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PERSONAGENS:
Alcides
Um
Dois
Três
Três amigas andam atrás de um carro de máscara. Há um sol de pondo do lado esquerdo
do palco, e uma geladeira em alguma lateral do palco. O carro não possui frente. Um na
ponta da esquerda, dois no meio, três na direita. Momento de silêncio em que o carro está
andando. Em dado momento o carro para.
Silêncio, elas vão mudando de feição. Cada uma indo pra algum lugar internamente. Um vai
ficando caótica, ansiosa, indignada.
Três (acordando mais calmamente e um pouco desconfiada): eu não sei, o que você quer
dizer?
Um sai do carro
Três: o mundo ou esse mundo? Porque normalmente pra gente é mais fácil acreditar que
tudo ta acabando do que só essa forma de vida.
Dois (ainda sentada, estática): mas se por esse modo de vida você quer dizer vida humana
eu não quero que acabe.
Três: eu não quis dizer os seres humanos. Quis dizer esse modo de vida.
Um: mas com tudo isso de gente morrendo, catástrofe, é chuva de areia, talibã com estados
unidos, ditadores, genocídios e genocídios, de gente, de bicho, de mata, de tudo. Os polos
vão derreter, a gente não vai mais ter água pra beber. O que eu faço AAAAAHHHHH (grita
e cai no chão se encolhe chorando meio desesperadamente).
Blackout rápido, quando acende não existe mais carro, dois está sentada numa pedra. Um
permanece no chão chorando baixinho, três agora sentada de perna de índio olhando para
o céu. Há de fato poucas estrelas presas a fios no teto em cima dela. O sol que estava se
pondo foi mais pra baixo mas agora há um segundo sol se levantando do lado direito do
palco. Depois de um tempo dois vai olhando pra trás, sentiu alguma coisa, uma presença, e
levanta bruscamente, botando a mão no pescoço, como se tivesse recebido um sopro, mas
antes que pudesse virar três começa a rir e as outras duas a olham rapidamente, dois se
levantando, assustada. Três para de rir, e percebe que está sendo observada. Olha para as
duas e diz:
Três: o quê?
Três: e ta errado?
Um: A GENTE!
Três: para de usar suas causas pessoais como se fossem coletivas, ISSO MACHUCA AS
PESSOAS (fala mega debochando apesar de séria).
Um: as causas pessoais são coletivas sim! E você ta defendendo aí sua causa pessoal de
ser estranha.
Três: eu não to defendendo nada.
Começa a tocar bem baixinho uma música. Que começa a aumentar bem aos poucos. Um
e três reparam na música e vão, aos poucos, se sentando. Dois permanece em sua
posição, como se a música viesse dela. Deixar pelo menos 2 minutos e meio de música, até
que:
um- do que?
Um - com o medo.
Dois - (olhando pra coisa absurda que agora muda, o sol a esquerda se põe
completamente e outro que sobe começa a ficar maior, e arroxeado, mas não ilumina, a
noite começa a chegar....) definitivamente não.
(pequeno silêncio)
A noite cai
Lá pelas tantas uma pessoa que mora na rua e é médium aparece falando sozinho, Alcides,
acompanhado de um cachorro de plásticos sem coleiras, atravessando a cena, as três
param e os observam.
Elas o observam como se vissem um filme, ao mesmo tempo que não dão muita bola, até
que Alcides para do outro lado da cena, as olha fulminantemente, e fala algo que as
hipnotiza
Como se lesse seus futuros, mas sem saber de qual das três especificamente. Previsões
que se embaralham na existência entre as amigas. Ao fim, Alcides olha o cachorro como
se desligasse o modo vidente e acordasse de um transe. Vai-se indo embora para trás do
palco, como se nem tivesse visto as meninas em primeiro lugar, e segue falando sozinho
coisas indecifráveis até sumir no breu.
Um - eu to morrendo.
Dois - não acredita na sua mentira, se você fosse morrer agora eu já estaria morta.
Um - mas isso não quer dizer que você é mais resistente e eu rasgo fácil?
Um - ta na esquina.
(Três começa a pular, quando de repente olha para cima e vê que caíram mais estrelas
presas a fios, por todo o teto e há uma projeção de um cometa que atravessa a cena, da
esquerda pra direita, até que bem grande e realista)
Três - OLHA!
Um - que lindo…
Dois permanece de costas pra cena, olhando aquele cometa absurdo, encantada e
hipnotizada.
elas se olham e algo se rompe nas sensações das duas. três começa a chorar (ainda muito
feliz) e um começa a rir (ainda sofrendo).
Enquanto isso dois, ainda olhando pro cometa, começa a dar tchauzinho pra ele, como se
quisesse cumprimentá-lo.
sem resposta um vira de barriga pra cima e volta a olhar pro teto, três repara que tem algo
em seu peito, toca e começa a sair uma gosma verde, que gruda em suas mãos, e fica
olhando pra aquilo, assustada, mas um pouco maravilhada. Um também vê, três vai tocar e
subitamente a gosma desaparece sem deixar traços.
Um - eu fugi….
(dois se vira e vai pra beirada do palco abismo/varanda, que na verdade é uma espécie de
abismo e/ou varanda)
Dois - vocês sabiam que o ser humano conhece menos do fundo do mar do que do
universo inteiro?
Dois - é que a pressão é muito intensa... nem as máquinas conseguem ir até o chão do
fundo do mar.
Dois - eu pessoalmente acho muito interessante isso. o céu não tem pressão, o mar tem
demais, o ser humano fica no meio.
Dois - se tem pressão demais a gente implode e vai se apequenando até sumir, se tem de
menos a gente explode e se espalha por todo lugar
(silêncio)
As cores ficam mais vivas e quentes, elas suam de forma monótona como se nada tivesse
se passado além do sol e do calor.
(Dois sai da beirada e vai pegar algo pra tomar fora do palco)
Dois - não (diz e começa a tomar isso que pegou fora do palco).
Um - (de longe) você devia tomar, faz anos que não prova o gosto da água.
dois pensa em algo longe, está silenciada pelos pensamentos e só balbucia um som
afirmativo.
Três volta e senta olhando exatamente para onde os olhos de dois miram.
Dois - Será?
Três - E se tiver?
Blackout
Silêncio
três- o que os olhos veem o corpo esquece.
Luz
Um levanta abruptamente, inquieta.
Algo cai do céu-teto e se espatifa no chão, ao lado de um, um pega os pedaços e come o
vidro, morde come morde, enquanto dois fala:
(quando um termina de comer a barriga dela incha como uma grávida, e ela se desespera)
Dois - respira, faz força, solta… deixa sair deixar sair deixa sair
(imagem que simboliza o parto: alguma fruta com forma de vagina - melancia? é rasgada
pela coisa parida -- pensar no que)
um a princípio fica maravilhada, segurando o que foi parido, junto com dois que viu um
parto milagroso
Subitamente um grita:
De súbito joga a coisa parida no chão, que se espatifa como algo líquido de cor verde
dois se assusta, mas olha pra cor e continua a frase de um, em tom baixo:
Três (como se estivesse fora dessa realidade das duas, começa a rir) - gente ceis são
muito loucas!
(silêncio esquisito)
Três - é que a gente precisa matar o que já está morto. mesmo que tudo o que se rompa,
sangre.
Um - exatamente.
(silêncio)
Dois - eu tenho nojo de coisas que eu sou. eu fico tentando chorar pra ver se me expurgo.
eu espero que o esforço seja uma forma de expurgar.
Uma espécie de espinho verde vai envolvendo dois de baixo pra cima, a prendendo e a
sufocando, até fechar sua boca e seus olhos.
Tempo
Dois entende isso do seu jeito e começa a querer se desfazer do sufoco, rindo.
uma música começa a tocar no fundo (- improvisação nossa - piano e vozes)
Com o riso que começa quase imperceptível e vai se destacando, dois começa a ser
libertada dos espinhos e começa a dançar.
Silêncio
Silêncio
(um vira de costas com elas nuas, curvada, sentada, e começa a arranhá-las)
(as mãos de um, calmamente a arranhando, começam a abrir feridas azuis e brilhantes)
(muda pros olhos de um, descendo pra sua boca, que quando abre sai sua língua
extremamente geográfica - condição de língua que atriz realmente tem)
(dois se assusta e para sem olhar pra um, olhando pra frente, meio paralisada)
um - eu vou comer.
(um se assusta, todas ficam paralisadas, e subitamente um vai entendendo o que está
prestes a acontecer, porque já aconteceu outras vezes. de repente um barulho altíssimo de
helicóptero passa e distrai dois e três, que olham pra cima, ouvindo)
(um aproveita a distração e sai correndo pra cozinha, dois e três acordam e correm atrás,
um pega um bolo numa geladeira, e começa a comer brutalmente com as mãos, dois
começa a tentar tirar o bolo de um a força, e três começa a segurar um, um e dois
começam a puxar o bolo que cai no chão, se olham, e um desce pra comer do chão, mas
dois é mais forte e começa a tirar da boca de um, com três a segurando. um começa a
chorar e desiste.)
Dois (pegando os pedaços de bolo juntando e jogando no chão fora do palco) - é pelo seu
próprio bem.
Terminam, sentam as três de frente pro público. Dois e três limpando as mãos com panos
de prato.
(silêncio)
Um - quem disse que vai ser alguém? Que coisa mais chata, eu já me apaixonei por tanta
coisa.
Um (mudando de assunto) - ta, dois, pelo o quê ou por quem você ta apaixonada?
Dois - sim…
Dois - mas ele falou comigo… (breve silêncio) sei lá, eu senti que foi comigo.
Três (se estranhando) - eu não sei se eu sei… - meio desesperada, tentando se reconhecer -
como é???
Um - mas também é uma delícia. Uma delícia que até tira a fome da gente porque a gente já se
sente alimentada.
Dois - é, às vezes eu tento enfiar umas coisas na boca pra ver se passa mas só me faz chorar.
Três - umas coisas tipo o que?
Três - eu acho que eu também faço isso… fico tentando enfiar líquido ou patas na goela pra
tentar esquecer o que eu realmente quero.
Um (sobe na pedra e declama) - ah, abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau cheiro
da memória.
Começa uma música, muda a luz pra algo mais avermelhado e azulado
Um (já fora da pedra) - pra mim dói que faz tanto tempo.
Um (muda completamente de ideia) - ai, na verdade, nada a ver isso aí. Foi como eu falei, eu
me apaixono por um monte de coisa. Outro dia me apaixonei por um pássaro que passava pelo
céu. Já me apaixonei pelo vento, pela lama, pela dança...
Alcides entra em cena - as coisas ficam alaranjadas, três vê ele, cutuca um ansiosa e feliz pra
mostrar, um para de falar imediatamente e também fica feliz e ansiosa, e três fala meio
brincando:
Dois - brigada por tudo que você falou, foi uma grande verdade pra mim. Ou uma das
verdades, ainda não sei hahaha.
Dois (completamente perdida e tomada por seus sentimentos) - gente, vocês lembram dele?
Um - eu também não… mas eu já esqueci tanta coisa importante, até meu nome, eu acho que
não era Um.
Blackout - batida estrondosa bizarra - feixes de luz azul e roxa aleatórios passando
rapidamente pela cena, dá pra ver que há movimento mas não dá pra ver o que.
Quando volta a luz, um, dois e três estão debaixo de um enorme tecido azulado, como se
estivessem debaixo d’água, todas rindo e meio correndo, meio nadando. De repente o tecido
desce até seus pés, elas param e olham rapidamente pra cima, vêem algo grande.