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PERSONAGENS:

Alcides
Um
Dois
Três

Três amigas andam atrás de um carro de máscara. Há um sol de pondo do lado esquerdo
do palco. O carro não possui frente. Um na ponta da esquerda, dois no meio, três na
direita. Momento de silêncio em que o carro está andando. Em dado momento o carro para.
Elas se olham e riem. Tiram as máscaras como se fossem uma brincadeira, uma invenção.
Silêncio, elas vão mudando de feição.
Cada uma indo pra algum lugar internamente.
Um vai ficando caótica, ansiosa, indignada.
Um: eu acho extremamente injusto.
Dois (acordando de seu transe, gentilmente): ah sim, eu não tenho dúvida.
Três (acordando mais calmamente e um pouco desconfiada): eu não sei, o que você quer
dizer?
Um sai do carro
Um: o mundo ta acabando!!!!!!!!!!
Três sai do carro
Três: o mundo ou esse mundo? Porque normalmente pra gente é mais fácil acreditar que
tudo ta acabando do que só essa forma de vida.
Dois (ainda sentada, estática): mas se por esse modo de vida você quer dizer vida humana
eu não quero que acabe.
Um (indignadíssima): os bilionários vão fugir!!!! A humanidade vai se perpetuar a partir do
seu nicho mais podre!!!
Três: eu não quis dizer os seres humanos. Quis dizer esse modo de vida.
Um: mas com tudo isso de gente morrendo, catástrofe, é chuva de areia, talibã com estados
unidos, ditadores, genocídios e genocídios, de gente, de bicho, de mata, de tudo. Os polos
vão derreter, a gente não vai mais ter água pra beber. O que eu faço AAAAAHHHHH (grita Comentado [VG1]: pesquisar melhor coisas mais
e cai no chão se encolhe chorando meio desesperadamente). urgentes

Fica um silêncio com o choro dela


Blackout rápido, quando acende não existe mais carro, dois está sentada numa pedra. Um
permanece no chão chorando baixinho, do outro lado da cena, três agora sentada de perna
de índio olhando para o céu. Há de fato poucas estrelas presas a fios no teto em cima dela.
O sol que estava se pondo foi mais pra baixo mas agora há um segundo sol se levantando
do lado direito do palco. Depois de um tempo dois vai olhando pra trás, sentiu alguma
coisa, uma presença, e levanta bruscamente, botando a mão no pescoço, como se tivesse
recebido um sopro, mas antes que pudesse virar três começa a rir e as outras duas a
olham rapidamente, dois se levantando, assustada. Três para de rir, e percebe que está
sendo observada. Olha para as duas e diz:
Três: o quê?
Um: é estranho isso.
Três: e ta errado?
Um: é estranho, machuca a gente.
Três (levantando-se): a gente ou você?
Um: A GENTE!
Três: dois, isso te machuca?
Dois (processando): ah...
Um: idai, mesmo se não machucar ela me machuca!
Três: para de usar suas causas pessoais como se fossem coletivas, ISSO MACHUCA AS
PESSOAS (fala mega debochando apesar de séria).
Um: as causas pessoais são coletivas sim! E você ta defendendo aí sua causa pessoal de
ser estranha
Três: eu não to defendendo nada.
Um: ninguém não defende nada!
Dois: eu to tão cansada.... (fala sofrendo, deitando-se e colocando as mãos no rosto)
Começa a tocar bem baixinho uma música. Que começa a aumentar bem aos poucos. Um
e três reparam na música e vão, aos poucos, se sentando. Dois permanece em sua
posição, como se a música viesse dela. Deixar pelo menos 2 minutos e meio de música, até
que:
três- eu to com medo.
um- do que?
(três aponta para algo absurdo na paisagem: os dois sóis.)
Um (se levanta) - será que a gente pula?
(pergunta olhando pros sóis)
Três (se levantando também) - por quê?
Um - para acabar com isso.
Três - com o que?
Um - com o medo.

a música para, silêncio


Um - Será que a gente conhece algo só por estar vivendo?
Dois - (olhando pra coisa absurda que agora muda, o sol a esquerda se põe
completamente e outro que sobe começa a ficar maior, e arroxeado, mas não ilumina, a
noite começa a chegar....) definitivamente não.
silêncio
A noite cai
silêncio
Três - a noite as vezes é aliviante né?
Dois – as vezes é horrível.
Três - mas o horrível é melhor que o insosso.
Lá pelas tantas um homem que mora na rua e é médium aparece falando sozinho, Alcides,
acompanhado de um cachorro sem coleiras, atravessando a cena. As meninas param e os
observam.
Elas o observam como se vissem um filme, ao mesmo tempo que não dão muita bola, até
que Alcides para do outro lado da cena, as olha fulminantemente, e fala algo que as
hipnotiza,
- Escrever fala de Alcides
A natureza não é imortal mas é infindável, as coisas existem acima de tudo, o existir é a
potência máxima das coisas. A morte existe. O escuro existe. O que não vemos existe. A
possibilidade existe. O impossível existe. O que sentimos existe. Mesmo daqui trilhões de
séculos quando este universo que fingimos que conhecemos colapsar, nunca haverá
apenas ausência, e se houver, ela existe, e ela compõe tudo que foi, que é e que será. E
imaginemos só o que há de ser.
Falamos da possibilidade e impossibilidade das coisas com a prepotência de que se sabe
de coisa alguma. Se o que se sabe é o que se sente, e o que se sente é dor, fome, raiva, e
medo, o que dita a impossibilidade do encadeamento de nossas ações em revolta a isso?
Não, eu não sei também qual a solução e ainda bem que tenho a coragem de assumir que
não sei. Não tenho um manual e meu manifesto é constantemente mutável, é
completamente livre. Sabemos o que não queremos e sabemos quem nos força a engolir
nosso afogamento, sabemos o cistema e a forma de vida que perpetua tudo que segue
destruindo sem piedade, afogando sem tempo de fôlego. Sabemos porque sentimos.
Sabemos porque sentimos.
Sabemos porque sentimos.
Sabemos porque sentimos.
E tenho a ousadia de manifestar que saberemos o livre quando o sentirmos também. Tenho
a ousadia de manifestar que desconfiamos da sua possibilidade, mesmo sem sabermos o
caminho. Mesmo sem sabermos de onde virá o impulso.
Tenho a ousadia de manifestar que o caminho já é traçado hoje. Ele existe hoje. Aqui.
Nesse teatro. Agora. Enquanto eu e vocês respiramos. É traçado sim ao lado de outro
caminho muito mais triste. Mas é real da mesma forma. E não falo de utopia. Falo de física.
Falo de fato. O desejo é fato. O desejo existe. O desejo é o começo de tudo.
Ao fim, o homem olha o cachorro como se desligasse o modo vidente e acordasse de um
transe. Vai-se indo embora para trás do palco, como se nem tivesse visto as meninas em
primeiro lugar, e segue falando sozinho coisas indecifráveis até sumir no breu.
As três se sentam novamente e se estranham como se tivessem acabado de cair de volta
no mundo depois de uma viagem astral.

Um - eu to morrendo.
Três - como assim? morrendo como?
Um - morrendo, morrendo. Tenho certeza, meu corpo tá dizendo.
Três - ah todos nós.
Um - não, mas, agora. tá acontecendo agora.
Três - da onde você tirou isso?
Um - eu to sentindo, tenho certeza.
Três - quem tem certeza é louco. quem é são sempre dúvida.
(Um começa a ficar com falta de ar e tonta e senta no chão)
Dois - não acredita na sua mentira, se você fosse morrer agora eu já estaria morta.
(um tensa tendo um pouco de pânico)
Um - como você sabe?
Dois - você come muito mais verde que eu.
Um - (se acalmando) isso é verdade.
(Um pensa algo aterrorizante)
Um - mas isso não quer dizer que você é mais resistente e eu rasgo fácil?
(Dois fica sem palavras)
Um - ta na esquina.
(Três começa a pular, quando de repente olha para cima e vê que caíram mais estrelas
presas a fios, por todo o teto e há uma projeção de um cometa que atravessa a cena, da Comentado [VG2]: será?
esquerda pra direita, até que bem grande e realista)
Três - OLHA!
(Um e dois olham imediatamente, e um esquece imediatamente o que estava sentindo)
Um - que lindo…
Dois permanece de costas pra cena, olhando aquele cometa absurdo, encantada e
hipnotizada.
Três - me assusta, mas eu consigo respirar agora.
Um - é muito lindo (e começa a chorar)
Três - eu to apaixonada (e começa a rir)
o choro e a risada vão se intensificando e ficando histéricos
Três - EU ESTOU MUITO FELIZ DE ESTAR AQUI!
Um - EU TO SOFRENDO MAS EU TO MUITO FELIZ
elas se olham e algo se rompe nas sensações das duas. três começa a chorar (ainda muito
feliz) e um começa a rir (ainda sofrendo).
Enquanto isso dois, ainda olhando pro cometa, começa a colocar as mãos pra frente pra
ele, como se quisesse cumprimentá-lo, tocá-lo.
Três e um deitam no chão olhando para o teto e se dão as mãos, em um acolhimento
espontâneo, compartilhando aquele momento Epifânio.
Em um dado momento três olha pra um rindo, vai parando de chorar e vira de lado para
ela.
Três - você sofre muito né?
sem resposta um vira de barriga pra cima e volta a olhar pro teto, três repara que tem algo
em seu peito, toca e começa a sair uma gosma verde, que gruda em suas mãos, e fica
olhando pra aquilo, assustada, mas um pouco maravilhada. Um também vê, três vai tocar,
simultaneamente dois toca o cometa, que libera detritos que atravessam a cena
completamente, explodindo, e simultaneamente, subitamente a gosma desaparece sem
deixar traços.
Três e um também escutam a explosão. Reagem, mas não se desesperam.
Três - (voltando ao assunto, meio indignada) você viu o que você fez?
Um - eu fugi….
Três - Pelo menos você viu.
Um - (também indignada) pelo menos, pelo menos.
(dois se vira e vai pra beirada do palco abismo/varanda, que na verdade é uma espécie de
abismo e/ou varanda)
Dois - vocês sabiam que o ser humano conhece menos do fundo do mar do que do
universo inteiro?
Três - (brincando com algum objeto, distraída) não sabia….
Dois - é que a pressão é muito intensa... nem as máquinas conseguem ir até o chão do
fundo do mar.
(objeto que três brinca vira um peixe)
Dois - eu pessoalmente acho muito interessante isso. o céu não tem pressão, o mar tem
demais, o ser humano fica no meio.
(o peixe começa a ter vida e a nadar em volta de três, que se diverte)
Dois - se tem pressão demais a gente implode e vai se apequenando até sumir, se tem de
menos a gente explode e se espalha por todo lugar
(o peixe explode em várias estrelas-bolhas)
Três - é muito bonito mesmo…
Pequeno silêncio
Dois - eu gosto da vida aqui. (um abre a boca e sai uma flor)
(silêncio)
Um sai da poesia da flor, a cospe e faz uma expressão de “eca”
Um - Que calor! tá com sede?
As cores ficam mais vivas e quentes, elas suam de forma monótona
(Dois sai da beirada e vai pegar algo pra tomar fora do palco)
Dois - não (respondendo um, e começa a tomar isso que pegou fora do palco).
Um - (de longe) você devia tomar, faz anos que não prova o gosto da água.
dois pensa em algo longe, está silenciada pelos pensamentos e só balbucia um som
afirmativo.
Três volta e senta olhando exatamente para onde os olhos de dois miram.
Três - A gente devia tentar.
Dois - Será?
Três - A gente sobe, vê o que tem e volta.
Dois - E se não tiver nada?
Três - E se tiver?
Dois - E se for muito?
Um (de longe) - Ninguém vai saber.
A esse ponto o cometa já atravessou a imagem toda, e ocorre um barulho profundo de
explosão. Blackout
silêncio
três- o que os olhos veem o corpo esquece. Comentado [VG3]: não gosto dessa frase

Luz
Um levanta abruptamente, inquieta.
Algo cai do céu-teto e se espatifa no chão, ao lado de um, um pega os pedaços e come o
vidro, morde come morde, como bicho desesperado, enquanto dois fala:
Dois - eu to cansada, eu to cansada, cansada….
(quando um termina de comer a barriga dela incha como uma grávida, e ela se desespera)
Um - mas eu nem transei! (e entra em processo de parto)
dois extremamente racional e apática dá instruções como uma médica.
Dois - respira, faz força, solta… deixa sair deixar sair deixa sair
um a princípio fica maravilhada, segurando o que foi parido, junto com dois que viu um
parto milagroso
Subitamente um grita:
Um - MAS EU NÃO QUERO SER MÃE
De súbito joga a coisa parida no chão, que se espatifa como algo líquido
dois se assusta, mas olha pro líquido e continua o pensamento de um, em tom baixo:
dois - ela só quer gozar...
Três (como se estivesse fora dessa realidade das duas, começa a rir) - gente ceis são
muito loucas!
(silêncio esquisito)
Três - é que a gente precisa matar o que já está morto. mesmo que tudo o que se rompa,
mesmo que sangre.
um ainda olhando a cor no chão, concorda
(silêncio)
Um - foi ontem que eu palavriei que… eu fico me vendo
Dois - e isso lá é um problema?
Um - quando é de olhos abertos é sim.
Três - eu sinto que me vigio o tempo todo.
Um - exatamente.
(breve silêncio)
Um – Às vezes no trabalho eu me imagino caindo. Só caindo com tudo no chão. Pá. Não
tem mais como trabalhar.
Três - não é que eu quero morrer, na verdade é o contrário.
Dois – sempre que eu to trabalhando muito parece que eu nunca consigo alcançar uma
camada um pouco mais funda do pensamento, fica sempre numa espécie de superfície,
mesmo as coisas mais profundas, como a morte.
Um- eu quero morrer. Não exatamente morrer de morte morta, mas morrer como ação.
Quero vomitar um líquido pegajoso preto e cair no chão com tudo. Sem desculpas, sem
drama, sem romance, só morte. Morte como alívio
Dois – como se deixar cair...
(silêncio)
Três - acho que depende do trabalho né? Tem trabalhos que podem chacoalhar as
profundezas.
Toca marche pour la cerimonie des turcs com diversas imagens de grandes quadros
considerados degenerados na exposição nazista alemã
Um - (debochada) hmmm não hein. (música para) acho que mesmo um trabalho na teoria
criativo quando vira TRABALHO do que jeito que a gente inventou e conhece,
imediatamente vira uma corrida sem chegada.
Dois (com ódio) - ta e o que eu vou fazer?! Para de trabalhar?!? Eu preciso comer!
Três - acho que por hora eu sei rir.

--- CENA PALHAÇESCA CAÇOANDO DA AUTORIDADE – EU NÃO ESTOU TE


SERVINDO

(silêncio)
Mais estrelas “caem” do nada para em cima da cena, presas a fios
Ao olharem pra cima, as três sorriem
um - sabe, eu tenho uma relação sagrada com o vento…
Dois e três a observam.
de repente, um vento forte entra e bate uma porta que não vemos.
(dois, envolvida por essa verdade assume em alto e bom tom)
Dois - eu tenho nojo de coisas que eu sou. eu fico tentando chorar pra ver se me expurgo.
eu espero que o esforço seja uma forma de expurgar.
Uma espécie de espinho verde vai envolvendo dois de baixo pra cima, a prendendo e a
sufocando, até fechar sua boca e seus olhos.
tempo
Um, delicadamente e pacientemente, tira o espinho só dos olhos e diz:
Um - tem gente aqui.
Dois entende isso do seu jeito e começa a querer se desfazer do sufoco, rindo.
uma música começa a tocar no fundo (- improvisação nossa - piano e vozes)
Com o riso que começa quase imperceptível e vai se destacando, dois começa a ser
libertada dos espinhos e começa a dançar.
Três dança junto.
Um para e observa com ternura as amigas dançando, por um tempo, em torno de 3
minutos, até que dois percebe que está sendo observada por um primeiro, e em seguida
pela plateia, e para de frente indagada.
silêncio
um - desde criança eu saio correndo na sala de algo imaginário
(muda pros olhos de um, descendo pra sua boca, que quando abre sai sua língua
extremamente geográfica - condição de língua que atriz realmente tem)
dois - correndo de algo que eu mesma criei
(dois fala aflita)
dois - eu me assusto com a beleza das coisas
(um fala num grande desabafo/vomito/verdade)
um - eu tenho muito medo da liberdade. muito medo de virar a pá, de enlouquecer. de me
tornar incomunicável, me sinto o tempo todo traduzindo, e perdendo demais das coisas que
eu realmente sinto, que eu realmente vejo na fala (dois vai se afligindo, se levantando,
querendo se remexer pra expurgar) não sei se eu só sou mais sensível que todo mundo ou
se eu mesma fico criando as coisas. é verdade o que eu crio? o outro dia eu vi a lua no céu
roxa e eu tinha certeza de que o céu era finito e de que todo mundo que eu via passar na
rua era só uma ilusão, uma existência de mentira, como se eu tivesse caído no lugar errado,
como se fosse pra eu ter nascido em outro mundo, com outro corpo e outra voz ( começa a
tocar um instrumento - q esqueci o nome - de percussão bem bizarro que vai fazendo dois
se chacoalhar violentamente em torno de um que está parada sentada no chão só
tagarelando) se é verdade o que eu crio porque eu só não vivo do que eu crio? como eu
posso ter tanto medo de algo que eu mesma pari? eu sou quem tem medo ou sou quem
cria? e se eu sou os dois como eu existo? do nada eu sinto um vácuo apertado e doído no
peito que eu tenho certeza de que é a morte, (no movimento dois esbarra em alguns
momentos em um, vai esbarrando cada vez mais, mas um permanece desligada do corpo)
de que é algum fim, e fico tentando poetizar e se for fim, que morra, há algo que precisa
morrer em mim, mas eu fico cansada de tanta morte eu queria só nascer, mas nascer dói
também, parece que tudo dói, até o belo, PRINCIPALMENTE o belo, o belo é uma
violência. ou será que o mundo está doente e tudo isso que penso e sinto deveria só ser
levado pelo tempo e eu fico monstrualizando porque me sinto coibida a falar? porque me
sinto completamente sozinha? (dois tropeça muito forte em um) PORRA será que você
pode parar?!?!?
(dois se assusta e para sem olhar pra um, olhando pra frente, meio paralisada)
um - eu vou comer.
Dois e três (acordam e se viram pra um) - NÃO!
(um se assusta, todas ficam paralisadas, e subitamente um vai entendendo o que está
prestes a acontecer, porque já aconteceu outras vezes. de repente um barulho altíssimo de
helicóptero passa e distrai dois e três, que olham pra cima, ouvindo)
Três - eles estão aqui.
(um aproveita a distração e sai correndo pra cozinha, dois e três acordam e correm atrás,
um pega um bolo numa geladeira, e começa a comer brutalmente com as mãos, dois
começa a tentar tirar o bolo de um a força, e três começa a segurar um, um e dois
começam a puxar o bolo que cai no chão, se olham, e um desce pra comer do chão, mas
dois é mais forte e começa a tirar da boca de um, com três a segurando. um começa a
chorar e desiste.)
um - INFERNO! (levanta e sai)
dois (pegando os pedaços de bolo juntando e jogando no chão fora do palco) - é pelo seu
próprio bem.
Terminam, sentam as três de frente pro público. Dois e três limpando as mãos com panos
de prato.
Um (se acalmando do choro, e enxugando as lágrimas) - eu sinto que preciso romantizar a
dor. se não fica só dor.
Três - e com o romance vira o que?
um - vira uma história.
(silêncio)
Dois - eu acho que eu to apaixonada.
Um - eita! Pelo quê?
Três (debochando) - ou por quem né!
Um - quem disse que vai ser alguém? Que coisa mais chata, eu já me apaixonei por tanta
coisa.
Três - menos por gente né? (ri meio maliciosamente)
Um (fica magoada, fala baixinho) - eu já me apaixonei por gente……
Três (debochada) - DUVIDOO!!
Um (mudando de assunto) - ta, dois, pelo o quê ou por quem você ta apaixonada?
Dois (meio perdida, com fogo no peito) - por aquele Alcides…
Três - aquele que veio aqui e falou tudo aquilo?
Dois - sim…
Três - mas como? Você nunca nem falou com ele.
Dois - mas ele falou comigo… (breve silêncio) sei lá, eu senti que foi comigo.
Um - é, eu sei como é isso.
Três (se estranhando) - eu não sei se eu sei… - meio desesperada, tentando se reconhecer
- como é???
Dois - é meio insuportável na verdade.
Um - mas também é uma delícia. Uma delícia que até tira a fome da gente porque a gente
já se sente alimentada.
Dois - é, às vezes eu tento enfiar umas coisas na boca pra ver se passa mas só me faz
chorar.
Três - umas coisas tipo o que?
Dois - todo tipo de coisa mesmo. Todo tipo.
Três - eu acho que eu também faço isso… fico tentando enfiar calda de nuvem ou patas na
goela pra tentar esquecer o que eu realmente quero. (silêncio) ou pra ter coragem de
buscar o que eu quero.
Um – como eu faço isso se eu não tenho noção do que eu quero? Se eu vivo querendo
coisas que eu nunca nem consegui imaginar? Eu quero me parir, eu quero me parir, eu
quero me parir, eu quero fugir de mim mesma, quero fugir da minha cabeça, quero correr
em campo livre, quero correr num sonho mas quero estar acordada e viva e inesquecível,
quero me afundar no fundo das coisas, quero conhecer o subsolo de tudo, onde tudo nasce
Três - apesar que muitas vezes eu consigo dançar na superfície, eu consigo dançar na
superfície das coisas, mesmo que do nada o chão que eu tava dançando desapareça, por
que afinal de contas, ele é feito de nuvem.........

Dois – enfim gente. Tá doendo agora.


Três - mas por quê?
Dois - ué, porque ele foi embora…
Um (sobe na pedra e declama) - ah, abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau
cheiro da memória.
Começa uma música, muda a luz pra algo mais avermelhado e azulado Três começa a
chorar - fica tudo azulado
Dois (cuidando dela) - o que foi?
Três - sei lá, dói nunca ter sentido isso.
Um (já fora da pedra) - pra mim dói que faz tanto tempo e hoje eu sinto que desaprendi.
Dois - pra mim dói esse agora.
Um (muda completamente de ideia) - ai, na verdade, nada a ver isso aí. Foi como eu falei,
eu me apaixono por um monte de coisa. Outro dia me apaixonei por um pássaro que
passava pelo céu. Já me apaixonei pelo vento, pela lama, pela dança... e o que que a gente
aprende de fato e não precisa aprender de novo?
- algo acontece
Três - eu to me assustando muito com a efemeridade das coisas.
um– eu to acreditando na efemeridade, ela ta aí, é meio inevitável
Dois – e começa talvez em acreditar na minha própria efemeridade.
três - é que eu ainda to angustiada, eu tinha essa ideia da materialidade das coisas, eu
tinha essa ideia da minha materialidade, eu tinha essa ideia de mim... essa ideia... uníssona
Toca um acorde grave – som de órgão
Um – eu ainda não aceitei
Dois - mas também... o que acontece se a gente aceitasse completamente?
Imagem do oceano infinito

Alcides entra em cena - as coisas ficam alaranjadas, três vê ele, cutuca um ansiosa e feliz
pra mostrar, um para de falar imediatamente e também fica feliz e ansiosa, e três fala meio
brincando:
Três - acho que seu agora pode mudar hein, dois.
Dois (vira pra perguntar) - que? - e vê Alcides e dá um pulo.
Três e um vão pro fundo da cena e ficam vendo animadas fofocando. Alcides está andando
e ainda não viu dois. Dois vai até ele e para na sua frente, interrompendo seu caminho.
Dois (nervosa e vermelha) - oi.
Alcides fica quieto, estranhando, tranquilo.
Dois - brigada por tudo que você falou, foi uma grande verdade pra mim. Ou uma das
verdades, ainda não sei hahaha.
Alcides continua olhando pra ela, quieto.
Dois vai passando da ansiedade boa pra um nervosismo meio estranho.
Dois - desculpa, você lembra de mim?
Alcides - não… - e volta a caminhar seu caminho, gentilmente.
Dois cai de joelhos no chão, um e três vão até ela.
Três - o que aconteceu??
Dois (fala, desolada) - ele não lembrava de mim.
Um (emputecida) - nossa, que GROSSO!!! (fala pra ele ouvir)
Dois (completamente perdida e tomada por seus sentimentos) - gente, vocês lembram
dele?
Três - eu não lembro na verdade
Um - eu também não…, mas eu já esqueci tanta coisa importante, até meu nome, eu acho
que não era Um.
Dois (mais perdida ainda) - será que eu inventei ele?
Blackout - batida estrondosa bizarra - feixes de luz azul e roxa aleatórios passando
rapidamente pela cena, dá pra ver que há movimento mas não dá pra ver o que. Quando
volta a luz, um, dois e três estão debaixo de um enorme tecido azulado, como se
estivessem debaixo d’água, todas rindo e meio correndo, meio nadando. De repente o
tecido desce até seus pés, elas param e olham rapidamente pra cima, vêem algo grande.

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