const it uem o
element o amorf o que se desenvolve em f iguras sempre novas. Eles t êm, em últ ima inst ância, seus
processos arquet ípicos nas regiões mais elevadas do mundo dos espírit os, mas desempenham suas
at ividades no mundo anímico. Assim sendo, ao mundo animal, além das ent idades-f orças que,
invisíveis aos sent idos, dirigem o cresciment o e a reprodução, comparecem out ras que desceram
mais um grau no mundo anímico. No reino animal exist em, na qualidade de art íf ices que produzem
as sensações e os impulsos, ent idades amorf as que se revest em de invólucros anímicos. São elas os
verdadeiros arquit et os das f ormas animais. Na Ciência Espirit ual, o domínio a que pert encem pode
ser denominado t er ceir o r ei no el ement al .
Além de ser dot ado com as mencionadas f aculdades das plant as e dos animais, o homem o é
ainda com aquela de t ransf ormar as sensações em represent ações ment ais e pensament os, bem

51
como de disciplinar os próprios impulsos por meio do pensar. O pensament o, que na plant a se
manif est a como f orma e no animal como f orça anímica, nele se apresent a como pensament o em si,
em sua f orma própria. O animal é alma; o homem é espírit o. A ent idade espirit ual desceu um grau
a mais. No caso do animal, ela é plasmadora da alma; no caso do homem, ent ra no próprio mundo
mat erial sensório. O espírit o est á present e no corpo sensorial do homem; e, pelo f at o de se
manif est ar numa roupagem sensória, só pode revelar-se como aquele sombrio ref lexo que
represent a o pensament o do ser espirit ual. É mediant e as condições do cérebro f ísico que o espírit o
se manif est a no homem.
Mas o espírit o t ambém se t ornou, por esse mot ivo, a ent idade int erior do homem. O
pensament o é a f orma que a ent idade espirit ual amorf a assume no homem, t al qual na plant a
assume f orma e no animal, alma. Por isso o homem, na qualidade de ser pensant e, não dispõe de
nenhum reino element al const rut or f ora dele. Seu reino element al opera em seu corpo sensorial. Só
na medida em que o homem é um ser dot ado de f orma e sensação éque, nele, os seres element ais
operam da mesma maneira como nas plant as e animais. Porém no homem o órgão do pensament o é
desenvolvido int eirament e de dent ro de seu corpo f ísico. No organismo espirit ual do homem, em
seu sist ema nervoso que culmina num cérebro perf eit o, t em-se diant e dos olhos, sensorial e visi-
velment e, aquilo que nas plant as e nos animais at ua como ent idade-f orça não-sensorial. Ist o f az
com que o animal demonst re aut osensação e o homem, no ent ant o, aut oconsciência. No animal o
espírit o sent e-se como alma; ainda não compreende a si mesmo como espírit o. No homem o
espírit o se reconhece como espírit o, embora — devido às condições f ísicas — como um pálido
ref lexo do espírit o, como pensament o.
Nest e sent ido, o mundo t ríplice se compõe da seguint e maneira: 1) O reino dos seres
arquet ípicos amorf os (primeiro reino element al); 2) o reino dos seres criadores de f ormas (segundo
reino element al); 3) o reino dos seres anímicos (t erceiro reino element al); 4) o reino das f ormas
criadas (f ormas crist alinas); 5) o reino que se t orna sensorialment e percept ível como f ormas, mas
no qual at uam os seres criadores das mesmas (reino veget al); 6) o reino que se t orna
sensorialrnent e percept ível aos sent idos como f ormas, mas no qual, além disso, operam ainda as
ent idades criadoras de f ormas e as que se realizam animicament e (reino animal); e 7º ) o reino em
que as f ormas são percept íveis aos sent idos, mas no qual at uam ainda as ent idades criadoras de
f ormas e as que se realizam animicarnent e, e no qual o próprio espírit o se est rut ura como
pensament o dent ro do mundo f ísico (reino humano).
Disso se evidencia como as principais part es int egrant es do homem vivent e no corpo se
relacionam com o mundo espirit ual. O corpo f isico, o corpo et érico, o corpo anímico sensit ivo e a
alma do int elect o devem ser considerados arquét ipos do mundo espirit ual condensados no mundo
sensível. O corpo f ísico result a de uma condensação do arquét ipo humano at é t ornar-se um
f enômeno sensível. Por isso, pode-se t ambém denominar esse corpo f ísico como uma ent idade do
primeiro mundo element al condensada at é à visibilidade sensorial. O corpo et érico surge porque a
f orma assim surgida é mant ida em moviment o por um ser cuj a at ividade se est ende ao reino
sensorial, porém não se t ornando ele próprio visível sensorialment e. Querendo-se caract erizar
complet ament e essa ent idade, deve-se dizer que a princípio ela t em sua origem nas regiões mais
elevadas do mundo espirit ual, conf igurando-se depois na segunda região como arquét ipo da vida. E
como t al arquét ipo da vida que ela at ua no mundo sensorial. Similarment e, a ent idade que const rói
o corpo anímico sensit ivo t em sua origem nas regiões mais elevadas do mundo dos espírit os, em
cuj a t erceira região se conf igura em arquét ipo do mundo anímico, at uando como t al no mundo
sensível. A alma int elect iva, no ent ant o, é f ormada pelo f at o de na quart a região do mundo dos
espírit os o arquét ipo do homem pensant e assumir a f orma de pensament o e, como t al, at uar
diret ament e no mundo sensível como ent idade humana pensant e.
É assim que o homem se sit ua dent ro do mundo sensível; é assim que o espírit o t rabalha em
seu corpo f ísico, em seu corpo et érico e em seu corpo anímico sensit ivo. É assim que esse espírit o
se manif est a na alma do int elect o.
Junt o aos t rês component es inf eriores do homem colaboram port ant o, os arquét ipos sob
f orma de ent idades que, de cert o modo, se def ront am com ele ext ernament e; em sua alma do
int elect o, ele próprio passa a t rabalhar (conscient ement e) em si mesmo. E as ent idades que
t rabalham em seu corpo f ísico são as mesmas que f ormam a nat ureza mineral. Em seu corpo et érico
at uam ent idades do t ipo exist ent e no reino veget al, e em seu corpo anímico sensit ivo ent idades
que vivem no mundo animal de f orma impercept ível aos sent idos, mas cuj a at ividade se est ende a
esses reins.

52
Assim sendo, os diversos mundos at uam em conj unt o. O mundo em que vive o homem é a
expressão dessa cooperaçao.

***

Tendo-se compreendido o mundo sensível dessa maneira, abre-se t ambém a compreensão


relat iva a seres de espécie dif erent e daqueles cuj a exist ência ocorre nos mencionados reinos da
nat ureza. Um exemplo de t ais ent idades é o que se denomina Espírit o do Povo (Espírit o Nacional).
Est e não se manif est a diret ament e, de modo sensorial; revela-se nas sensações, nos sent iment os,
nas inclinações, et c. que se observam como sendo comuns a um povo. Trat a-se de uma ent idade
que não se encarna sensorialment e; do mesmo modo como o homem f orma seu corpo de maneira
sensoríalment e visível, ela f orma o seu com subst ância do mundo anímico. Esse corpo anímico do
Espírit o do Povo é como uma nuvem na qual vivem os membros desse povo e cuj os ef eit os se
manif est am nas almas dos seres humanos em quest ão, mas que não descende dessas mesmas almas.
Para quem não concebe assim o Espírit o do Povo, est e permanece como uma idéia esquemát ica sem
essência nem vida, uma abst ração vazia.
Algo semelhant e poderia ser dit o a respeit o do chamado Espírit o da Época. É que com isso a
visão espirit ual se est ende sobre uma variedade de out ras ent idades inf eriores e superiores, as
quais vivem em t orno do homem sem que ele possa percebê-las sensorialment e. Cont udo, os que
possuem a f aculdade de ver espirit ualment e percebem t ais seres e podem descrevê-los. Às espécies
inf eriores de t ais seres pert ence t udo o que as pessoas capazes de perceber o mundo espirit ual
descrevem como salamandras, sílf ides, ondinas, guomos. Não deveria ser preciso dizer que t ais
descrições não podem valer como r epr oduções da realidade subj acent e a t ais seres. Se o f ossem, o
mundo ref erido por meio delas não seria espirit ual, mas grosseirament e mat erial. Elas const it uem
ilust rações de uma realidade espirit ual que só pode ser descrit a desse modo, por meio de
met áf oras. Se quem só valoriza a visão sensorial considera t ais ent idades como produt os de f ant asia
desordenada e superst ição, isso é t ot alment e compreensível. Aos olhos f ísicos elas não podem,
nat uralment e, t ornar-se visíveis por não possuírem corpo f ísico. A superst ição não reside em se
verem t ais seres como reais, mas em se acredit ar que eles se manif est em de maneira sensorial.
Seres dessa espécie colaboram na const rução universal, sendo encont rados t ão logo se ingressa
nas regiões superiores do Universo, ocult as aos sent idos corpóreos. Superst iciosos não são os que
vêem em t ais descrições as imagens de realidades espirit uais, mas os que crêem na exist ência
sensorial das imagens e t ambém os que negam o espírit o por acharem que devem negar a imagem
sensorial.
Também devem ser assinalados os seres que não descem at é o mundo anímico, sendo seus
envolt órios const it uídos apenas de f ormações do mundo espirit ual. O homem passa a percebê-los e
f amiliariza-se com eles ao abrir-lhes seus olhos e ouvidos espirit uais. Com essa abert ura se t ornam
compreensíveis ao homem muit as coisas que em out ras circunst âncias ele observaria sem poder
ent ender. Tudo se t orna claro à sua volt a; ele passa a enxergar as causas daquilo que, no mundo
sensível, se manif est a como ef eit os; passa a compreender o que sem a visão espirit ual ele nega
t ot alment e, ou f rent e ao qual t em de cont ent ar-se com a declaração: “ Exist em muit o mais coisas
ent re o Céu e a Terra do que pode imaginar vossa sabedoria acadêmica. ”
Pessoas espirit ualment e sensíveis f icam int ranqüilas ao pressent ir à sua volt a um mundo
diverso do sensorial, t endo de t at ear at ravés dele como um cego ent re obj et os sensíveis. Só um
claro conheciment o dessas regiões superiores da exist ência e um compreensivo aprof undament o em
t udo o que ali ocorre podem, realment e, t ornar uma pessoa segura de si e conduzi-la à sua verda-
deira met a. Int eirando-se do que é ocult o aos sent idos, o homem amplia seu ser de t al maneira que
sua vida ant es dessa ampliação lhe parece um ‘ sonhar a respeit o do mundo’ .

VI. Das f ormas-pensament os e da aura humana

Já f oi dit o que as f ormações de cada um dos t rês mundos só podem t er realidade para o
homem quando ele possui as f aculdades e os órgãos para percebê-las. Cert os processos no espaço
só são percebidos pelo homem como f enômenos luminosos pelo f at o de ele possuir olhos bem
f ormados. O quant o de real se manif est a a um ser depende da recept ividade dest e últ imo. Nunca,
port ant o, o homem deve af irmar ser real apenas o que ele pode perceber. Reais podem ser muit as

53
coisas para cuj a percepção lhe f alt am os órgãos adequados.
Ora, os mundos anímico e espirit ual são t ão reais — só que num sent ido muit o superior —
quant o o é o mundo sensível. E bem verdade que não exist em olhos f ísicos capazes de enxergar
sent iment os, idéias, et c. ; no ent ant o, est es são reais. E assim como o homem, mediant e seus
sent idos ext ernos, t em diant e de si o mundo f ísico sob f orma de percepção, para seus órgãos
espirit uais os sent idos, os impulsos, os inst int os, os pensament os, et c. se t ornam percepções.
Exat ament e do mesmo modo como, por meio dos olhos f ísicos, cert os processos espaciais podem ser
vist os como f enômenos cromát icos, assim t ambém os chamados processos anímicos e espirit uais
podem t ornar-se, por meio dos sent idos int eriores, percepções análogas aos f enômenos cromát icos
senso-riais. Só pode compreender t ot alment e o sent ido aqui implícit o quem percorreu a senda
cognit iva a ser descrit a no próximo capít ulo e, com isso, desenvolveu seus sent idos int eriores. A
essa pessoa se t ornam visíveis, de modo supra-sensorial, os f enômenos anímicos no mundo anímico
ao seu redor e, no âmbit o espirit ual, os f enômenos espirit uais. Sent iment os que ela percebe em
out ros seres irradiam para ela como ef eit os luminosos dos seres sencient es; pensament os que
const it uem obj et o de sua at enção f lut uam at ravés do espaço espirit ual. Para ela, o que um homem
pensa de out ro não é algo impercept ível, mas um processo percept ível. O cont eúdo de um
pensament o vive, como t al, apenas na alma de quem o concebe; porém esse cont eúdo provoca
ef eit os no mundo espirit ual. São est es que const it uem, para os olhos espirit uais, os processos
percept íveis. E como ef et iva realidade que o pensament o j orra de uma ent idade humana e f lut ua
em direção a out ra; e a maneira como esse pensament o at ua sobre a out ra pessoa é
experiment ada, no mundo espirit ual, como processo percept ível. Assim, para quem possui sent idos
espirit uais abert os o homem f isicament e percept ível é soment e uma parcela do homem t ot al. Esse
homem f ísico t orna-se o cent ro de emanações anímicas e espirit uais. Só é possível dar uma curt a
indicação do variadíssimo universo que aqui se descort ina ao ‘ vident e’ . Um pensament o humano,
que habit ualment e vive apenas na compreensão ment al do ouvint e, surge, por exemplo, como
f enômeno colorido espirit ualment e percept ível. Sua cor corresponde ao carát er do pensament o.
Um pensament o que brot a de um impulso sensual do homem t em uma coloração diversa daquele a
serviço da pura cognição, da beleza nobre ou do bem et erno. Em mat izes de vermelho, at ravessam
o mundo anímico os pensament os oriundos da sensualidade. 29 Em belo e claro amarelo manif est a-se
um pensament o por cuj o int ermédio o pensador se eleva a uma cognição superior. Em maguíf ico
vermelho-rosado irradia um pensament o oriundo de um amor dedicado. E da mesma f orma como o
cont eúdo de um pensament o, t ambém sua maior ou menor nit idez se expressa em sua manif est ação
supra-sensível. O pensament o preciso do f ilósof o se most ra como uma f igura de cont ornos
def inidos; a idéia conf usa surge como uma f igura f ugidia e nebulosa.
A ent idade anímica e espirit ual do homem aparece, dest a maneira, como uma part e supra-
sensível de t oda a ent idade humana.
Os ef eit os cromát icos percept íveis aos ‘ olhos espirit uais’ , que irradiam em t orno do corpo
f ísico do homem e o envolvem como uma nuvem (de f orma meio oval), const it uem uma aur a
humana. O t amanho dessa aura dif ere de pessoa para pessoa; mas pode-se dizer que, em média, o
homem i nt eir o t em o dobro da alt ura e quat ro vezes a largura de seu corpo f ísico.
Na aura f lut uam as mais variadas colorações; e essa f lut uação é imagem f iel da vida humana
int erior. As t onalidades isoladas são t ão cambiant es quant o ela. Só que cert as qualidades perma-
nent es — como t alent os, hábit os e peculiaridades de carát er — t ambém se exprimem em cores
f undament ais permanent es.
Em pessoas que ainda est ão dist ant es das vivências da ‘ senda coguit iva’ , descrit a num
capít ulo post erior dest e livro, podem surgir mal-ent endidos sobre a nat ureza do que aqui se
descreve como ‘ aura’ . Pode-se chegar a imaginar que as aqui denominadas ‘ cores’ apareçam diant e
da alma t al qual uma cor f ísica diant e dos olhos. Porém uma t al ‘ cor anímica’ não passaria de
alucinação. A Ciência Espirit ual não t em a mínima ligação com impressões ‘ alucinat órias’ ; e não é a
t ais impressões, em hipót ese alguma, que se alude na descrição acima. A uma idéia corret a se
chega t endo em vist a o seguint e: — Frent e a uma cor f ísi ca, a al ma vi vencía não apenas a
impressão sensorial, mas t em j unt o a ela uma vi vênci a anímica. Essa vivência anímica dif ere à
medida que a alma percebe, por meio dos olhos, uma superf ície amarela ou uma azul. Denomine-se
essa vivência como ‘ viver no amarelo’ ou viver no azul’ . Ora, a alma que haj a ingressado na senda

29
As explicações dadas aqui est ão, nat uralment e, suj eit as aos mais acirrados mal-ent endidos. Por esse mot ivo, nest a nova
edição volt aremos a elas em not a no f inal do livro (v. pp. 148 ss. ).

54
cognit iva t em uma vivencia no amarelo’ diant e das experiências anímicas at ivas de out ros seres; e
uma ‘ vivencia no azul’ f rent e a disposições anímicas que t raduzem dedicação. O essencial não é
que o ‘ vident e’ , na presença de uma represent ação ment al de out ra alma, vej a t ão ‘ azul’ quant o
vê o ‘ azul’ no mundo f ísico, mas que t enha uma experiência que lhe j ust if ique chamar a
represent ação ment al de ‘ azul’ t al qual o homem f ísico chama de ‘ azul’ uma cort ina, por exemplo.
Além disso, é essenci al que o ‘ vident e’ est ej a cônscio de se encont rar, com essa sua vivência, numa
at ividade f ora do corpo, t endo assim a possibilidade de f alar do valor e da import ância da vida
anímica num mundo cuj a percepção não é int ermediada pelo corpo humano. Embora t ambém deva
ser absolut ament e considerado est e sent ido da descrição, para o vident e é t ot alment e óbvio f alar
de ‘ azul’ , ‘ amarelo’ , ‘ verde’ , et c. na ‘ aura’ .
A aura é bast ant e diversa de acordo com os t emperament os e índoles das pessoas, e t ambém
segundo os graus da evolução espirit ual. Uma pessoa t ot alment e ent regue a seus impulsos animais
possui uma aura bem diversa daquela de quem vive imerso em pensament os. A aura de uma
nat ureza religiosa é essencialment e dist int a daquela de quem se dedica aos acont eciment os t riviais
do dia-a-dia. A ist o se acrescent a o f at o de que t odas as disposições mut ant es, t odas as inclinações,
alegrias e t rist ezas encont ram sua expressão na aura.
É preciso conf ront ar as auras das mais diversas experiências da alma para aprender a
conhecer o signif icado das colorações. Tomemos inicialment e experiências anímicas impregnadas
de af et os passionais. Elas se dist inguem em duas espécies: aquelas em que a alma é
pref erencialment e dirigida a esses af et os pela nat ureza animal e aquelas que assumem uma f orma
ref inada — as quais, por assim dizer, se acham f ort ement e inf luenciadas pela ref lexão. Na primeira
espécie de vivências f lut uam, em det erminados pont os da aura, principalment e corrent es de cor
marrom e amarelo-avermelhada de t odos os mat izes. Nas pessoas de af et os ref inados aparecem,
nos mesmos lugares, t onalidades mais claras de alaranj ado e verde. Pode-se not ar que as
t onalidades verdes prolif eram na proporção do aument o de int eligência. Pessoas muit o int eligent es
e que, apesar disso, vivem t ot alment e absorvidas por seus impulsos animais, apresent am muit o
verde em suas auras. Cont udo, esse verde sempre possuirá t raços de marrom ou cast anho-
avermelhado. Pessoas inint eligent es most ram uma grande part e da aura perpassada por corrent es
cast anho-avermelhadas ou at é mesmo em t om vermelho-sangue escuro.
Essencialment e diversa da aura dessas nat urezas passionais é a aura das índoles t ranqüilas,
medit at ivas e ponderadas. Os t ons acast anhados e avermelhados passam para o segundo plano, e
surgem, salient es, vários mat izes de verde. Numa vigorosa at ividade pensant e, a alma apresent a
um agradável t om verde básico. É esse principalment e o aspect o daquelas nat urezas das quais se
pode dizer que conseguem adapt ar-se a qualquer sit uação da vida.
As t onalidades azuis apresent am-se nas índoles dedicadas e abnegadas. Quant o mais um
homem põe sua pessoa a serviço de uma causa, mais signif icat ivas se t ornam as nuances azuis.
Também nesse sent ido são encont ráveis dois t ipos bem dif erent es de pessoas. Há nat urezas não
habit uadas a cult ivar sua capacidade pensant e — almas passivas que, de cert o modo, nada t êm a
lançar na t orrent e dos acont eciment os do mundo senão sua ‘ boa índole’ . Sua aura resplende num
belo azul. É esse o aspect o da aura de muit as nat urezas abnegadas e religiosas. Almas compassivas,
bem como aquelas cuj a exist ência é f rancament e dedicada às boas obras, apresent am uma aura
semelhant e. Quando além disso t ais pessoas são int eligent es, corrent es verdes e azuis se alt ernam,
ou ent ão o azul assume um mat iz esverdeado. A peculiaridade das almas at ivas, ao cont rário das
passivas, é que seu azul é impregnado por dent ro com t onalidades de cores claras. Nat urezas enge-
nhosas, dessas que t êm pensament os f ecundos, t ambém irradiam de um pont o int erior claras
t onalidades. Isso ocorre em alt o grau no caso das personalidades chamadas ‘ sábias’ , especialment e
aquelas ricas em idéias f rut íf eras. Em geral, t udo o que indica at ividade espirit ual possui f orma
irradiant e, ampliando-se do int erior, enquant o t udo o que procede da vida animal possui f orma de
nuvens irregulares, f lut uant es na aura.
Conf orme as idéias emanadas da at ividade da alma se ponham a serviço dos próprios impulsos
animais ou de um int eresse ideal, obj et ivo, as respect ivas conf igurações das auras apresent am
t onalidades diversas. A ment e invent iva que emprega t odos os seus pensament os na sat isf ação de
suas paixões sensuais apresent a mat izes de roxo escuro; por out ro lado, aquela que dedica
abnegadament e seus pensament os a um int eresse obj et ivo apresent a mat izes de roxo claro. Uma
vida no espírit o, ornada de nobre dedicação e capacidade de sacrif ício, most ra cores vermelho-
rosadas ou violet a claro.
Não só a disposição f undament al da alma, mas t ambém t endências, af et os e out ras vivências

55
int eriores, t odos est es passageiros, manif est am suas f lut uações cromát icas na aura. Uma súbit a
explosão de cólera produz f lut uações vermelhas; um sent iment o de dignidade of endida, passando
por repent ina exalt ação, manif est a-se em nuvens verde-escuras.
Mas não é soment e em f ormações nebulosas irregulares que se manif est am os f enômenos
cromát icos, e sim t ambém em f iguras bem delimit adas e com f ormas regulares. Ao se not ar numa
pessoa um súbit o t emor, vê-se sua aura at ravessada longit udinalment e por est remecidas f aixas
azuis com um brilho violet a. Numa pessoa em que se perceba uma t ensão na expect at iva de um
acont eciment o qualquer, podem-se ver irradiant es e cont ínuas f aixas arroxeadas at ravessando a
aura do cent ro para a perif eria.
A uma acurada f aculdade de percepção espirit ual é possível not ar t oda e qualquer sensação
que a pessoa receba de f ora. Pessoas que se excit am f ort ement e devido a qualquer impressão ex-
t erna most ram na aura um const ant e cint ilar de pont inhos e manchinhas arroxeadas. Em pessoas
cuj as emoções não são int ensas, essas manchinhas t êm uma coloração amarelo-alaranj ada ou
lindament e amarela. A assim chamada ‘ dist ração’ das pessoas se apresent a como manchas azuladas
t endent es ao verde, com f ormas mais ou menos mut ant es.
Para uma ‘ visão espirit ual’ superiorment e desenvolvida se dist inguem, na f lut uant e e radiosa
‘ aura’ do homem, t rês espécies de f enômenos cromát icos. Inicialment e exist em as cores cuj o ca-
rát er t raduz opacidade e embaçament o. Cont udo, se conf ront amos essas cores com as que são
visíveis aos nossos olhos f ísicos, diant e dest as aquelas parecem f ugidias e t ransparent es. No mundo
supra-sensível, cont udo, elas t ornam relat ivament e opaco o espaço que preenchem, ocupando-o
como nebulosidades.
Uma segunda espécie de cores é const it uída por aquelas que, por assim dizer, são
int eirament e luz. Elas preenchem de claridade o espaço que ocupam. Est e se t orna,
conseqüent ement e, espaço luminoso.
Int eirament e diversa das duas ant eriores é a t erceira modalidade de f enômenos cromát icos.
Est es possuem sobret udo um carát er irradiant e, cint ilant e, resplendent e; não se limit am me-
rament e a iluminar o espaço que ocupam: resplendem e irradiam por t odo ele. Exist e algo de at ivo,
de móvel nessas cores. As out ras cont êm algo de repousant e, de f osco; est as, por sua vez, são como
que cont inuament e geradas por si mesmas.
Mediant e as duas primeiras espécies de cores, o espaço écomo que preenchido por uma f ina
subst ância líquida, que permanece imóvel dent ro dele; por meio da t erceira ele é preenchido com
uma vida cont inuament e aut o-est imulada, com uma mobilidade incessant e.
Essas t rês espécies de cores não est ão, porém, dispost as lado a lado na aura humana; não se
encont ram exclusivament e em f aixas espaciais separadas, e sim int ercalando-se das mais variadas
maneiras. Num mesmo local da aura podem-se ver t odas as t rês espécies int eragindo, do mesmo
modo como um corpo f ísico — por exemplo, um sino — pode ser simult aneament e vist o e ouvido.
Com isso a aura se t orna um f enômeno ext raordinariament e complexo, pois lida-se, por assim dizer,
com t rês auras int ercaladas, ent relaçadas. Cont udo, é possível chegar à clareza dirigindo a at enção
a cada uma dessas t rês auras separadament e. Age-se ent ão, no mundo supra-sensível,
semelhant ement e a quando no mundo f ísico, por exemplo, f echam-se os olhos numa t ot al ent rega à
impressão de uma peça musical. O ‘ vident e’ possui, por assim dizer, t rês órgãos diversos para as
t rês espécies de cores; e pode, a f im de observar livrement e, abrir est e ou aquele t ipo de órgãos às
impressões e f echar os demais. Pode ser que num ‘ vident e’ só est ej a desenvolvido um t ipo de
órgãos, adequado a observar a primeira espécie de cores. Esse vident e só pode ver uma das auras;
as duas out ras permanecem invisíveis para ele. Do mesmo modo, alguém pode ser capaz de receber
impressões das duas primeiras espécies, mas não da t erceira.
O grau mais elevado do ‘ dom da vidência’ consist e, pois, na capacidade de observar t odas as
t rês auras e, para a f inalidade do est udo, dirigir alt ernadament e a at enção para uma ou para out ra.
A t ríplice aura é a expressão supra-sensorialment e visível da ent idade do homem. Nela se
manif est am os t rês membros const it ut ivos do ser humano: corpo, alma e espírit o.
A primeira aura é um ref lexo da inf luência que o corpo exerce sobre a alma do homem; a
segunda caract eriza a vida própria da alma alçada acima daquilo que est imula diret ament e os
sent idos, mas ainda não dedicada ao serviço do et erno; a t erceira ref let e o domínio que o espírit o
et erno haj a alcançado sobre o homem perecível. Quando se f ornecem descrições da aura —
conf orme ocorreu aqui —, é preciso acent uar que essas coisas não são apenas dif íceis de observar,
mas sobret udo dif icílimas de descrever. Por isso, ninguém deveria ver nessas descrições algo mais
do que uma sugest ão.

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Para o ‘ vident e’ , port ant o, a peculiaridade da vida anímica se expressa na const it uição da
aura. Ao se def ront ar com uma alma cuj a vida se acha int eirament e ent regue aos impulsos e de-
sej os e aos est ímulos ext ernos moment âneos, ele vê a primeira aura nas t onalidades mais grit ant es;
a segunda, por out ro lado, est á apenas debilment e desenvolvida, vendo-se nela soment e f ormações
cromát icas escassas; a t erceira, ent ão, mal se pronuncia; só aqui e ali aparece uma pequena
cent elha f ulgurant e, indicando que t ambém em t al disposição anímica o et erno vive no homem
como pot encial, sendo porém repelido pelo j á caract erizado ef eit o do plano dos sent idos.
Quant o mais um homem se despoj a de sua nat ureza impulsiva, t ant o menos pronunciada se
t orna a primeira part e da aura. A segunda vai ent ão aument ando cada vez mais e preenchendo
cont inuament e, com sua f orça luminosa, o corpo colorido dent ro do qual vive o homem f ísico. E
quant o mais o homem se comprova como ‘ servidor do et erno’ , mais se evidencia a maravilhosa
t erceira aura, aquela part e que t est emunha at é que pont o ele se t ornou um cidadão do mundo
espirit ual; pois o Eu Divino irradia at ravés dessa part e da aura humana para o mundo t erreno. Na
proporçao em que os homens apresent am essa aura, eles const it uem chamas por meio das quais a
Divindade ilumina est e mundo. Por int ermédio dessa part e da aura eles demonst ram at é que pont o
sabem viver não para si, mas para o et ernament e verdadeiro, o nobrement e belo e bom — at é que
pont o se empenharam para que seu eu limit ado se sacrif ique no alt ar da grande obra universal.
Na aura se expressa, port ant o, o que o homem f ez de si no decorrer de suas encarnações.
Em t odas as t rês part es da aura est ão cont idas cores das mais diversas nuances. O carát er
dessas nuances muda, porém, segundo o grau de evolução do homem.
Na primeira part e da aura pode-se ver a vida impulsiva não-evoluída, em t odos os mat izes do
vermelho at é o azul. Esses mat izes t êm aí um carát er t urvo e impreciso. Os mat izes de vermelho
marcant e indicam as cobiças sensuais, os apet it es carnais, a ânsia por gozos do paladar e do
est ômago. Mat izes verdes parecem encont rar-se, aqui, principalment e naquelas nat urezas inf erio-
res que se inclinam à apat ia e à indif erença, que se dedicam avidament e a cada gozo, embora
f ugindo aos esf orços que levam àsat isf ação. Quando as paixões buscam violent ament e alguma met a
inat ingível para as capacidades adquiridas, surgem cores verde-acast anhadas e verde-amareladas
na aura. Aliás, cert os modos de vida moderna cult ivam j ust ament e est a espécie de aura.
Um sent iment o egóico30 int eirament e arraigado em inclinações inf eriores, represent ando assim
o mais baixo grau do egoísmo, most ra-se em amarelos indef inidos at é chegar a t onalidades
marrons. Ora, é claro que a vida impulsiva animal t ambém pode assumir um carát er agradável.
Exist e uma capacidade purament e nat ural de sacrif ício que, no reino animal, j á se encont ra em
alt a escala. No amor mat erno nat ural esse cult ivo de um impulso animal encont ra sua mais bela
perf eição. Esses impulsos nat urais abnegados manif est am-se, na primeira aura, em mat izes que vão
do vermelho-claro ao vermelho-rosado. Temor covarde e t imidez perant e sensações f ísicas revela-
se, na aura, por meio de cores azul-acast anhadas ou azul-acizent adas.
A segunda aura exibe t ambém as mais variadas gradações cromát icas. Egot ismo, orgulho e
ambição f ort ement e desenvolvidos manif est am-se em f ormações de t om cast anho e alaranj ado.
Também a curiosidade se f az anunciar por manchas amarelo-avermelhadas. Amarelo-claro ref let e
clareza de pensament o e int eligência; verde expr ime compreensão da vida e do mundo. Crianças
que aprendem rápido t êm muit o verde nessa part e da aura. Uma boa memória parece denunciar-se,
na segunda aura, por um ‘ amarelo cít rico’ . O vermelho-rosado indica urna nat ureza benévola e
af et uosa; azul é o sinal da devoção. Quant o mais a devoção se aproxima do f ervor religioso, mais o
azul passa a violet a. O idealismo e a seriedade de empenho são visíveis no azul-índigo.
As cores básicas da t erceira aura são amarelo, verde e azul. Amar el o-cl ar o aparece aqui
quando o pensament o se acha pleno de idéias elevadas a amplas, que compreendem o pormenor
part indo do t odo da ordem universal divina. Esse amarelo adquire um ref lexo dourado quando o
pensament o é int uit ivo e int eirament e isent o de idéias sensuais. O ver de exprime o amor por t odos
os seres; o azul é o símbolo da capacidade abnegada de aut o-sacrif ício em prol de t odos os seres.
Quando esse aut o-sacrif ício se int ensif ica at é uma vont ade vigorosa que se coloca at ivament e a
serviço do mundo, o azul se t ransf orma em violet a-claro. Quando, apesar de uma alma
superiorment e desenvolvida, ainda exist em orgulho e ambição como últ imos resquícios do egoísmo
pessoal, ao lado dos mat izes amarelos aparecem nuances t endent es a laranj a.
No ent ant o, cumpre f risar que nest a part e da aura as cores são bem diversas dos mat izes que
o homem est á habit uado a ver no mundo sensorial. Aqui se apresent a ao ‘ vident e’ uma beleza e

30
Ou egot ismo (ai. Sel bst gef ühl ). (N. T. )

57
sublimidade às quais nada é comparável no mundo cot idiano.
Est a descrição da aura não pode ser corret ament e j ulgada por quem não at ribua o máximo
valor ao f at o de a visão da aur a represent ar uma ampl i ação e um enr i queciment o do que é perce-
bido no mundo f ísico — uma ampliação que visa a conhecer a f orma de vida anímica que t em
realidade espirit ual f ora do mundo sensível. Est a descrição nada t em a ver com uma int erpret ação
do carát er ou do pensament o de uma pessoa com base numa percepção alucinat ória da aura. Ela
busca expandir o conheciment o em direção ao mundo espirit ual, não t endo absolut ament e nada em
comum com a duvidosa art e de explicar almas humanas por suas auras.

A senda do conheciment o

O conheciment o da Ciência Espirit ual ref erida nest a obra pode ser alcançado por qual quer
pessoa. Explicações do t ipo aqui apresent ado f ornecem uma imagem ment al dos mundos superio-
res, e são, de cert o modo, o pr imeir o passo para a própria observação. Ora, o homem é um ser
pensant e, e só pode encont rar sua senda cognit iva ao t omar como pont o de part ida o pensar.
Proporcionar-lhe ao ent endiment o uma imagem dos mundos superiores não é, pois, inf rut íf ero,
apesar de isso só lhe represent ar, por ora, uma narração de f at os superiores dos quais ele ainda não
possui compreensão alguma por visão própria. É que os pensament os que lhe são apresent ados
const it uem, por si mesmos, uma f orça que cont ínua at uando em seu universo ment al. Essa f orça se
t ornará at iva nele, despert ando disposições lat ent es. Quem é da opinião de que ent regar-se a
semelhant e imagem ment al é supérf luo cai em erro, pois só vê no pensament o o abst rat o, vazio de
essência. No pensament o, porém, est á lat ent e uma f orça viva; e se em quem possui o
conheciment o superior ele é expressão diret a do cont eúdo vist o no espírit o, a comunicação dessa
expressão age, em quem a recebe, como um ger me produt or de f rut os cognit ivos. Quem, na
demanda pelo conheciment o superior, quisesse recorrer a out ras f orças no homem por desprezar o
t rabalho do pensament o, não levaria em cont a que o pensar é j ust ament e a suprema f aculdade que
o homem possui no mundo dos sent idos. Quem, pois, indaga “ Como posso adquirir eu próprio os
conheciment os superiores da Ciência Espirit ual?” deve ouvir a seguint e respost a: “ Primeiro se
disponha a aprender por meio das inf ormações de out ras pessoas sobre t ais conheciment os. ” E se
ele ret rucar: “ Eu próprio quero ver; não quero saber do que os out ros viram — sej a-lhe ent ão
respondido: “ É precisament e na assimilação das comunicações de out ros que reside o primeiro grau
do conheciment o próprio. ” Talvez ele responda: “ Mas ent ão est ou sendo, por enquant o, obrigado a
uma f é cega. ” Todavia, no caso de uma comunicação não se t rat a de f é ou de incredulidade, mas
simplesment e de uma isent a acolhida do que se ouve. O verdadeiro pesquisador espirit ual j amais
f ala com a expect at iva de que ao seu encont ro venha uma f é cega. Ele só pret ende comunicar:
“ Ist o eu vivenciei nas esf eras espirit uais da exist ência, e est ou narrando a respeit o dessas minhas
vivências. ” Mas ele t ambém sabe que a recept ividade a essas suas vivências e a impregnação dos
pensament os do out ro com a narrat iva const it uem, para esse out ro, f orças vivas em prol do
desenvolviment o espirit ual.
O que enf ocamos aqui só será vist o corret ament e por quem ref let ir sobre o modo como t odo o
saber dos mundos anímico e espirit ual repousa nas prof undezas da alma humana. Pode-se buscá-lo
at ravés da ‘ senda cognit iva’ . E possível ‘ consult ar’ não apenas o que se obt eve das prof undezas da
alma por cont a própria, mas t ambém por esf orço de out ra pessoa — mesmo não se t endo f eit o
preparat ivo algum para t rilhar a senda do conheciment o. Um discerniment o espirit ual corret o
despert a, numa índole impert urbada por preconceit os, a f orça da compreensão. O saber
inconscient e enf rent a o f at o espirit ual descobert o por out ros; e esse enf rent ament o não const it ui
f é cega, e sim uma corret a at uação do int elect o humano sadio. Nessa sadia compreensão se deveria
ver, t ambém para o conheciment o próprio do mundo espirit ual, um pont o de part ida muit o melhor
do que nos duvidosos ‘ arroubos’ míst icos e similares, nos quais f reqüent ement e se acredit a obt er
algo melhor do que naquilo que o int elect o humano sadio pode reconhecer quando o mesmo lhe é
apresent ado pela genuína pesquisa espirit ual.
Nunca é demais f risar o quant o é necessário que o aspirant e ao desenvolviment o de
f aculdades cognit ivas superiores se empenhe num rigoroso t rabalho pensament al. Cabe insist ir
nest a ênf ase na mesma medida em que os muit os aspirant es a ‘ vident es’ t êm em muit o pouca
est ima esse t rabalho pensament al severo e sacrif icado. Dizem eles que o ‘ pensar’ não proporciona

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aj uda alguma; o que import a é a ‘ emoção’ , o ‘ sent iment o’ ou algo do gênero. Diant e disso, cumpre
dizer que ni nguém pode t ornar-se ‘ vident e’ no sent ido superior (ou sej a, verídico) sem t er ant es
t rabalhado a f undo no âmbit o do pensament o. Em muit as pessoas, uma cert a indolência int erior
desempenha aí um papel equivocado. Elas não se conscient izam dessa indolência porque est a se
revest e de um desprezo pelo ‘ pensar abst rat o’ e pela ‘ especulação ociosa’ , e assim por diant e.
Porém desconhece j ust ament e o pensament o quem o conf unde com o desf iar de raciocínios
abst rat os e f út eis. Esse ‘ pensar abst rat o’ pode f acilment e mat ar o conheciment o supra-sensível; j á
o pensar cheio de vida pode t ornar-se o seu f undament o. É bem verdade que seria muit o mais
cômodo poder chegar ao dom superior da vidência evit ando o t rabalho pensament al. É disso, aliás,
que muit a gent e gost aria; para esse f im, no ent ant o, é necessária uma f irmeza int erna, uma
segurança anímica que só o pensament o pode proporcionar. Do cont rário, produz-se apenas uma
vazia vacilação ent re imagens, um j ogo anímico enganoso, que cert ament e dá prazer a muit os mas
nada t em em comum com um real ingresso em mundos superiores.
Além disso, quem ref let e sobre as vivências purament e espirit uais de uma pessoa que
realment e adent ra o mundo superior compreenderá que a quest ão possui ainda um out ro lado. Ser
vident e signf ica possuir absolut a saúde na vida anímica. Ora, não há melhor cult ivo dessa saúde do
que o pensar genuíno. Aliás, t al saúde pode sof rer gravement e quando os exercícios para o desen-
volviment o superior não se acham f undament ados no pensar. Se é verdade que a vidência t ornará
um homem de pensament o sadio e corret o ainda mais apt o para a vida do que seria sem ela,
éigualment e verdade que t odo desej o de desenvolviment o ligado a uma aversão pelo esf orço
pensament al, t odo devaneio nesse âmbit o conduz à f ant asia imaginat iva e à at it ude equivocada
diant e da vida. Nada t em a t emer quem queira evoluir para o conheciment o superior observando o
que f oi dit o aqui; aliás, isso só deveria ocorrer sob est a premissa. Est a premissa só diz respeit o à
alma e ao espírit o do homem; f alar de qualquer inf luência danosa para a saúde corpórea é, nesse
caso, um absurdo.
A incredulidade inf undada é, sem dúvida, nociva, pois age sobre a pessoa em quest ão como
uma f orça repulsora, impedindo-o assim de assimilar pensament os f ecundos. Não é uma f é cega
qualquer, e sim a assimilação do universo de pensament os da Ciência Espirit ual que const it ui a
precondição para o despert ar dos sent idos superiores. O pesquisador espirit ual se apresent a ao
discípulo com a seguint e exigência: “ Não deves cr er , mas pensar no que digo, t orná-lo cont eúdo do
t eu próprio mundo de pensament os, e ent ão meus pensament os f arão com que, dent ro de t i, t u
mesmo os reconheças em sua verdade. ” É est a a convicção do pesquisador espirit ual. Ele dá o
impulso; a f orça para reconhecer a verdade vem do próprio ínt imo do recept or. E é nest e sent ido
que deveriam ser buscadas as concepções da Ciência Espirit ual. Quem assume a resolução de
imergir seu pensar nelas pode est ar cert o de que, num prazo menor ou maior, elas o conduzirão
àvisão própria.
Já no que f oi dit o est á indicada uma primeira qualidade a ser desenvolvida por quem queira
chegar a uma visão pessoal de f at os superiores. Trat a-se da dedicação i ncondici onal e impar ci al ao
que é revelado pela vida humana e t ambém pelo mundo ext ra-humano. Quem aborda um f at o
qualquer desse mundo com o j uízo t razido de sua vida at é ent ão, repele, com t al j uízo, o ef eit o
imparcial e sereno que t al f at o pode exercer sobre ele. O aprendiz deve, a cada moment o, ser
capaz de t ransf ormar-se num recept áculo int eirament e vazio no qual se derrame o mundo est ra-
nho. Só const it uem moment os de cognição aqueles em que t odo j uízo, t oda crít ica emit ida por nós
silencia. Não import a, por exemplo, se ao encont rarmos uma pessoa somos ou não mais sábios do
que ela. At é a criança mais ignorant e t em qualquer coisa a revelar ao mais supremo dos sábios. E se
est e aborda uma criança com seu parecer próprio, por int eligent e que sej a, sua sabedoria se
int romet e como um vidro baço na f rent e daquilo que a criança lhe t em a revelar. 31 Essa dedicação
às revelações do mundo est ranho exige complet a isenção int erior. E quando a pessoa se examina
para saber em que grau possui essa dedicação, f az espant osas descobert as em si mesma. Quem
quer t rilhar a senda do conheciment o superior deve exercit ar a capacidade de, a cada moment o,
ext inguir a si mesmo, com t odos os seus preconceit os. À medida que se ext ingue, out ra coisa af lui
para ele. Soment e um elevado grau dessa dedicação isent a capacit a para a assimilação dos f at os
espirit uais superiores que, por t oda part e, circundam o homem. É possível desenvolver essa
f aculdade de modo conscient e e obj et ivo. Procure-se, por exemplo, evit ar t odo e qualquer j uízo

31
Vê-se muit o bem, por est a indicação, que a exigência da ‘ dedicacão incondicional’ não signif ica a eliminação de qualquer
j uízo próprio ou abandono a uma f é cega. Algo desse gênero não t eria sent ido algum f rent e a uma criança.

59
relat ivo a pessoas do próprio meio. Cada qual elimine em si o crit ério de at raent e e repulsivo, de
est úpido ou int eligent e que est ej a habit uado a aplicar; e procure compreender as pessoas
simplesment e por si mesmo, sem esse crit ério. Os melhores exercícios podem ser f eit os com
relação a pessoas pelas quais t enhamos aversão. Reprimamos vigorosament e essa aversão e dei-
xemos, com isenção de ânimo, at uar em nós o que elas f azem. Ou, est ando num ambient e que
est imule est e ou aquele j uízo, reprimamos o j uízo e exponhamo-nos, de modo isent o, às
impressões. 32 Deixemos que as coisas e ocorrências nos f alem por si , mais do que nós mesmos nos
pronunciarmos sobre elas. E est endamos esse procediment o t ambém ao nosso mundo dos pen-
sament os. Reprimamos em nós aquilo que f orma est e ou aquele pensament o, e simplesment e
deixemos que o pensament o sej a suscit ado pelo que est á f ora de nós.
Só quando são realizados com a mais rigorosa seriedade e const ância é que t ais exercícios
conduzem a met as cognit ivas superiores. Quem subest ima t ais exercícios é porque nada sabe de seu
valor; e quem t em experiência nessas coisas sabe que a dedicação e a isenção const it uem
verdadeiras f ont es de energia. Tal como o calor da caldeira se t ransf orma na energia mot riz da lo-
comot iva, assim as prát icas de abnegada dedicação espirit ual do homem se t ransf ormam na f orça
para ver dent ro dos mundos espirit uais.
Por meio desses exercícios a pessoa se t orna recept iva a t udo o que a circunda. A essa
recept ividade, cont udo, deve associar-se t ambém a j ust a avaliação. Enquant o a pessoa ainda est á
inclinada a supervalorizar-se à cust a do mundo circundant e, ela est á vedando a si mesma o acesso
ao conheciment o superior. Quem, perant e cada obj et o ou f at o do mundo, se ent rega ao prazer ou à
dor que o mesmo l he causa, é uma presa da superest ima de si próprio; pois em seu prazer e em sua
dor ele nada aprende sobre as coisas, mas soment e algo sobre si mesmo. Quando sint o simpat ia por
uma pessoa, a princípio sint o apenas mi nha relação com ela. Se em meu j uízo, em meu
comport ament o eu me f aço dependent e apenas desde sent iment o de prazer, de simpat ia, eu
coloco minha maneira de ver em primeiro plano, impondo-a ao mundo. Quero int roduzir-me no
mundo t al qual sou, em vez de acolhê-lo sem preconceit o e permit ir que ele se expresse em
conf ormidade com as f orças que nele at uam. Em out ras palavras: sou t olerant e apenas com o que
corresponde à minha maneira de ser; cont ra t udo o mais, exerço uma resist ência repulsora.
Enquant o o homem est á conf inado no mundo sensível, ele reage com part icular repulsa a
t odas as inf luências não-sensíveis.
O aprendiz deve desenvolver em si a capacidade de comport ar-se diant e dos obj et os e das
pessoas de acordo com suas peculiaridades, reconhecendo em cada um seu valor e sua import ância.
Simpat ia e ant ipat ia, prazer e desprazer devem assumir papéis t ot alment e diversos. Não quer isso
dizer que o homem deva ext irpá-los e t ornar-se insensível à simpat ia e à ant ipat ia. Muit o ao con-
t rário; quant o mais ele desenvolver em si a f aculdade de não permit ir que t odo sent iment o de
simpat ia ou ant ipat ia venha imediat ament e seguido de um j uízo ou uma ação, t ant o mais f ina será
sua sensibilidade. Ele perceberá que a simpat ia e a ant ipat ia assumem um carát er mais elevado
quando ele ref reia aquela espécie j á exist ent e nele. At é mesmo o obj et o inicialment e ant ipát ico
possui qualidades ocult as, revelando-as quando o homem, em seu proceder, não segue suas
emoções egoíst as. Quem haj a progredido nessa direção t erá, em t odas as direções, uma
sensibilidade mais ref inada do que out ros, por não se deixar seduzir por si mesmo rumo à
insensibilidade.
Toda inclinação obedecida cegament e embot a a capacidade de ver sob luz corret a as coisas
em redor. Seguindo a inclinação, nós como que f orçamos caminho at ravés do ambient e ao invés de
expor-nos a ele e sent i-lo em seu valor.
E quando uma pessoa não reage mais a cada prazer e cada dor, a cada simpat ia e ant ipat ia
com uma respost a ou ação egoíst ica, ela t ambém se t orna independent e das impressões mut áveis
do mundo ext erior. O prazer que sent imos num obj et o f az-nos imediat ament e dependent es dele.
Nós nos perdemos nele. Uma pessoa que se perde ora no prazer, ora no sof riment o, ao sabor das
impressões cambiant es, não pode t rilhar a senda do conheciment o espirit ual. É com ser enidade que
lhe cabe aceit ar o prazer e a dor. Ent ão ela cessa de perder-se neles, mas por isso mesmo começa a
compreendê-los. Um prazer ao qual eu me ent regue devora-me a exist ência no moment o da
ent rega. Eu devo, no ent ant o, servir-me do prazer unicament e para chegar à compreensão da coisa
que me proporciona prazer. O que me deve import ar não é o f at o de a coisa me proporcionar

32
Essa ent rega isent a não t em a mínima relação com ‘ f é cega’ . Não se t rat a de acredit ar em algo cegament e, e sim de não
deixar o j uízo cego’ subst it uir a impressão viva.

60
prazer: eu devo experiment ar o prazer e, por int ermédio do prazer, a essênci a da coisa. O prazer
deve ser, para mim, soment e o indício de que na coisa exist e uma qualidade apropriada para
proporcionar prazer. É essa qualidade que eu devo aprender a conhecer. Se eu me det enho no
prazer e me deixo int eirament e absorver por ele, ent ão sou eu apenas quem se realiza; mas se para
mim o prazer é soment e um ensej o para experiment ar uma qualidade da coisa, com essa
experiência eu t orno meu ínt imo mais rico. Para o pesquisa-dor, prazer e desprazer, alegria e dor
devem const it uir opor t unidades para que ele aprenda com as coisas. Assim sendo, ele não se t orna
embot ado diant e do prazer e do sof riment o; eleva-se acima deles para que est es lhe revelem a
nat ureza das coisas.
Quem se desenvolver nest a direção aprenderá a compreender que mest res são o prazer e a
dor. Exercerá empat ia em relação a t odos os seres e, com ist o, receberá a revelação de seu int e-
rior. O pesquisador nunca diz apenas “ Oh, como eu sof ro! ” , “ Como est ou cont ent e! ” , mas sempre
“ Como f ala o sof riment o! ” , “ Como f ala a alegria! ” . Ele se ent rega para que o prazer e a alegria do
mundo ext erior possam at uar sobre ele. Com isso se desenvolve no homem uma at it ude
complet ament e nova diant e das coisas. Ant eriorment e ele reagia a impressões, agindo nest e ou
naquele sent ido, só porque as impressões o alegravam ou lhe davam desprazer. Agora, porém,
deixa que o prazer e o desprazer sej am t ambém órgãos por meio dos quais as coisas se revelem
como elas próprias são por nat ureza. De meros sent iment os, prazer e sof riment o se t ornam nel e
órgãos sensíveis por cuj o int ermédio o mundo ext erior é percebido. Assim como os olhos não agem
por si quando vêem alguma coisa, e sim f azem agir as mãos, o prazer e a dor t ampouco nada
provocam no pesquisador espirit ual enquant o est e os emprega como meio cognit ivo; eles recebem
impressões, e o que f oi experiment ado mediant e dor e prazer ocasiona a ação. Quando o homem
exercit a prazer e desprazer de modo a t orná-los órgãos de t ransição, est es const roem em sua alma
os órgãos genuínos por cuj o int ermédio o mundo anímico se descort ina para ele. Os olhos só podem
servir ao corpo pelo f at o de serem órgãos de t ransição para impressões sensíveis; prazer e dor
t ransf ormamse em ol hos aními cos quando cessam de t er um valor purament e int rínseco e começam
a revelar à própria alma a alma alheia.
Por meio das cit adas qualidades, o aspirant e ao conheciment o superior se coloca em
condições de permit ir que o que exist e de essencial ao seu redor at ue sobre ele sem sof rer as
pert urbadoras inf luências de suas próprias caract eríst icas. Ele deve, porém, incluir t ambém a si
próprio no ambient e espirit ual de maneira corret a. Aliás, como ser pensant e ele é cidadão do
mundo espirit ual; mas só pode sê-lo de modo corret o quando, no processo de conheciment o
espirit ual, dá aos seus pensament os um rumo que corresponda às et ernas leis da verdade, às leis do
mundo dos espírit os. É que só assim esse reino pode at uar sobre ele e revelar-lhe seus f at os. O
homem não alcança a verdade quando se abandona apenas aos pensament os que perpassam
cont inuament e seu eu — pois ent ão esses pensament os t omam um curso que lhes é impost o pelo
f at o de virem à exist ência dent ro da nat ureza corpórea. Desregrada e conf usa — eis como se
apresent a a esf era ment al de uma pessoa que se abandona à at ividade espirit ual condicionada
inicialment e por seu cérebro f ísico. Mal um pensament o despont a, j á é expulso para dar lugar a
out ro. Quem escut a com at enção a conversa de duas pessoas, ou observa imparcialment e a si
mesmo, f orma uma idéia dessa massa conf usa e mut ável de pensament os. Ora, quant o mais o
homem se dedica exclusivament e aos mist eres da vida sensorial, mais essa corrent e conf usa de
pensament os é reordenada pelos f at os da realidade. Por mais conf uso que eu sej a ao pensar, a vida
cot idiana impõe às minhas ações as leis que correspondem à realidade. Minha imagem ment al de
uma cidade pode ser das mais conf usas e inexat as; mas se eu quiser percorrer um t raj et o na
cidade, t erei de adapt ar-me aos f at os exist ent es. O mecânico pode ent rar em sua of icina com as
idéias mais disparat adas: ele será reconduzido às medidas corret as pelas leis de suas máquinas.
Dent ro do mundo sensível, os f at os exercem cont inuament e um poder corret ivo sobre o pensa-
ment o. Se eu f ormo um j uízo errôneo sobre uma ocorrência do mundo f ísico ou sobre a f orma de
uma plant a, a realidade logo aparece diant e de mim e ret if ica meu pensar. É t ot alment e diverso
quando eu observo minha relação com os domínios superiores da exist ência. Eles só se desvendam
para mim quando eu j á ingresso neles com um pensar rigorosament e disciplinado. Lá meu
pensament o deve dar-me o apoio corret o e seguro, do cont rário não encont rarei o caminho
adequado; pois as leis espirit uais que vigem nesses mundos não são condensadas at é a f orma f ísica
e corpórea, não podendo, port ant o, exercer sobre mim a ref erida coação. Só me é possível
obedecer a essas leis quando elas são af ins com minhas próprias leis de ser pensant e. Aqui eu t enho
de ser um guia seguro para mim mesmo. O aspirant e ao conheciment o deve, pois, t ornar seu pensar
rigorosament e disciplinado. Nele os pensament os devem perder gradualment e o hábit o de seguir

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seu curso ordinário, devendo assumir, em t oda o seu decorrer, o carát er int rínseco do mundo
espirit ual. Ele deve poder observar a si mesmo nessa direção e t er aut ocont role. Seus pensament os
não devem suceder-se arbit rariament e, mas desenvolver-se em conf ormidade com o exat o
cont eúdo do mundo pensament al. A passagem de uma represent ação ment al a out ra deve conf or-
mar-se às rigorosas leis do pensar. O homem, como pensador, deve represent ar como que uma
imagem dessas leis. Tudo o que não emane dessas leis deve ser excluído do curso de suas idéias; ao
surgir-lhe um pensament o predilet o no caminho, deve ser repelido caso pert urbe o curso
preest abelecido. Se um sent iment o pessoal quiser dirigir seus pensament os em cert a direção alheia
a est es, será preciso reprimi-lo.
Plat ão exigiu dos aspirant es à sua academia que primeiro f reqüent assem um curso de
mat emát ica. E a mat emát ica, com suas rigorosas leis que não se orient am pelo curso ordinário dos
f enômenos sensoriais, é realment e uma boa preparação para o buscador de conheciment o. Para
progredir nessa ciência ele t em de renunciar a t odo arbít rio pessoal, a t oda dist ração. Prepara-se
para sua t aref a dominando, por espont ânea vont ade, t oda e qualquer arbit rariedade aut ônoma
exercida pelo pensar. Aprende a seguir purament e as exigências do pensament o; e é assim que
deve habit uar-se a proceder em t oda at ividade pensant e cuj o mist er sej a servir ao conheciment o
espirit ual. Essa vi da dos pensament os deve ser, ela própria, uma imagem dos j uízos e conclusões
impert urbados da ciência mat emát ica. Ele deve esf orçar-se por pensar dessa maneira onde quer
que se encont re. Ent ão af luem para ele as leis do mundo espirit ual, as quais, quando seu pensar
t raz um carát er cot idiano, conf uso, passam por ele e o percorrem sem deixar t raços. Um pensar
ordenado o conduz de alicerces seguros at é às verdades mais recôndit as. Porém t ais indicações não
devem ser int erpret adas unilat eralment e. Embora a mat emát ica promova uma boa disciplina do
pensar, pode-se t ambém chegar a um pensar puro, sadio e pleno de vida sem prat icar a
mat emát ica.
O que o buscador de conheciment o almej a para o seu pensar deve ser almej ado t ambém para
o seu agir. Est e deve poder, sem inf luências pert urbadoras por part e de sua personalidade, seguir
as leis nat urais da beleza nobre e da verdade et erna. São essas as leis que lhe devem servir de guia.
Se começa a f azer algo que haj a reconhecido como o corret o e seu sent iment o pessoal não se sat is-
f az com essa at ividade, ele não deve, por esse mot i vo, abandonar o caminho t omado; t ampouco
deve segui-lo por lhe proporcionar alegria se achar que ele não corresponde às leis da et erna
beleza e verdade. Na vida cot idiana os homens se deixam det erminar, em suas ações, pelo que os
sat isf az pessoalment e e l hes t raz proveit o. Assim sendo, impõem sua t endência pessoal à marcha
dos event os dest e mundo. Eles não ef et ivam o aspect o verdadeiro, pré-t raçado nas leis do mundo
espirit ual; ef et ivam as exigências de seu próprio arbít rio. Só se age no sent ido do mundo espirit ual
quando se seguem unicament e suas leis. Daquilo que é f eit o merament e por obra da personalidade
não result am f orças capazes de f ormar uma base para o conheciment o espirit ual. O buscador de
conheciment o não pode simplesment e indagar “ O que é que me t raz proveit o, o que é que me
proporciona êxit o?” , mas t ambém “ O que é que eu reconheci como o bem?” . Renúncia aos f rut os do
agir em prol da personalidade, renúncia a t udo o que sej a arbít rio pessoal — eis as leis severas que
ele deve prescrever a si mesmo. Ent ão, ao t rilhar o caminho do mundo espirit ual, t odo o seu ser se
compenet ra dessas leis. Ele se t orna livre de t oda e qualquer coação do mundo sensível: seu
homem-espírit o despoj a-se do envolt ório f ísico. Assim ele progride para dent ro do espírit o, assim
ele espirit ualiza a si próprio. Não se pode dizer “ De que me servem t odos os propósit os para seguir
exclusivament e as leis da verdade, se eu t alvez est ej a equivocado em relação a essa verdade?” . O
que import a é o esf orço, é a convicção. Mesmo quem se equivoca t em, no esf orço pela verdade,
uma f orça que o af ast a do caminho errôneo. Se est iver em erro, essa f orça o arrebat ará e o
colocará no caminho para o corret o. Já a obj eção “ Também posso errar’ é uma descrença
pert urbadora — denot a que a pessoa não t em conf iança alguma no poder da verdade; pois o
import ant e, j ust ament e, é que ela não se ext ravie f ixando met as para si de acordo com seus pont os
de vist a egoíst as, e sim que se ent regue abnegadament e e deixe o espírit o det erminar sua direção.
Não é a vont ade humana egoíst a que pode impor seus dit ames ao verdadeiro; é esse mesmo
el ement o ver dadeir o que deve t ornar-se senhor do homem, impregnar t odo o seu ser e f azer dele
uma imagem das et ernas leis do mundo espirit ual. Ele deve preencher-se com essas leis et ernas a
f im de f azê-las emanar para a vida.
Do mesmo modo como a at ividade pensant e, o buscador do conheciment o deve poder mant er
sua vont ade sob severa vigilância. Com isso ele se t orna, com t oda a modést ia — sem presunção —,
um mensageiro do mundo do verdadeiro e do belo, ascendendo por isso à condição de part icipant e

62
do mundo espirit ual. Desse modo ele é elevado de um grau a out ro da evolução, pois a vida
espirit ual não se alcança soment e pela cont emplação, mas t ambém vivenciando-o.
Se o buscador do conheciment o observar as leis descrit as, as vivências anímicas concernent es
ao mundo espirit ual assumirão, em seu caso, uma f orma complet ament e nova. Ele não mais viverá
simplesment e nel as. Elas não mais t erão merament e um signif icado para sua vida pessoal; passarão
a desenvolver-se no sent ido de percepções anímicas do mundo superior. Em sua alma, os
sent iment os, o prazer e o desprazer, a alegria e a dor se t ornam órgãos anímicos, da mesma f orma
como em seu corpo os olhos e ouvidos não vivem simplesment e para si mesmos, e sim permit em
abnegadament e que as impressões ext ernas passem at ravés deles. Com isso o buscador do
conheciment o obt ém a t r anqüi l i dade e segur ança anímicas necessárias para a pesquisa no mundo
espirit ual. Um grande prazer não mais lhe causará j úbilo, mas poderá ser-lhe o araut o de
peculiaridades do mundo que ant es lhe escapavam. Esse prazer o deixará t ranqüilo; e por in-
t ermédio da t ranqüilidade lhe serão revelados os sinais das ent idades propiciadoras de prazer. Um
sof riment o não mais simplesment e o inundará de const ernação, mas t ambém poderá dizerlhe quais
são as peculiaridades do ser causador do sof riment o. Assim como os olhos nada cobiçam para si, e
sim dão ao homem a direção do caminho a seguir, igualment e o prazer e a dor conduzirão a alma
em segurança at ravés de sua rot a. E esse o est ado de equilíbrio int erior a que deve chegar o
aprendiz. Quant o menos o prazer e a dor repercut irem, com suas vibrações, em sua vida int erior,
t ant o mais f ormarão olhos necessários para a percepção do mundo supra-sensível. Enquant o o
homem vive em dor e prazer, por meio deles não chega a conhecer . Quando aprende a viver por
meio del es, quando os despoj a de sent iment o pessoal, ent ão eles se t ornam seus órgãos
percept ivos; e ele passa a ver e a conhecer por meio deles. É incorret o crer que o aprendiz do
conheciment o se t orne uma pessoa seca, árida e apát ica. O prazer e a dor est ão present es nele,
mas quando ele pesquisa no mundo espirit ual ambos se apresent am t ransf ormados, t endo-se
t ornado ‘ olhos e ouvidos’ .
Enquant o o homem convive pessoalment e com o mundo, as coisas revelam soment e o que as
prende à nossa personalidade. Est e, no ent ant o, é seu lado t ransit ório. Se nós próprios nos sepa-
rarmos de nossa part e t ransit ória e vivermos com nosso sent iment o egóico, com nosso ‘ eu’ em
nossa part e duradoura, nossas part es t ransit órías se t ornarão mediadoras; e o que se desvendar por
meio delas é um lado imperecível e et erno das coisas. Essa relação ent re seu element o et erno e o
que é et erno nas coisas deve poder ser est abelecida pelo aprendiz. Já ant es de assumir out ros
exercícios do t ipo descrit o, e t ambém durant e os mesmos, ele deve dirigir sua ment e para esse lado
imperecível. Quando eu observo uma pedra, uma plant a, um animal, uma pessoa, devo poder t er
em ment e que em t udo isso se manif est a algo et erno. Devo poder pergunt ar a mim mesmo: o que é
que vive de permanent e na pedra ef êmera, no homem mort al? O que permanecerá para além do
f enômeno sensorial t ransit ório?
Não se deve crer que t al direcionament o do espírit o para o et erno dest rua em nós a
cont emplação dedicada e o senso das peculiaridades da vida diária, alheando-nos da realidade
imediat a. Ao cont rário. Cada f olha, cada pequeno inset o nos desvendará inúmeros segredos se não
apenas os ol hos, mas, at r avés dos ol hos o espírit o est iver volt ado em sua direção. Cada cint ilação,
cada nuance cromát ica ou t onalidade cont inuará viva e percept ível para os sent idos — nada se
perderá; só que uma vida nova e inf init a será acrescent ada. E quem não souber observar t ambém
as mínimas coisas com os olhos chegará soment e a pálidos, anêmicos pensament os mas nunca à
visão espirit ual.
Tudo dependerá da convicção que adquirirmos nesse sent ido. O alcance de nossa iniciat iva
dependerá de nossas capacidades. Temos apenas de f azer o que é cert o e deixar t udo o mais a
cargo da evolução. Inicialment e deve-nos bast ar dirigirmos nossa at enção para o imperecível. Se
assim f izermos, j ust ament e por i sso o conheciment o do imperecível se abrirá para nós. Devemos
aguardar at é que ele nos sej a dado; e ele será dado a t odo aquele que, com paciência, aguardar. . .
e t rabalhar.
Prat icando t ais exercícios, a pessoa logo percebe a poderosa t ransf ormação que lhe acont ece.
Ela aprende a considerar cada coisa ora mais, ora menos import ant e conf orme reconheça sua
relação com o que é permanent e, et erno. Aprende a valorizar e est imar o mundo de modo diverso
do que f azia ant es. Seu sent iment o assume uma relação dif erent e com t odo o mundo em redor. O
t ransit ório não mais a at rai simplesment e por si, e muit o menos como ant es; para ela, t orna-se um
component e e uma met áf ora do et erno. E esse et erno, que vive em t odas as coisas, ela aprende a
amar, f amiliarizando-se ent ão com ele do mesmo modo como ant eriorment e se f amiliarizava com o
t ransit ório. Nem por isso, cont udo, se t orna alheia à vida: apenas aprende a valorizar cada coisa

63
segundo sua verdadeira signif icação. Nem mesmo as vãs f ut ilidades da vida passam por ela sem
deixar t raços; mas a pessoa, ao buscar o espirit ual, não mais se perde nelas: reconhece-as em seu
valor limit ado, passando a vê-las sob a luz corret a. Seria um mau aprendiz quem quisesse apenas
vaguear nas alt uras e, lá em cima, perdesse a vida. Um verdadeiro est udioso saberá, das alt uras de
seu cume, mediant e clara e ampla visão e corret o sent iment o, colocar cada coisa em seu lugar.
Assim se abre ao aprendiz a possibilidade de não mais obedecer soment e às inf luências
imprevisíveis do mundo ext erior dos sent idos, que dirigem seu querer ora para cá, ora para lá; me-
diant e o conheciment o, ele divisou uma essência et erna nas coisas. Ele t em em si, pela
t ransf ormação de seu mundo int erior, a f aculdade de perceber essa essência et erna. Para o
aprendiz, os seguint es pensament os revest em-se ainda de especial import ância: quando ele age por
si, est á conscient e de est ar agindo com base na essência et erna das coisas; pois as coisas exprimem
nel e essa sua essência. Ele age, port ant o, no sent ido da et erna ordem do Universo quando, por obra
desse element o et erno que nele vive, conf ere direção a esse seu agir. Desse modo, sabe que não é
merament e impelido pelas coisas; sabe ser ele quem as impele segundo leis implant adas nele
próprio e que se t ornaram as leis de seu próprio ser.
Esse agir baseado no ínt imo só pode ser um ideal a ser almej ado. At ingir essa met a ainda é
algo bem longínquo. Cont udo, o aprendiz do conheciment o deve t er vont ade de ver clarament e
esse caminho. Trat a-se de sua vont ade de l i ber dade; pois liberdade é agir por iniciat iva própria, e
agir por iniciat iva própria só é permit ido a quem obt ém seus mot ivos do Et erno. Um ser que não f az
isso segue mot ivos diversos daqueles implant ados nas coisas, opondo-se à ordem universal; e est a
deve ent ão prevalecer sobre ele. Isso signif ica que, em últ ima inst ância, não pode acont ecer o que
ele delineou em sua vont ade. Ele não pode t ornar-se livre. O arbít rio do ser individual dest rói a si
mesmo pelo ef eit o de seus at os.

***

Quem consegue at uar desse modo sobre sua vida int erior penet ra gradat ivament e no
conheciment o do espírit o. O f rut o de seus exercícios será o f at o de se abrirem, à sua percepção
espirit ual, cert os vislumbres do mundo supra-sensível. Ele aprende a compreender o sent ido das
verdades a respeit o desse mundo espirit ual, e receberá uma conf irmação delas por experiência
própria. Uma vez alcançado esse pat amar, surge-lhe algo que só pode t ornar-se vivência por esse
caminho. De um modo cuj o signif icado só agora lhe f ica claro, por int ermédio das ‘ grandes
pot ências espirit uais condut oras do gênero humano’ lhe é t ransmit ida a chamada iniciação. Ele se
t orna ‘ discípulo da sabedoria’ . Quant o menos se considerar t al iniciação como algo consist indo
numa simples circunst ância ext erna do homem, t ant o mais acert ada será a idéia a esse respeit o.
Aqui só cabe indicar o que ent ão sucede com o aspirant e ao conheciment o. Ele recebe uma nova
pát ria, t ornando-se um conscient e habit ant e do mundo supra-sensível. A f ont e do saber espirit ual
passa a j orrar para ele de uma região mais elevada. A luz do conheciment o não mais o ilumina de
f ora; ele próprio se encont ra inserido no f oco dessa luz. Nele os enigmas propost os pelo mundo
adquirem nova luz. Doravant e ele não mais conversa com as coisas plasmadas por meio do espírit o,
mas com o próprio espírit o plasmador. A vida própria da personalidade, nos moment os de
conheciment o espirit ual, só subsist e com o f im de ser uma met áf ora conscient e do et erno. Dúvidas
relat ivas ao espírit o, possíveis de surgir-lhe ant eriorment e, vêm a desaparecer, pois só podem
exist ir em quem se equivoca a respeit o do espírit o at uant e nas coisas. E como o ‘ discípulo da
sabedoria’ consegue agora mant er um diálogo com o próprio espírit o, desaparece para ele t oda
conf iguração f alsa sob a qual ele t enha ant es imaginado o espírit o. A f alsa conf iguração sob a qual
o homem imagina o espírit o e superst ição. O iniciado t ranscende a superst ição, pois sabe qual é a
verdadeira conf iguração do espírit o. Li ber t ação dos preconceit os da personalidade, da dúvida e da
superst ição, eis os signos daquele que ascendeu, no caminho cognit ivo, ao grau de discípulo. Não se
deve conf undir essa unif icação ent re a personalidade e a vida espirit ual abrangent e com uma
absorção aniquiladora da personalidade pelo ‘ Espírit o Universal’ . Tal ‘ esvaeciment o’ não t em lugar
no verdadeiro desenvolviment o da personalidade. Est a se conserva como t al na relação que
est abelece com o mundo espirit ual. Não ocorre uma suj eição, mas um aperf eiçoament o mais
elevado da personalidade. Se quisermos uma met áf ora para essa sint onia do espírit o individual com
o Espírit o Universal, não precisaremos escolher a de diversos círculos combinados num só, para nele
desaparecerem; deve-se escolher a imagem de muit os círculos, cada qual dot ado com det erminado
mat iz. Esses círculos mult icoloridos se superpõem, mas cada mat iz individual cont inua exist indo no
t odo de sua nat ureza. Nenhum deles perde a plenit ude de suas próprias f orças.

64
A cont inuação descrit iva da ‘ senda’ não será apresent ada aqui. Na medida do possível, ela é
dada em meu livro A ciência ocul t a33, que const it ui o prosseguiment o dest e.
O que aqui f oi dit o a respeit o da senda cognit iva espirit ual pode f acilment e, medi ant e uma
i nt er pr et ação er r ônea, induzir a ver nela uma recomendação de disposições anímicas que acarre-
t em um af ast ament o da imediat a vivência grat if icant e e at iva da exist ência. Diant e disso, é preciso
f risar que a disposição de alma que capacit a est a últ ima a experiment ar diret ament e a realidade do
espírit o não pode ser est endida à vida como um t odo. O pesquisador da exist ência espirit ual pode
alcançar o poder de, para essa pesquisa, conduzir a alma a uma necessária abst ração da realidade
sensível, sem que essa abst ração f aça dele, de modo geral, uma pessoa alheia ao mundo.
Por out ro lado, convém reconhecer que um processo cognit ivo do mundo espirit ual — não
simplesment e aquele se realiza ingressando na senda, mas aquele paut ado pela compreensão das
verdades espirit uais com o int elect o humano sadio e isent o — conduz t ambém a um est ágio mais
elevado de vida moral, a um conheciment o mais verídico da exist ência sensorial, à cert eza na vida
e à saúde anímica int erior.

Not as avul sas e compl ement ar es

Pág. 15 — Falar de ‘ f orça vit al’ era at é há pouco t empo considerado um sinal de ignorância
cient íf ica. At ualment e, porém, j á se est á começando, t ambém na ciência, a não mais ver com ant i-
pat ia aquela idéia de ‘ f orça vit al’ adot ada em t empos ant igos. Quem observar o curso da evolução
cient íf ica na época at ual verá, porém, a lógica conseqüent e daqueles que, levando em cont a essa
evolução, nada querem saber de ‘ f orça vit al’ . No que present ement e se denomina ‘ f orça da
nat ureza’ a ‘ f orça vit al’ não se inclui em absolut o; e quem não quer elevar-se a hábit os e
represent ações ment ais superiores aos das ciências at uais não deveria f alar de ‘ f orça vit al’ . Só o
modo de pensar e as premissas da ‘ Ciência Espirit ual’ t ornam possível abordar t ais assunt os sem
cont radição. Também os pensadores t endent es a f ormar pareceres exclusivament e f undament ados
nas Ciências Nat urais j á abandonaram em nossos dias a crença dos que, na segunda met ade do
século XIX, só admit iam, para a explicação dos f enômenos vit ais, as f orças vigent es t ambém na
nat ureza inorgânica. O livro de um import ant e nat uralist a como Oskar Hert wig34 — Das Wer den der
Or gani smen. Ei ne Wi der l egung von Dar wi ns Zuf al l st heor i e [ O evolver dos organismos. Uma
ref ut ação da t eoria do acaso, de Darwin] — const it ui um f enômeno cient íf ico amplament e elu-
cidat ivo. Ele cont radiz a hipót ese de que as leis f ísicas e químicas possam f ormar um ser vivo.
Também é import ant e o f at o de no chamado neovit alismo se manif est ar uma concepção que
admit e, como f aziam os ant igos adept os da ‘ f orça vit al’ , os ef eit os de uma f orça especial para o
mundo orgânico. Nesse domínio, cont udo, não poderá ult rapassar os conceit os abst rat os e
esquemát icos quem não puder reconhecer que, na vida, o que t ranscende as f orças inorgânicas só
pode ser alcançado numa percepção que se eleve at é à visão de algo supra-sensível. Não se t rat a
de est ender à esf era da vida aquele mesmo conheciment o cient íf ico aplicado ao mundo inorgânico,
mas de at ingir um conheciment o de out ro gênero.

Pág. 15 — Ao f alarmos aqui de ‘ sent ido do t at o’ dos organismos inf eriores, não nos ref erimos
ao que é designado por esse t ermo nas habit uais descrições dos ‘ sent idos’ . Cont ra a j ust eza dessa
expressão poderia ser obj et ada muit a coisa, mesmo do pont o de vist a da Ciência Espirit ual.
Queremos muit o mais indicar com ‘ sent ido do t at o’ , uma f acul dade per cept i va ger al de uma im-
pressão ext erna, em oposição à percepção específ ica exist ent e na visão, no ouvido, et c.

Págs. 14 a 23 — Pode parecer que a composição da ent idade humana f ornecida nest as
explicações se baseie numa dist inção purament e arbit rária de part es dent ro da vida unit ária da
alma. Diant e disso, deve-se f risar que essa composição t em, na vida anímica unit ária, uma
signif icação semelhant e à do apareciment o das set e cores do arco-íris quando um raio de luz passa
por um prisma. O que o f ísico ef et ua para esclarecer os f enômenos da luz, ao est udar essa
passagem e as set e cores result ant es, corresponde ao que realiza o pesquisador espirit ual em

33
Cit . (v. p. 7)
34
Zoólogo alemão (1849—1922), prof essor em Berlim de 1888 a 1921. (N. E. orig. )

65
relação à ent idade anímica. Os set e membros da alma não são meras dist inções do int elect o
abst rat o, como t ampouco o são as set e cores em relação à luz. Em ambos os casos, a dist inção
repousa sobre a nat ureza int rínseca dos f at os; só que as set e divisões da luz se t ornam visíveis por
um inst rument o ext erno, e os set e membros da alma por uma observação espirit ual da nat ureza da
alma. A verdadeira nat ureza da alma não pode ser alcançada sem o conheciment o dessa
composição. É que por int ermédio de t rês membros — corpo f ísico, corpo vit al e corpo anímico — a
alma pert ence aos mundos t ransit órios; por int ermédio dos out ros quat ro membros, ela t em raízes
no et erno. Na ‘ alma unit ária’ , o ef êmero e o et erno se acham indist int ament e unidos. Não se
discernindo essa composição, não se pode conhecer a relação da alma com a t ot alidade do mundo.
Pode-se usar ainda out ro exemplo: — O químico divide a água em hidrogênio e oxigênio. Não
se pode observar esses dois element os na ‘ água homogênea’ ; no ent ant o, eles possuem sua própria
nat ureza. Tant o o hidrogênio quant o o oxigênio f ormam combinações com out ros element os. Assim,
ao sobrevir a mort e os t rês ‘ membros inf eriores’ da alma ent ram em combinação com a nat ureza
cósmica perecível, e os quat ro superiores se agregam ao et erno. Quem relut a em admit ir a
composição da alma assemelha-se a um químico que relut a em decompor a água em hidrogênio e
oxigênio.

Pág. 17 — As exposições da Ciência Espirit ual devem ser t omadas de modo bem preciso, pois
só t êm valor na exat a cunhagem das idéias. Quem, por exemplo, na f rase “ . . . aqui (nos animais),
eles (impulsos, inst int os, et c. ) não est ão ent remeados por pensament os aut ônomos, que
ult rapassem a experiência imediat a” , deixa de dar at enção às palavras “ aut ônomos, que ult rapas-
sem a experiência imediat a” , pode f acilment e equivocar-se at ribuindo-nos a af irmação de que nas
emoções ou nos inst int os dos animais não est ej am cont idos quaisquer pensament os. Ora, j us-
t ament e a verdadeira Ciência Espirit ual t em suas bases num conheciment o segundo o qual t odas as
vivências int eriores dos animais (como, aliás, t odas as f ormas de exist ências em geral) são
int erpenet radas por pensament os. Só que os pensament os do animal não são os pensament os
aut ônomos de um ‘ eu’ exist ent e nele, mas os do ‘ eu de grupo’ animal, que deve ser considerado
como um ser dominando o animal de f ora. Esse ‘ eu de grupo’ não exist e no mundo f ísico como o eu
do homem, mas age sobre o animal a part ir do mundo anímico, descrit o na pág. 71 e seguint es.
(Det alhes mais precisos podem ser encont rados em meu livro A ci ênci a ocul t a. ) O que se verif ica no
homem é que nel e os pensament os alcançam exist ência aut ônoma, sendo experiment ados não indi-
ret ament e na sensação, mas diret ament e como pensament os t ambém no plano anímico.

Pág. 19 — Ao se af irmar que crianças pequenas dizem “ Carlos é bonzinho” , “ Maria quer ist o” ,
não é t ão import ant e saber quão cedo as crianças ut ilizam a palavra ‘ eu’ quant o saber quando elas
vinculam essa palavra à represent ação ment al correspondent e. Ao ouvir essa palavra de adult os, as
crianças t alvez possam empregá-la sem t er a represent ação ment al do ‘ eu’ . Todavia, o emprego
dessa palavra t ardio na mai or i a dos casos — denot a um f at o evolut ivo import ant e, ou sej a, o
gradual desdobrament o da represent ação do eu que vai surgindo do obscuro sent iment o desse eu.

Págs. 20 e 21 — Em meus livros O conheci ment o dos mundos super ior es35 e A ciênci a ocul t a36
acha-se descrit a a verdadeira nat ureza da ‘ int uição’ . Numa observação desat ent a, pode-se achar
f acilment e uma cont radição ent re o emprego desse t ermo naqueles livros e o que const a aqui, nas
págs. 45 e 46. Essa cont radição não exist e para quem at ent a bem ao seguint e: aquilo que por meio
da int uição se manif est a do mundo espirit ual, em sua plena realidade, ao conheciment o supra-
sensível, revela-se à ident idade espirit ual 37 em sua manif est ação mai s inf erior do mesmo modo
como a exist ência ext erior do mundo f ísico se manif est a na sensação.

Pág. 23 e ss. — Sobre ‘ Reencarnação do espírit o e dest ino’ . Com respeit o às observações desse
capít ulo, cabe ref let ir que aqui se busca ext rair da observação ment al do próprio curso da vida
humana — sem se levarem em cont a os conheciment os da Ciência Espirit ual, conf orme são descrit os
nos out ros capít ulos — idéias sobre at é que pont o j á essa vida humana, com seu dest ino, apresent a
indícios das repet idas vidas na Terra. Essas idéias parecerão, nat uralment e, bast ant e duvidosas a
quem ache ‘ bem f undadas’ apenas as idéias habit uais ref erent es a uma única vida. Cont udo, cabe

35
Ed. Brasileira em t rad. de Erika Reimann (5. ed. São Paulo: Ant roposóf ica, 2002). (N. E. )
36
Cit . (v. not a na p. 18).
37
Al. Gei st sel bst (cf . not a na p. 45).

66
t ambém ref let ir que a descrição aqui apresent ada procura est abelecer a opinião de que j ust ament e
essa ment alidade comum não pode conduzir a conheciment os sobre as causas do curso da vida. Por
isso devem ser buscadas out ras idéias que apar ent ement e cont radigam as habit uais. E só não se
procuram essas idéias quando se evit a veement ement e aplicar, a uma seqüência de processos que
desde t empos remot íssimos é compreensível apenas animicament e, o mesmo t ipo de raciocínio que
se aplica a uma seqüência do mundo f ísico. Em t al ref ut ação deixa-se de at ribuir qualquer valor,
por exemplo, ao f at o de um golpe do dest ino que at inge o eu se apresent ar, emocionalment e,
ligado ao surgiment o da recordação de uma vivência af im com a sit uação recordada. Mas quem
procura perceber como um golpe do dest ino é realment e vivido pode dist inguir ent re essa vi vência
e as declarações que necessariament e surgem quando o pont o de vist a é assumido no mundo
ext erior, excluindo assim qualquer relação viva ent re o golpe do dest ino e o eu. A esse pont o de
vist a o golpe parece um acaso, ou como uma det erminação vinda de f ora. Como t ambém exist em
golpes do dest ino que, de cert o modo, const it uem um primeiro impact o na vida humana e cuj os
ef eit os só se manif est arão mais t arde, t ant o maior é a t ent ação de generalizar o que só é válido
para esses casos, não at ent ando a out ra possibilidade. Só se começa a at ent ar a ela quando as
experiências da vida dão à capacidade ideat iva uma direção como a que se encont ra em Knebel 38,
amigo de Goet he, o qual escreve numa cart a:

Observando-se mais at ent ament e, ver-se-á que na vida da maioria dos homens exist e um cert o
plano que, em virt ude da própria nat ureza ou das circunst âncias que os dirigem, é como que
preest abelecido para eles. Por mais diversas e mut áveis que sej am as condições de sua vida, no
f inal se evidencia um t odo que, no f undo, dá a perceber uma cert a concordância. . . A mão de
det erminado dest ino, por ocult a que sej a em sua ação, revela-se t ambém precisament e, quer obe-
deça a uma causa ext erior, quer a um est ímulo int erior; aliás, muit as vezes causas cont radit órias
se moviment am em sua direcão. Por mais errant e que sej a o curso, sempre a causa e a direção se
deixam t ransparecer.

Tal observação pode ser f acilment e obj et ada, especialment e por pessoas que não queir am
dar-se à consideração das experiências anímicas em que ela se origina. O aut or dest e livro acredit a
haver t raçado com precisão, nas descrições do dest ino e das repet idas vidas na Terra, os limit es
dent ro dos quais se podem f ormar represent ações ment ais a respeit o das causas da f ormação da
vida. Ele assinalou que a maneira de ver result ant e dessas represent ações ment ais é apenas
‘ esboçada’ por elas, e que elas só podem pr epar ar ment al ment e para o que deve ser encont rado de
modo cient íf ico-espirit ual. Cont udo essa preparação ment al é uma at ividade. int erior da alma, a
qual, sem avaliar erroneament e seu alcance, sem querer ‘ provar’ , mas simplesment e ‘ t reinar’ a
alma, t orna o homem imparcialment e recept ivo a conheciment os que lhe pareceriam absurdos sem
t al preparo.

Pág. 33 — A passagem que num capít ulo ult erior dest e livro — ‘ A senda do conheciment o’ —
t rat a ligeirament e dos ‘ órgãos espirit uais de percepção’ é obj et o de um est udo mais pormenorizado
em meus livros O conheciment o dos mundos super ior es e A ciênci a ocul t a.

Pág. 42 — Seria um erro at ribuir ao mundo espirit ual uma cont ínua i nt r anqüi l i dade pelo f at o
de não haver nele “ um repouso, uma permanência num só lugar, como no mundo f ísico” . Lá onde
est ão “ os arquét ipos das ent idades criadoras” não exist e, cert ament e, aquilo que se pode chamar
de ‘ repouso em det erminado lugar’ ; há, porém, aquele repouso que é de nat ureza espirit ual, que
pode conciliar-se com a mobilidade at uant e, sendo comparável à calma sat isf ação e à beat it ude do
espírit o, as quais se manif est am no agir, e não na inat ividade.

Pág. 44 e ss. — É preciso ut ilizar a palavra ‘ int enções’ perant e as pot ências propulsoras da
evolução cósmica, embora esse t ermo t alvez ensej e a t ent ação de simplesment e imaginar essas po-
t ências como int enções humanas. Essa t ent ação só pode ser evit ada se no caso de t ais palavras,
t omadas necessariament e à esf era do mundo humano, o leit or se elevar a uma acepção das mesmas
em que lhes sej a ret irado t udo o que possuem de est rit ament e humano, conf erindo a elas o que o
homem lhes conf ere aproximadament e nas ocasiões de sua vida em que, de cert o modo, se eleva
acima de si próprio.

38
Karl Ludwig vou Knebel (1744—1834). (N. T. )

67
Pág. 44 — Out ros pormenores sobre o ‘ Verbo Espirit ual’ encont ram-se em meu livro A ci ênci a
ocul t a.

Pág. 49 — Quando, nessa passagem, dizemos “ . . . e pode, do âmbit o do et erno, det erminar o
rumo para o f ut uro” , indicamos o t ipo especial de disposição anímica do homem no correspondent e
período ent re a mort e e um novo nasciment o. Um golpe do dest ino que at inj a o homem na vida do
mundo f ísico pode parecer, à disposição anímica dest a vida, cont er algo ext remament e cont rário à
vont ade do homem: na vida ent re a mort e e o nasciment o, vigora na alma uma f orça semelhant e à
vont ade e que dirige o homem para a vivência desse golpe do dest ino. A alma vê, de cert a maneira,
que uma imperf eição t razida de uma encarnação ant erior lhe diz respeit o — uma imperf eição
decorrent e de um at o ou pensament o impróprio. Ent re a mort e e o nasciment o surge na alma o
impulso, similar ao volit ivo, para compensar a imperf eição. Por isso ela acolhe em seu ser uma
t endência a impor a si mesma, na vida t errena post erior, um inf ort únio a f im de provocar a
compensação por meio do sof riment o. Após o nasciment o no corpo f ísico, a alma at ingida pelo
dest ino não suspeit a que ela própria, em sua vida purament e espirit ual ant es do nasciment o, t enha
colocado a si mesma no rumo desse golpe. O que, port ant o, parece int eirament e i nvol unt ár i o pelo
prisma da vida t errena, é vol unt ár i o por part e da alma no supra-sensível. “ Do âmbit o do et erno, o
homem det ermina o f ut uro. ”

Pág. 53 e ss. — O capít ulo dest e livro int it ulado ‘ Das f ormas-pensament os e da aura humana’
é, decert o, o que mais f acilment e dá ensej o a mal-ent endidos. Sent iment os host is encont ram j ust a-
ment e nessas descrições as melhores oport unidades para suas obj eções. Bem se pode exigir,
realment e, que nesse domínio os pronunciament os do vident e sej am corroborados por pesquisas
correspondent es à ment alidade das Ciências Nat urais. Pode-se exigir que cert o número de pessoas
que af irmam ver a espirit ualidade da aura sej am acareadas com out ras, cuj as auras elas deixem
agir sobre si próprias. Ent ão os vident es podem dizer quais pensament os, sent iment os, et c. são
vist os por eles como aura nas pessoas observadas. Se ent ão seus dados concordassem ent re si,
evidenciando-se que as pessoas observadas realment e houvessem t ido as emoções, pensament os,
et c. indicados pelos vident es, ent ão haveria disposição para acredit ar na exist ência da aura. Não há
dúvida de que esse raciocínio é int eirament e baseado nas Ciências Nat urais. Só que é preciso
considerar o seguint e: o t rabalho do invest igador espirit ual sobre a própria alma, o qual lhe
proporciona a f aculdade da visão espirit ual, orient a-se no sent ido de conquist ar j ust ament e essa
f acul dade. Se, num caso individual, ele percebe ou não algo no mundo espirit ual, e o que ele
percebe, não depende dele. Isso lhe af lui como uma dádi va do mundo espirit ual. Ele não pode
f orçá-la; t em de esperar at é que lhe sej a dada. Sua i nt enção de t er a percepção nunca pode ser
uma das causas da ocorrência dessa percepção. Cont udo, é j ust ament e essa i nt enção que a
ment alidade das Ciências Nat urais exige para o experiment o. Porém o mundo espirit ual não se
deixa comandar. Para realizar-se, a pesquisa deveria ser propost a pelo mundo espirit ual. E nel e que
um ser deveria t er a int enção de revelar os pensament os de uma ou mais pessoas a um ou mais
vident es. Esses vident es deveriam ent ão ser conduzidos à observação conj unt a por ‘ impulso
espirit ual’ . Ent ão seus dados cert ament e coincidiriam. Por mais paradoxal que isso possa parecer
ao modo de pensar purament e cient íf ico, é assim que ocorre. ‘ Experiment os’ espirit uais não podem
ser f eit os como os f ísicos. Quando o vident e, por exemplo, recebe a visit a de uma pessoa est ranha,
não pode sem mais nem menos ‘ propor-se’ a observar a aura dessa pessoa. Porém ele vê a aura
quando, no mundo espirit ual, exist e mot ivo para que est a se lhe revele.
Com est as poucas palavras, pret endemos apenas indicar o mal-ent endido que exist e na
obj eção mencionada acima. O que cabe à Ciência Espirit ual é most rar o caminho pelo qual o
homem chega à visão da aura — o caminho pelo qual, pois, ele próprio pode obt er a experiência de
seu exist ir. Port ant o, a Ciência só pode aconselhar ao aprendiz: “ Aplica as condições da vidência à
t ua própria alma, e ent ão verás. ” Seria indubit avelment e mais cômodo ver sat isf eit a a ref erida
exigência da ment alidade cient íf ico-nat ural; só que quem f ormula essa exigência demonst ra não t er
realment e aprendido com os result ados mais element ares da Ciência do Espírit o.
Com a descrição da ‘ aura humana’ f ornecida nest e livro não se pret ende ir ao encont ro da
avidez de sensações na busca do ‘ supra-sensível’ , a qual, diant e do ‘ espírit o’ , só se dá por
sat isf eit a quando nest e se apresent a, como ‘ espírit o’ , algo que na represent ação ment al não se
dist ingue do sensível, podendo ela ent ão permanecer comodament e, com suas represent ações
ment ais, nest e mundo sensível. O que é dit o nas págs. 116 e ss. sobre a maneira especial de se
represent ar a cor da aura poderia servir para corroborar a cit ada descrição ant e um mal-ent endido

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como esse; mas quem aspira a um corret o discerniment o nesse domínio deve compreender que a
alma humana provoca necessariament e, diant e de si, a vi são espirit ual — não sensível — da aura
quando t em a vi vênci a do anímico e espirit ual. Sem essa vi são, a vivência permanece no
inconscient e. Não se deveria conf undir a visão f igurat iva com a vivência em si; mas t ambém se
deveria t er claro que nessa visão f igurat iva a vivência encont ra uma expressão t ot alment e
adequada — não uma expressão que a alma cont emplat iva cria arbit rariament e, mas aquela que se
f orma por si mesma na percepção supra-sensível.
At ualment e se perdoará um nat uralist a que j ulgue t er mot ivo para f alar de uma espécie de
‘ aura humana’ , como o f az o prof . Morit z Benedikt em seu livro sobre a ‘ Teoria das f orquilhas e dos
pêndulos’ . 39 Diz ele:

Exist em, embora de número reduzido, pessoas que são ‘ adapt adas à escuridão’ . Uma part e
relat ivament e grande dessa minoria vê na escuridão muit íssimos obj et os sem cores, e só
relat ivament e muit o poucos vêem os obj et os t ambém coloridos. [ . . . ] Um considerável número de
cient ist as e médicos f oram examinados em minha câmara escura por meus dois clássicos
‘ adapt ados à escuridão’ [ . . . ] , e esses mesmos examinados não t iveram quaisquer dúvidas quant o à
correção da observação e descrição. [ . . . ] Os adapt ados à escuridão e que t ambém percebem cores
vêem, na f rent e, a t est a e o alt o da cabeça azuis, o rest ant e da part e direit a t ambém azul e a
esquerda vermelha ou, em alguns casos [ . . . ] , amarelo-alaranj ada. Na part e de t rás ocorre a
mesma divisão e as mesmas cores.

Cont udo, ao pesquisador do espírit o não se perdoa t ão f acilment e f alar de ‘ aura’ . Ora, aqui
não se pret ende assumir nenhuma posição perant e essas explicações de Benedikt — que pert encem
às mais int eressant es da moderna Ciência Nat ural — nem aproveit ar uma oport unidade f ácil, como
f azem muit os, para ‘ desculpar’ a Ciência do Espírit o por int ermédio da Ciência Nat ural. Trat a-se
apenas de indicar como, em cert o caso, um nat uralist a pode chegar a af irmações não muit o
dif erent es daquelas da Ciência Espirit ual. Nesse caso t ambém cumpre f risar que a aura a ser
capt ada espirit ualment e, da qual se f ala nest e livro, é algo t ot alment e diverso daquela a ser
pesquisada por meios f ísicos, ref erida por Benedikt . Nat uralment e se caí num erro grosseiro ao pen-
sar que a ‘ aura espirit ual’ possa ser observada por meios cient íf ico-nat urais. Ela só é acessível à
visão espirit ual que haj a percorrido a senda do conheciment o (conf orme é descrit a no últ imo capí-
t ulo dest e livro). Mas t ambém const it uiria um mal-ent endido querer sust ent ar que a realidade do
que é percebido espirit ualment e possa ser comprovada do mesmo modo como a realidade do que se
percebe sensorialment e.

39
Morit z Benedikt (1835—1920), médico. Sua ‘ Teoria das f orquilhas e dos pêndulos’ [ Rut en- and Pendel l ehr e] f oi publicada
em Viena em 1917, e a present e cit ação const a em sua página 17. (N. E. orig. )

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