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CÓD: OP-123MA-23

SEE-SP
SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO

Professor de Ensino Fundamental e Médio-


Sociologia

EDITAL DE ABERTURA DE INSCRIÇÕES Nº 01/2023


• A Opção não está vinculada às organizadoras de Concurso Público. A aquisição do material não garante sua inscrição ou ingresso na
carreira pública,

• Sua apostila aborda os tópicos do Edital de forma prática e esquematizada,

• Dúvidas sobre matérias podem ser enviadas através do site: www.apostilasopção.com.br/contatos.php, com retorno do professor
no prazo de até 05 dias úteis.,

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Apostilas Opção, a Opção certa para a sua realização.


O concurso da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) é um dos mais concorridos do país,
com milhares de candidatos disputando vagas para diversas especialidades. Para se destacar nesse processo
seletivo, é fundamental se preparar com antecedência e com materiais adequados.
Pensando nisso, a Editora Opção preparou um material especialmente voltado para a Especialidades do SEE-
SP, com o objetivo de introduzir o aluno no que é cobrado pelo edital. Essa apostila é um guia introdutório que
apresenta os principais conteúdos, de forma clara e objetiva, que serão cobrados na prova.
No entanto, é importante destacar que o edital pede um conhecimento completo sobre a bibliografia
indicada, e por isso é fundamental que o estudante complemente seus estudos com a leitura das obras e
documentos oficiais recomendados.
O material organizado pela Editora Opção visa, portanto, oferecer uma base sólida para o aluno começar
seus estudos e se familiarizar com os principais temas que serão abordados no concurso SEE-SP. Além disso,
ressaltamos a importância do estudo desses conteúdos não apenas para o sucesso no processo seletivo, mas
também para uma formação sólida e aprimoramento profissional.
Desejamos aos alunos que se preparam para o concurso SEE-SP sucesso em seus estudos e que aproveitem
ao máximo o conteúdo apresentado nessa apostila, que servirá como uma importante ferramenta para alcançar
seus objetivos.
ÍNDICE

Conhecimentos
1. Da pluralidade de perspectivas epistemológicas das Ciências Humanas e Sociais, bem como de suas tecnologias e 7
metodologias científicas de investigação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2. Do Estranhamento, da Desnaturalização e do Distanciamento enquanto posturas teórico-metodológicas da prática científica
do Cientista Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3. Das transformações culturais, sociais, históricas, científicas e tecnológicas no mundo contemporâneo e seus desdobramentos
para as relações, as atitudes, os valores e as identidades social e culturalmente construídas pelos sujeitos e coletividades . 14
4. Da cultura de um ponto de vista antropológico, suas características, limites e possibilidades para a compreensão das
diferenças entre sujeitos, grupos, povos, comunidades etc . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
5. Dos elementos materiais, simbólicos, conhecimentos, valores, crenças e práticas envolvidos no processo de socialização
dos indivíduos, de construção identitária e na constituição da diversidade sociocultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
6. Das dinâmicas de circulação de populações, valores, informações, coisas ou bens em razão de fenômenos naturais, políticos,
econômicos, socioculturais e tecnológicos no contexto de mundialização ou globalização contemporânea . . . . . . . . . . . . . . 30
7. Dos significados conceituais de espaço, território, territorialidade, paisagem e fronteira e de suas objetivações por atores e
instituições sociais em contextos distintos e específicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
8. Das dimensões e características culturais, econômicas, ambientais, políticas e sociais e dos conflitos que envolvem a
produção de territórios e territorialidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
9. Do papel da indústria cultural e das culturas de massa na produção de uma sociedade do consumo e de seus impactos
econômicos e socioambientais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
10. Do papel e da importância de distintos atores sociais na formulação e implementação de ações e políticas na produção de
um mundo sustentável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
11. Das abordagens sociológicas, políticas e antropológicas dos conflitos e problemáticas socioambientais contemporâneas que
envolvem diferentes modelos e práticas de produção, circulação, consumo e descarte de coisas e bens . . . . . . . . . . . . . . . . 48
12. Das transformações no processo e na organização do trabalho, das novas formas de trabalho e suas implicações no emprego
e desemprego na atualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
13. Das abordagens sócio-antropológicas sobre os impactos das transformações técnicas, tecnológicas e informacionais nas
relações sociais e de trabalho na contemporaneidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
14. Dos múltiplos aspectos do trabalho em diferentes circunstâncias e contextos e seus efeitos sobre as gerações, em especial
os jovens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
15. Das causas, dos atores e das formas de violência (simbólica, física, psicológica, afetivas etc.) nos mais diversos âmbitos
sociais do contexto brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
16. Das formas de preconceito, intolerância e discriminação presentes na vida cotidiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
17. Das diferenças e das desigualdades decorrentes tanto dos processos estruturantes da estratificação socioeconômica da
sociedade brasileira quanto dos marcadores sociais da diferença, como idade, geração, gênero, classe, cor/raça, sexualidade,
entre outros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
18. Das relações étnico-raciais na sociedade brasileira e das demandas e protagonismos políticos, sociais e culturais dos povos
indígenas e das populações afrodescendentes (incluindo os quilombolas) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
19. Dos Direitos Humanos (seus fundamentos, princípios, valores e garantias), da Cidadania (direitos civis, políticos, sociais,
culturais, econômicos, ambientais etc.) e das formas de organização e participação do cidadão na efetivação desses direitos 64
20. Das distintas formas de organização dos sistemas governamentais e dos Estados modernos, inclusive do caso brasileiro . . 65
21. Sobre as formas do paternalismo, do autoritarismo e do populismo presentes na política, na sociedade e nas culturas
brasileira e latino-americana e seus impactos na democracia, na cidadania e nos Direitos Humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
22. Sobre as formas atuais de organização e de articulação das sociedades em defesa da autonomia, da liberdade, do diálogo e
da promoção da sociedade democrática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
23. Do papel dos organismos internacionais no contexto mundial, suas formas de atuação e seus limites nos contextos nacionais 69
Bibliografia Livros e Artigos
1. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. rev. ampl.. São Paulo:
Boitempo, 2009 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
2. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2022 . . 83
3. BENEVIDES, Maria Victoria. Direitos humanos: desafios para o século XXI. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al. Educação em
direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2007. p. 335-350 . . . . . . . . . . . . . 83
4. DA MATTA, Roberto. O ofício de etnólogo, ou como ter anthropological blues. Boletim do Museu Nacional: Nova Série: An-
tropologia, Rio de Janeiro, n. 27,p. 1-16, maio 1978 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
5. FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo,
São Paulo , v. 14/15, p. 231-239, 2006 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
6. GALLOIS, Dominique Tilkin. Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades? In: RICARDO, Fany Pantaleoni (org.). Terras indí-
genas & unidades de conservação da natureza: o desafio das sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2004. p.
37-41 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
7. GODOI, Emília Pietrafesa. Territorialidade: trajetória e usos do conceito. Raízes: Revista de Ciências Sociais e Econômicas,
Campina Grande, v. 34, n. 2, p. 8-16, jul-dez 2014 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
8. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 12 ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2019 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
9. IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
10. KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. Comedores de terra. In: A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015. p. 334-355 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
11. Na cidade. In:A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 421-438. 12 . . . 86
12. MAIA, Luciano Mariz. Educação em direitos humanos e tratados internacionais de direitos humanos. In SILVEIRA, Rosa Maria
Godoy. et al. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2007.
p. 85 - 102 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
13. MAUÉS, Antonio; WEYL, Paulo. Fundamentos e marcos jurídicos da educação em direitos humanos. In SILVEIRA, Rosa Maria
Godoy et al. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2007.
p. 103-116 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
14. MORAES, Amaury César (coord.). Sociologia: ensino médio. Brasília: MEC/SEB, 2010 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
15. QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um toque dos clássicos:
Marx, Durkheim e Weber. 2. ed. rev. atual. Belo Horizonte: UFMG, 2017 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
16. SCHILLING, Flávia. A sociedade da insegurança e a violência na escola. São Paulo: Summus, 2014 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

Publicações Institucionais
1. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Currículo paulista: etapa ensino médio. São Paulo: SEDUC, 2020. p. 167–178,
229–239, 257–262, 271–277, 286–294 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
CONHECIMENTOS

como este. Segundo esta concepção, as leis científicas permanecem


DA PLURALIDADE DE PERSPECTIVAS EPISTEMOLÓGICAS conjecturais e apresentam um carácter probabilístico. Defende-se,
DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS, BEM COMO DE portanto, nesta concepção, que o objeto de estudo da ciência não
SUAS TECNOLOGIAS E METODOLOGIAS CIENTÍFICAS DE é independente do cientista e que a distinção entre ciências na-
INVESTIGAÇÃO turais, ciências exatas e ciências humanas deixa de fazer sentido.
Boaventura de Sousa Santos vai ainda mais longe. Para este sociólo-
Nascida no século XIX, num contexto marcado por um novo go, a grande confrontação atual da ciência só pode ser ultrapassada
tipo de sociedade e por um modo original de pensamento e de com a emergência de um novo paradigma científico: o paradigma
prática, a sociologia, embora progressivamente reconhecida como da pós-modernidade, fundado na ideia de que todo o conhecimen-
ciência, fruto da sua consolidação metodológica e de recorte do ob- to científico-natural é científico-social, e que todo o conhecimento
jeto de estudo, parece estar hoje mergulhada numa «crise». Uma é «local», «total», «auto-conhecimento» e visa «constituir-se em
«crise» a que não é alheio o estado das demais ciências sociais, e senso comum» (Santos: 1999).
em certa medida, todo o conhecimento científico (Castells, 1973; É neste quadro de “mudança radical” no pensamento sobre a
Santos, 1999; Boudon, 1971), e que data do final do século XIX. própria ciência que a sociologia, bem como as demais ciências, so-
Esta crise é justificada por duas ordens de razão: ciais e outras, deve hoje ser pensada.
a) por aspectos intrínsecos à ciência, tais como a possibilidade
de fundamentar o rigor e a objetividade do conhecimento científi- EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
co, ou a aceitação dos limites deste conhecimento; Ao longo desta reflexão, operaremos com várias categorias
b) por um contexto mais geral que tem a ver com o questiona- epistemológicas, pelo que importa, desde já, atendermos ao seu
mento das consequências sociais da ciência. significado, por forma de evitarmos desvios em relação ao que pre-
tendemos transmitir.
Expliquemos. A «ciência moderna», ao permitir conhecer as
relações entre os fenómenos e a sua aplicação na transformação CATEGORIAS EPISTEMOLÓGICAS
do próprio mundo, vai proporcionar um poder tecnológico cada vez A primeira categoria que se impõe definirmos é exatamente a
maior aos seres humanos para intervirem sobre a natureza e o pró- «epistemologia». Trata-se de uma «teoria da ciência» - para mui-
prio homem. Assim, quanto maiores os avanços da ciência, maior a tos uma filosofia da ciência, para outros, como Boaventura Sousa
consciência das limitações do Homem e da dificuldade em controlar Santos, uma disciplina, tema, perspectiva ou reflexão de estatuto
os avanços da ciência e da tecnologia. Deste modo, o Homem vê-se duvidoso (Santos, 1989) que surge no segundo terço do século XIX,
obrigado a fazer opções de mudança, o que implica que se tenha e se consolida já neste século, como resultado do grande movimen-
consciência dos fundamentos teóricos e dos valores que orientam to chamado «crítica das ciências», dirigido ao dogmatismo cientista
essa mudança. típico do positivismo de Comte (século XIX), chamado de «cientis-
Acontece que, desde o final do século XIX, e especialmente mo» (Blanché, 1976: 16). O seu objeto de estudo respeita à prática
neste século, a ciência parece ter frustrado muitas das esperanças de vigilância das operações (conceptuais e metodológicas) de uma
nela depositadas, por exemplo, as relativas à promessa de uma prática científica “com o objetivo de anular a eficácia dos obstácu-
sociedade mais justa e livre assente na criação da riqueza tornada los epistemológicos que entravam a produção de conhecimentos”
possível pela conversão da ciência em força produtiva, a qual redun- (Castells, 1975: 10). Precisamente outra categoria epistemológica
dou na espoliação do terceiro mundo e na criação de um conflito são os «obstáculos epistemológicos», presentes em todo e qual-
Norte/Sul que não cessa de se agravar, de par, aliás, com o aumento quer processo de produção científica.
crescente das desigualdades sociais no interior dos países do norte Gaston Bachelard está convicto que “quando se procuram as
(Santos, 1999). Tal situação levou a uma ruptura de valores e ao condições psicológicas dos progressos da ciência, chega-se à convic-
início de uma crise que, em várias vertentes, se prolonga até ao ção de que é em termos de obstáculos que se deve pôr o problema
momento atual. do conhecimento científico” (Bachelard: 1981: 165). Efetivamente,
Hoje, é mais do que evidente o choque entre os paradigmas o nosso conhecimento do real nunca é totalmente objetivo, ele “é
positivista e moderno de ciência. À concepção, defendida durante uma luz que sempre projeta algumas sombras” (Bachelard, 1981:
grande parte do século XIX, de uma ciência considerada como um 165). Na acepção bachelardiana, são exemplos de obstáculos epis-
conhecimento objetivo permitindo previsões rigorosas, fundada no temológicos, “as «resistências intelectuais» que bloqueiam ou des-
princípio do determinismo, defendendo um modelo mecanicista, e naturam a produção de conhecimentos; expressões como «contra
baseada no desejo de quantificar todas as leis da natureza, opõe- pensamentos», «trama de erros persistentes», «resistências do
-se à concepção moderna de ciência que defende que esta não é pensamento ao pensamento», constituem fórmulas (designando
mais do que uma forma de conhecimento que tende para a obje- todos os obstáculos epistemológicos) que sublinham a origem sub-
tividade, uma vez que a ciência ganha cada vez mais consciência jetiva destes obstáculos.”(Castells, 1975:14).
de ser uma construção do espírito humano, logo, limitada e finita

7
CONHECIMENTOS

Os obstáculos epistemológicos tanto podem ser de ordem pes- dos dados todo o conhecimento, deixando uma margem de mano-
soal como de ordem social, internos ou externos, e são transver- bra à interpretação do investigador, o empirismo assume-se como o
sais à prática científica, pelo que podemos assumi-los como todo obstáculo dominante nas ciências sociais.
e qualquer “elemento ou processo extra científico que, intervindo De qualquer forma, mesmo admitindo que todos os dados
no interior de uma prática científica, trava, impede ou desvirtua a são «construídos», que todo o conhecimento é «abstração» e
produção de conhecimentos” (Castells, 1975: 20). Mas, “na forma- «construção» (Nunes, 1984), «o empirismo não tem «inimigos» nas
ção de um espírito científico, o primeiro obstáculo é a «experiência ciências sociais» (Castells, 1975: 34). Terá, isso sim, e ainda segundo
inicial, é a experiência situada antes e acima da crítica, que é ne- Manuel Castells, um «concorrente» representado pelo modelo for-
cessariamente um elemento integrante do espírito científico”(Ba- malista, nas suas diversas variantes. Em todas elas, se exclui “pelo
chelard, 1981: 170), pelo que fazer ciência é “conviver”, desde a menos, um dos dois momentos necessários a toda a investigação
primeira hora e permanentemente com desafios à objetividade que científica, seja porque se concebe que a prática científica está limi-
é preciso ultrapassar. tada à elaboração de construções especulativas (primeira variante),
Para obviar os obstáculos epistemológicos impõe-se ao inves- seja porque se considera a reflexão teórica como suficiente, pelas
tigador uma sistemática prática de «vigilância epistemológica», ou virtudes da sua coerência interna e rigor lógico, para suscitar propo-
seja, o cientista deve assumir uma “atitude de vigilância que encon- sições empíricas tão evidentes que podem dispensar o processo de
tre no conhecimento adequado do erro e dos mecanismos capazes experimentação (segunda variante)” (Castells, 1975:35).
de o engendrar um dos meios de o superar” (Bourdieu, 1999:11).
Praticando esta vigilância, o pesquisador será capaz de questio- A EPISTEMOLOGIA DA SOCIOLOGIA
nar as suas próprias práticas, incessantemente confrontadas com
o erro, e, como tal, a validade dos conhecimentos que produz. Ao AS RUPTURAS EPISTEMOLÓGICAS NA SOCIOLOGIA
fazê-lo, estará certamente tornar “mais científico” o conhecimento O pensamento sociológico é tradicionalmente apresentado
a que chega, porque mais “expurgado” de muitos dos obstáculos através do confronto teórico que opõe as suas duas principais cor-
epistemológicos com que se confronta. rentes, ou paradigmas: o «individualismo metodológico» e o «ho-
A história da ciência faz-se com a superação de obstáculos con- lismo». Tal significa, portanto, que a investigação e a explicação
cretos ao avanço da ciência. Em algumas épocas acontece, no seio sociológica são, desde logo condicionadas, pelo posicionamento do
de uma formação ideológica, a irrupção de um processo de produ- investigador face a estes universos de proposições teóricas que têm
ção de conhecimentos científicos. Quando isso acontece, estamos marcado a história da sociologia.
perante um «corte epistemológico» (Castells, 1975: 12-13), ou, Enquanto paradigma, o «individualismo metodológico» consis-
como prefere a epistemologia bachelardiana, perante uma «ruptura te na análise da realidade social decorrente da estrita explicação
epistemológica »,sendo que esta designa uma descontinuidade dos comportamentos individuais. Esta abordagem inspira-se funda-
histórica e epistemológica. mentalmente na economia, que considera que o homem, sujeito
“simultaneamente racional e maximizador, é utilitarista e procura
AS CIÊNCIAS SOCIAIS E A EPISTEMOLOGIA em qualquer situação adoptar o comportamento que, em função
As ciências sociais têm em comum o objeto real de estudo, dos recursos de que dispõe, lhe é mais favorável” (Riutort, 1999:
uma vez que todas elasse dedicam ao estudo da realidade, «una e 51). Inspirado nesta concepção, o sociólogo alemão Max Weber
indivisível», conforme preconizou Georges Gurvitch. Essa unidade defendia que também a sociologia não poderia também proceder
do objeto real das ciências sociais começou a ser reconhecida com senão das ações de um, ou vários ou numerosos indivíduos separa-
base na noção de «facto social total», já que se considera hoje que dos. O francês Raymond Boudon (1995) acentuou as diferenças en-
todos os fenómenos ocorridos na sociedade são fenómenos sociais tre a abordagem dos economistas e dos sociólogos, dizendo que, se
totais, isto é, têm implicações simultaneamente em diversos níveis aquela concepção era válida para os economistas, já os sociólogos
em diferentes dimensões do real-social, sendo portanto susceptí- deveriam perceber que o contexto social interfere no cálculo dos
atores e, como tal, o indivíduo, ao agir, fá-lo sempre num contexto
veis, pelos menos potencialmente, de interessar a várias, quando
de influência pelos comportamentos coletivos. O sujeito não é re-
não a todas as ciências sociais (Nunes, 1984:22).
dutível a um ser «passivo» e não se limita a agir «mecanicamente»
Daqui decorre que as ciências sociais implicitamente assumam
sem atribuir significado à ação.
os mesmos modelos epistemológicos - ambos variantes do paradig-
Este paradigma revela, contudo, algumas insuficiências. Con-
ma da filosofia idealista do conhecimento -, que Manuel Castells
forme sintetiza Riutort (1999: 54-55), em primeiro lugar, importa
considera «obstáculos epistemológicos» e que encarnam em ideo-
considerar que o indivíduo, confrontado com uma situação prá-
logias teóricas determinadas. As principais são o humanismo histó-
tica, não tem a possibilidade de encarar todas as situações pos-
rico e o positivismo (Castells, 1975: 25-26).
síveis, e por outro, a racionalidade a que ele recorre é chamada
A metodologia das ciências sociais (nas quais obviamente se «adaptativa», porque ele não é espontaneamente racional, antes
inclui a Sociologia), realiza a função de garantir a objetividade de fruto de uma aprendizagem (socialização). Em segundo lugar, é de
uma «descoberta» utilizando como critério a maior ou menor proxi- admitir que nem sempre o interesse individual preside sempre à
midade que esta apresenta relativamente ao modelo de ação desig- conduta humana. Finalmente, dir-se-á que os indivíduos são dife-
nado como científico. (Castells, 1975:27). Assumindo que a verdade rentes entre si, pelo que não se pode negligenciar o contexto social
provém do objeto e não tanto do sujeito (o objeto predomina sobre que influencia aos comportamentos.
a verdade, ou seja, pressupõe-se que o conhecimento reside nos Contrária à perspectiva individualista, a perspectiva «holista»,
factos e é deles extraído através da prática científica) e que os inves- assume que, para compreender um fenómeno social, deve par-
tigadores sociais não conseguem trabalhar com indicadores e com tir-se da sociedade, encarada na sua globalidade, analisando o(s)
instrumentos de análise totalmente objetivos/válidos para extrair

8
CONHECIMENTOS

constrangimento(s) que ela exerce sobre a conduta dos indivíduos. mou um dia Raymond Aron (talvez com alguma ironia), num ponto,
Este enfoque é muito semelhante ao preconizado por Durkheim, e talvez apenas nele, todos estão de acordo: a sociologia é difícil de
quando defendia que “romper com as pre-noções consistia preci- definir (Boudon, 1971: 10).
samente em pôr entre parênteses as razões que o indivíduo dá da A segunda singularidade da sociologia reside na sua hesitação
sua ação, já que este raramente está em condições de compreender entre a «descrição» e a «explicação». Como dissemos, os primei-
os reais «motivos» dos seus atos” (Riutort, 1999: 56). Nesta óptica, ros sociólogos assumiam a sociologia como ciência nomotética que
cabe à sociologia analisar de que maneira a sociedade imprime no procurava explicar as regularidades sociais e enunciar leis universais
indivíduo maneiras de pensar e de agir que acabam por lhe apare- sobre o funcionamento da sociedade. No entanto, vemos hoje que
cer como «naturais». Esta perspectiva evoluiu com a corrente fun- muitos dos trabalhos de investigação adoptam uma lógica muito
cionalista (sobretudo da sociologia americana, com Talcott Parsons mais descritiva do que explicativa.
como figura de proa), que considerava a sociedade como um con- Uma terceira singularidade, que decorre das consequências da
junto coerente em que cada elemento desempenha um a função segunda, tem a ver com a possibilidade de uma sociologia “assim “,
específica útil ao equilíbrio do todo. Como consequência, os ele- uma sociologia crescentemente «empírica», poder produzir teorias;
mentos (indivíduos)não podem ser estudados de per si, mas sim a ou seja emerge a questão de (im)possibilidade de propor teorias a
partir das suas relações com o contexto social. partir de dados empíricos, necessariamente contextualizados.
Mas, à semelhança do “individualismo metodológico”, também Em suma: dificuldade em definir o seu objeto, hesitação entre
esta perspectiva foi alvo de críticas. De facto, a análise funcional a descrição sociográfica e a análise sociológica e o carácter flexível
tem o inconveniente de interessar-se com uma «distância» muito de noção de teoria: eis algumas características epistemológicas da
grande, pelos comportamentos dos indivíduos em sociedade e tem sociologia atual (Boudon, 1971: 16).
tendência a sobrestimar em excesso a estabilidade de uma socie- Raymond Boudon, considera, no entanto, que o carácter sin-
dade, unicamente encarada a um nível global. Max Weber qualifica gular da sociologia advém tanto de ser simultaneamente descritiva
esta abordagem como «objetivante», já que ela não se prende à e nomotética, porque, por um lado, a descrição e explicação são
maneira como os indivíduos atuam nem aos efeitos sociais que pro- frequentemente tomadas uma pela outra e, por outro lado, porque
duzem - enumerar funções implica um afastamento das relações a interação entre estes dois aspectos da pesquisa é sempre fraca e,
sociais efetivas que contribuem para a sua existência. em todo o caso, pouco sistemática (Boudon, 1971: 17). Curioso e
Acontece, porém, que esta oposição clássica individualismo surpreendente, conclui Boudon, é que estas singularidades, longe
metodológico/holismo surge um pouco forçada em ciências sociais. de se atenuarem, tendem a ser vez mais marcadas hoje do que na
Com efeito, tal como Weber está atento às estruturas sociais, à época de Durkheim ou de Sorokin.
maneira como elas afetam as representações e as ações dos indi- Uma vez que, também na linha de Boudon (1971), este «poli-
víduos, também Durkheim não está insensível aos processos pelos morfismo» da sociologia não se deverá apenas à sua hesitação en-
quais a realidade social, que nunca é um «dado», acaba por «ganhar tre a sociografia e a sociologia propriamente dita, mas igualmente
corpo nas consciências individuais” (Riutort, 1999: 60). Outro autor, a fatores institucionais e epistemológicos, importa analisá-los. É o
o alemão Norbert Élias, “prova” também a relativização que deve que fazemos de seguida.
fazer-se sobre a diferenças entre os dois paradigmas. Elias, conside-
ra que o indivíduo não é «totalmente determinado» nem «livre» de OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS E VIGILÂNCIA EPISTEMOLÓ-
atuar à sua maneira, mas dispõe de uma margem de manobra num GICA NA SOCIOLOGIA
jogo em que é um interveniente entre outros (Riutort, 1999: 62). As ciências sociais e humanas têm a particularidade do próprio
Entretanto, os sociólogos contemporâneos Anthony Giddens e investigador fazer parte do objeto de estudo, o que implica certas
Erving Goffman, propuseram-se reconsiderar as relações indivíduo/ consequências epistemológicas e metodológicas, nomeadamen-
sociedade. Adoptando uma perspectiva «relacional» (interacionis- te no que respeita à relação entre o pensamento e a ação na vida
ta), eles reclamam a necessidade de estar atento à maneira como a social e histórica e, consequentemente, à própria estrutura da ob-
realidade social se instaura num movimento de vaivém, ou seja, en- jetividade em sociologia. (Goldmann, 1981: 334). A familiaridade
quanto fenómeno objetivo que se impõe a todos, mas igualmente do sociólogo como universo social constitui, para este, “o obstáculo
por meio de uma progressiva interiorização nas consciências indivi- epistemológico por excelência porque essa familiaridade produz
duais. Isto porque a realidade social tem duas existências: enquanto continuamente concepções ou sistematizações fictícias ao mesmo
realidade objetivada e realidade incorporada pelos indivíduos, em tempo que as condições da sua credibilidade” (Bourdieu, 1999: 23).
função das suas características sociais próprias. Desta forma, verifi- Efetivamente, quando abordamos o estudo da sociedade em geral e
ca-se que a organização social não se impõe aos indivíduos «meca- dos factos de consciência individuais e coletivos, em particular, não
nicamente» e do «exterior», já que estes contribuem à sua maneira nos deveremos esquecer que:
e sem prestar a isso grande atenção, para a sua perpetuação através - o indivíduo é, por essência, social, e que, tal como preconizava
de um conjunto de interações que os colocam em relação. Piaget, a sociologia deve encarar a sociedade como um todo, ain-
da que esse todo, bem distinto da somados indivíduos, nada mais
AS SINGULARIDADES EPISTEMOLÓGICAS DA SOCIOLOGIA seja do que o conjunto das relações ou das interações entre esses
Na sua obra La crise de da Sociologie, Raymond Boudon (1971), indivíduos;
apresenta-nos as singularidades epistemológicas da sociologia. A - a vida social e histórica é um conjunto estruturado de com-
primeira, respeita ao próprio objetada sociologia. Ao contrário das portamentos de indivíduos agindo de forma consciente, em certas
outras ciências sociais, a sociologia dá a ideia de não ter ainda en- condições de meio natural e social;
contrado o seu próprio objeto. Efetivamente, esta ciência parece - a estruturação resulta de facto de que dos indivíduos e os
caracterizar-se por uma interminável pesquisa sobre si mesmo, grupos sociais procuram dar respostas unitárias e coerentes ao
uma vez que nenhuma das definições até agora propostas pelos conjunto dos problemas colocados pelas suas relações com o meio
principais sociólogos mereceu consenso generalizado. Como afir- ambiente;

9
CONHECIMENTOS

- a existência de qualquer grupo social constitui um processo Por outro lado, ainda, o sociólogo deve, ainda, ter presente que
de equilibração entre um sujeito coletivo e um meio social e natural não desenvolve a sua atividade desligado de um determinado con-
(Goldmann, 1981: 335-336). texto, ou seja, que toda a vida psíquica está estreitamente ligada
com a praxis, e que, como tal, fruto do processo de socialização
Ora, sendo toda a realidade constituída, simultaneamente, que vivenciou, ele transporta para o contexto da investigação as
por factos materiais e fatos intelectuais e afetivos que estruturam chamadas “visões do mundo”, resultado de um processo de estru-
a consciência do investigador e que implicam naturalmente valori- turação bastante lento e complexo resultante da praxis das gera-
zações, não poderemos deixar de considerar que fica impossibili- ções anteriores. Estas visões do mundo são a «consciência coletiva»
tado qualquer estudo rigorosamente objetivo da sociedade (Gold- de um grupo e predominam nas consciências individuais dos seus
mann,1981: 336). membros, embora com algumas diferenças resultantes de diferen-
Sem outra possibilidade que não seja estar vigilante, o soció- tes processos de estruturação de que foram alvo, e estão na base
logo deve, para cada caso particular de estudo, determinar o grau das suas maneiras de agir. O sociólogo, ao fazer investigação, deve
específico de identidade entre o sujeito e o objeto, e, desse modo, procurar o equilíbrio nas «consciências colectivas» dos grupos. Não
o grau de objetividade acessível à pesquisa. esqueçamos que ao sociólogo interessa, não a descrição e explica-
Para Gaston Bachelard, o próprio domínio da pesquisa, o ção do individual mas do coletivo; ele estuda os grupos sociais, em
primeiro impulso do sujeito para o objeto, não é neutro. Diz ele: articulação uns com os outros, e deve ter cuidado para não transfe-
“na nossa opinião, é preciso aceitar o postulado seguinte para a rir para a investigação as suas ideias, a sua «consciência».
epistemologia: o objeto não pode ser designado como um «obje- No processo de produção científica, o sociólogo deve recortar,
tivo» imediato; por palavras, um movimento para o objeto não é de cada vez, o seu objeto de estudo, ou seja, em cada investigação
inicialmente objetivo. É necessário aceitar, pois, uma verdadeira prática ele deve “pôr a claro uma totalidade que permita atingir
ruptura entre o conhecimento sensível e o conhecimento científi- o significado objetivo de uma parte notável e preponderante dos
co. Cremos, com efeito, ter demonstrado, no decurso das nossas factos empíricos que se propõe estudar e das suas transformações,
críticas, que as tendências normais do conhecimento sensível, in- estando assente que o ponto de partida da investigação e que a
tensamente animadas de pragmatismo e de realismo imediatos, possibilidade de ele prestar contas permanece o único critério obje-
determinavam apenas uma falsa partida, uma falsa direção” (a um tivo para avaliar a sua validade” (Goldmann, 1981: 341-342). Nesta
objeto) (Bachelard, 1981: 128). fase, intervém muitas vezes o fator ideológico, começando, desde
Como a generalidade dos cientistas sociais aceita hoje, este logo, a condicionar os resultados que irão ser obtidos, a partir dos
epistemólogo esclarece que a “objetividade científica só é possível dados estudados, dados esses isolados das suas raízes, separados
depois de termos rompido com o objeto imediato, de termos recu- dos seus contextos. Uma vez que as ideologias são produtos cole-
sado a sedução da primeira escolha, de termos parado e contradito tivos espontâneos da prática social, e que, quer queiramos ou não
os pensamentos que nascem da primeira observação” (Bachelard, todos nos movemos em alguma ou algumas ideologias, e o cientista
1981:129) e que, ao partir para a investigação, o sociólogo “ tem que não desfruta de nenhum privilégio que o exima da sujeição a essa
começar por criticar tudo: a sensação, o senso comum, até a prática regra geral (Nunes, 1984: 123), então não lhe resta alternativa que
mais constante e a própria etimologia, pois o verbo, que é feito para não seja delas tomar consciência e explicitá-la nos seus estudos,
cantar e seduzir, raramente vai ao encontro do pensamento. Em vez por forma a que os outros passem a conhecer essas posições do
de deslumbrar, o pensamento objetivo deve ironizar”(Bachelard, investigador e possam essa informação nas “leituras” dos seus es-
1981: 129). Bachelard conclui que sem esta vigilância desconfiada, tudos. Recomendam, ainda, as “regras” da epistemologia que para
nunca alcançaremos uma atitude verdadeiramente objetiva. cada investigação seja feito o recorte do objeto de estudo, e que
Não se pense, no entanto, que estas posições são exclusiva- se eliminem tanto os conceitos gerais como os factos puramente
mente contemporâneas. Pelo contrário. Já Émile Durkheim, na sua individuais (Goldmann,1981: 342). O sociólogo alemão Max Weber
obra As Regras do Método Sociológico, assegurava que os factos falava nos «juízos de valor», distinguindo-os das referências aos
sociais deveriam ser tratados como «coisas», o que significava que valores. Enquanto os primeiros devem ser evitados pelo sociólogo
o sociólogo deveria conservar uma certa distância relativamente ao deve tentar evitar, já os segundos devem ser divulgados, e podem
seu objeto de estudo, a fim de ultrapassar as pré-noções, isto é, os guiar o sociólogo na sua atuação. Efetivamente, em função das suas
preconceitos e as falsas evidências que ameaçam, em cada instan- interrogações prévias, o sociólogo “recorta a realidade social que
te, introduzir-se na sua análise. escolhe estudar em função dos seus próprios centros de interesse”
De fato, como qualquer cientista, o sociólogo “deve desconfiar (Riutort, 1999: 29).
da ilusão do saber imediato, condição indispensável para poder es- Abordando a questão da objetividade na sociologia, Weber fa-
tudar o seu objeto de estudo e fazer uma «descoberta»” (Riutort, la-nos também da necessidade de termos como fim último a «neu-
1999: 19), ao mesmo tempo que deve fazer um “esforço para co- tralidade axiológica», isto é, impõe-se uma separação nítida entre
nhecer e fazer conhecer aos outros as suas valorizações, indicando- os juízos morais próprios do investigador e a sua análise científica.
-as explicitamente, pois este esforço ajudá-lo-á a atingir um máximo Esta separação não é, no entanto, fácil de garantir, já que o sociólo-
de objetividade subjetivamente acessível no momento em que es- go não está separado do real, da prática, ele é originário de um meio
creve” (Goldmann, 1981: 338). social, possui «gostos» e «repulsas» particulares (Riutort, 1999:30).
A vigilância epistemológica aconselha, ainda, que o sociólogo Conforme sustenta Rosenthal, “alguns estudos de psicologia social
não se refugie numa redoma de vidro, isolando-se do mundo social têm mostrado que, mesmo em padrões aparentemente muito cui-
que importa estudar, e que não retome, sem crítica prévia, as ques- dadosos, as atitudes e expectativas dos investigadores têm efeitos
tões colocadas por outros investigadores, compre ocupações por- marcantes sobre os resultados” (Coulson, 1979:18), pelo que o so-
ventura muito diferentes do chegar a um conhecimento científico. ciólogo ganha em esclarecer a distância ou a proximidade que man-
tém com o objeto de estudo.

10
CONHECIMENTOS

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o sociólogo tem todo c) a classificação dos semelhantes, isto é, a elaboração de no-
o interesse em objetivar a objetivação, isto é, em assumir o mundo menclaturas levanta o problema de saber se as categorias serem
social como um objeto e em incluir-se na análise sociológica. Tal suficientemente “sólidas” para permitirem as comparações e a
significa que, não sendo possível um olhar neutro perante o objeto - adaptação às evoluções da estrutura social, de modo a produzir
conforme explicámos - deveremos fazer uma sócio análise que per- agrupamentos dotados de um elevado grau de realidade;
mita levar em conta o «olhar» particular que o sociólogo deita ao d) a técnica das sondagens exige um saber específico, já que
seu objeto e o motiva a redobrar a vigilância perante as pre noções existem os riscos de erro susceptíveis de serem introduzidos em
(Riutort, 1999: 31). De qualquer forma, devemos assumir, que “to- cada etapa do inquérito (duas notas apenas: pode haver enviesa-
das as técnicas de ruptura (...) hão de permanecer impotentes en- mentos durante a condução dos inquéritos, e podem obter-se res-
quanto a sociologia espontânea não for atacada no seu âmago, isto postas que não correspondem à prática efetiva dos indivíduos, por
é, na filosofia do conhecimento do social e da ação humana que lhe inúmeras razões).
serve de suporte. A sociologia só se pode constituir como ciência
realmente separada do senso comum, com a condição de opor às Quanto aos métodos qualitativos, lembramos que, embora
pretensões sistemáticas da sociologia espontânea a resistência or- disponíveis desde o início da sociologia, apresentam hoje um re-
ganizada de um a teoria do conhecimento do social cujos princípios novado interesse. A «crise» do empirismo, isto é, o arrefecimento
contradizem, ponto por ponto, os pressupostos da filosofia primeira nos adeptos dos métodos quantitativos, leva os sociólogos a recor-
do social”(Bourdieu, 1999: 25). Como tal teoria não existe, restará rerem a técnicas como a observação direta ou participante, ou a
ao sociólogo recusar sistematicamente as pre-noções, embora per- outras técnicas de recolha qualitativa de grande proximidade com o
ceba que a transparência não passa, no fundo, de uma ilusão, e que objeto de estudo. Vejamos algumas questões epistemologicamente
a sua preocupação deve ser a de penetrar no mundo social como se relevantes:
de um mundo desconhecido se tratasse, isto, é, deve procurar ex- - o investigador social deve fazer um esforço particular para
plicara vida social, não de acordo com as concepções que tem dela compreender «o que se passa» numa comunidade que lhe é so-
mas por causas profundas que escapam à sua consciência (aplicar o cial e culturalmente distante, e onde, além do mais, pode ser visto
«princípio da não consciência» no estudo da sociedade) (Bourdieu, como perturbador;
1999: 26). - ao obter respostas, por exemplo em entrevistas, como pode
Também em termos metodológicos o sociólogo pode exercer a o sociólogo estar seguro da sinceridade das informações que reco-
sua vigilância epistemológica sobre os diversos obstáculos com se lhe? Uma das práticas exigidas para obviar esta dificuldade é efe-
confrontará. O apetrechamento metodológico possibilita-lhe “afas- tuar a chamada «triangulação»;
tar as «falsas evidências», as «prenoções» e redefinir o problema - o sociólogo jamais se deve esquecer que a relação de inqui-
que é colocado pelas suas próprias preocupações, isto é, com o in- rição é uma relação social como qualquer outra e que, como tal,
tuito de produzir conhecimentos” (Riutort, 1999: 21-22) deve ser questionada. A linguagem por exemplo, difere em função
Em abono da vigilância epistemológica, recomenda-se a diver- do meio social;
sificação e complementaridade metodológicas, pois com o recurso - a situação de inquérito necessita de uma investigação especí-
a métodos ditos quantitativos e métodos qualitativos o sociólogo fica, pois, não basta dar a palavra qualquer um para que o mesmo a
conseguirá entrever as diferentes dimensões do seu objeto. tome espontaneamente, e ainda menos no sentido procurado pelo
Alem disso, a vigilância do sociólogo deve estar presente em investigador.
cada etapa da investigação. No que respeita aos métodos quanti-
tativos, os sociólogos recorrem geralmente às estatísticas e visam Aplicados os métodos de recolha de dados, e interpretados os
obter explicações a partir de um conjunto de dados mensuráveis mesmos, o sociólogo tem pela frente a difícil mas essencial tarefa:
e comparáveis entre si. O uso de estatísticas constitui um precioso dar a conhecer os resultados, as conclusões a que chegou. Uma vez
instrumento para o seu trabalho, já que ao produzir dados obje- mais, problemas de ordem epistemológica ocorrem. A própria lin-
tivos, o sociólogo pode desse modo romper mais facilmente com guagem sociológica, ao recorrer a uma linguagem do léxico comum
as pre-noções (que constituem obstáculos epistemológicos). No en- numa acepção rigorosa e sistemática, torna-se, por isso mesmo,
tanto, o sociólogo deve procurar certificar-se sobre a forma como equívoca, já que deixa de dirigir-se unicamente aos especialistas e
os dados analisados foram recolhidos, uma vez que a neutralidade presta-se, mais do que qualquer outra, a utilizações fraudulentas
das técnicas se afigura uma ilusão. O sociólogo deve evitar a “arma- - os jogos de polissemia, possibilitados pelos estreita e impercep-
dilha” do artefato, que pode definir-se como “um fenómeno artifi- tível afinidade entre os conceitos mais depurados e os esquemas
cial produzido pelo analista por força de um controlo insuficiente comuns, favorecem o duplo sentido e os mal-entendidos cúmplices
das técnicas utilizadas” (Riutort, 1999: 34). Ao fazer uso de métodos que garantem ao duplo jogo profético as suas audiências múltiplas
quantitativos o investigador social deve ainda considerar que (Riu- e, por vezes, contraditórias (Bourdieu, 1999: 37)Este é, pois, outro
tort, 1999:35): obstáculo epistemológico perante o qual o sociólogo se revela qua-
a) a multiplicação de dados estatísticos recolhidos a partir de se impotente, já que usar a «palavra» para divulgar o seu trabalho é
critérios combinados não constitui uma garantia suficiente e corre- um imperativo incontornável.
-se o risco de poder conduzira um demissão da parte do sociólogo
se ele optar por refugiar-se atrás da aparente neutralidade das in- NOVOS DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS DA SOCIOLOGIA
formações recolhidas; Um século após a sua fundação, ao invés de assistirmos a uma
b) os indicadores são, em muitos casos, «dados» pré-construí- consolidação da sociologia enquanto ciência aceite mundialmen-
dos, isto é apresentam interferências sociais, pelo que remete para te, vemos, portanto, que é comum os próprios sociólogos debru-
outra questão, que é a da indeterminação social (relativa) dos indi- çarem-se sobre o seu programa epistemológico fundamental. Ao
víduos em questão; contrário dos seus fundadores, que polemizaram sobretudo sobre

11
CONHECIMENTOS

o método, a sociologia, e sobretudo a sociologia da última década, logia afeta a pertinência do objetivo original: ser um saber científi-
mergulhou num debate sobre a sua própria cientificidade. Deste co. Por outras palavras, a cientificidade da sociologia parece estar
debate foi durante muito tempo delimitado de forma bastante cla- refém das suas condições de produção e esse facto levanta um ou-
ra por três posições que poderiam, segundo Berthelot(2000: 111) tro problema: o da relatividade da sociologia, pois “submeter o co-
resumir-se da seguinte forma: nhecimento sociológico à determinação exclusiva do seu contexto
1. A sociologia não pode fundar-se senão sobre uma determi- de produção é declará-lo um valor relativo” (Berthelot,2000:115).
nação crítica do seu objeto, irredutível a uma simples fenomeno- A questão do relativismo também não é, no entanto, uma ques-
logia do existente. Esta posição é ilustrada exemplarmente por T. tão nova. A sociologia do conhecimento soube mostrar como a so-
Adorno e liga o projeto epistémico da sociologia ao programa de ciologia reconheceu, desde as origens, o papel das determinações
uma filosofia crítica; sociais na elaboração do conhecimento. Mas, isso não lhe surgiu
2. A sociologia não pode ser senão uma ciência como as outras, como um obstáculo ao reconhecimento da validade desse conheci-
devendo-se admitir que, se a natureza está submetida à autorida- mento. Acontece, porém, que ao longo do séc. XX vários sociólogos
de do princípio da causalidade, não há nenhuma razão para que apresentaram novas convicções relativistas e cépticas. O problema
a sociedade escape à sua legislação. Esta posição, inaugurada por do enraizamento social do conhecimento muda de perspectiva e
Durkheim, tomou depois forma nas diversas variantes do raciona- de amplitude, tornando-se um obstáculo a qualquer pretensão à
lismo experimental e do positivismo, por exemplo no sistema de cientificidade. Este relativismo contemporâneo tem fontes e formas
Bourdieu, o qual, na sua versão estruturo-funcionalista, ilustra um diversas (Berthelot, 2000:116) e alimenta-se das opiniões que recu-
objetivo de refundação unitária da sociologia científica, com o risco sam o postulado weberiano da neutralidade axiológica. Berthelot
recorrente de naturalismo que sem dúvida comporta; considera que o relativismo contemporâneo carece ainda de me-
3. A sociologia, enfim, deve aceitar ao mesmo tempo o prin- lhor explicação e propõe que se assumam como relativistas “todas
cípio do racionalismo experimental e o princípio do pressuposto as posições que reduzam o significado de um enunciado à expres-
transcendental da subjectividade. Esta associação difícil mas fun- são do seu contexto singular de enunciação” (Berthelot, 2000:117).
damental é enunciada pela primeira vez por Weber e retomada por Esta questão parece estar longe de ser resolvida porquanto são vá-
Schutz. rios os seus adeptos e também diversos os seus detratores.
Associada ao relativismo está a questão do pluralismo, caracte-
Destas três posições clássicas podem encontrar-se ecos nas rística fundamental das ciências sociais e resultado da sua história. A
diversas correntes de pensamento da sociologia contemporânea. sociologia contemporânea preocupa-se em encontrar novas visões,
Todas elas parecem colocar em causa o próprio objeto epistémico isto é, visões renovadas da capacidade da sociologia para estabele-
da sociologia: a sua aspiração a construir um conhecimento de ca- cer articulação entre a pluralidade das abordagens e o objetivo de
rácter científico. Parece que, após um século do seu nascimento, a cientificidade. Não sendo nossa preocupação determo-nos longa-
sociologia sofre de contestação radical do objetivo por ele visado. mente sobre esta temática, diremos, concordantes com Berthelot
Jean Michel Berthelot considera que há três temas que emer- (2000:123), que, apesar de tudo, a pluralidade de abordagens e dos
gem recorrentemente nos diversos contextos de discussão: o uni- quadros de análise usados pelas diversa teorias(funcionalismo, es-
versalismo da sociologia; o relativismo e o pluralismo. Analisemos, truturalismo, interacionismo, construtivismo, entre outras) não fra-
ainda que resumidamente, cada uma destas temáticas. giliza as pretensões iniciais da sociologia à cientificidade.
O universalismo tem de ser equacionado no quadro da interna- Em suma, “tal como os trabalhos fundamentais em história
cionalização da sociologia, movimento que, apesar de esboçado no das ciências de Koyré, de Bachelard, de Blanché, ou de Holton não
início do séc. XX, desenvolveu-se fortemente após a II Guerra Mun- invalidaram a natureza dos conhecimentos da física clássica ao re-
dial e é agora, desde a década de 80, submetido a questionamen- velarem o seu pano de fundo metafísico ou simbólico, também o
to. Esta internacionalização é efetivamente objeto de um discurso pluralismo recorrente da sociologia não é argumento para qualquer
novo, fortemente contrastado por duas posições. Por um lado, é relativismo que seja. Precisa, pelo contrário, de ser descrito e ana-
assumido enquanto oportunidade para a sociologia se desenvolver, lisado tanto pelos meios de investigação histórica, como da análise
pois os sociólogos passam a tomar o mundo como horizonte, a cons- lógica afim de que seja posto em evidência o regime de cientificida-
tituí-lo em espaço de referência, tanto dos seus trabalhos, como de da sociologia” (Berthelot, 2000:127).
dos seus ensinamentos. Por outro lado, surgem ataques à interna-
cionalização concebida como processo de dominação da sociolo- CONSIDERAÇÕES FINAIS
gia dos países ocidentais sobre a dos países do terceiro mundo, ao Contrariamente ao que poderiam antever alguns dos primei-
exportar modelos teóricos inadaptados para estes países. Interna- ros sociólogos, a sociologia, enquanto ciência do social, não teve
cionalização conjuga-se, pois, com dominação, etnocentrismo e im- um percurso pacífico. Esse percurso foi trilhado sob a influência de
perialismo (Berthelot, 2000:114).Por detrás desta denúncia política várias proposições teóricas explicativas da realidade, entre elas os
de hegemonismo está um problema de natureza epistemológica. paradigmas do «individualismo metodológico» e do «holismo» que
Trata-se do questionamento sobre a própria pretensão da sociolo- condicionaram a natureza e os contornos da investigação e expli-
gia elaborar um discurso universalizável. Segundo lembra Berthelot cação sociológicas durante décadas, ou seja, configuraram, recon-
(2000), M. A. Sanda considera que “a falência do universalismo é figuraram e afirmaram a sociologia no universo do conhecimento
um estado de facto verificado pela precaridade das teorias socioló- científico.
gicas e pela incapacidade dos investigadores das ciências sociais em A história da sociologia é, por conseguinte, marcada por uma
constituírem comunidades científicas unidas em torno de consen- continuada e intensa reflexão epistemológica, com o objetivo de
sos como nas ciências da natureza” (Berthelot, 2000:114). dotar a sociologia de métodos e instrumentos capazes de conferi-
Ora, mesmo que seja possível desenvolver uma posição inter- rem ao conhecimento sociológico a validade que se lhe exige. On-
média distinguindo universalismo lógico e universalização fica claro tem, como hoje, movidos pelo seu compromisso com a “verdade”,
que o contexto da discussão relativo à internacionalização da socio-

12
CONHECIMENTOS

os sociólogos procuram ampliar, aos limites do possível, a objetivi- cepções naturalizadas, como a desigualdade de gênero, a hierarquia
dade no seu trabalho, reduzindo ou ultrapassando os obstáculos racial ou as divisões de classe, mostrando que esses fenômenos são
epistemológicos através da concretização de diversas formas de vi- produtos de relações sociais e históricas específicas.
gilância epistemológica em todas as etapas do seu trabalho. A desnaturalização também envolve a análise crítica das cate-
Intensificada nas últimas décadas, a reflexão centrada em gorias e conceitos utilizados na investigação social. O cientista social
torno da validade universalista, do relativismo e do pluralismo do questiona a validade e a aplicabilidade dessas categorias, buscando
conhecimento sociológico transporta a sociologia para uma «crise evitar generalizações simplistas e estereótipos. Ao desnaturalizar
existencial» dificilmente imaginável por Auguste Comte e pelos pri- as categorias sociais, o pesquisador pode compreender a diversi-
meiros sociólogos. Contudo, independentemente dos novos desa- dade e a complexidade das experiências humanas, permitindo uma
fios epistemológicos que se colocam à sociologia e das perspectivas análise mais abrangente e precisa.
mais negativas sobrea cientificidade da sociologia, a sociologia têm
conquistado, gradualmente, um papel de relevo nas sociedades — O Distanciamento
contemporâneas. O debate sobre o conhecimento sociológico con- O distanciamento é uma postura teórico-metodológica que se
tinuará a fazer-se, o que, além de prova de vitalidade da própria baseia na necessidade de separar o pesquisador do objeto de es-
ciência, originará, certamente, uma sociologia mais consciente, tudo, evitando enviesamentos e interferências pessoais na análise.
mais necessária e mais reconhecida. Essa abordagem, influenciada pela tradição positivista das ciências
sociais, busca a objetividade e a neutralidade na investigação cientí-
fica.
Ao adotar o distanciamento, o cientista social busca uma
DO ESTRANHAMENTO, DA DESNATURALIZAÇÃO E DO posição de observador imparcial, evitando influências subjetivas e
DISTANCIAMENTO ENQUANTO POSTURAS TEÓRICO-ME- ideológicas. Essa postura implica em utilizar métodos e técnicas rig-
TODOLÓGICAS DA PRÁTICA CIENTÍFICA DO CIENTISTA orosas de coleta e análise de dados, buscando resultados confiáveis
SOCIAL e generalizáveis. O distanciamento também incentiva a utilização
de teorias e conceitos abrangentes, que permitam a compreensão
A prática científica do cientista social envolve a análise e com- dos fenômenos sociais de forma mais ampla e sistemática.
preensão dos fenômenos sociais, buscando entender as dinâmicas No entanto, é importante ressaltar que o distanciamento ab-
e relações que permeiam a sociedade. Nesse contexto, três pos- soluto é impossível de ser alcançado, uma vez que o cientista social
turas teórico-metodológicas se destacam: o estranhamento, a des- também é um ser social inserido em determinado contexto. Portan-
naturalização e o distanciamento. Essas abordagens permitem ao to, o distanciamento deve ser entendido como uma aspiração met-
cientista social analisar criticamente a realidade, questionar con- odológica, que busca minimizar os enviesamentos e subjetividades
cepções prévias e compreender a complexidade social. Neste texto, na análise.
exploraremos essas posturas e discutiremos sua importância para a O estranhamento, a desnaturalização e o distanciamento são
prática científica. posturas teórico-metodológicas fundamentais na prática científica
do cientista social. Essas abordagens permitem uma compreensão
— O Estranhamento mais crítica, profunda e imparcial dos fenômenos sociais, desafian-
O estranhamento é uma postura teórico-metodológica que se do concepções prévias e revelando as estruturas ocultas presentes
baseia na ideia de que o cientista social deve questionar o senso na sociedade.
comum e as percepções prévias para obter uma compreensão mais Ao adotar o estranhamento, o cientista social questiona o sen-
profunda da realidade social. Essa abordagem, desenvolvida por so comum e as visões dominantes, revelando as contradições e
pensadores como Karl Marx e Max Weber, busca desvendar as con- desigualdades sociais. A desnaturalização, por sua vez, desconstrói
tradições e estruturas ocultas presentes na sociedade. concepções naturalizadas e revela as relações de poder subjacentes
Ao adotar o estranhamento, o cientista social se distancia das aos fenômenos sociais. Já o distanciamento busca a objetividade e
ideias pré-estabelecidas e das visões dominantes, permitindo uma a neutralidade na investigação, evitando interferências pessoais na
análise mais crítica e imparcial. Isso implica em questionar os va- análise.
lores, normas e instituições que moldam a sociedade, buscando É importante ressaltar que essas posturas teórico-
compreender as relações de poder e as desigualdades existentes. metodológicas não são excludentes, mas sim complementares. Ao
O estranhamento também incentiva o olhar atento às contradições combinar o estranhamento, a desnaturalização e o distanciamento,
presentes nos discursos e práticas sociais, revelando as tensões e os o cientista social pode obter uma compreensão mais rica e complexa
conflitos subjacentes. da realidade social, contribuindo para a produção de conhecimento
científico sólido e relevante.
— A Desnaturalização Em suma, a prática científica do cientista social requer a adoção
A desnaturalização é uma postura teórico-metodológica que dessas posturas teórico-metodológicas, que possibilitam uma
questiona a ideia de que os fenômenos sociais são naturais e análise crítica e aprofundada dos fenômenos sociais. O estranham-
imutáveis. Ela propõe que as características sociais são construídas ento, a desnaturalização e o distanciamento são ferramentas essen-
e moldadas por processos históricos, culturais e políticos, e que é ciais para compreender a complexidade da sociedade e contribuir
necessário desvendar essas construções para compreender a real- para transformações sociais mais justas e igualitárias.
idade social.
Ao adotar a desnaturalização, o cientista social desafia as
noções de ordem natural e revela as relações de poder subjacentes
que moldam as estruturas sociais. Isso implica em desconstruir con-

13
CONHECIMENTOS

Essas transformações históricas têm consequências duradouras


DAS TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS, SOCIAIS, HIS- nas atitudes, valores e identidades dos sujeitos e coletividades. Por
TÓRICAS, CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS NO MUNDO exemplo, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto geraram uma
CONTEMPORÂNEO E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA AS profunda reflexão sobre a violência e os direitos humanos, influen-
RELAÇÕES, AS ATITUDES, OS VALORES E AS IDENTIDADES ciando a construção de uma consciência global voltada para a paz
SOCIAL E CULTURALMENTE CONSTRUÍDAS PELOS SUJEI- e a tolerância.
TOS E COLETIVIDADES
Transformações Científicas e Tecnológicas
O mundo contemporâneo tem passado por rápidas e signifi- As transformações científicas e tecnológicas no mundo con-
cativas transformações em diversos âmbitos, como cultural, social, temporâneo têm um impacto cada vez mais acelerado e abrangen-
histórico, científico e tecnológico. Essas transformações têm influ- te. Avanços em áreas como inteligência artificial, biotecnologia, in-
enciado profundamente as relações entre as pessoas, suas atitudes, ternet das coisas e automação têm transformado a forma como as
valores e as identidades social e culturalmente construídas pelos pessoas vivem, se comunicam, trabalham e se relacionam.
sujeitos e coletividades. Neste texto, abordaremos essas transfor- Essas transformações tecnológicas afetam as relações sociais
mações e seus desdobramentos, destacando sua relevância para a ao facilitar a conectividade global, permitir novas formas de inter-
compreensão da realidade atual. ação e disseminação de informações, e reconfigurar os espaços e
tempos de convivência. Além disso, essas mudanças tecnológicas
Transformações Culturais também influenciam as atitudes e os valores dos indivíduos, geran-
As transformações culturais no mundo contemporâneo são do debates éticos e reflexões sobre questões como privacidade, se-
marcadas por uma crescente diversidade e interculturalidade. A gurança e desigualdades sociais.
globalização, os fluxos migratórios e os avanços nas tecnologias de
comunicação têm aproximado diferentes culturas, possibilitando o Considerações Finais
contato e a troca de experiências entre pessoas de diferentes ori- As transformações culturais, sociais, históricas, científicas e tec-
gens e tradições. nológicas no mundo contemporâneo são complexas e interconect-
Essa diversidade cultural tem desdobramentos significativos adas. Elas influenciam as relações sociais, as atitudes, os valores e
nas relações sociais, nas atitudes e nos valores dos indivíduos. A as identidades social e culturalmente construídas pelos sujeitos e
convivência com a diversidade cultural demanda uma postura de coletividades. Compreender essas transformações é fundamental
abertura, tolerância e respeito, além de uma reavaliação dos va- para uma análise crítica da realidade atual e para a promoção de
lores e crenças tradicionalmente estabelecidos. Nesse contexto, a sociedades mais inclusivas, igualitárias e sustentáveis.
identidade cultural dos sujeitos e coletividades se torna mais flui-
da e híbrida, resultante de um constante processo de negociação e
construção coletiva.
DA CULTURA DE UM PONTO DE VISTA ANTROPOLÓGI-
Transformações Sociais CO, SUAS CARACTERÍSTICAS, LIMITES E POSSIBILIDADES
As transformações sociais no mundo contemporâneo têm sido PARA A COMPREENSÃO DAS DIFERENÇAS ENTRE SUJEI-
marcadas por mudanças nas estruturas familiares, nas relações de TOS, GRUPOS, POVOS, COMUNIDADES ETC
trabalho, no papel da mulher na sociedade, na participação política
e na forma como os indivíduos se organizam em comunidades e A cultura é um dos principais temas de estudo das ciências hu-
movimentos sociais. manas, com a antropologia dedicando-se quase de maneira integral
Por exemplo, a crescente presença das mulheres no merca- para definir e entender esse conceito.
do de trabalho e a luta por igualdade de gênero têm impactado Desde o século XIX os antropólogos buscam definir os limites
as relações familiares e a divisão de tarefas domésticas. Da mesma da antropologia através da definição do que é cultura, o que ao lon-
forma, as novas formas de trabalho, como o trabalho remoto e o go de mais de um século de discussões gerou diversas linhas de
empreendedorismo, têm modificado a dinâmica das relações labo- pensamentos e teses, que em muitos aspectos acabam por contra-
rais e a noção de carreira profissional. por-se.
Essas transformações sociais também afetam as identidades Entre as definições mais simples para o que seria a cultura, é
sociais, uma vez que os indivíduos passam a se perceber e se posi- possível entende-la como algo que engloba todas as manifestações
cionar de forma diferente na sociedade. A busca por igualdade, in- materiais e imateriais de um povo, como por exemplo, a fabricação
clusão e respeito às diversidades leva à formação de identidades de artesanato e os rituais e festas. São todas as manifestações de
coletivas, como movimentos sociais e grupos que reivindicam dire- criação e habilidade do ser humano praticadas em sociedade, todos
itos e representatividade. os comportamentos que não possuem origem biológica, segundo
antropólogo britânico Edward Tylor, que a definiu assim já no século
Transformações Históricas XIX.
As transformações históricas no mundo contemporâneo são Nas primeiras décadas do século XX era muito comum a ideia
reflexo de eventos e processos que marcaram o século XX e con- vinculada aos estudos de Charles Darwin, de que a cultura era uma
tinuam a moldar a realidade atual. Guerras, revoluções, descoloni- manifestação hierarquizada entre os povos do planeta, passando
zação, avanços tecnológicos e crises econômicas são exemplos de todas pelas mesmas etapas de desenvolvimento, indo das mais pri-
eventos que influenciaram as relações sociais, políticas e econômi- mitivas até as mais avançadas, o que abriu espaço para a propaga-
cas em diferentes partes do mundo. ção do etnocentrismo que defendia que a cultura ocidental estava
no mais avançado estagio desse desenvolvimento.

14
CONHECIMENTOS

Um dos grandes críticos das teorias hierarquizadas de manifes- Mott, integram boa parte dos estudos da área, e trabalham com a
tação cultural foi o antropólogo teuto-americano Franz Boas, que História do cotidiano, o imaginário, a micro-história e da História
defendia a ideia da particularidade de cada povo no que diz res- das Mentalidades.
peito à cultura, e de que ela não deveria ser entendida como algo
comparativo entre sociedades diferentes. Boas iniciou a utilização Cultura e Arte1
da história como instrumento para compreensão da ideia de cultura Raymond Willians também aponta o sentido de cultura asso-
dentro da antropologia, o que pode ser exemplificado na obra de ciada à expressão artística. Neste conceito, cultura está ligada à ati-
seu discípulo, Gilberto Freyre, ao produzir o clássico Casa-grande vidade intelectual (cientistas, filósofos, pensadores) ou a atividades
e Senzala. imaginativas (pintura, música, literatura, teatro). Ou seja, restrita a
A antropologia busca estudar e entender essa grande diversi- pequena porção de pessoas dotadas de talento ou de formação es-
dade que forma as diferentes culturas humanas. Mesmo sem haver pecífica, traduzida em obras que devem circular.  Este é o conceito
um consenso sobre a definição exata de cultura nas várias corren- de cultura como espetáculo, a ser passivamente recebido, tendo o
tes antropológicas, alguns aspectos possuem ampla concordância, sentido de lazer e entretenimento.
como a afirmação de que a divisão do trabalho com base no sexo
ou na raça é uma manifestação cultural, e não uma característica Etnocentrismo
natural. Podemos perceber que o sufixo “centrismo” destaca algo como
O resultado do entendimento de tal afirmação é que o discurso central, a partir de uma determinada perspectiva. O radical “etn(o)”,
de trabalho baseado em premissas como “trabalho de homem” ou por sua vez, corresponde à cultura. Unindo “etno” e “centrismo”,
“trabalho de negro”, nada mais é do que uma justificativa criada temos uma cultura que está no centro. Trata-se de uma perspectiva
para sustentar a posição de grupos sociais dominantes, não pos- de compreensão da diversidade que coloca uma cultura no centro
suindo nenhuma sustentação na biologia. para a compreensão do universo plural.
Além da antropologia, outras áreas como a linguística e a his- O conceito de “etnocentrismo” parte de uma lógica de inter-
tória buscam definir o que é cultura através de outras abordagens. pretar as diferenças culturais  humanas, estabelecendo critérios
Alfredo Bosi buscou definir em sua obra Dialética da colonização, a de superioridade e inferioridade para a classificação dos povos. A
cultura partindo da linguística e da etimologia da palavra cultura, questão central é a estranheza que se estabelece com o encontro
que assim como as palavras culto e colonização, são originadas do de duas ou mais referências culturais. O etnocentrismo se afirma
verbo em latim colo, que significa eu ocupo a terra. Partindo des- quando há algum choque entre os “diferentes”; nesse contexto,
sa ideia de cultura, além de estar relacionada com o trabalho e o surgem as ideias de “meu grupo” e de “grupo do outro” e a defini-
cultivo do solo, também representa o cultivo dos costumes e das ção de categorias hierárquicas. Normalmente, o “meu grupo” é vis-
tradições que serão passadas adiante. to como o melhor, o superior, enquanto os outros são vistos como
A definição do historiador é de que cultura é o conjunto de prá- menores, inferiores.
ticas, de técnicas, de símbolos e de valores que devem ser transmi- Para pensar: qual é a referência para considerar algo ou algu-
tidos às novas gerações para garantir a convivência social. A cultura ma cultura “diferente”? Nós somos “diferentes” para quem ou para
também está ligada à existência de uma consciência coletiva produ- que?
zida pela vida cotidiana, como um planejamento para o futuro de A leitura etnocêntrica tem base nos processos históricos que
determinada sociedade, ou seja, pode ser entendida como o con- pressupõem a justificativa para a dominação de um povo em rela-
junto de práticas passadas de um povo para seus descendentes com ção a outro. Assim, por exemplo, encontra-se legitimidade para o
o intuito de sobrevivência. discurso a ação eurocêntrica na colonização da América, da África e
Em todas as sociedades humanas existe cultura, em todas as da Ásia. Também, com muita ênfase, o etnocentrismo está presen-
suas manifestações. A cultura dessas diferentes sociedades deter- te no imperialismo nazista alemão. A doutrina do sangue azul é a
mina as regras de convívio social em cada uma delas, permitindo principal referência.
com que o indivíduo adapte-se no meio social em que está inserido.
As formas de comunicação na sociedade também possuem relação Relativismo Cultural
com a herança cultural, não somente pela linguagem, pois a he-
rança cultural é capaz de revelar formas únicas de comportamento. Contrapõe-se ao Etnocentrismo;
O desentendimento também pode ser explicado pela relação de Cada manifestação cultural é compreendida como uma dimen-
cultura entre povos, no caso culturas diferenciadas, que possuem são própria de significação. O que tem valor em um grupo ou uma
estruturas sociais próprias e conflitantes entre si, o que gera a dife- comunidade ganha sentido dentro de uma lógica interna. As nor-
rença e a exclusão. mas de comportamento e os valores de um determinado grupo são
É importante lembrar que apesar de definir a identidade de um resultantes de um processo histórico que abrange espaço, tempo,
povo, a cultura não é estática dentro das sociedades. O contanto indivíduo e sociedade.
com culturas diferentes ou mesmo praticas internas sofrem altera- Não se pode eleger uma forma cultural específica como refe-
ções ao longo do tempo, em todas as sociedades existentes. rência de um padrão de comportamento humano. Os sentidos das
Como elemento de caracterização do comportamento social, a práticas culturais devem ser legitimados em uma ordem interna
cultura tem papel importante no estudo da história, que passou a que congrega o grupo.
explorar essa relação com os trabalhos da chamada Nova História,
já na segunda metade do século XX, através de estudos interdisci-
plinares. Entre os grandes expoentes da Nova Historia estão os fran- 1 Cultura, etnocentrismo, relativismo cultural e identidade. CULTURANDAS. ht-
ceses Georges Duby, Jacques Le Goff e Robert Darnton. No Brasil, tps://culturandas.wordpress.com/cultura-etnocentrismo-relativismo-cultural-e-
pesquisadores como Ronaldo Vainfas, Lilia Moritz Schwarcz e Luiz -identidade/

15
CONHECIMENTOS

 Identidade homem. O ser humano em seu processo particular de socialização


A dinâmica da relação entre como nos vemos e como somos vai desde cedo, nas diversas culturas, a incorporar os símbolos que
vistos, os processos de reconhecimento individual e social com- lhe prescrevem o viver em sociedade. Desta forma, ser membro de
põem a nossa identidade. Mas também olhamos o outro. Vivemos uma determinada sociedade é se naturalizar como social, fazendo-
no espelho da interação social, no campo da alteridade. -se um objeto por completo do seu caráter construtor pelo tempo
A trama social construída entre os movimentos de ver, ser e ser e espaço2.
visto modela a teoria do reconhecimento. Os olhares, entretanto,
têm significados e se colocam em uma territorialidade de poder. Cultura e Organização Social3
Diversos elementos, conjugados ou não, são traços para a defi- O conceito de cultura, tal como o de sociedade, é uma das no-
nição de identidades: origem, geração, etnia, raça, gênero, orienta- ções mais amplamente usadas em Sociologia.
ção sexual, posição econômica, religião etc. Nesse universo, nós nos A cultura consiste nos valores de um dado grupo de pessoas,
sentimos, percebemos o outro e somos percebidos. nas normas que seguem e nos bens materiais que criam. Os valo-
A cena instaura a trama da identidade e da alteridade. Ou seja, res são ideias abstratas, enquanto as normas são princípios de-
sentimento de pertença, reconhecimento dos outros e percepção finidos ou regras que se espera que o povo cumpra. As normas
pelos outros. Assim, a afirmação de identidade é uma dimensão de representam o (permitido) e o (interdito) da vida social. Assim, a
cultura essencial ao pertencimento do sujeito ou grupo a um lu- monogamia – ser fiel a um único parceiro matrimonial – é um valor
gar. A ausência ou a negação de reconhecimento é um mecanismo proeminente na maioria das sociedades ocidentais. Em muitas ou-
de dominação desencadeador de desigualdades. Possuir identida- tras culturas, uma pessoa é autorizada a ter várias esposas ou espo-
de significa existir, com poder e visibilidade distintivos. sos simultaneamente. As normas de comportamento no casamento
incluem, por exemplo, como se espera que os esposos se compor-
Cultura e Natureza tem com os seus parentes por afinidade. Em algumas sociedades, o
O ser humano não traz, ao nascer, uma determinação natural marido ou a mulher devem estabelecer uma relação próxima com
do comportamento. A conduta do mesmo é feita numa relação di- os seus parentes por afinidade; noutras, espera-se que se mante-
nâmica com a natureza, onde se aprende a lidar com ela, e assim nham nítidas distâncias entre eles.
elaborar um sistema humano de linguagem que lhe permite se si- Quando usamos o termo, na conversa quotidiana comum, pen-
tuar em relação à natureza. Neste sentido, o ser humano é inacaba- samos muitas vezes na cultura como equivalente às coisas mais ele-
do (BERGER:1985), precisando da Cultura para poder se relacionar vadas do espírito – arte, literatura, música e pintura. Os sociólogos
com o meio. A cultura torna-se esse viés pelo qual se percebe dife- incluem no conceito estas atividades, mas também muito mais. A
rente dela e busca o controle da natureza, ao mesmo tempo em que cultura refere-se aos modos de vida dos membros de uma socieda-
se sente parte dela e vive um processo de constante reelaboração de, ou de grupos dessa sociedade. Inclui a forma como se vestem
dos significados do meio social. os costumes de casamento e de vida familiar, as formas de trabalho,
É na condição de ser transformador das leis “naturais” e as cerimônias religiosas e as ocupações dos tempos livres. Abrange
modificador do meio que as necessidades também geram um ato também os bens que criam e que se tornam portadores de sentido
de organizar simbolicamente a vida e se tornar refém da condição para eles – arcos e flechas, arados, fábricas e máquinas, computa-
simbólica. (GEERTZ:1989) Nesse ato organizado e instaurado dores, livros, habitações.
do social já podemos considerá-lo como um ser tecnológico, A cultura pode ser distinguida conceptualmente da sociedade,
capaz de aprimorar seus utensílios e suas formas de socialização. mas há conexões muito estreitas entre estas noções. Uma socie-
Malinowski viria acrescentar ser necessário seguir uma análise dade é um sistema de inter-relações que ligam os indivíduos em
dessa transformação pelas chamadas “necessidades naturais” do conjunto. Nenhuma cultura pode existir sem uma sociedade. Mas,
ser humano para o modo como ele põe para funcionar a cultura. igualmente, nenhuma sociedade existe sem cultura. Sem cultura,
Por outro lado, poderíamos afirmar como capacidade exclusi- não seríamos de modo alguns humanos, no sentido em que nor-
vamente humana: a linguagem e a ação por “liberdade”. Esses dois malmente usamos este termo.
pontos são importantes para compreendermos a Cultura é um con-
ceito construído em oposição à natureza. Porém, buscamos apro- Características da Cultura
fundar essa questão com referências mais atenuantes no universo A principal característica da cultura é o chamado mecanismo
dos significados. O antropólogo estruturalista Levi-Strauss colabora adaptativo: a capacidade de responder ao meio de acordo com mu-
com essa análise acerca do tema: Natureza e Cultura, refere-se a dança de hábitos, mais rápida do que uma possível evolução biológica.
“lei do incesto”( LEVI-STRAUSS: 1982) que surge no momento em O homem não precisou, por exemplo, desenvolver longa pe-
que os humanos faz a passagem do estado de natureza à cultura. Os lagem e grossas camadas de gordura sob a pele para viver em am-
animais desconhecem tal ordem em seus sistemas. Outros elemen- bientes mais frios – ele simplesmente adaptou-se com o uso de
tos colocados pelo antropólogo está na ordem do cru e do cozido roupas, do fogo e de habitações. A evolução cultural é mais rápida
e da domesticação do fogo. A capacidade de preparar seus alimen- do que a biológica. No entanto, ao rejeitar a evolução biológica, o
tos pelo cozimento é singular no universo humano. Desta maneira, homem torna-se dependente da cultura, pois esta age em substi-
viriam outras questões ligadas à morte, ao ritual de sepultamento tuição a elementos que constituiriam o ser humano; a falta de um
e à sexualidade. A lei na ordem da cultura é a constatação que os destes elementos (por exemplo, a supressão de um aspecto da cul-
humanos são capazes de criar uma existência que não é apenas na- tura) causaria o mesmo efeito de uma amputação ou defeito físico,
tural, é uma ordem simbólica. talvez ainda pior.
Assim, não houve um estado de evolução biológica no ser 2 SALES. Chico. As explicações da relação entre cultura e natureza. https://bit.
humano para depois ocorrer o aparecimento da cultura. Ambos ly/2FZByw7
acontecerem simultaneamente e intrínsecamente na formação do 3 Texto adaptado de FERNANDES, C. A. Professor de Sociologia.

16
CONHECIMENTOS

Além disso, a cultura é também um mecanismo cumulativo. As rentes, ou seja, muitas vezes o que chamamos de “típico” ou “co-
modificações trazidas por uma geração passam à geração seguin- mum” em termos culturais pode ter tido origem em outro país ou
te, de modo que a cultura transforma-se perdendo e incorporando sociedade. Num trecho bastante interessante, escreve Linton que a
aspectos mais adequados à sobrevivência, reduzindo o esforço das vida cotidiana de um cidadão norte-americano “típico” contém ele-
novas gerações. mentos de outras sociedades: o papel, inventado na China; o vidro,
Um exemplo de vantagem obtida através da cultura é o desen- originário do Egito; os talheres, inventados na Índia e na Europa; a
volvimento do cultivo do solo, a agricultura. imprensa, processo inventado na Alemanha; o inglês é uma língua
Com ela o homem pôde ter maior controle sobre o forneci- indo-europeia e o Deus cristão, uma divindade de origem hebraica.
mento de alimentos, minimizando os efeitos de escassez de caça Dessa exposição podemos depreender, de um lado, que a di-
ou coleta. Também pôde abandonar o nomadismo; daí a fixação em versidade e a diferença são elementos constitutivos das culturas
aldeamentos, cidades e estados. humanas e que as formas de preconceito cultural são, dessa forma,
uma manifestação clara da ignorância dos processos históricos e
Dimensões da Cultura das trocas culturais. Por outro lado, podemos verificar também que
Cultura, de forma bastante geral, pode ser definida como “a a noção de identidade cultural, como uma forma de pertencimento
parte do ambiente feita pelo homem”. Essa definição, elaborada a esta ou àquela sociedade específica é assim, como nos diz ain-
pelo antropólogo Melville Herkovits, nos traz um elemento funda- da outro antropólogo, o professor Renato Ortiz, uma “construção
mental para pensarmos as questões ligadas à dimensão sócio his- simbólica”, ou seja, um recorte de elementos aos quais atribuímos
tórica da humanidade: o fato de que o que entendemos por cultura um sentido de nacionalidade e que pode ser modificado ao longo
ser, fundamentalmente, algo construído pelos seres humanos. A do tempo. É só lembrarmos que no Brasil o samba, que já foi um
dimensão cultural, portanto, não é algo dado, natural, mas uma in- gênero musical ligado à marginalidade e à “malandragem”, trans-
tervenção ampla dos seres humanos naquilo que conhecemos por formou-se em um dos símbolos nacionais. E assim, hoje, “quem não
natureza. Como somos seres vivos, partimos, obviamente, de nossa gosta, de samba, bom sujeito não é”.
condição biológica, dependente do meio natural; entretanto, essa
mesma condição é constantemente modificada pela tecnologia (en- A Diversidade Cultural4
tendida aqui em seu sentido amplo) e pelo trabalho humanos. É Apesar do processo de globalização, que busca a mundialização
bom lembrar, também, que a noção de cultura envolve tanto uma do espaço geográfico – tentando, através dos meios de comunica-
dimensão material, ligada a instrumentos e objetos (de brinquedos ção, criar uma sociedade homogênea – aspectos locais continuam
a chaves de fenda, passando pelo vestuário e também pelos alimen- fortemente presentes. A cultura é um desses aspectos: várias co-
tos que consumimos), como uma dimensão não material (as visões munidades continuam mantendo seus costumes e tradições.
de mundo, as formas e padrões de comportamento, as diversas re- O Brasil, por apresentar uma grande dimensão territorial, pos-
ligiões). Também é importante colocar que essas dimensões não sui uma vasta diversidade cultural. Os colonizadores europeus, a po-
são isoladas e se relacionam a todo momento. Assim, há um fator pulação indígena e os escravos africanos foram os primeiros respon-
importantíssimo, quando falamos em cultura, que é pensá-la como sáveis pela disseminação cultural no Brasil. Em seguida, os imigrantes
um elemento das sociedades humanas que articula o aspecto ma- italianos, japoneses, alemães, árabes, entre outros, contribuíram
terial e o aspecto simbólico. para a diversidade cultural do Brasil. Aspectos como a culinária, dan-
Um exemplo bastante simples e facilmente observável é o uso ças, religião são elementos que integram a cultura de um povo.
do vestuário. Usamos as roupas por pelo menos três motivos, em As regiões brasileiras apresentam diferentes peculiaridades
maior ou menor grau: a necessidade de proteção (em áreas do culturais. No Nordeste, a cultura é representada através de danças
mundo ou situações em que isso seja necessário), o desejo de en- e festas como o bumba meu boi, maracatu, caboclinhos, carnaval,
feitar-nos e o pudor (a vergonha em relação à nudez pública). ciranda, coco, reisado, frevo, cavalhada e capoeira. A culinária típica
No entanto, há regras para o uso das diversas formas de ves- é representada pelo sarapatel, buchada de bode, peixes e frutos do
tuário dependendo da situação ou contexto em que nos encontre- mar, arroz doce, bolo de fubá cozido, bolo de massa de mandioca,
mos: no Brasil, não podemos (ou não devemos) ir a um casamento broa de milho verde, pamonha, cocada, tapioca, pé de moleque,
ou formatura em trajes de banho (e provavelmente mesmo que ce- entre tantos outros. A cultura nordestina também está presente no
rimônias estejam sendo realizadas em uma praia). O que determina artesanato de rendas.
essa atitude é o significado atribuído socialmente a esta ou aquela O Centro-Oeste brasileiro tem sua cultura representada pelas
forma de vestuário, para além do fato de ser esteticamente interes- cavalhadas e procissão do fogaréu, no estado de Goiás; e o cururu
sante ou cobrir nossa nudez. em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A culinária é de origem in-
Assim, tão importante — ou mais até — que a utilidade con- dígena e recebe forte influência da culinária mineira e paulista. Os
creta de um objeto ou utensílio cultural, é o sentido simbólico atri- pratos principais são: galinhada com pequi e guariroba, empadão
buído a ele. Dessa forma, ao vivermos em sociedade, partilharmos goiano, pamonha, angu, cural, os peixes do Pantanal – como o pin-
objetos, sentimentos e símbolos através dos quais construímos tado, pacu e dourado.
uma ideia de identidade. A partir desse raciocínio, podemos pro- As representações culturais no Norte do Brasil estão nas festas
blematizar a noção de identidade cultural, no sentido de ampliá-la populares como o círio de Nazaré e festival de Parintins, a maior fes-
e verificar como essa visão ampliada pode ser útil no entendimento ta do boi-bumbá do país. A culinária apresenta uma grande herança
da diversidade constitutiva de todas as sociedades. O antropólogo indígena, baseada na mandioca e em peixes. Pratos como otacacá,
norte-americano Ralph Linton, escrevendo sobre a difusão cultu- pirarucu de casaca, pato no tucupi, picadinho de jacaré e mussarela
ral, no livro O homem: uma introdução à antropologia, afirma que, de búfala são muito populares. As frutas típicas são: cupuaçu, ba-
na grande maioria das sociedades humanas, a maior parte das in- curi, açaí, taperebá, graviola, buriti.
venções e descobertas partilhadas tem origem em sociedades dife- 4 Texto adaptado de Wagner de Cerqueira e Francisco.

17
CONHECIMENTOS

No Sudeste, várias festas populares de cunho religioso são ce- para venda, pendurados em cordas ou cordéis. No Brasil, a literatu-
lebradas no interior da região. Festa do divino, festejos da páscoa ra de cordel é produção típica do Nordeste, sobretudo nos estados
e dos santos padroeiros, com destaque para a peregrinação a Apa- de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará.
recida (SP), congada, cavalhadas em Minas Gerais, bumba meu boi, Portanto o Nordeste é identificado como o local de origem da
carnaval e peão de boiadeiro. A culinária é muito diversificada, os “verdadeira” cultura brasileira ou do tipo brasileiro por excelência.
principais pratos são: queijo minas, pão de queijo, feijão tropeiro, Cultura essa que é tão rica em sua diversidade quanto em interpre-
tutu de feijão, moqueca capixaba, feijoada, farofa, pirão, etc. tações acerca de sua existência como unidade. Em um país de ta-
O Sul apresenta aspectos culturais dos imigrantes portugueses, manha extensão, a pluralidade está presente em muitos aspectos,
espanhóis e, principalmente, alemães e italianos. Algumas cidades sejam eles sociais, econômicos, políticos ou culturais. Nesse último,
ainda celebram as tradições dos antepassados em festas típicas, ela é ainda mais acentuada, pois, nossa bagagem vem de outras
como a festa da uva (cultura italiana) e a oktoberfest (cultura ale- diferentes culturas, como a indígena, a portuguesa, a negra e mais
mã), o fandango de influência portuguesa e espanhola, pau de fita recentemente a americana. Pode-se dizer, então, com veemência,
e congada. Na culinária estão presentes: churrasco, chimarrão, ca- diante da riqueza e pluralidade cultural nordestina, que todos os
marão, pirão de peixe, marreco assado, barreado (cozido de carne elementos citados anteriormente, responsáveis por estereotipar
em uma panela de barro) e vinho. a região, contribuem para atrair pessoas de outras localidades a
conheceram, vivenciarem ou se divertirem com as tradições deste
Cultura Nordestina5 lugar.
Pensar o Nordeste em termos culturais é entender a região
como espaço criativo de símbolos e rituais, tais como festas, músi- Manifestações Religiosas
cas, e indumentárias. Um espaço definido, que demarca um mun- Por meio de suas festas tradicionais, as comunidades estreitam
do familiar, estruturado pela tradição com a qual a coletividade se seus laços e mantêm sua identidade como grupo, celebrando tam-
identifica. bém sua vida cotidiana. Desde os tempos remotos, o homem primi-
A riqueza cultural nordestina é, pois, bastante particular e tí- tivo já possuía uma relação de fé com o divino, ele pedia aos deuses
pica, apesar de extremamente variada. Sua representação vai além proteção e colheitas fartas, muitas vezes usando comida, bebida,
das manifestações folclóricas e populares. O campo da literatura, música e dança como oferendas. Com o cristianismo, a Igreja Ca-
por exemplo, contribuiu em muito para a cultura da região. Nomes tólica transformou alguns desses rituais pagãos em homenagens
como Clarice Lispector, Jorge Amado, José de Alencar, Rachel de aos santos, conferindo a eles um caráter sagrado de acordo com os
Queiróz, Ariano Suassuna, dentre outros, sem dúvida, são de extre- princípios cristãos. Assim surgiram as manifestações ou festas reli-
ma importância para construção de um imaginário específico sobre giosas, rituais de explicitação das relações entre os grupos sociais.
a região Nordeste. São, pois, defensores da delimitação do espaço Na realidade, a primeira forma de expressão dos grupos populares
regional e de uma identidade nordestina. não foi a escrita, e sim o domínio da dança, de cânticos rimados
Na dança, merecem evidência o maracatu, manifestação cul- para facilitar a memorização, as lendas, ditados, culinária. É dessa
tural da música folclórica pernambucana afro-brasileira praticado forma que o povo escreve suas memórias, seus valores, seus có-
em diferentes cidades do nordeste; o frevo que é executado prin- digos de regras, suas crenças, suas angústias pelo árduo trabalho,
cipalmente no carnaval de Pernambuco; o bumba-meu-boi, dança suas esperanças e fantasias e de igual modo se manifestam.
do folclore popular brasileiro, com personagens humanos e animais A história das festas religiosas tem início com a chegada dos
fantásticos, que gira em torno da morte e ressurreição de um boi; Jesuítas no Brasil, que marca o começo da evangelização no Nordes-
o xaxado, muito praticada pelos cangaceiros pernambucanos, em te. Este grupo traz a representação da figura histórica do Padre José
comemoração as suas vitórias; o tambor de crioula, característico de Anchieta na evangelização dos primeiros habitantes, os índios.
do Maranhão; diversas variantes do forró; etc. Com a mistura de povos começam as manifestações religiosas de
Já na música, que é sempre acompanhadas de danças, muitos cada raça: o índio com adoração ao deus Sol, à Lua, à Terra ao deus
ritmos se destacam, como coco, martelo agalopado, samba de roda, Trovão e a todos os seres da Natureza; os brancos com a realiza-
baião, xote, forró, Axé, dentre outros ritmos. Um dos músicos que ção de missa, sacerdócio, apego à Bíblia, crucifixos e veneração aos
melhor representa o nordeste chama-se Luiz Gonzaga, o criador da santos e os negros com o culto aos orixás, tambores e vestimentas
“música nordestina”, notadamente o baião. Em suas canções ele re- coloridas.
trata não só os problemas do Nordeste como a seca, mas também A maioria das festas populares tem, assim, origem ibérica, afri-
os fatores positivos daquela localidade. cana e indígena e segue as datas do calendário católico. São comuns
Um dos assuntos que Luiz Gonzaga também retrata em suas nas festas populares baseadas no calendário religioso manifesta-
músicas é a questão religiosa, que pode ser considerada como ele- ções de sincretismo afro-cristão, que fundem os orixás do candom-
mento de identidade regional. Ele desenvolve, como estratégia de blé com os santos católicos.
afirmação do seu trabalho, uma forte ligação com a Igreja do Nor- No Ceará, a festa principal é a festa de Padre Cícero, que é
deste, já que era profundamente cristão. idolatrado em todo o Nordeste, o padre milagreiro e reverenciado a
O tema religioso também está presente nos trabalhos de Aria- cada dia com uma nova romaria. O fanatismo pelo santo construiu
no Suassuna, pernambucano que é o responsável pela repercussão a cidade de Juazeiro. A segunda maior cidade do Estado virou man-
nordestina e nacional no campo do teatro, a partir da década de 50. jedoura de missas, procissões, rezas, peregrinações e festas folcló-
É possível encontrar ainda temáticas religiosas nos cordéis, ricas em homenagem ao eterno “Padim Ciço”, como os seguidores
que é um tipo de poesia popular, originalmente oral, e depois im- o chamam. Além dessa festa, há também a devoção a São Francisco
pressa em folhetos rústicos ou outra qualidade de papel, expostos das Chagas, na qual centenas de fiéis viajam em ônibus ou nos fa-
5 ALMEIDA, L. A. B. et. Al. Um recorte cultural do Nordeste: o caso da Festa do mosos “paus-de-arara” para pagar promessas e reverenciar o seu
Carmo. ENECUT – UFBA. http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19376.pdf santo protetor.

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CONHECIMENTOS

No Rio Grande do Norte, Santa Luzia é a principal festa popular Floresce a segunda geração modernista, com o aparecimento
religiosa. Sua procissão reúne mais de 130 mil devotos. A cada ano, de importantes artistas e intelectuais que buscam expressar um
a participação de romeiros de municípios do Rio Grande do Norte e Brasil moderno. Nele, duas experiências simultâneas inauguram
Estados vizinhos é aumentada, ou seja, cresce o turismo religioso. as políticas culturais e conformam uma nova institucionalidade do
No Piauí Santa Cruz dos Milagres é a cidade de terceiro destino campo da cultura: a passagem de Mário de Andrade pelo Departa-
de maior visitação religiosa do Nordeste. O santuário de Santa Cruz mento de Cultura da Prefeitura da cidade de São Paulo (1935-1938),
dos Milagres, a 181 km de Teresina, é o único do Estado reconhe- interrompida no início da ditadura do Estado Novo (1937-1945), e a
cido pelo Vaticano para peregrinações. Todos os anos milhares de presença de Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação
fiéis vão à Santa Cruz dos Milagres para pagar promessas e pedir e Saúde (1934-1945).
novas bênçãos. Ainda no Piauí há a Roda de São Gonçalo, que é Surpreendente que uma gestão municipal seja tomada como
dançada em todo o Estado e faz parte do novenário em homena- uma das inauguradoras das transformações culturais no Brasil. Tal
gem ao santo violeiro, daí o seu caráter estritamente litúrgico-reli- atuação, por suas práticas e ideários, transcendeu em muito as
gioso. Duas fileiras de homens e mulheres se colocam em frente ao fronteiras da cidade de São Paulo. Sem esgotar suas contribuições,
altar do santo. Movimentam-se em forma de círculo, em forma de Mário de Andrade inova em: (i) estabelecer uma intervenção esta-
“cruzeiro” (cruz), reverenciando o santo e beijando o altar. O canto tal sistemática abrangendo diferentes áreas da cultura; (ii) pensar a
vai acompanhado de rabeca, violão, pandeiro e, às vezes, zabumba. cultura como algo “tão vital como o pão”; (iii) propor uma definição
Já a Festa do Divino é uma das manifestações religiosas mais ampla de cultura, que extrapola as belas artes, sem desconsiderá-
ricas do Maranhão. As mais famosas são as que acontecem no eixo -las, e que abarca, dentre outras, as culturas populares; (iv) assu-
São Luís - Alcântara. Apesar das claras influências africanas, várias mir o patrimônio não só como material e associado às elites, mas
características se mantêm, como a representação do imperador também como imaterial e pertinente aos diferentes segmentos da
que preside os rituais durante todo o tempo, a missa, a procissão sociedade; (v) patrocinar missão etnográfica à região amazônica e
e a partilha de alimentos. Outra manifestação importante do ao Nordeste para pesquisar e documentar seus ricos acervos cultu-
Maranhão é o terreiro, lugar onde são cultuados voduns e orixás, rais; (vi) fortalecer a institucionalidade cultural por meio da criação
gentis e caboclos. Também são realizadas festas e rituais populares de organismos e procedimentos. O projeto de Mário de Andrade
como a Festa do Espírito Santo, Queimação de Palhinhas do Presé- tem limitações, mas elas não podem impedir seu reconhecimento,
pio, Batismo. mesmo no cenário internacional.
Em Sergipe acontece a louvação a São Benedito e a Nossa Se- Em um registro nacional, aconteceu outro movimento inau-
nhora do Rosário, ambos padroeiros dos negros no Brasil. Tocan- gurador. Ele foi protagonizado pelo ministro Gustavo Capanema
do quexerés (instrumentos de percussão) e tambores, as Taieiras (Badaró, 2000; Gomes, 2000; Williams, 2000). Esteticamente mo-
(Grupo de forte característica religiosa), trajando blusa vermelha dernista e politicamente conservador, ele acolheu intelectuais e ar-
cortada por fitas e saia branca, seguem pelas ruas cantando can- tistas progressistas, a exemplo de Carlos Drummond de Andrade,
tigas religiosas. Este evento é definido como uma das mais claras seu chefe de gabinete, Candido Portinari e Oscar Niemeyer (Velloso,
demonstrações de sincretismo, com santos e rainhas, procissões e 1987). Pela primeira vez, o Estado realizou um conjunto de inter-
danças misturados num momento de celebração. venções na área da cultura, que conjugou uma atuação negativa –
Na Bahia, a Lavagem (das escadarias da Igreja) do Bonfim, que opressão, repressão e censura, como ocorre em todas as ditaduras
acontece em janeiro, é a mais importante festa religiosa do estado. – com uma atitude afirmativa, por meio da criação de novas formu-
A Festa inicia-se com cortejo de baianas vestidas tipicamente que lações, práticas, normas e instituições. Dentre os procedimentos,
caminham desde a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia têm-se legislações para cinema, radiodifusão, artes, profissões cul-
até o alto do Bonfim, carregando água de cheiro e despejam seus turais e a constituição de organismos culturais, a exemplo do: Insti-
vasos no adro da Igreja e sobre as cabeças dos fiéis. tuto Nacional de Cinema Educativo (1936); Serviço de Radiodifusão
Muitas manifestações religiosas são realizadas nos estados nor- Educativa (1936); Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio-
destinos, inclusive em cidades do interior e em municípios, mas, nal (1937); Serviço Nacional de Teatro (1937); Instituto Nacional do
apesar de algumas festas compartilharem o mesmo tema, em cada Livro (1937) e Conselho Nacional de Cultura (1938). Nacionalismo,
lugar elas assumem características próprias, de acordo com a tradi- brasilidade, harmonia entre as classes sociais, apologia ao trabalho
ção regional. Outrossim, há que se pensar que as festas tradicionais e reconhecimento do caráter mestiço balizaram o ministério.
da cultura popular também estão sendo afetadas pelas transforma- Nem a criação desses dispositivos, nem a modernização ense-
ções da comunicação e pela reorganização do mercado. jada pelo governo Getúlio Vargas com a constituição do Departa-
mento Administrativo do Serviço Público, em 1937/1938, tiveram
INSTITUCIONALIDADE DA CULTURA força para reverter a baixa institucionalidade da cultura, inclusive
Nos anos 1930 acontecem mudanças políticas, econômicas por conta de sua continuidade e instabilidade. A gestão cultural, por
e culturais relevantes no Brasil. A chamada “Revolução” de 1930 exemplo, desde seus primórdios e até os anos 1980, foi dominada
realiza outra transição pelo alto sem grandes rupturas. O novo re- por indicações políticas e familiares, longe, por conseguinte, de cri-
gime representa um compromisso entre a emergente burguesia in- térios mais afinados com a qualificação da administração cultural.
dustrial, as velhas oligarquias agrárias e outros segmentos sociais, No âmbito das excepcionalidades, destaque para o Serviço do
inclusive militares. As classes médias e o proletariado emergem Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, entidade emblemática
na cena política como atores mais substantivos que nos anos ante- das políticas culturais nacionais. Criado em 1937, ele acolheu mo-
riores. Industrialização; urbanização; modernismo cultural e cons- dernistas, a começar pelo seu quase eterno dirigente: Rodrigo Melo
trução do Estado centralizado são faces do país que se pretende ral no Brasil. MATRIZes. V.11 - Nº 2 maio/ago. 2017 São Paulo - Brasil ANTONIO
moderno6. ALBINO CANELAS RUBIM p. 57-77. https://www.revistas.usp.br/matrizes/arti-
6 Antonio Albino Canelas Rubim. Desafios e Dilemas da institucionalidade cultu- cle/download/123379/133230

19
CONHECIMENTOS

Franco de Andrade (1937-1967). O Serviço, depois Instituto (Iphan) O segundo momento (final de 1968-1974), o mais brutal da di-
ou Secretaria, até a década de 1970, optou pela preservação de mo- tadura, foi dominado pela tortura, assassinatos e censura sistemáti-
numentos de pedra e cal, de cultura branca e estética barroca, em ca, interditando parte significativa da dinâmica cultural, sobretudo
geral: igrejas católicas, fortes e palácios do período colonial. Assim, aquela de tonalidade mais crítica e progressista. Época do chamado
o Iphan circunscreveu sua área de atuação, diluiu polêmicas, de- vazio cultural, contrariado pelas contraculturas hippie e marginal.
senvolveu competência técnica e profissionalizou seu pessoal. Seu Tempo de imposição da cultura midiática, tecnicamente sofisticada
“insulamento institucional”, na formulação de Sergio Miceli, garan- e fiel reprodutora da ideologia oficial.
tiu certa independência da ingerência política, gestão diferenciada, A derrota da ditadura nas eleições legislativas de 1974 possi-
continuidade administrativa, inclusive de seu dirigente, e reforço bilitou o terceiro momento, que terminou em 1985, com o final do
de sua institucionalidade (Miceli, 2001: 362). Paradoxalmente, sua regime militar. Para realizar a transição sob sua hegemonia, ele bus-
força foi sua fraqueza. A opção elitista, com forte viés classista; a cou cooptar profissionais da cultura (Ortiz, 1986: 85), por meio da
não interação com públicos dos sítios preservados e o imobilismo, ampliação de investimentos, inclusive institucionais, na área. Pela
advindo da longa estabilidade institucional, impediram o Iphan de primeira vez, o país teve uma Política Nacional de Cultura (1975).
acompanhar os avanços da área de patrimônio (Miceli, 2001; Gon- Inúmeras instituições culturais foram criadas (Miceli, 1984), dentre
çalves, 1996). elas: Fundação Nacional das Artes (1975), Centro Nacional de Re-
A gestão de Capanema buscou superar uma das tristes tradi- ferência Cultural (1975), Conselho Nacional de Cinema (1976), Ra-
ções das políticas culturais no Brasil: as ausências. Ao fazer essa diobrás (1976) e Fundação Pró-Memória (1979).
tentativa, ela estabeleceu outra problemática tradição: a íntima Destaque para dois acontecimentos. Primeiro: a criação da
relação entre governos autoritários e políticas culturais nacionais, Fundação Nacional das Artes (Funarte), instituição emblemática, a
apesar de algumas de suas iniciativas terem ocorrido no período partir da experiência do Plano de Ação Cultural (1973). A Funarte,
anterior à ditadura do Estado Novo. Essa tradição, inventada na era inicialmente uma agência de financiamento de projetos, consoli-
Vargas, será retomada depois pela ditadura militar, implantada em dou-se por meio de intervenções inovadoras; da constituição de
1964. corpo técnico qualificado, oriundo das próprias áreas culturais; e da
O interregno democrático de 1945 a 1964 reafirmou as tristes tentativa de superar a lógica fisiológica de apoios no campo cultu-
tradições das ausências e dos autoritarismos. Esplendoroso desen- ral, pela análise de mérito dos projetos (Botelho, 2001). Modifica-
volvimento da cultura brasileira aconteceu em praticamente todas ções posteriores retiram da Funarte esse caráter inovador.
as áreas, o qual, porém, não teve correspondência na institucionali- O segundo movimento expressivo esteve associado à figura
dade e nas políticas culturais no país, sendo que estas, com exceção de Aloísio Magalhães. Em sua rápida trajetória, facilitada por seu
da atuação do Iphan, quase inexistiram. dinamismo, criatividade e relações com setores militares, Aloísio,
Intervenções pontuais marcaram o período democrático: a ins- um intelectual administrativo (Ortiz, 1986: 124), até sua morte em
talação do Ministério da Educação e Cultura, em 1953, sem reforçar 1982, criou ou alterou organismos como: Centro Nacional de Refe-
a institucionalidade da cultura, pois não significou a existência de rência Cultural (1975); Iphan (1979); Sphan e Pró-Memória (1979)
nenhuma estrutura nova; a expansão das universidades públicas e Secretaria de Cultura do MEC (1981). Sua visão renovada do
(nacionais); a Campanha de Defesa do Folclore e a criação do Insti- patrimônio; sua concepção antropológica de cultura; sua atenção
tuto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). com o saber popular, o artesanato e as tecnologias tradicionais
A ditadura militar de 1964 reatualizou a triste tradição do vín- (Magalhães, 1985) ensejaram mudanças, limitadas pelo contexto
culo entre políticas culturais e autoritarismos. Os militares reprimi- ditatorial.
ram, censuraram, perseguiram, prenderam, assassinaram, exilaram As experiências excepcionais, mas isoladas, do Iphan e da Fu-
a cultura, os intelectuais, os artistas, os cientistas e os criadores po- narte não têm cacife para mudar o panorama da institucionalidade
pulares, e, ao mesmo tempo, constituíram uma agenda de realiza- cultural brasileira. As três tristes tradições prevalecentes na traje-
ções. Três fases marcaram a relação entre governo militar e cultura. tória das políticas culturais no país – ausências, autoritarismos e
De 1964 até 1968, a ditadura perseguiu, em especial, os se- instabilidades – não permitiram maior atenção e cuidado com a ins-
tores populares e militantes vinculados a estes segmentos. Apesar titucionalidade cultural. Ela se manteve imersa no amadorismo, fra-
da repressão, ocorreram manifestações políticas contra o regime, gilidade, clientelismo, fisiologismo, patrimonialismo e instabilidade.
em especial dos setores médios, e existiu uma expressiva “floração
tardia” da cultura dos anos anteriores, hegemonicamente de es- Novo Patamar Possível da Institucionalidade Cultural no Brasil
querda, mas circunscrita às classes médias, como assinalou Roberto Os desafios colocados para os governos Lula e Dilma não eram
Schwarz (1978). apenas superar as políticas culturais neoliberais da gestão FHC,
A ditadura estimulou o predomínio da cultura midiatizada (Ru- mas enfrentar as três tristes tradições – ausências, autoritarismos
bim; Rubim, 2004). A instalação da infraestrutura de telecomuni- e instabilidades –, que dificultaram políticas culturais ativas, demo-
cações, a criação da Telebrás e da Embratel e a implantação da in- cráticas e sustentáveis e interditaram ganhos mais significativos na
dústria cultural foram realizações dos militares, que controlaram os institucionalidade cultural no país.
meios audiovisuais e buscaram integrar simbolicamente o país, pelo A gestão cultural no Brasil possui forte tradição de desconti-
viés da política de segurança nacional, com a adesão da mídia. Na nuidades. Três movimentos, iniciados por Lula e desenvolvidos por
contramão, intelectuais “tradicionais”, como diria Gramsci (1972,
Dilma, assumiram centralidade na superação dessa triste tradição
1978a, 1978b), aliados do regime e instalados no recém-instituído
institucional e na construção de políticas de Estado. Trata-se do
Conselho Federal de Cultura (1966), demonstravam preocupação
Plano Nacional de Cultura (PNC), do Sistema Nacional de Cultura
com o impacto da televisão sobre as culturas regionais e populares,
(SNC) e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que assegura
concebidas em perspectiva conservadora (Ortiz, 1986). Eles estimu-
orçamento para a cultura. Tais iniciativas não são as melhores, nem
laram a institucionalidade da cultura incentivando a criação de con-
as contempladas com maiores recursos no ministério. Elas não têm
selhos e secretarias em alguns estados brasileiros.

20
CONHECIMENTOS

a repercussão ou a visibilidade, por exemplo, do programa Cultura O SNC busca articular, de modo voluntário, os entes federativos
Viva e seus Pontos de Cultura. Mas elas possibilitam, dada à arqui- – União, estados e municípios – em trabalho colaborativo e comple-
tetura política e institucional, a configuração de políticas de Estado. mentar. O termo da adesão voluntária ao SNC prevê que cada ente
Isto é, de políticas de longo prazo no campo da cultura. federativo deva constituir um órgão específico de gestão em cultura
A PEC está paralisada no Congresso Nacional há mais de dez (secretaria específica, secretaria compartilhada, fundação, direto-
anos, sem uma perspectiva razoável de aprovação, em especial, ria, departamento etc.); um conselho de cultura, instituído em mol-
com a nova conjuntura nacional, em que vinculações orçamentárias des democráticos; e um fundo de apoio à cultura, que estimule o
existentes para a Educação e a Saúde são atacadas pelo governo desenvolvimento da cultura e possa receber repasses financeiros.
interino e seus aliados políticos. Ela propõe alterar a Constituição A implantação do SNC potencializa estruturas e fluxos do cam-
Federal para garantir a vinculação de, pelo menos, 2% do orçamen- po da cultura e aumenta de modo significativo a institucionalidade
to nacional para a cultura, sendo 1% distribuído para estados e mu- cultural. A adesão ao SNC requer a construção de sistemas esta-
nicípios, além de prever que os estados destinem, no mínimo, 1,5% duais e municipais de cultura. Além da conjunção colaborativa dos
de seus orçamentos; e os municípios, ao menos, 1% do orçamento entes federativos, o SNC prevê ainda a integração ou a constituição,
para a cultura. A determinação constitucional de orçamento carim- quando for o caso, de subsistemas, a exemplo do Sistema Nacional
bado se torna essencial para superar a tradição de instabilidades, de Museus e similares.
pois, além de ampliar as verbas para o campo cultural, garante o Os sistemas articulam atores; racionalizam recursos; viabilizam
recebimento continuado e estável de recursos, o que viabiliza o trabalhos colaborativos; facilitam intercâmbios; possibilitam inicia-
planejamento na área, com impactos positivos para o desenvolvi- tivas inovadoras; ampliam a envergadura das intervenções; exigem
mento da cultura. A paralisia da PEC no Congresso Nacional invia- gestão e profissionais mais qualificados; demandam normas e roti-
biliza, no momento, maiores análises. Cabe assinalar, no entanto, nas; viabilizam conexões federativas; garantem estruturas institu-
o quadro político do país e do Congresso Nacional como bastante cionais mais consistentes; enfim, consolidam políticas mais perma-
adversos a sua aprovação. nentes e de longo prazo.
O Plano Nacional de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura O SNC tem como componentes, em níveis da união, dos es-
encontram-se em situações bastante distintas. Eles caminharam tados e dos municípios: órgãos gestores; conferências; conselhos;
desde 2003, ainda que em ritmos distantes da velocidade ideal
planos; sistemas de financiamento; sistemas setoriais; sistemas de
requerida pelos processos de implantação e pelas comunidades
informação e indicadores; comissões intergestores e programa de
culturais. Em 2010, foi aprovada pelo Congresso Nacional a lei que
formação na área da cultura (Brasil, 2011).
instituiu o Plano Nacional de Cultura (PNC) (Brasil, 2010b). Ela foi
A construção do SNC, proposto inicialmente no documento A
precedida pela incorporação à Constituição Federal da emenda
imaginação a serviço do Brasil (Partidos dos Trabalhadores, 2002),
nº 48, de 10 de agosto de 2005. Em 2012, a emenda 71 incluiu na
foi assumida de maneira muito incisiva pela Secretaria de Articula-
Constituição Federal brasileira o Sistema Nacional de Cultura (SNC).
ção Institucional do Ministério da Cultura, na gestão de Márcio Mei-
O PNC e o SNC são políticas estruturantes que devem alterar pro-
ra. No final de 2005, o SNC foi legitimado na I Conferência Nacional
fundamente a institucionalidade cultural no Brasil, pois exigem po-
líticas de Estado de longo prazo. de Cultura e já contava com a adesão de quase todos os estados e
A aprovação pelo Congresso Nacional da emenda constitucio- mais de mil municípios. Com a saída de Márcio Meira, a construção
nal e a subsequente elaboração do PN Cultura, em parceria do Mi- do SNC sofreu atrasos até ser retomada com vigor em 2009 com a
nistério da Cultura com a Câmara dos Deputados, dotou o país de vinda de José Roberto Peixe para o Ministério da Cultura, e fortale-
um plano com duração de dez anos (Brasil, 2008). Ele reúne minis- cida em março de 2010 com a realização da II Conferência Nacional
tério, Congresso e sociedade civil, dada sua construção como polí- de Cultura.
tica pública, realizada em audiências, conferências, debates e semi- A retomada dos trabalhos implicou em reativar os acordos
nários. Mas, o número demasiado de diretrizes, ações e prioridades com estados e municípios – hoje envolvendo todos os 26 estados,
inscritos no PNC dificulta que, ao final dos dez anos previstos, seja o Distrito Federal e por volta de dois mil municípios –, em deta-
alcançado avanço significativo em relação à situação de 2010 (Ru- lhar o arcabouço jurídico do SNC e em conformar atividades que
bim, 2009). O Ministério da Cultura, no ano de 2011, desenvolveu começassem a dar efetividade ao SNC. Dentre eles, cabe destacar o
admirável esforço em traduzir por volta de 250 ações em 53 metas, projeto-piloto de curso em gestão cultural, esboçado por comissão
buscando tornar o PNC passível de ser executado, acompanhado de especialistas, que foi realizado em Salvador, com o objetivo de
e avaliado. O Conselho Nacional de Políticas Culturais aprovou as iniciar o processo de formação do pessoal qualificado que o SNC
metas, depois divulgadas, inclusive em estados e municípios, pois demanda. A partir desse curso inicial, muitas outras experiências
a efetividade de muitas delas depende da atuação colaborativa dos foram realizadas, começando a dar substância ao Programa de For-
entes federativos. O PNC estabeleceu uma perspectiva de planeja- mação em Cultura, parte constitutiva do SNC (Rubim; Rubim, 2012;
mento na área cultural nacional e induziu que essa atitude fosse Rubim; Rubim, 2014; Costa, 2011, 2014).
adotada nas esferas estaduais e municipais, dado que ele implica Simultâneo ao curso, outro projeto mapeou as experiências
em planos estaduais e municipais de cultura. existentes no país de formação em políticas, gestão e produção
A construção do Sistema Nacional de Cultura vem sendo reali- culturais. A pesquisa permitiu um diagnóstico do panorama da for-
zada pelo ministério, em parceria com estados, municípios e socie- mação em cultura: na graduação, na pós-graduação ou mesmo em
dade civil (Brasil, 2016). Ela é vital para a consolidação de políticas e extensão (Rubim; Barbalho; Costa, 2012). O mapeamento sugeriu
de estruturas, pactuadas e complementares, que viabilizem a exis- ao Ministério da Cultura tomar a iniciativa de constituir uma Rede
tência de programas culturais de prazos médios ou longos, portanto de Formação em Cultura, associada ao SNC, que reúna o ministé-
não submetidas às intempéries das conjunturas políticas ( Meira, rio e as instituições qualificadas, territorialmente distribuídas, para
2016; Rubim, 2016). desenvolver o programa de formação e capacitação em cultura. A

21
CONHECIMENTOS

conformação dessa rede de cooperação proverá o Estado de políti- Ação social adquire, portanto, uma maior concretude. Entre as
cas mais permanentes no campo da formação. A rede, entretanto, ações sociais possíveis, Marx distingue as ações conscientes e as
ainda não foi constituída. alienadas.
Órgãos gestores, coletivos, comissões, sistemas e outras Portanto, embora reconhecendo o condicionamento social da
instâncias previstas implicam em pessoal (qualificado), em ação humana e seu papel como elemento constitutivo da socieda-
especial, dedicado à gestão pública no campo da cultura. A atenção de, o conceito de ação social na sociologia remete ao princípio da
com a gestão cultural aparece constantemente reafirmada em liberdade e da participação histórica.
documentos do ministério, em especial, os dedicados ao PNC e ao
SNC. O documento ministerial enunciou: Coerção Social
A formação de pessoal em política e gestão culturais é estraté- Chamamos de coerção social à força da coletividade e da socie-
gica para a implantação e gestão do Sistema Nacional de Cultura, dade sobre a vontade individual. Émile Durkheim percebia de modo
pois trata-se de uma área que se ressente de profissionais com co- tão categórico a importância dessa orientação da sociedade sobre
nhecimento e capacitação no campo da gestão das políticas públi- seus membros que chegou a usá-la como elemento definidor de
cas. (Brasil, 2011: 49-50) fatos sociais. Para ele, fato social é aquele fenômeno que, sendo
O texto, depois dessa constatação, alargou o espectro da qua- exterior ao indivíduo, a ele se impõe de maneira decisiva. Coerção
lificação também para gestores do setor privado e conselheiros de passa a ser a essência da vida social e da oposição entre indivíduo e
cultura. sociedade e entre natureza e cultura.
Nas três conferências nacionais de cultura realizadas, nos anos Outros autores, entretanto, como Parsons e Clyde Kluckhohn,
de 2005, 2010 e 2013, bem como em conferências setoriais, esta- antropólogo norte-americano, estudaram a importância da coerção
duais, territoriais e municipais, a temática da formação, capacitação exercida pelos valores introjetados pelo indivíduo e que se manifes-
e qualificação foi sempre uma das principais reivindicações das co- tam sob a forma de ideais que ele busca satisfazer. Não existe nesse
munidades culturais. Tais atitudes colocaram em cena a formação, caso nenhuma oposição entre comportamento social e individuali-
componente imprescindível para bem equacionar a institucionali- dade. Há na sociedade inúmeros mecanismos de coerção social, os
dade. quais dizem respeito tanto à maneira como se socializam os mem-
bros de uma sociedade — introjetando valores e normas — quanto
aos recursos institucionalizados de controle social. Em toda relação
social existem mecanismos de punição e recompensa pelos quais
DOS ELEMENTOS MATERIAIS, SIMBÓLICOS, CONHECI- orientamos nossa ação e a dos outros. Além dessa possibilidade
MENTOS, VALORES, CRENÇAS E PRÁTICAS ENVOLVIDOS de coerção intersubjetiva, há formas institucionalizadas de coerção
NO PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO DOS INDIVÍDUOS, DE que se tornam mais radicais à medida que o comportamento que
CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA E NA CONSTITUIÇÃO DA se queira regular assume uma dimensão mais coletiva. Nesses casos
DIVERSIDADE SOCIOCULTURAL os sistemas de controle se tornam mais eficientes e deixam menor
espaço para a decisão individual.
Ação Social A teoria marxista, por sua vez, desenvolveu o princípio pelo
Ação social é um conceito básico da sociologia e designa de qual as classes sociais, tendo interesses opostos em relação à vida
maneira geral toda ação humana que é influenciada pela consciên- social, disputam o poder a fim de transformar esses interesses em
cia da situação concreta na qual se realiza e da existência de agen- ordem social. Nesse caso a coerção social se dá entre a classe domi-
tes sociais entre os quais a ação acontece7. nante e a classe dominada e é uma das funções do poder existente
Max Weber elegeu o conceito de ação social como elemento na sociedade.
primordial de sua teoria, definindo-a como a ação com um sentido,
ou seja, uma intenção e um motivo. Distinguiu, de acordo com os Comunicação
possíveis sentidos, as seguintes ações sociais: O conceito abrange diferentes processos de interação entre os
a) racional - ação orientada para um fim determinado. homens, comuns a toda cultura humana e uma das bases para a
b) orientada por valores — ação que é um fim em si mesma. identificação daquilo que nos distingue dos demais animais. Desses
c) afetiva — ação motivada pela emotividade de quem a pra- processos, o uso das linguagens é um dos mais importantes, en-
tica. tendendo-se a linguagem como um conjunto organizado e limitado
d) tradicional — ação que se baseia nos usos e nos costumes de signos associados segundo um grupo de regras de combinação,
sociais. determinadas técnicas de expressão que fazem uso de tecnologias
da comunicação. Do gesto à palavra, as mais diferentes linguagens
Talcott Parsons, sociólogo norte-americano deste século, de- estão incorporadas a esta definição. Elemento básico da vida social,
senvolveu o conceito de ação social distinguindo nela três elemen- a comunicação dá forma à cultura e permite a integração dos seres
tos indispensáveis: o agente social ou ator, a situação na qual a ação à sociedade.
se realiza e a orientação da ação. Neste último elemento, à maneira O estudo da comunicação se tornou especialmente importante
de Weber, Parsons percebe um sentido determinado por motiva- na análise da sociedade contemporânea, onde a presença e abran-
ções e valores. gência dos meios de comunicação têm introduzido elementos no-
Na teoria marxista, o conceito adquire outro sentido. Marx re- vos na relação entre as pessoas e destas com a realidade que as
laciona a ação social com a práxis e, ao contrário de outros soció- circunda. Nesse sentido, a comunicação implica o estudo dos meios
logos, distingue valores e motivações da ação propriamente dita. de comunicação, das formas de representação simbólica, da ficção
7 Costa, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 4º ed. São Pau- e das diferentes linguagens midiáticas — a fotografia, o cinema, o
lo: Moderna, 2010. rádio e a televisão.

22
CONHECIMENTOS

O desenvolvimento da sociedade midiática contemporânea — Consenso


uma sociedade globalizada na qual as relações estão intermediadas Presente no pensamento sociológico desde Auguste Comte, o
pelos meios de comunicação de massa — acabou por engendrar consenso é o estado em que se encontra uma sociedade caracteri-
a formação do campo da comunicação, área de estudos das inte- zada por uma forte coesão entre seus membros, fazendo prevalecer
rações simbólicas das relações significativas, da indústria cultural, a interdependência entre eles e suas formas de adequação acima
das políticas de comunicações e das possibilidades de participação dos interesses e das expectativas individuais.
comunicativa do cidadão. De acordo com o conceito de campo de O consenso resultaria da eficácia dos mecanismos sociais em
Bourdíeu, o estudo da comunicação prevê o exame das relações de garantir a assimilação de valores, a socialização e o controle social.
dominação envolvendo indivíduos, instituições e organizações so- Muitas dessas análises deixaram de estudar, entretanto, os meca-
ciais. nismos artificiais de consenso, típicos dos regimes totalitários, ca-
pazes de simular comportamentos adequados e uma unanimidade
Comunidade ideológica, resultantes unicamente do circunstancial monopólio do
O conceito de comunidade, de enorme importância na socio- poder. A deserção e outras manifestações de protesto individual e
logia do século XIX, designa os agrupamentos humanos nos quais coletivo seriam maneiras de evidenciar a fragilidade de certas for-
se verifica um grau elevado de intimidade e coesão entre seus mas de consenso social. A força dos mecanismos repressivos tam-
membros, engajamento moral e urna garantia de continuidade. Os bém evidenciaria essa mesma fragilidade.
sociólogos positivistas dedicaram parte de suas teorias ao estudo Já nas sociedades democráticas, as formas de consenso assu-
da comunidade, considerado como o modelo de vida social próprio mem muitas vezes o caráter de uma negociação, isto é, sustentam-
das sociedades agrárias, caracterizado por relações primárias e tra- -se em mecanismos de ajuste pelos quais os diversos atores cedem
dicionais, influência fundamental da família e pequena flexibilidade parte de seus interesses em favor de situações intermediárias de
das relações existentes. interesse coletivo. O consenso não se verificaria por uma igualdade
O filósofo e sociólogo alemão Ferdínand Tõnnies foi um dos de valores e interesses, mas pela possibilidade de situações de con-
teóricos que procuraram entendera organicidade da vida comunitá- ciliação. A oposição pacífica entre posições divergentes está pressu-
ria assim como fizeram, mais tarde, Donald Pierson (sociólogo nor- posta nessa forma de consenso.
te-americano) e Robert Maciver (filósofo social e sociólogo inglês). O consenso foi confundido muitas vezes com os desejos, os
De maneira geral atribui-se à comunidade uma forte homogenei- interesses e os valores da maioria, entendida como maioria esta-
dade entre os indivíduos quanto aos seus interesses e às crenças tística o grupo dominante numa sociedade. Hoje, entretanto, dada
que compartilham, além de uma menor diferenciação nas funções a pluralidade da sociedade contemporânea, entende-se o consenso
e status individuais. Corporações, comunas e mosteiros foram estu- como a possibilidade de convívio e respeito entre os diversos gru-
dados como exemplos de comunidade. pos constituintes da sociedade.
Para Kingsley Davis, a base da interdependência entre os mem-
bros de urna comunidade estaria, de alguma maneira, em seu ele- Controle social
mento territorial. A comunidade seria sempre um grupo local, cuja Chamamos de controle social aos mecanismos materiais e sim-
integração entre os membros abrangeria todas as instituições exis- bólicos, disponíveis em uma dada sociedade, que visam eliminar ou
tentes, consideradas menos importantes ou menos abrangentes do
diminuir as formas de comportamento desviantes individuais ou co-
que a própria comunidade.
letivas. Fazem parte desses mecanismos as formas de controle res-
A comunidade foi estudada também como categoria que se
ponsáveis pela introjeção de normas e valores sociais e pela sociali-
define em oposição à de sociedade, que, por sua vez, designa as
zação dos membros de uma sociedade, previstas principalmente na
relações que emergiram com o surgimento da indústria e do Estado
educação formal e na informal — escola e meios de comunicação.
nacional. Ao contrário da comunidade, a sociedade se caracteriza
Também configuram formas de controle social as regras que orien-
pelo predomínio das relações impessoais, pela burocracia, grande
tam as recompensas e as punições existentes tanto na sociedade
desigualdade entre os indivíduos, complexa divisão social do tra-
balho e interdependência entre os membros, baseada em relações como um todo, presentes em seus códigos e constituições, como as
jurídicas e não-naturais ou biológicas. existentes em cada instituição particularmente.
Hoje a sociologia volta a estudar a comunidade, não mais como Os processos de orientação das expectativas, os modelos so-
forma de organização dos membros de uma sociedade, anterior ou ciais, as mensagens subliminares, os processos de valorização do
em oposição às formas mais individualistas e impessoais de con- comportamento individual e as regras de ascensão social são alguns
vivência, mas como relações específicas que integram grupos me- dos mais eficientes mecanismos de controle social. Quando todos
nores da sociedade, como os de vizinhança, os grupos religiosos esses falham ou quando, em decorrência da ambiguidade natural
e certas associações profissionais. Sociólogos norte-americanos das mensagens sociais, o desvio ocorre, as formas instituídas de
identificam na sociedade atual princípios emergentes de relações punição tendem a reafirmar os padrões da sociedade. A perda de
de solidariedade, que representariam novas formas de convivência benefícios e da liberdade, o confinamento, a segregação e a discri-
comunitária, baseadas em objetivos comuns e forte sentimento de minação são alguns dos mecanismos de controle social.
solidariedade. A possibilidade conformativa dos mecanismos de controle so-
A organização das minorias étnicas, raciais e religiosas, o re- cial se assenta na interdependência essencial das relações sociais.
gionalismo que emerge em meio à sociedade que se globaliza, a Sem essa reciprocidade, própria da vida social, os agentes sociais
multiplicação das associações profissionais e regionais, ao lado do não teriam poder sobre o comportamento individual. É ela que dá
enfraquecimento dos Estados nacionais, recolocam o estudo da co- o caráter social às reações de um agente sobre as ações desviantes
munidade como elemento essencial da vida social, e não mais como de outro.
uma forma de organização primária e em extinção nas sociedades
complexas.

23
CONHECIMENTOS

Além dos sociólogos, em especial os clássicos, também os psi- contemporâneas que a veem como um conjunto de significados
cólogos procuram entender os mecanismos da psique responsáveis partilhados por um grupo. O fenômeno da globalização, tornando
pela conformidade do indivíduo aos padrões existentes numa dada os hábitos de vida semelhantes nas mais distantes áreas do planeta,
sociedade. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, identificou o su- tem favorecido essa ideia de que a cultura é um conjunto de inter-
perego como a entidade na qual estariam armazenados os valores pretações da realidade, como proposto por Clifford Ceertz.
sociais, sendo responsável pela censura aos sentimentos e desejos Essa acepção abstrata da cultura favorece, de certo modo, o
individuais desviantes. O superego representaria o mecanismo in- entendimento mais vulgar do termo que designa a erudição de
ternalizado de controle social. certas pessoas, ou seja, um conjunto de informações que se tem
acesso por intermédio da educação formal ou informal e que as
Cooperação distingue dos demais, portadores apenas de um saber espontâneo
Leakey afirmou que o utensílio mais importante que o homem e aparentemente pouco ilustrado. Esse conceito como se percebe
criou não foi o machado, com o qual fere a pedra e fere seu inimi- nada tem de científico.
go, mas a sacola, com a qual tomou concreta uma forma própria O estudo da comunicação tem levado alguns autores, como
e inteiramente nova de convívio — a cooperação e a distribuição. Néstor Garcia Canclini, a estudarem a cultura midiática, termo que
Quando, após a revolução agrícola, o homem elegeu a sacola como aponta para o conjunto de narrativas, experiências e informações
instrumento essencial às suas atividades, estava estabelecendo for- que é partilhado pela sociedade por meio da mídia. As pesquisas
mas perenes de distribuição de funções, alimentos e bens. mostram que essa cultura vem substituindo as experiências e a in-
Desde então, a cooperação e a solidariedade têm se tornado fluência que se obtém com a cultura local, espontânea e imediata.
valor essencial da cultura humana. Podemos identificar nas formas
de cooperação algumas diferenças. Há a cooperação temporária Difusão
quando emergem em um grupo social formas de coesão e de ajuda Chamamos de difusão ao processo de mudança social por
mútua. Há a cooperação contínua, quando se prevê certa estabili- meio do qual elementos culturais — valores, crenças e tecnologia
dade nas formas de ação cooperativa. Podemos distinguir também — passam de uma sociedade a outra. Sabe-se que, desde o início
comportamentos relativos a uma cooperação direta, quando os da civilização humana, padrões culturais, assim como usos e cos-
elementos que atuam em conjunto estão integrados em função de tumes, atravessaram fronteiras e foram incorporados por outras
um objetivo comum, como no mutirão; ou indireta, quando os in- sociedades. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o arco, a flecha
divíduos têm suas ações interligadas por condições estruturais das e o alfabeto.
quais são muitas vezes inconscientes. É nesse nível que se dá com As barreiras para a introdução de padrões culturais estrangei-
frequência a cooperação entre o agricultor e o industrial. ros em um grupo social são, além das dificuldades regionais, a re-
A situação de cooperação é inversa à de oposição e conflito, sistência e a flexibilidade das sociedades, assim como o preconceito
na qual os membros de uma mesma situação veem seus interes- que desenvolvem para com o diferente.
ses como excludentes e se colocam como adversários. E, muitas O intercâmbio de padrões existentes entre as sociedades não
vezes, a cooperação é vista como uma forma de enfrentamento dos se dá, entretanto, de forma igualitária. As relações desiguais entre
conflitos. A cooperação se dá em situações nas quais os agentes elas, tais como as estabelecidas pelo colonialismo e o imperialis-
se defrontam com oposições mais fortes e violentas do que as que mo, provocam transformações profundas nas sociedades coloniais,
vivenciam entre si. extinguindo, de forma impositiva, formas tradicionais de vida pela
A cooperativa, como uma forma de produção, esteve presen- incorporação de novos padrões culturais.
te nos programas econômicos desde o século XIX e permanece até Os estudiosos do desenvolvimentismo chamam de efeito de-
hoje como alternativa em associações nas quais os interesses co- monstração ao poder e à atração que o$ padrões culturais dos
muns se sobrepõem aos interesses individuais. Acredita-se que a países desenvolvidos exercem sobre as populações dos países em
dimensão do movimento cooperativista seja um dos indícios do su- desenvolvimento, fazendo com que a absorção de novos hábitos e
cesso alcançado por algumas sociedades, na medida em que revela costumes ocorra de forma sistemática e com o mínimo de resistên-
a predominância de relações democráticas sobre as autoritárias. cia por parte da sociedade receptora ou dependente.
Há, portanto, aspectos mais importantes do que as barreiras
Cultura
culturais e geográficas no estudo da difusão. São questões que di-
Cultura é um termo originariamente relacionado com a antro-
zem respeito à natureza das relações entre sociedades, as quais
pologia, mas que assume cada vez maior importância nos estudos
modificam o ritmo, a intenção e a direção das trocas culturais, al-
sociológicos, especialmente no século XX, quando essas duas ciên-
terando o processo de assimilação, como é chamado o processo
cias passaram a estudar fenômenos semelhantes e a intercambiar
de incorporação de novos padrões culturais do ponto de vista das
ideias e pressupostos teóricos.
sociedades receptoras.
A cultura correspondeu nas ciências sociais novecentistas a
um conjunto de hábitos, costumes e formas de vida capazes de
distinguir um povo de outro ou um grupo social de outro. Esteve Divisão Social do Trabalho
relacionada com os estudos históricos e folclóricos numa acepção Entende-se por divisão social do trabalho a organização da
predominantemente materializada da vida social — a cultura cor- sociedade em diferentes funções, exercidas pelos indivíduos ou
responderia, nessa visão, a um conjunto de utensílios e produtos grupos de indivíduos. Nas sociedades mais simples, predomina a
em torno dos quais a sociedade se organiza — ferramentas, alimen- divisão social do trabalho baseada principalmente em critérios bio-
tos, matérias-primas, técnicas. lógicos de sexo e idade. Essa divisão parece decorrer de uma exten-
No século XX, com o advento de uma concepção mais simbóli- são analógica das diferenças naturais de funções entre membros
ca da vida humana, o conceito de cultura foi se desmaterializando, de um grupo.
ganhando conteúdos mais abstratos, até chegar às propostas mais

24
CONHECIMENTOS

A partir do momento em que a sociedade se torna complexa, sociabilidade, diferentes das relações de parentesco ou de poder.
em especial quando tem início o desenvolvimento da agricultura, A importância dessas relações tem se evidenciado na substituição
a sedentarizarão e o sistema de propriedade privada, surge uma constante das relações tradicionais por novas formas de conexão na
divisão social mais complexa, com a criação de novas funções. A in- sociedade contemporânea.
dústria foi sistema produtivo que mais desenvolveu a divisão social
do trabalho, criando uma imensa gama de funções e atribuições Função Social
diferenciadas. Função é um conceito tomado da biologia e que procura justi-
Durkheim diferenciava as sociedades nas quais existia a solida- ficar a existência de determinado comportamento por sua contri-
riedade mecânica — com uma divisão social do trabalho baseada buição na manutenção do todo no qual se insere. Nesse sentido,
em critérios tradicionais — daquelas em que se verificava a soli- função se aproxima do conceito de papel social, correspondendo à
dariedade orgânica, como a indústria, onde as diferentes funções maneira como um agente social participa de um conjunto de rela-
decorrem de necessidades do sistema produtivo e não da tradição. ções que tem um objetivo determinado.
A divisão social do trabalho implica sempre uma divisão não só Na verdade, muitos cientistas sociais procuram entender as
de funções, mas também de privilégios, regalias e poder. Para Marx, funções sociais, não como a interdependência das relações existen-
essa divisão no sistema capitalista industrial é responsável pela alie- tes numa sociedade, mas como a justificativa de existência dessas
nação do trabalhador em relação a seu trabalho, na medida em que relações. Tal análise, por seu caráter sincrônico e seu princípio con-
o operário realiza uma tarefa mínima perdendo a noção da riqueza formista, entretanto, pouco acrescenta ao estudo da natureza dos
que efetivamente produz. fenômenos sociais.
Prevendo a tautologia que o conceito de função poderia trazer
Estrutura Social aos estudos sociológicos, Durkheim distingue nos fatos sociais suas
Em O espírito das leis, Montesquieu já utiliza um tipo de análise causas — estruturais — e suas funções. O estudo genético e o fun-
da sociedade que poderíamos classificar de estrutural-funcional e cional se complementam na teoria durkheímiana.
que corresponde à identificação de uma coerência e de uma inter- As análises funcionalistas se desenvolveram mais na antropo-
dependência entre os elementos da vida social. Essa correspondên- logia, mas os sociólogos estiveram sempre atentos à natureza fun-
cia entre os diversos elementos da sociedade, entre valores, leis, cional dos fenômenos sociais, capaz de explicar ao mesmo tempo
comportamentos e instituições é explicada pela existência desse a interdependência entre diversos setores da sociedade. Spencer,
arcabouço que interliga, articula e dá sentido aos diversos compo- Mertori e Gouldner procuraram definir o que é uma função social e
nentes sociais. qual a autonomia das partes em relação ao todo.
George Murdock, antropólogo norte-americano, encontra na Os sociólogos contemporâneos retomam o conceito de função
estrutura social a origem de toda coerência da vida social. Botto- procurando mostrar também a existência de disfunções no interior
more identifica na estrutura social o complexo das principais insti- das relações sociais, explicando que certos comportamentos são
tuições e grupos sociais. Como eles, inúmeros sociólogos de dife- funcionais para certa ordem social e disfuncionais para outra. Pro-
rentes escolas de pensamento desenvolveram conceitos relativos curando dar às funções sociais uma natureza mais concreta, Par-
à estrutura social, alguns como um sistema integrado de relações sons procurou entendê-las corno as regras sociais existentes nas
e cargos, como Parsons, outros como um tecido de foiças sociais instituições e nos grupos.
em interação, como Mannheim. Para Marx, a estrutura social cor-
responde à estrutura de classes sociais de uma sociedade, sendo Grupo Social
aquele elemento que define as demais instâncias existentes. O conceito de grupo vem da matemática, que o define como a
De qualquer maneira, apesar das diferentes definições e con- reunião de elementos que têm pelo menos um aspecto em comum,
cepções, a partir das quais a estrutura social aparece como elemen- chamado de propriedade associativa.
to predominantemente comportamental ou conceituai ou teórico, Chamamos de grupo social a um conjunto de indivíduos que
alguns aspectos são constantes. A estrutura social corresponde, nas agem de maneira coordenada, autor referida ou recíproca, isto é,
diversas teorias, àquele elemento mais estável da vida social e me- numa situação na qual cada membro leva em consideração a exis-
nos sujeito às variações circunstanciais. Nesse sentido, a estrutura tência dos demais membros do grupo e em que o objetivo de suas
tende a se diferenciar da conjuntura. ações é, na maior parte das vezes, dirigido aos outros.
Está sempre presente no conceito de estrutura o princípio da Além de agir de forma autorreferente, o homem tem a cons-
reciprocidade e da ordenação, aquele elemento que interliga e dis- ciência de pertencera um grupo, o que implica interdependência,
tribui diferentes componentes da sociedade, sejam eles classes ou integração e reciprocidade, elementos fundamentais da vida social.
cargos institucionais. A estrutura seria aquele elemento definidor Podemos identificar no estudo dos grupos sociais os grupas
das várias características de uma sociedade, responsável, em últi- primários, tais como a família e a vizinhança, nos quais se observa
ma instância, pelos limites de ação tanto dos indivíduos como das forte envolvimento emocional, atitudes de cooperação e o compar-
instituições. tilhar de objetivos comuns. Os grupos secundários são mais formais
Por fim, a estrutura tende a aparecer nas diversas teorias em e menos íntimos e correspondem àqueles grupos formados pelos
oposição à noção de organização social, que corresponderia ao membros de grandes empresas e instituições como o exército.
princípio dinâmico da vida social, responsável pelo fluxo das ações Podemos ainda identificar no estudo dos grupos sociais os grupos
dos membros de um grupo. de referência, assim chamados por serem aqueles que servem
O estudo das novas tecnologias de informação e de comuni- de parâmetro para a ação individual. São seus valores e suas
cação tem levado alguns autores a ampliarem o conceito de estru- expectativas que ordenam os padrões de comportamento.
tura de modo a incorporar a noção de rede — conjunto de conta-
tos diretos e indiretos entre agentes, criadores de novas formas de

25
CONHECIMENTOS

Habitus Instituição Social


O conceito de hábito ou habitus foi utilizado na filosofia desde O comportamento humano tem por característica a padroniza-
Aristóteles procurando evidenciar as categorias que definem a pes- ção, isto é, sempre que um agente social obtém aquilo que deseja,
soa, mas, que se apresentando no tempo presente, tem suas raízes tende a repetir o comportamento adotado em novas situações, as-
no comportamento passado. sim como tende a ser imitado pelos que o cercam. A gratificação
Desse modo o habitus se refere a quem o expressa, à lingua- ou a punição decorrente das diversas ações leva à padronização e à
gem com a qual se expressa e às propriedades tanto materiais como formação de usos e costumes, e à cristalização das formas de com-
abstratas que o sujeito demonstra possuir e, ao mesmo tempo, ter portamento social, ou à sua institucionalização.
adquirido durante a vida. As instituições sociais são entidades que congregam várias des-
Este é um dos conceitos basilares da sociologia desenvolvida sas formas de comportamento estabelecidas, organizando-as de
por Pierre Bourdieu, com o qual ele procura designar e compreen- forma recíproca, hierárquica e com um objetivo comum. A partir
der as estruturas sociais da subjetividade, formadas a partir das do momento em que esse comportamento se institucionaliza, ele
condições de nascimento e ao longo da vida adulta. Além da for- se perpetua por meio de mecanismos próprios de controle social
mação da subjetividade, o habitus é responsável pela forma como existentes em toda instituição. Por essa razão as instituições são um
as instituições sociais, os valores e as relações são introjetados pe- importante elemento conservador da vida social ou de reafirmação
los indivíduos. Fazem parte do habitus a forma de perceber, sentir, da sociedade, como mostrou Georges Gurvitch, sociólogo russo na-
fazer, pensar e representar incorporadas, de maneira geralmente turalizado francês.
inconsciente, pelos agentes sociais. A família, a Igreja, o exército e a burocracia do Estado são as
O habitus tem o poder de definir a individualidade e de garan- mais antigas e fortes instituições sociais, dentre as quais a família se
tir certa persistência de nossa maneira de ser no decorrer da vida, destaca por seu caráter universal. As instituições econômicas — em
sendo o elemento primordial de nossa unidade. Bourdieu entende especial a propriedade — são de fundamental importância no ca-
o papel das circunstâncias e das posições sociais na constituição de pitalismo e responsáveis em grande parte pela estrutura de classes
nossos hábitos, bem como a possibilidade de haver semelhança de existente.
tendências em grupos que compartilham circunstâncias históricas, Resta ainda considerar que, apesar de sua função de manuten-
como as classes sociais, por exemplo. Mas, ao lado desse comparti- ção da sociedade, de manifestação direta da estrutura social, as ins-
lhamento das formas de ser, o autor concebe o habitus como uma tituições são passíveis de mudança e transformação. Exemplo disso
singularidade — a forma particular pela qual certas tendências se é o que vem ocorrendo com a família nas últimas décadas.
organizam compondo o indivíduo.
Integração
Ideologia A vida social se baseia na tendência de um indivíduo repetir
Vocábulo criado para designar, no século XVIII, a ciência que determinada ação sempre que, por meio dela, tiver obtido êxito em
deveria estudar os fenômenos mentais. Em Karl Marx, entretanto, seus propósitos. Baseia-se, ainda, na assimilação desse comporta-
o conceito adquire novo significado, designando a falsa consciência mento por outros membros do grupo, levando à sua padronização,
que os indivíduos manifestam acerca da realidade que os circunda, esse é o mecanismo de origem dos usos e dos costumes sociais.
em razão das distorções provocadas pela posição que ocupam na Por outro lado, a interdependência das relações sociais faz com
estrutura de classes sociais. A ideologia transforma-se, então, numa que uma série de ações estejam organizadas e padronizadas de for-
construção simbólica e valorativa que, em defesa de uma ordem so- ma recíproca, formando um conjunto de ações mutuamente refe-
cial, expressa uma visão de mundo relativa aos interesses das dife- renciadas, gerando um sentimento coletivo significativo.
rentes classes sociais. Segundo Marx, apenas o proletariado, como Dizemos então que uma sociedade é integrada quando as
classe revolucionária, poderia desenvolver uma ideologia capaz de ações de seus membros se relacionam mutuamente e o êxito do
apreender a realidade objetiva. comportamento individual, no alcance de seus objetivos, tende a
Com Karl Mannheim, estudioso da sociologia do conhecimen- gerar formas padronizadas de comportamento.
to, área da sociologia que ajudou a fundar, o conceito de ideologia Georg Simmel, sociólogo e filósofo alemão, ao analisar a emer-
perde essa rigorosa vinculação com a estrutura de classes sociais. gência de regras de “boas maneiras” ou de “polidez”, reconhece
Por outro lado, o autor admite a possibilidade de os intelectuais a existência de regras coletivas de formas de agir e chama a esse
romperem o véu que encobre ideologicamente a realidade. fenômeno de agregação. Schelling vai mais além, analisando a ma-
O conceito de ideologia mescla-se, muitas vezes, à noção de neira como ações individuais acabam por se transformarem macro-
crença, como um conjunto de ideias que se organizam como siste- fenômenos simplesmente por sua forma de integração.
ma explicativo da realidade, baseado muitas vezes na tradição e na O conceito de integração se opõe necessariamente ao de se-
cultura e não na verificação objetiva de seus fundamentos. Essas gregação, cuja função é justamente isolar setores da vida social e
crenças guiariam a conduta humana, justificando-a. Esse é prova- parcelas da população de determinada forma de convívio e com-
velmente o sentido que quis dar o compositor brasileiro Cazuza à plementaridade. Esse fenômeno provoca nos integrantes de um
palavra ao criar o refrão da música “Ideologia”: ideologia — eu que- grupo social não o sentimento de coesão e interdependência, mas
ro uma para viver. de aversão e discriminação.
Aprofundando esse viés construído principal mente pelo senso Chamamos de grupo integrado, como variável passível de men-
comum, ideologia confunde-se também com o conceito de utopia, suração, àquele grupo no qual os diversos membros executam tare-
um conjunto de crenças sobre a realidade e a história que, por seu fas diferentes, mas com alto grau de interdependência, como uma
alto grau de idealismo, apresentam-se como irrealidades. equipe médica, um time de futebol ou uma equipe de Fórmula 1.
O nível de integração da equipe é elemento fundamental no êxito
alcançado pelo grupo e pelos indivíduos que o compõem.

26
CONHECIMENTOS

Interação Social sa possibilidade de mobilidade social — falsa na medida em que


Podemos dizer que o conceito de ação social é o menor ele- é individual e não coletiva — impede que indivíduos e grupos de
mento de análise da sociologia e diz respeito ao caráter social da mesma condição social se unam e se organizem a fim de realizar
ação individual. Já o conceito de interação social pressupõe, no mí- mudanças estruturais na sociedade. A mobilidade social seria um
nimo, dois agentes sociais, “ego” e “alter”, como os chama Talcott meio de cooptação que as classes sociais mais elevadas promove-
Parsons. riam entre seus subalternos para criar vínculos e a ilusão de uma
Temos uma interação social, portanto, quando um sujeito — sociedade aberta. A mobilidade social funcionaria, nesses termos,
ego — age considerando não apenas as suas condições individuais como elemento desagregador da mobilização e da organização das
— motivos, valores e fins —, mas também as de outro — alter —, classes sociais subalternas, criando um espírito competitivo entre
com o qual interage e de quem depende o resultado de sua ação. seus membros.
Quando um agente interage com outro, desenvolve em relação
a ele uma série de expectativas a partir das quais orienta sua pró- Movimentos Sociais
pria ação. Essas expectativas derivam de um conjunto de padrões Chamamos de movimentos sociais a todas as formas de mo-
culturais comuns, pelos quais o ego pode prever uma série de pos- bilização de membros da sociedade que têm um objetivo comum
sibilidades quanto à resposta de alter à sua ação. explícito. Os movimentos sociais são o objeto por excelência da so-
Assim, o estudo da interação social revela aspectos essenciais ciologia dinâmica, permitindo o estudo dos processos sociais e das
da vida social: a reciprocidade — os atores sociais respondem às mudanças.
ações uns dos outros sob a forma de punição ou recompensa; a Quando um indivíduo age em discordância com as regras so-
interdependência — a ação de um ator está condicionada à reação ciais de seu grupo, seu comportamento é considerado desviante
do outro; a tendência â padronização — uma ação bem-sucedida e ele é punido de acordo com as formas estabelecidas. Quando o
tende a ser repetida e imitada, padronizando-se como forma de comportamento discordante se propaga e é adotado de forma or-
comportamento. ganizada por um grande número de membros, estamos diante de
Foram as teorias sobre a interação social que levaram também um movimento social e da possibilidade de mudança, quer de uma
ao estudo e reconhecimento da importância da comunicação nas instituição quer da estrutura social. As greves, as passeatas, as ocu-
relações sociais e do caráter simbólico das interações. pações de terras são exemplos de movimentos sociais.
É preciso lembrar ainda que, embora os estudos procurem Na maioria das vezes os movimentos sociais surgem de forma
destacar o caráter recíproco das interações sociais, elas estão não- -coordenada, para irem depois, pouco a pouco, assumindo
condicionadas a outros elementos da vida em sociedade, como uma forma organizada e estratégica.
os diferentes status sociais. Assim é que as interações entre ego Inúmeras teorias procuram distinguir a natureza dos movimen-
e alter não são igualitárias e envolvem relações de dominação e tos sociais. Alguns são considerados messiânicos, como o de Padre
submissão, bem como diferentes possibilidades de recompensa e Cícero, em Juazeiro, outros carismáticos, por dependerem de forma
punição. intensa de um determinado líder, como o gandhismo, por exemplo.
Smelser, por sua vez, distingue os movimentos sociais que procu-
Mobilidade Social ram modificar normas daqueles que visam mudar valores, sendo
Chamamos de mobilidade social à possibilidade de um indiví- difícil, porém, que uma mudança de valores não transforme as nor-
duo, sociais. Uma família ou um grupo social modificar sua posição mas e vice-versa
social — seu status—numa determinada sociedade. A mobilidade Os movimentos sociais também variam conforme a sua ampli-
implica uma mudança de papel social, função social, atividade eco- tude. Alguns processos reivindicatórios têm o limite da instituição
nômica, poder político e econômico. na qual ocorrem; outros, entretanto, acabam envolvendo a socieda-
A mobilidade pode ser horizontal, quando transformações es- de como um todo. As greves nos meios de transporte extrapolam,
truturais implicam, por exemplo, a modificação de determinadas por exemplo, o âmbito da instituição que os administra.
atividades econômicas. A mecanização da produção agrícola provo- Embora os movimentos sociais sejam basicamente aqueles nos
cou o êxodo rural e a integração de parcelas da população do cam- quais podemos identificar claramente os objetivos e os valores dos
po à vida urbana, não acarretando elevação no padrão de vida. A membros atuantes e distinguir formas de liderança e de organiza-
passagem do trabalho agrário para o urbano-industrial representa ção, não podemos deixar de considerar como movimentos sociais
uma mobilidade horizontal. as multidões, estudadas por Herbert Blumer, psicólogo social e
Os processos de migração e imigração são exemplos de mobi-
sociólogo norte-americano. Esse cientista classificou as ações co-
lidade territorial, não implicando muitas vezes mobilidade vertical
letivas da seguinte forma: as de tipo casual, como as torcidas de
nem horizontal, ou seja, modificação na participação dos indivíduos
futebol; as convencionais, como o público dos grandes shows, e as
e dos grupos na hierarquia social.
multidões expressivas, como os movimentos de manifestação polí-
A ascensão vertical, ou seja, a possibilidade de os indivíduos
tico-partidária.
galgarem posições mais elevadas numa determinada organização
social, foi amplamente estudada pelos sociólogos norte-america-
Mudança Social ou Processo Social
nos, em especial por Pitirim Sorokin, sociólogo e filósofo social. Esse
autor identificou na vida social uma orientação dos indivíduos, de A percepção mais clara que o cientista social tem da realida-
uma posição inicial ou de Iargad3 em direção a uma posição final de quando sobre ela se debruça é a de sua instabilidade e de sua
ou de chegada, responsável por grande parte de suas ações e as- permanente mudança. A busca de um padrão teórico capaz de
pirações. explicar o mecanismo de transformação social e de dar conta das
Os teóricos marxistas criticam o conceito de mobilidade social mais diferentes mudanças ocorridas na sociedade humana foi ob-
uma vez que identificam nesse fenômeno um mecanismo ideoló- jeto de pesquisa de muitos cientistas. Alguns chegaram a construir
gico que visa diminuir o antagonismo entre classes sociais. A fal- modelos cíclicos, como Spengler, para quem os diversos momentos

27
CONHECIMENTOS

históricos das sociedades apresentariam uma dinâmica interna de Organização Social


surgimento, maturidade e decadência, à semelhança do que ocorre Radcliffe-Brown definia a organização social como a ordena-
aos organismos vivos. ção sistemática de relações sociais e obrigações entre os diversos
Muitos sociólogos e historiadores do século XIX acreditaram, grupos. Broom e Selzníck identificam organização com ordem social
por outro lado, no evolucionismo, ou seja, no princípio de que toda que se manifestaria em diferentes níveis — interpessoal, grupai e
transformação visava ao aprimoramento da espécie humana e das em um nível macrossocial, o da ordem social propriamente dita. 
formações sociais. As teorias desenvolvimentistas também adota- Realmente é possível estudar a organização social como o ele-
vam postura teórica semelhante. mento responsável pela correspondência das diversas ações sociais
Hegel e depois Marx, de maneira diversa, percebiam na so- e por sua reciprocidade, assim como pela maneira como os grupos
ciedade um movimento dialético entre forças conflitantes, que re- sociais agem para alcançar seus objetivos. Nesse sentido, o concei-
sultaria num moto perpétuo de urna dada situação (a tese) a seu to de organização é amplo e possibilita as mais diferentes análises,
oposto (a antítese) e finalmente a um novo momento (a síntese). que vão da explicação do funcionamento das empresas ao enten-
As teorias funcionalistas, por sua vez, procuraram explicar as dimento de como atuam as diferentes instituições sociais, como o
mudanças sociais partindo das condições internas de cada socie- exército e a Igreja.
dade e de suas possibilidades de transformação diante de forças É possível também analisar a organização social em estreita
de mudança, tais como inovações, modernizações e o contato com relação com a estrutura social, pressupondo-se entre elas uma
sociedades diferentes. importante correspondência. Enquanto a estrutura organiza e
Cientistas estruturalistas analisam as mudanças sociais como articula as diversas instâncias da vida social, desenvolvendo uma
decorrentes dos limites de ação estabelecidos pela própria estrutu- ação que tende à estabilidade e à definição da sociedade, a orga-
ra social. A partir desses limites, a ação social passa a exigir trans- nização seria a manifestação concreta e dinâmica dessa estrutura,
formações estruturais. quer em nível interpessoal quer em nível das instituições, como o
Estado. A organização corresponderia às regras de comportamento
Normas Sociais e a fluidez e integração dos diversos procedimentos previstos por
A conformidade da vida social percebida desde seus primeiros uma determinada estrutura sociaI. Nesse sentido, a organização do
estudiosos resulta em grande parte de seus mecanismos de inte- sistema jurídico responsável pela regulamentação do sistema de
gração, entre os quais estão as normas e os valores sociais. Embora heranças na sociedade capitalista só pode ser compreendida como
seja difícil distinguir precisamente um conceito de outro, podemos
manifestação de uma ordem estrutural capitalista.
dizer que os valores são o objetivo ou o sentido da ação social,
Essa relação entre estrutura e organização elimina da última
como o definiu Weber, enquanto as normas são as restrições e as
um certo caráter aleatório e ocasional.
coerções às condutas individual e coletiva. Assim, o sucesso é um
De qualquer maneira, em relação à estrutura, a organização
valor social, e o princípio de que uma pessoa deva ser responsável
social corresponde a um aspecto de ordenação da vida social, mais
pelos atos que pratica, em determinadas situações, é uma norma
flexível, adaptável e variável, além de possuir também, nas mais di-
social. Enquanto o valor age internamente nos indivíduos, em sua
versas teorias, um caráter mais empírico.
motivação, as normas atuam de forma externa. O aparato legal de
urna sociedade é um recurso para se fazer cumprir um conjunto de
regras de conduta socialmente estabelecidas. Papel Social
Normas sociais não significam normalidade nem implicam ne- Papel social é o conjunto de normas, direitos, deveres e expec-
nhuma noção universalista de conduta social. São mecanismos que tativas que envolvem urna pessoa no desempenho de uma função
asseguram a regularidade da vida social e a existência de suas insti- junto a um grupo ou dentro de uma instituição. Esse conceito tem
tuições, além de certa reciprocidade nas ações individuais. As nor- sua origem no teatro, quando as características e as falas de um
mas sociais se manifestam de diferentes formas — nos usos e nos determinado personagem em uma dada situação dramática são de-
costumes de uma sociedade, nas formas habituais de convívio que finidas. O primeiro a utilizar esse conceito no sentido sociológico foi
agem sobre os indivíduos desde a mais tenra idade. Manifestam-se Nietzsche, quando destacou o papel dos homens na sociedade de
também nos diversos códigos de conduta existentes nas famílias, seu tempo.
nas agremiações e na sociedade como um todo. Os papéis sociais podem ser atribuídos, isto é, designados aos
Assim, cada conjunto de normas tem diferente amplitude na indivíduos, independentemente de sua escolha. Os papéis familia-
sociedade, atingindo parcelas diferentes da população. Enquanto res são alguns exemplos dessas atribuições. Ser filho, por exemplo,
as normas que orientam a vida dos escoteiros, por exemplo, res- independe de escolha. Chamamos de papéis conquistados ou de
tringem-se a eles, as regras de trânsito são aplicáveis a todos os realização, como os chamava Weber, àqueles que exigem do ator
membros da sociedade. decisão e algum tipo de pré-requisito. Aqueles ligados ao desempe-
Como outros elementos da vida social, as normas são dinâmi- nho profissional ou à carreira são dessa ordem.
cas e se alteram no tempo e no espaço. Sua validade é garantida, Os papéis sociais formam geralmente um conjunto organizado
entre; tanto, pelo tempo em que vigoram, pela adesão dos mem- e interdependente envolvendo um grande número de atores. São
bros de uma sociedade e pelas punições e sanções sociais que se os sistemas de papéis que se dispõem, em geral, de forma hierár-
estabelecem diante das infrações às regras constituídas. quica e complementar.
Estudadas desde os séculos XVII e XVIII por filósofos sociais A divisão social do trabalho também teve como característica
como Rousseau, as normas sociais foram enfocadas de forma mais criar na indústria vastos sistemas de papéis hierarquizados.
sistemática nas teorias de Durkheim e Ferdinand Tõnnies. Embora seja um conceito típico das análises microssociológi-
cas, isto é, análises que procuram estudar determinados grupos
em suas formas de funcionamento, os papéis sociais, quando gene-

28
CONHECIMENTOS

ralizados dentro de uma sociedade, podem propiciar importantes Socialização


estudos macrossociológicos, é o caso do patriarcado, por exemplo, Chamamos de socialização ao processo pelo qual o indivíduo
que envolve a análise de um papel que extrapola o âmbito familiar. assimila os valores, as normas e as expectativas sociais de um grupo
Os papéis tendem a ser universais, embora sejam desempenha- ou de uma sociedade. Esse processo, responsável pela transmis-
dos por pessoas diferentes. Alguns autores identificam a personali- são da cultura, é contínuo e se inicia na família quando se realiza
dade individual na maneira própria com que cada um desempenha a chamada “socialização primária”. Depois é assumido pela escola,
seus papéis. De qualquer forma, um sistema de papéis pressupõe a pelo grupo de referência e pelas diferentes formas de treinamento
alternância e a substituição dos atores. A integração de uma pessoa e ajuste a que o indivíduo se submete no decorrer de sua existência
nos papéis que assume depende dos processos institucionalizados e que caracterizam a socialização secundária.
ou informais de socialização. Guy Rocher reconhece na socialização aquele mecanismo da
Chamamos conflitos de papéis quando as normas e as expecta- vida social pelo qual o indivíduo introjeta os valores sociais de ma-
tivas relacionadas aos diversos papéis de um ator são conflitantes e neira a se tornarem integrantes de sua personalidade, A socializa-
exigem dele ações divergentes. Por exemplo, a fidelidade à família ção é responsável por desenvolver nos membros de uma sociedade
pode exigir de um ator o desrespeito aos seus deveres como cida- gostos, ideias e sentimentos correspondentes à cultura do grupo no
dão e assim por diante. qual esses indivíduos vão viver.
Raiph Linton, Thomas Merton e Talcott Parsons são alguns dos A psicopedagogia desenvolveu inúmeros estudos tentando
sociólogos que se dedicaram ao estudo dos papéis sociais. desvendar as etapas e os mecanismos pelos quais os indivíduos vão,
paulatinamente, introjetando valores e formas de comportamento
Sistema Social adequados. Esses estudos, dos quais salientamos a obra de Piaget,
“Uma ordem em que todas as diferentes partes se sustentam consideraram o processo de socialização do ponto de vista uni-
mutuamente. “ Assim definiu Condillac o conceito de sistema. Ex- versal, independentemente da cultura na qual se realiza. Sabe-se,
traído da biologia e da matemática, onde adquiriu grande capacida- entretanto, que a capacidade de aprendizado está condicionada à
de explicativa, o conceito de sistema foi aplicado à vida social como maneira como o indivíduo participa da vida social e à posição que
o elemento capaz de explicar e justificar certa ordem existente. ele ocupa na sociedade.
Assim como os sistemas biológicos interligam os diversos órgãos, De maneira geral, a socialização é estudada como elemento de
realizando uma função necessária e vital, o sistema social seria o conservação da sociedade, de resistência a mudanças e de tradição,
mecanismo que integraria de forma interdependente as diversas São inúmeras as teorias que reforçam o papel da socialização na as-
instâncias sociais, em função de objetivos comuns e de sobrevivên- similação social dos indivíduos. Os sociólogos marxistas, entretan-
cia do todo social. to, reconhecem na socialização a possibilidade de conscientização
Ligado aos princípios de estabilidade e desenvolvimento, o sis- das classes dominadas, criando-se assim as condições necessárias à
tema aparece muitas vezes na sociologia como o elemento expli- ação revolucionária.
cativo de formas de comportamento e aspectos não-desejáveis da Pedagogos como Paulo Freire também salientam o papel da
vida social, representando uma racional idade extra individual ou educação — inclusive a formal — para a mudança e a libertação do
extra institucional. Consciente da utilização ideológica do concei- indivíduo e das classes sociais.
to de sistema, a sociologia moderna abandonou essa noção quase
teleológica de sistema — para a qual os fins sociais justificam os Status Social
meios — para firmar o princípio da interdependência das partes. É o status que define, numa determinada estrutura social, a
Nessa ótica, buscou-se desenvolver a ideia de que os sistemas posição que cada indivíduo ocupa na hierarquia de papéis sociais
apresentam tensões e desequilíbrios e que sua estabilidade é na estabelecidos. Comumente chamado de posição social, o status é
verdade instável, temporária e resultante de forças em oposição. Ri- um elemento comparativo entre os membros de uma comunidade
cardo, Malthus e Marx foram alguns dos cientistas que perceberam ou de uma instituição, definindo a distribuição de normas, deveres,
tendências explosivas e destrutivas nos sistemas sociais. direitos e privilégios para cada um de seus integrantes.
Assim surgiram classificações em relação aos diversos sistemas O status social valoriza e, distingue os indivíduos de um grupo
sociais, considerados abertos ou fechados, flexíveis ou inflexíveis, social, dispondo-os numa escala de posições: estabelecem entre
tendo se firmado o princípio de que os sistemas abertos, ou seja, as pessoas relações de dominação, subordinação e dependência.
aqueles que são permeáveis, adaptáveis e passíveis de transforma- Assim, essa forma de distinção passa a ter uma participação funda-
ção, são os que mais chances têm de sobreviver. mental no comportamento dos indivíduos bem como nas relações
Outro importante campo de aplicação do conceito se deu no que esses mantêm entre si.
estudo das relações entre a sociedade e o meio natural e o social. Os papéis que se encontram no topo de uma estrutura social
Essa ideia da interdependência entre a vida social e seu entorno e que correspondem às posições mais elevadas da hierarquia social
— natural e humano —, em nível de tensões e trocas permanen- são altamente valorizados na sociedade. Seus integrantes desfru-
tes, deu outro sentido ao estudo de padrões de comportamento. tam de prestígio e poder e desempenham funções de liderança.
Os processos de imigração, de adoção de determinadas formas de Galgar posições sociais ao longo da vida ou da carreira é um dos
exploração econômica passaram a ser vistos numa cadeia de causas objetivos de grande parte dos indivíduos de nossa sociedade.
e consequências mais ampla. É nessa ótica que se estudam também Alguns status são opcionais, isto é, dependem da concordân-
as relações internacionais em uma sociedade globalizada e todos os cia ou não do indivíduo em assumir certa posição social, como, por
ecossistemas desenvolvidos pela ciência contemporânea. exemplo, a ocupação de determinados cargos públicos. Outros sta-
tus são atribuídos e independem da escolha individual. Numa famí-
lia, por exemplo, ocupar a posição de avô independe da vontade de
quem a ocupa.

29
CONHECIMENTOS

A permanência dos indivíduos em determinada posição social


é temporária, existindo em cada sistema de status um conjunto de DAS DINÂMICAS DE CIRCULAÇÃO DE POPULAÇÕES,
regras que organiza a rotatividade dos indivíduos pelas posições so- VALORES, INFORMAÇÕES, COISAS OU BENS EM RAZÃO
ciais. Os privilégios que certas posições sociais asseguram aos seus DE FENÔMENOS NATURAIS, POLÍTICOS, ECONÔMICOS,
ocupantes são uma forma de recompensa àqueles que incorporam SOCIOCULTURAIS E TECNOLÓGICOS NO CONTEXTO DE
determinados valores da ordem social e agem em conformidade a MUNDIALIZAÇÃO OU GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA
esses valores. Desse modo, o status como forma de distinção indivi-
dual funciona também como mecanismo de integração social. A globalização contemporânea tem impulsionado uma intensa
As regras que determinam a ascensão ou a queda dos indiví- circulação de populações, valores, informações, coisas e bens em
duos nas hierarquias sociais, a chamada mobilidade social, revelam diferentes partes do mundo. Esse processo é influenciado por uma
os valores básicos da sociedade em questão e representam tam- série de fatores, incluindo fenômenos naturais, políticos, econômicos,
bém mecanismos de discriminação social. São essas regras que socioculturais e tecnológicos. Neste texto, exploraremos as dinâmicas
favorecem determinadas minorias sociais discriminadas pelo sexo, dessa circulação e suas implicações na contemporaneidade.
pela raça ou pela nacionalidade, garantindo-lhes privilégios.
Ralph Linton e Talcott Parsons foram alguns dos sociólogos que — Fenômenos Naturais
desenvolveram estudos sobre os sistemas de status sociais e sua Os fenômenos naturais desempenham um papel significativo
função na sociedade. na circulação de populações, valores, informações, coisas e bens.
Desastres naturais, como terremotos, furacões, tsunamis e en-
Valores chentes, podem resultar em movimentos migratórios forçados, de-
Se a justificativa da ação humana não se limita à satisfação de slocamentos populacionais e transferência de recursos. As pessoas
necessidades de origem biológica, física ou instintiva, o seu senti- afetadas por esses eventos muitas vezes são forçadas a deixar suas
do deve ser buscado em elementos da vida social e da cultura. A áreas de origem e buscar refúgio em outras regiões.
sociologia clássica, em Durkheim e Weber, já reconhecia o caráter Além disso, a geografia natural também influencia as trocas
valorativo e significativo da ação humana e sua importância na ex- comerciais e culturais entre os países. Portos, rios e rotas marítimas
plicação da vida social. desempenham um papel crucial na circulação de mercadorias e in-
Valores são os juízos e as avaliações que os indivíduos desen- formações, facilitando o comércio internacional e a disseminação
volvem por si mesmos e em grupos e que lhes permitem julgar, es- de ideias e conhecimentos.
colher e orientar seu comportamento. Para Weber, os valores é que
dão sentido à ação social, permitindo ao sociólogo a compreensão — Fenômenos Políticos
da vida em sociedade. Os fenômenos políticos têm um impacto significativo na circu-
Os valores sociais se traduzem na conduta humana por prefe- lação de populações, valores, informações, coisas e bens. Políticas
rências, gostos e atitudes pelos quais os agentes sociais manifestam migratórias, acordos comerciais, conflitos armados e decisões gov-
uma apreciação da realidade. São elementos dos mais importantes ernamentais influenciam diretamente a movimentação de pessoas,
no processo de socialização pelo qual um indivíduo é assimilado a fluxos comerciais, acesso a informações e a circulação de bens.
uma cultura. Por exemplo, políticas migratórias mais flexíveis e acordos
Os valores são introjetados ou desenvolvidos nos indivíduos de cooperação internacional podem facilitar a migração de tra-
desde a infância, época em que a família assume importante pa- balhadores, promovendo a diversidade cultural e contribuindo para
pel nesse processo. À medida que a pessoa cresce, outros grupos, o desenvolvimento econômico. Por outro lado, políticas restritivas
como a escola e os amigos, vão atuando de maneira mais significa- podem dificultar a mobilidade e gerar tensões sociais.
tiva na introjeção de novos valores sociais.
O estudo dos valores sociais revela o reconhecimento de certo — Fenômenos Econômicos
grau de liberdade da ação humana e a confirmação da pluralidade Os fenômenos econômicos têm um papel central na circulação
da vida social. Tendo sido muito importantes no desenvolvimento de populações, valores, informações, coisas e bens. A globalização
da sociologia clássica, para teorias de sociólogos como Tocqueville, econômica, caracterizada pela integração dos mercados e pela lib-
os valores sociais transformaram-se também em análises de “visões eralização do comércio, tem impulsionado a circulação de bens e
de mundo”, crenças, dogmas e paixões. serviços em escala global.
A economia, incorporando a noção de valor, procurou entender Os investimentos estrangeiros, as cadeias de produção global e
a ação humana em seus meios e fins, identificando os últimos como as práticas de outsourcing têm permitido a circulação de capitais, a
manifestação dos valores sociais. A análise marxista, por sua vez, transferência de tecnologias e a expansão de empresas multinacio-
redefiniu o conceito de valor social na medida em que procurou nais. Além disso, as desigualdades econômicas entre os países e as
analisá-lo como manifestação de interesses particulares, de grupos oportunidades de emprego influenciam os fluxos migratórios, com
e especialmente de classes sociais. Nesse sentido, os valores sociais pessoas buscando melhores condições de vida e oportunidades
expressariam uma situação de classe social, cuja prática resultaria econômicas em outras regiões.
na satisfação de interesses econômicos e políticos.
— Fenômenos Socioculturais
Os fenômenos socioculturais também desempenham um pa-
pel importante na circulação de populações, valores, informações,
coisas e bens. A troca de conhecimentos, ideias, práticas culturais e
valores entre diferentes sociedades promove a diversidade cultural
e o enriquecimento mútuo.

30
CONHECIMENTOS

A disseminação de valores universais, como direitos humanos e sociais. Por outro lado, as dificuldades em construir um corpo con-
liberdades individuais, é um exemplo dessa circulação sociocultural. ceptual específico prendem-se com a relação que mantém com o
Além disso, as redes sociais, a internet e os meios de comunicação espaço conceptual da sociologia geral, que destrói a especificidade
contribuem para a disseminação de informações em tempo real, e a própria identificação do espaço enquanto objeto sociológico e
permitindo a formação de comunidades virtuais e a mobilização de possuidor de identidade própria.
movimentos sociais. Por sua vez, a Sociologia Urbana teve, desde o seu nascimen-
to, na corrente culturalista da Escola de Chicago, um objeto teóri-
— Fenômenos Tecnológicos co especificamente urbano, partindo do pressuposto que o espaço
Os avanços tecnológicos têm revolucionado a circulação de urbano é detentor de características próprias, que constrange ou
populações, valores, informações, coisas e bens. A facilidade de incentiva determinados comportamentos urbanos.
transporte, as comunicações instantâneas e a conectividade global As duas perspetivas em presença, que partem de valorizações
permitem que as pessoas se desloquem mais rapidamente e se co- diferentes sobre os processos de produção e apropriação social do
muniquem além das fronteiras físicas. espaço urbano, são unânimes ao pressupor que “o espaço é um ele-
As tecnologias digitais também têm impacto na circulação de mento de mediação indispensável, a partir do qual se criam situações
informações e na disseminação de valores e ideias. Redes sociais, particulares e se exprimem estruturas sociais.” (Guerra, 1987, p. 20)
plataformas de streaming, comércio eletrônico e serviços online O espaço não é algo abstrato. Também não é uma página em
permitem que pessoas e produtos atravessem fronteiras sem bar- branco sobre a qual são inscritas as ações desenvolvidas pelos gru-
reiras físicas, criando um ambiente de interconectividade global. pos e pelas instituições. É, acima de tudo, um espaço social produ-
As dinâmicas de circulação de populações, valores, infor- tor de relações sociais e que contribui para que as desigualdades e
mações, coisas e bens no contexto de globalização contemporânea os interesses sociais sejam institucionalizados.
são complexas e interconectadas. Os fenômenos naturais, políticos,
econômicos, socioculturais e tecnológicos desempenham papéis A Sociologia Urbana: Seu Desenvolvimento Teórico
fundamentais nesse processo. Compreender essas dinâmicas é es- A Sociologia Urbana está muito longe de possuir uma estrutu-
sencial para uma análise abrangente da sociedade contemporânea ra científica unitária e a sua já longa história não pode, nem deve
e para a promoção de relações mais justas, inclusivas e sustentáveis. ser apresentada como um mero repositório acumulado de conhe-
cimentos teóricos e de estudos empíricos realizados ao longo de
décadas, e que convergem para a formação de corpo orgânico da
disciplina.
DOS SIGNIFICADOS CONCEITUAIS DE ESPAÇO, TERRI- Seria, por outro lado, extremamente simplista afirmar que, em-
TÓRIO, TERRITORIALIDADE, PAISAGEM E FRONTEIRA E bora a Sociologia Urbana esteja atenta a um conjunto de fenóme-
DE SUAS OBJETIVAÇÕES POR ATORES E INSTITUIÇÕES nos sociais alvo de uma definição unívoca, existe no seu interior um
SOCIAIS EM CONTEXTOS DISTINTOS E ESPECÍFICOS número definido de paradigmas alternativos, cabendo a cada um
uma interpretação diferente em relação aos restantes.
O espaço deve ser entendido como “um mediador indispensá- O que na realidade se verifica no âmbito da Sociologia Urbana
vel na análise das relações sociais” (Guerra, 1987, p. 4). A especifi- é um acervo heterogéneo de conceitos, de resultados de pesquisas
cidade de que é detentor reside na capacidade em induzir “recortes empíricas, que se mostram diversificados e diferentes na medida
próprios e indispensáveis, a partir dos quais se formam situações em que são o produto de questões e de problemas que foram for-
específicas e se exprimem de formas diferentes as relações sociais, mulados de modo diferente.
contribuindo, portanto, para instituir posições de desigualdade Esta diferença sobre o modo de pensar os problemas está in-
mas, também, novas relações sociais que se configuram na relação timamente relacionada com um conjunto de aspetos: os contextos
com o espaço, ou seja, no uso que dele fazem.” (Guerra, 1987, p. 4) nacionais em que decorrem, os momentos historicamente distintos
Esta reflexão em torno do espaço tem, nos últimos anos, rece- que produzem os debates e os problemas sociais e territoriais que
bido contribuições de duas correntes fundamentais de pesquisa so- decorrem em formações sociais e culturais diferentes e nem sem-
ciológica, uma que se denominou Sociologia Espacial e cujo objeto pre passíveis de comparação.
de análise incide sobre a materialização do espaço; e a Sociologia No que se refere às tradições teóricas que se podem encontrar
Urbana, que procura compreender as significações e os efeitos pro- no seio da Sociologia Urbana, Alfredo Mela (1999) propõe duas,
vocados pelas concentrações humanas ao nível das relações sociais. que no seu entender se apresentam parcialmente diferentes:
Enquanto a Sociologia Espacial procura estabelecer “uma arti- a) a tradição teórica norte-americana, partilhada com acentua-
culação entre uma teoria geral e uma teoria urbana introduzindo na ções específicas pelos sociólogos anglo-saxónicos;
questão urbana algumas das grandes problemáticas da teoria geral b) a tradição teórica europeia-continental, detentora de perfis
da sociologia” (Guerra, 1987, p. 7), e nalguns casos, entre uma teo- específicos, e onde cabem os sociólogos urbanos franceses, italia-
ria geral e a cidade, a Sociologia Urbana está perante uma cidade nos e alemães (cf. Mela, 1999, p. 20).
já produzida e confronta-se com a descontinuidade entre os con-
ceitos de base social - que tem a ver com a definição da existência A Escola de Chicago
de interesses comuns - e de força social - assente na consciência a) A tradição teórica da Sociologia Urbana norte-americana
desses interesses e na fabricação de meios para os satisfazer (Guer- encontra-se intimamente relacionada com a chamada Escola de
ra, 1987, p. 8). Chicago.
Os impasses em que a Sociologia Espacial caiu parecem residir A Escola de Chicago desempenhou um papel de extrema im-
nas dificuldades em contornar ou, quiçá, sair da especificidade ma- portância na consolidação e na confirmação da Sociologia Urbana
terial do espaço e da influência que este exerce sobre as relações enquanto ramo específico da Sociologia.

31
CONHECIMENTOS

Em 1915, Robert Ezra Park publica no American Journal of So- zona de transição, já afastada desse centro, uma outra área concên-
ciology o artigo “The City: Suggestions for the Investigation of Hu- trica caracterizada pela decadência urbana, onde se observava uma
man Behavior in the City Environment”, um artigo revelador das invasão por parte dos negócios e da indústria.
preocupações que a Escola de Chicago detinha em relação à vida Esta situação não se mostrava atrativa para os residentes. En-
urbana e no qual é apresentado um programa de investigação de tão aqueles que eram possuidores de alguns recursos económicos
Sociologia Urbana. recorriam à zona residencial dos trabalhadores, ou seja, uma zona
A partir dessa altura, ao longo dos anos vinte e seguintes, de- mais periférica que antecedia os subúrbios onde a chamada classe
correm na Escola de Chicago dois domínios de investigação: média se apresentava em predominância.
O primeiro domínio de investigação desenvolveu um extenso Ao elaborar este modelo, Ernest Burgess quer relevar a impor-
trabalho empírico sobre a cultura urbana, tentando determinar a tância dos processos ecológicos, ou seja, “à medida que as cidades
especificidade do urbanismo como modo de vida. se expandem, sucessivas “invasões” ocorrem simultaneamente ao
Esses estudos centraram-se sobre os diversos comportamen- extravasar das pessoas daquelas que eram as suas áreas para ou-
tos verificados na comunidade urbana, entre a vizinhança, sobre tras, levando à competição entre diferentes comunidades e à alte-
a delinquência, sobre a mobilidade intraurbana, a vida nos bairros ração da forma urbana” (Savage & Warde, 2002, p.11).
fortemente segregados etnicamente, etc. É curioso verificar que, quase um século após este modelo
Estes estudos foram realizados por Robert Ezra Park, Ernest ter sido apresentado, assiste-se em Portugal, em matéria de
Burguess, Rodrick McKenzie e principalmente por Louis Wirth, e re- Planeamento Municipal, a estratégias semelhantes, rompendo com
presentaram as primeiras análises de Sociologia Urbana. um passado onde as periferias sem qualidade eram dominantes em
O segundo domínio de investigação teve como representantes torno das grandes cidades. O Planeamento Municipal pressionado
Ernest Burgess e Rodrick McKenzie. urbanisticamente pelos agentes imobiliários apresenta nos seus
Enquanto Burguess desenvolveu um conjunto de trabalhos so- territórios zonas destinadas a condomínios fechados, alguns deles
bre a forma urbana, com recurso à cartografia ecológica, das áreas junto a campos de golfe, etc.
naturais de Chicago, tentando construir uma teoria científica do Os temas-chave, ainda hoje relevantes, que derivam da expe-
crescimento urbano e da estruturação espacial baseada nas cidades riência da Escola de Chicago, não se referem à teoria ecológica for-
norte-americanas, Rodrick McKenzie, incrementou um conjunto de malizada nem às primeiras versões do método etnográfico urbano,
trabalhos de cariz etnográfico, que incidiram sobre os vários grupos mas constituem, antes, três elementos substantivos interrelaciona-
sociais existentes na cidade de Chicago. dos: a sociation, as formas variáveis que esta toma na modernidade
O outro domínio de investigação da Escola de Chicago foi de- e, por último, a reforma social.
senvolvido por Rodrick McKenzie, com recurso às técnicas etnográ- Se para a primeira Escola de Chicago a estruturação do espaço
ficas. Trata-se do lado menos conhecido dentro da Sociologia Urba- era vista como um produto da luta dos indivíduos e grupos por re-
na, pese embora a sua grande influência se tenha sentido mais ao cursos escassos, já para a segunda versão da tradição ecológica a
nível da Antropologia Urbana. distribuição sócio espacial foi entendida como uma adaptação fun-
Estas etnografias, que tiveram o seu aparecimento a partir da cional de cada espaço particular a transformações provocadas na
década de vinte, incidiam sobre os vastíssimos aspetos da vida da sociedade urbana como um todo.
cidade de Chicago e procuraram dar resposta às questões que anos A sociedade seria então um sistema que, buscando equilíbrio,
antes Robert Ezra Park levantara. Por outro lado, estas etnografias imprimiria funções diversas a cada uma de suas partes.
apresentavam grandes pormenores da vida urbana da cidade, ao Uma transformação em determinada configuração espacial
mesmo tempo que escolhiam algumas populações-alvo para os representaria uma mudança homeostática das partes daquele sis-
seus Estudos: os mais desfavorecidos, os desprotegidos e os que tema.
não se fixavam (cf. Savage & Warde, 2002, p. 11).
McKenzie procurava demonstrar que a localização no espaço A Sociologia Urbana Britânica
não era apenas um produto dos recursos e das funções de cada gru- No Reino Unido, o desenvolvimento da Sociologia Urbana só
po em termos de atividade na competição, como também estava assumiu interesse académico quando esta foi instituída, nos anos
associada a um ciclo ecológico de invasão-competição-sucessão-a- sessenta do século passado, como matéria lecionada no ensino su-
comodação, válido não apenas para as atividades e áreas de resi- perior.
dência, mas também para os grupos étnicos (ethnic succession e Todavia, é de realçar que embora se tenha verificado esta en-
residential invasion). A diferença entre esses processos e as formas trada tardia no mundo académico, no Reino Unido, tal como nos
naturais de competição (válidas para plantas e animais) residiria na Estados Unidos, havia uma longa tradição ao nível da pesquisa so-
capacidade humana de transformar as condições ambientais. cial, sobretudo nas questões que lhe são colaterais, ou sejam, as
Ao longo das décadas de quarenta e cinquenta, Amos Hawley, questões relacionadas com a natureza, as causas e consequências
ao proceder a uma nova análise da ecologia urbana, reduziu a ênfa- dos problemas urbanos (cf. Savage & Warde 2002, p. 18).
se na competição, aumentando a importância da cooperação. As preocupações dos analistas sociais de então assentavam nas
O modelo de Ernest Burgess foi, contudo, o que tornou a Escola questões da pobreza urbana e no seu recenseamento, na tentativa
de Chicago mais conhecida. de perceberem quais as causas teóricas que poderiam explicar a po-
Este modelo, como já foi referido acima, assentava nos padrões breza nos meios urbanos. Mas, contrariamente ao que poderíamos
do uso do solo da cidade de Chicago, procurando configurar os pa- supor, este estilo de trabalho apresentava-se mais próximo, do que
drões básicos de segregação social nas cidades contemporâneas. hoje chamamos de jornalismo de investigação, do que dos métodos
Baseado em quatro zonas concêntricas, formava uma repre- etnográficos utilizados pela Escola de Chicago.
sentação ideal-típica do crescimento da cidade. No meio da cidade
estava previsto a existência do centro de negócios da cidade. Numa

32
CONHECIMENTOS

De todos estes repórteres do social, distingue-se Henry no papel que a Sociologia deveria desempenhar, enquanto discipli-
Mayhew, cujos trabalhos, realizados na cidade de Londres, reve- na, nas análises que deveriam privilegiar as relações trinitárias Lo-
laram que a pobreza urbana era devida às baixas remunerações, cal, Trabalho e Tradição.
derivadas de crises cíclicas que a produção ligada a muitos ofícios Por outro lado, Le Play defendia que os sociólogos deveriam
manuais apresentava e não, como se supunha, à falta de qualidades analisar as situações que são familiares no contexto regional, de
pessoais intrínsecas aos próprios pobres. modo a que se pudesse averiguar a existência de reciprocidades
Na continuação deste tipo de estudos realçam-se os trabalhos entre o meio e a sociedade.
de Charles Booth e de Benjamin Seebohm Rowntree, que embora Este princípio de Frédéric Le Play deixava à Sociologia (e aos
possuíssem as mesmas preocupações que Henry Mayhew, adota- sociólogos) a tarefa de unir disciplinas que de outro modo se mos-
ram, como técnica de recolha de informação, os inquéritos estatís- travam díspares.
ticos em detrimento da entrevista, técnica predileta utilizada por Decalcando o pensamento de Le Play, a British Sociological So-
Mayhew. ciety vai considerar que são as cidades vivas, assim como as suas
Nos trabalhos de Charles Booth realizados já no último quartel regiões, os espaços que reúnem as melhores condições e que de
do século XIX, verifica-se a sua grande preocupação em enumerar uma maneira mais completa, possibilitam a oferta de aspetos dire-
as causas da pobreza na cidade de Londres, causas essas que são tamente observáveis da civilização.
estabelecidas a partir da distinção entre os impactos dos hábitos Para Patrick Geddes o inquérito era possuidor de uma maior
individuais e os que estão relacionados com determinados tipos de abrangência que os inquéritos por amostragem realizados por Char-
emprego. les Booth, na medida em que continha informação sobre o ambien-
Também em matéria de tradição em pesquisa urbana existem te natural, a história do local e as atividades desenvolvidas pelos
diferenças substanciais entre a tradição norte-americana e a britâ- seus habitantes.
nica. Geddes, cuja formação académica original era a Biologia, era
Os britânicos não atribuíam grande interesse às populações de um homem multifacetado: às vezes era geógrafo, outras vezes so-
passagem e desenraizadas que apareciam pelas cidades. O seu in- ciólogo, para além de propagandista e educador, tudo isto antes de
teresse era muito maior quando se tratava de questões que envol- se ter tornado numa referência nas questões do planeamento re-
gional e urbano.
viam não só os aspetos relacionadas com a pobreza, bem como os
Dessa pluralidade de conhecimentos e de formações, surge-lhe
temas relacionadas com a classe social.
a ideia de tentar agrupar os conhecimentos das Ciências Naturais,
Deve-se a Charles Booth o desenvolvimento de uma tipologia
da Geografia, da Economia e da Antropologia, e pensou que no seu
(extremamente complexa) de classes sociais, da qual construiu uma
conjunto pudessem ser subsumidos como Sociologia.
geografia social da cidade de Londres. Graças a esse trabalho é que Como educador, conseguiu persuadir vários grupos de pessoas
Booth é considerado como um dos primeiros sociólogos a demons- a realizar este tipo de inquéritos em vários locais, quer por razões
trar, de modo sistemático, a forma em como a classe social afetava de autoeducação e de consciencialização cívica, quer por razões
não apenas a segregação social urbana, como produzia um maior meramente científicas.
ou menor envolvimento nos aspetos institucionais da vida quoti- Deste apelo resultaram inúmeras recolhas de inquéritos, por
diana, nomeadamente na atividade religiosa (cf. Savage & Warde, amadores, em cidades e aldeias do Reino Unido. Estava traçado o
2002, p.18). rumo da Sociologia Urbana britânica.
Ou seja, na tradição da Escola de Chicago os trabalhos desen- A aplicabilidade de métodos de investigação pouco adequados,
volvidos aludiam a importância da classe social para a realçar en- levaria a um descrédito acentuado da Sociologia Urbana no seio dos
quanto força social, ao passo que a preocupação dominante com próprios sociólogos; simultaneamente assiste-se ao uso (e abuso)
a classe social por parte dos britânicos conduziu a aspetos parti- da aplicação não sociológica do inquérito social por parte dos pla-
culares que iriam marcar algumas teorias da sociologia urbana no nificadores
Reino Unido. Se para a Escola de Chicago a Sociologia Urbana estaria envol-
O contraste é ainda mais evidente entre a tradição norte-ame- vida com três preocupações gerais: a sociation na cidade moderna,
ricana e britânica se verificarmos um crescente interesse, por parte a natureza da modernidade, e um projeto político liberal, no Reino
dos primeiros, em relação às questões relacionadas com a raça e Unido a situação era substancialmente diferente.
a pertença étnica, aspetos que não nutriam grande interesse por Para os sociólogos urbanos britânicos o interesse para com a
parte dos estudos urbanos britânicos. sociation era quase inexistente.
Registe-se um outro aspeto que pode contribuir para o en- Enquanto para os continuadores da Escola de Chicago as obser-
tendimento desta originalidade britânica e que se relaciona com o vações eram acentuadas no âmbito da vida social da vizinhança, dos
facto de existir uma outra tradição da sociologia britânica que, nos gangues ou dos grupos sociais informais, a orientação dominante
seus primórdios, se encontrava ligada à British Sociological Society britânica estava virada para a aplicação do inquérito às unidades
fundada em 1903. Um dos principais interesses que desde logo foi familiares, à pesquisa sobre os rendimento e despesas das famílias,
não existindo uma verdadeira preocupação com a importância dos
manifestado por esta sociedade prendia-se com o estudo sobre as
vínculos sociais mais alargados.
concentrações urbanas.
Os sociólogos britânicos de então eram levados a considerar
Na altura, a British Sociological Society era possuidora de uma
que as identidades de classe social originavam vínculos sociais, ain-
linha intelectual proveniente das escolas sociológicas francesas de
da que em ambientes urbanos de algum modo diferentes.
Émile Durkheim e Frédéric Le Play. Todavia, a referência mais im-
Os seus interesses tinham mais a ver com as questões decor-
portante para a British Sociological Society era sem dúvida a da es- rentes da vida contemporânea, ao mesmo tempo que também
cola de Le Play. Não que Le Play tenha sido um teórico, mas o seu mostravam um certo compromisso com a atividade política.
grande mérito teria residido no facto de ter centrado a sua atenção

33
CONHECIMENTOS

Por muitas críticas que se tenham produzido às ideias de Pa- Esta concepção parsoniana de ordem social não existia na anti-
trick Geddes, o facto é que a Sociologia Urbana britânica nunca ga Sociologia norte-americana nem na europeia.
abandonou a técnica de inquérito para proceder às suas análises A única referência à ordem social que se encontra nos estudos
regionais. desenvolvidos pela Escola de Chicago é a sua convicção que a or-
O tipo de atenção particular que concederam ao método de dem social é inexistente na cidade moderna, existindo apenas uma
observação à escala regional possibilitou perceber dois aspetos im- luta descoordenada para obter recursos e pela sobrevivência.
portantes: a causa pela qual se tornou impossível abstrair os indiví- Este conceito de ordem social era tido como uma questão me-
duos do seu meio social mais abrangente; e que a Sociologia, sendo ramente política, que pode ser alcançada através de empenhamen-
uma ciência contextual, não deveria repartir ações sociais por um to político e não como matéria sociológica.
conjunto de subdisciplinas, devendo proceder à integração dos di- A influência do chamado funcionalismo normativo de Talcott
ferentes aspetos produzidos pela atividade social. Parsons viria a refletir o novo clima político que os Estados Unidos
Como reação ao uso de técnicas etnográficas básicas e de (e o mundo) viviam após 1945.
observação direta das atividades sociais por parte dos Mass ob- Este novo clima está bem patente no contraste de análises so-
servation que as utilizavam, em vez de conduzirem as entrevistas bre a cidade, enquanto para os membros da Escola de Chicago a
com o recurso às grelhas de questões pré-estabelecida, assiste-se cidade era apresentada como um espaço fragmentado e caótico,
a uma galopante hegemonia do inquérito dominado pelas ideias um local de agitação social por excelência.
estatísticas em que o recurso à amostragem aleatória se tornou Ora, na era do planeamento que marcou o pós guerra, das teo-
regra. rias Keynesianas de crescimento económico, do abafamento dos
Neste período, pese embora haja uma certa semelhança no conflitos sociais e das reduções das imigrações massificadas, esta
uso das técnicas utilizadas pelos etnógrafos da Escola de Chicago, o ideia catastrófica da cidade estava completamente desajustada.
projeto britânico de uma science ourselves, recebeu pouca atenção Com estas alterações verificadas na sociedade norte-america-
na Academia britânica. na, a atividade da Sociologia Urbana foi-se desvanecendo, uma vez
que os aspetos teóricos até aí considerados pertinentes diminuí-
O pós-Guerra e o Declínio da Sociologia Urbana Anglo-saxóni- ram, assim como as suas próprias convicções políticas viriam a tor-
ca nar-se cada vez mais pontuais.
A década de trinta viria a ser a década crucial para a mudança A Sociologia Urbana norte-americana não morrera. Embora os
de preocupações por parte dos sociólogos urbanos norte-america- sociólogos urbanos continuassem a trabalhar, o facto é que em ter-
nos e britânicos. mos técnicos a pesquisa desenvolvida mostrava-se cada vez mais
Até a essa década, em ambos os países a Sociologia Urbana positivista e o predomínio era agora assumido pelo planeamento
experimentara sérias dificuldades para se afirmar enquanto subdis- urbano (cf. Savage & Warde, 2002, p.22).
ciplina da Sociologia. Por outro lado, a Sociologia Urbana do pós-Guerra viria a resol-
Embora se verificasse uma certa preocupação por parte dos so- ver a questão do debate metodológico existente na Escola de Chi-
ciólogos em determinar os meios e os contextos produtores de ação cago. Esse debate oscilava entre a utilização do método de estudo
social, a verdade é que muitos dos temas empíricos da Sociologia de caso e o método de inquérito, e a opção tomava foi para este
afloravam matérias de carácter urbano, como os problemas criados último método.
pela imigração em massa, a pobreza urbana, as patologias sociais, Embora os estudos etnográficos continuassem a ser realiza-
os grupos de conflito e os vínculos sociais. dos, a verdade é que o uso da metodologia qualitativa foi perdendo
Posteriormente à década de trinta, os desenvolvimentos verifi- prestígio em detrimento da investigação que recorria às metodolo-
cados na Sociologia levaram a que se tivesse verificado uma deslo-
gias quantitativas, baseadas no uso de métodos estatísticos.
cação do eixo de interesses da Sociologia pelas questões urbanas e,
A investigação da Sociologia Urbana orientava-se exclusiva-
por arrastamento, da sua lógica de contextualização.
mente para as formas de lidar com os problemas urbanos, vistos
A Sociologia passa, a partir dessa altura, a ser organizada à vol-
como matéria de administração e não como algo orientado para a
ta de um conjunto distinto de problemas intelectuais.
reforma política.
A natureza da ordem social passa a constituir o principal pen-
Esta situação alterou-se radicalmente quando em meados dos
samento teórico e tal alteração deve-se à publicação, em 1937, da
anos sessenta, os desenvolvimentos políticos que se verificaram
obra de Talcott Parsons The Structure of Social Action.
Nesta obra Parsons apresenta aos sociólogos norteamericanos nos Estados Unidos levaram à ocorrência de motins urbanos, per-
as teorias de Émile Durkheim, de Max Weber e de Vilfredo Pareto, turbando não só a economia norte-americana como o próprio sta-
que considerou como teóricos centrais no pensamento sociológico. tus quo académico. Simultaneamente, foram trazidas para a ribalta
Se a obra de Durkheim já tinha merecido vários estudos, o mesmo da análise sociológica um conjunto de questões relacionadas com a
não se passara com as obras de Max Weber e de Vilfredo Pareto. justiça e a ordem social.
Em 1951, Talcott Parsons publica The Social System, onde co- Os comportamentos políticos conflituosos, até aí sonegados,
locou o problema da ordem social no centro da Sociologia norte- passaram a constituir o alvo das atenções e das preocupações de
-americana. uma Sociologia norte-americana que se tinha acomodado ao stab-
Entretanto, na Sociologia europeia eram os estudos sobre as lishement político e que começa a denotar uma certa inquietação,
desigualdades e sobre o controlo social que iriam continuar a domi- senão mesmo, uma grande insatisfação em relação à teoria produ-
nar o espaço da produção sociológica. zida por Talcott Parsons.
Talvez pela crescente legitimação que o uso dos métodos de Entretanto, no Reino Unido a sociologia britânica procede a al-
pesquisa baseados em estatísticas foi alcançando, o carácter predo- terações significativas ao nível dos seus métodos de investigação,
minantemente contextual que caracterizava a investigação urbana situação que é coincidente com a emergência de novas preocupa-
foi diminuindo. ções.

34
CONHECIMENTOS

O interesse que até aí estava localizado no estudo sobre a con- As questões relacionadas com o contexto urbano e com a or-
textualização dos processos de interação entre os sujeitos e o am- dem moral implícita nas ações quotidianas, foram sendo relegadas
biente, passa a dar lugar privilegiado aos estudos sobre a estratifi- para um segundo plano. Os estudos à escala nacional sobre as mais
cação ocupacional. variadas estruturas sociais, com recurso aos inquéritos aleatórios,
O conceito central desenvolvido pela Sociologia britânica do substituíram os estudos locais sobre as desigualdades e a interação
pós-Guerra residia na classe social e estendia-se às subdisciplinas social entre os indivíduos.
sociológicas. E é este conceito que vai destronar os então conceitos Com um horizonte nada propício à Sociologia Urbana, as déca-
de região e de vizinhança que tinham sido os preferidos nas suas das de setenta e de oitenta viriam a proporcionar uma tentativa da
análises empíricas. sua reconstrução assente nos moldes do quadro teórico revisto das
Os sinais da mudança fizeram-se ainda sentir, sobretudo du- Ciências Sociais.
rante a década de setenta, quando se verifica um incremento no Dessa tentativa emergiu a nova Sociologia Urbana.
interesse por questões relacionadas com o género e com a raça, no-
meadamente nas suas vertentes de desigualdades raciais e étnicas, A Sociologia Urbana da Europa Continental
assuntos que até aí tinham sido ignorados A Sociologia Urbana que se desenvolveu na Europa continental,
As análises teóricas das práticas sociais procediam agora à sua não menosprezou os contributos prestados pela Escola de Chicago.
associação com as operações dos sistemas comum, nacional, de Contrariamente ao que se possa pensar, as origens da Sociolo-
classe e, posteriormente, de género e raça. gia Urbana europeia remontam a algumas décadas de antecedência
Ainda durante esta década, o ambiente social envolvente não relativamente aos estudos de Robert Ezra Park.
apresentava qualquer relevância para a análise das classes sociais. Alguns autores, ao defenderem a ideia acima expressa, rele-
Contemporaneamente, a chamada análise estruturalista assen- gam para a Sociologia Urbana europeia as reflexões produzidas so-
ta lugar na teoria social através do filósofo marxista francês Louis bre “as antíteses entre a sociedade tradicional e a moderna e sobre
Althusser. Para os estruturalistas a análise das classes sociais deve- a antítese paralela entre as respetivas manifestações espaciais, a
ria centrar-se na análise das forças que condicionam as posições de comunidade rural e a cidade industrial.” (Mela, 1999, p. 21).
classe e não sobre os sujeitos. Do debate científico desta Sociologia especializada nasce um
Ou seja, o que os estruturalistas vêm propor é uma análise das corpo conceptual e analítico que, mormente se apresente hetero-
classes sociais relacionada exclusivamente com o processo econó- géneo, cria a possibilidade de se proceder à interpretação da cidade
mico, que afetava tanto a natureza do trabalho como as próprias re- enquanto lugar onde se manifestam, na sua forma mais original,
lações de trabalho, em detrimento duma análise mais ampla e que os aspetos sociais e culturais tradicionalmente classificados como
envolve quer o contexto social da vida quotidiana, quer as relações típicos da modernidade.
sociais e a residência. Além disso, pode-se sublinhar como, no nosso contingente, a
Em conclusão, podemos depreender que uma das preocupa- análise sociológica da cidade mantém, no século XX, um contato
ções comuns, consideradas como cruciais, entre a Escola de Chica- mais estreito com a reflexão filosófica nas suas várias coerentes,
go e os primeiros sociólogos urbanos britânicos, se referia ao seu do historicismo ao marxismo, do estruturalismo à fenomenologia.
sentido de compromisso político. Por outro lado, como já se referiu anteriormente, para além
Nos dois lados do Atlântico a investigação social continuou a de alguns traços comuns, a Sociologia Urbana europeia apresenta
estar entrosada com políticas de reformas de tipo socialdemocra- grandes distinções com base em contextos nacionais – têm origem
ta, apoiando a intervenção do Estado no sentido da promoção dos nas diferenças do substrato cultural que são acentuados pelas atitu-
mais desfavorecidos e pelo funcionamento do mercado. des políticas contrastastes dos vários países, pelas diversas formas
Enquanto a Escola de Chicago se preocupava com a forma de que os problemas territoriais e urbanos apresentam em qualquer
agir para alterar o modo estrutural da cidade de Chicago, mantendo contexto e, também, pelo facto da literatura especializada se frag-
para isso um conjunto de relações muito estreitas com a Adminis- mentar em função dos âmbitos linguísticos.
tração política local, os sociólogos britânicos do período decorrente Neste sentido e no que se refere à Sociologia Urbana alemã,
entre as duas grandes guerras mundiais faziam tentativas no senti- esta apresenta-se num misto de interesses de índole filosófica, e
do de promover as comunidades locais. imbuída de aspetos concretos em termos de programação social e
Contrastando com a situação anterior, os sociólogos do pós- territorial.
-Guerra viriam a considerar inteligível a realização de estudos e re- Em contrapartida, a Sociologia Urbana italiana viria a concen-
latórios à escala nacional, uma vez que consideravam essa metodo- trar-se em temas propostos pela realidade social do país, nomeada-
logia como a forma mais eficaz para pressionar o governo central. mente com as questões dos equilíbrios territoriais entre uma forte
Os estudos locais foram abandonados por se ter considerado dinâmica urbana do norte, passando pelas características particula-
que os mesmos não eram representativos, enquanto a metodologia res da chamada Itália do meio-dia até às áreas de industrialização
quantitativa com recurso ao inquérito e a investigação realizados à difusas, também conhecida por terceira Itália.
escala nacional tinham maior impacto, pelo facto dos vários depar- Particularmente rica em história é a Sociologia Urbana france-
tamentos governamentais manifestarem uma maior consideração sa, a qual, nos anos sessenta e setenta teve um papel essencial,
pelo conhecimento estatístico. ao consolidar-se no nível internacional através do filão crítico de
Chega-se ao final da década de sessenta, em que o campo da origem marxista e viria a tornar-se, mais tarde, bastante influente
Sociologia tinha mudado radicalmente. na potical economy.
Todavia, a Sociologia, ao invés de centrar a sua atenção no es- Embora nessas décadas se constate esse filão crítico de matriz
tudo do sociation, tinha voltado a tratar quase exclusivamente as marxista, não se pode considerar que tenha existido uma escola
questões referentes ao Estado, às classes sociais, às várias organiza- unificada de Sociologia Urbana em França.
ções de interesse comum.

35
CONHECIMENTOS

Curiosamente, os autores mais referenciados da denominada A escola de Michel Foucault constitui a terceira corrente, e es-
Escola Francesa não eram franceses. Se excetuarmos Henri Lefeb- teve organizada em torno de um centro de Investigação, o Centre
vre, e Jean Lojkine, David Harvey é britânico e Manuel Castells é d’Étude, de Recherche et de Formation Institutionnelles (CERFI) e de
espanhol. outros jovens investigadores. Enfatizaram a análise da microfísica
Durante as décadas em consideração, muitos foram os investi- do Poder nas instituições sociais, e estenderam a noção de domi-
gadores e de equipas de estudo e de investigação que partilharam nação ao âmbito da vida quotidiana, delimitada pelas instituições
este espaço de reflexão e de produção teórica e empírica. urbanas.
Embora se deva a Henri Lefebvre e a Manuel Castells a visibili- Esta corrente teria sido, talvez, a tendência de investigação
dade e organização da Escola, é à rede académica que conseguiram mais inovadora durante a década de setenta. Foi a única que surgiu
estabelecer que se deve a criação da revista Espaces et Sociétés, as a partir dos velhos moldes para abordar, sob um ponto de vista crí-
Mouton book séries e o International Journal for Urban and Regio- tico, os novos temas sociais existentes numa nova sociedade.
nal Research A quarta e última corrente, a do marxismo estruturalista, pos-
O grupo é ainda responsável pela fundação da International So- suidora da marca de Althusser por via de Nicos Poulantzas, teve Ma-
ciological Association Research Committee on Urban and Regional nuel Castells como representante. Os seus princípios teóricos serão
Development. tratados mais adiante quando for abordada a problemática da nova
Para a formação deste grupo de sociólogos urbanos contribuí- Sociologia Urbana.
ram três processos de convergência: É evidente que, com estas quatro correntes, a Escola Francesa
- O processo de renovação intelectual em França, durante a dé- revigorou internacionalmente a investigação urbana ao:
cada de sessenta, quando as Ciências Sociais se desprendem da Fi-
losofia e realizam estudos empíricos sobre as sociedades em pleno - colocar o poder e as relações sociais conflituosas, os valores e
processo de mudança social. É por essa altura que é fundada a pri- interesses no centro da dinâmica urbana.
meira Escola Francesa de Sociologia, orientada para a investigação, Esta questão mostra de forma implícita e explicita a tónica que
no novo campus da Universidade de Nanterre, dirigida por Alain a Escola de Chicago põe na sociabilidade e na integração social. Por
Touraine e que contava, como professores, com Michel Croizier, outro lado, encetou a crítica à noção de comunidade. As comunida-
Henri Lefebvre e Fernando Henrique Cardoso; des, no seu ponto de vista, não só eram conflituosas ao nível local,
- Os movimentos sociais de Maio de 1968 que mobilizaram os como eram criadas pela luta de classes e pelos projetos políticos
intelectuais e que politizaram todo o trabalho de investigação so- gerados a um nível social mais amplo;
cial;
- A penetração das ideias dos movimentos de Maio de 1968 - exigir a especificidade do urbano.
na elite tecnocrática francesa e na ideologia urbana do Governo. A Esta situação viria a forçar o marxismo e as teorias das classes a
interpretação da crise social dos finais da década de sessenta por reconhecer um acervo completo de experiências, e que não se en-
parte da elite, que a vê como uma crise urbana e que teve, como contrava remetido às regras de produção e reprodução como fonte
consequência, um mega programa de investigação patrocinado potencial de mudança social.
pelo Ministério da Habitação e Assuntos Urbanos. Foi o princípio do fim do monopólio da classe operária como
ator da mudança. Sem dúvida que os sociólogos orientados pela
Foi graças a este programa que grande parte dos sociólogos escola do capitalismo monopolista de Estado, como Jean Lojkine e
franceses se reconverteu em sociólogos urbanos, dando origem a Edmond Preteceille, discordam deste princípio;
quatro correntes que fluíam no interior da Escola Francesa.
Essas quatro correntes tinham dentro de si vários investigado- - afirmar a importância do espaço como indicio e força que es-
res que diferiam dos restantes, mais por uma questão de metodolo- trutura a organização social.
gias de abordagem do que por divergências teóricas. Este projeto tinha uma ligação implícita com a análise mate-
A primeira corrente identificava-se com Henri Lefebvre e era rialista do enfoque da ecologia humana privado dos pressupostos
representada por ele mesmo. Desenvolveu o conceito de civilização funcionalistas;
urbana, como uma forma distinta de organização social. Por outro
lado, concede importância ao espaço como elemento constitutivo - procurar esforços para ligar a teoria com a investigação em-
das relações sociais e como uma expressão da sociedade. Defende pírica.
o princípio do direito à cidade, contra a exclusão social. A exceção só poderá ser feita atendendo o esforço puramente
A segunda corrente identificava-se com o marxismo ortodoxo. teórico de Henri Lefebvre. (cf. Castells, 1998).
Integravam essa corrente Jean Lojkine, Christian Topolov e Edmond
Preteceille. Esta corrente coloca em evidência o domínio do capital Das Críticas ao Modelo à Nova Sociologia Urbana
e dos interesses capitalistas sobre o Estado, e é através do Estado Os desenvolvimentos teóricos da Sociologia no período do pós-
que se dá a dominação dos interesses capitalistas sobre os proces- -Guerra viriam a servir de comparação aos processos – teóricos e
sos urbanos. empíricos – desenvolvidos pela Sociologia Urbana, em particular
Estes pensadores seguiam fielmente a teoria do capitalismo nos Estados Unidos. Aí, a produção científica da Sociologia Urba-
monopolista de Estado. A obra de David Harvey, Social Justice and na assentava, ainda, em meras descrições estatísticas referentes às
the City, representou uma síntese entre a lógica capitalista de domi- condições de vida nos centros urbanos, disponibilizando alguma
nação e a inspiração lefebvreriana. Depois evoluiu até à análise da base informativa tendente à resolução de problemas urbanos.
lógica interna do capital, ou seja, derivou cada expressão do espaço Outras áreas de interesse, continuaram a ser a exploração das
e sociedade a partir da lógica interna do capital até às lutas sociais. questões subjacentes ao crescimento urbano e dos contrastes entre
a vida urbana e a vida rural.

36
CONHECIMENTOS

Do ponto de vista intelectual, a Sociologia Urbana norte-ameri- atividades sociais específicas de que a cidade seria hipoteticamen-
cana tinha-se esgotado. As críticas devastadoras em torno das suas te detentora e monopolizadora e, por conseguinte, não poderiam
muitas falhas teóricas não se fizeram sentir e provinham de todos existir nos espaços não urbanos, ou seja, nos campos.
os lados. Ou, ainda, poder-se-ia aceitar como seu objeto teórico a preo-
Dentro desse quadro crítico, a mais célebre e, quiçá, a mais cupação sobre o espaço e a sua pluralidade de influências, nomea-
original, foi elaborada pelo sociólogo catalão Manuel Castells, em damente o impacto que as próprias distribuições do espaço podem
1972, com a publicação de La Question Urbaine. assumir junto da vida social.
Nesta obra, para além das críticas que traçou sobre as tradi- A aceitação do espaço enquanto objeto teórico da Sociologia
ções orientadoras da Sociologia Urbana, propôs-se proceder à sua Urbana, seria aparentemente simples de resolver, não fosse o facto
reconstrução partindo de novas bases teóricas. de ser excessivamente difícil de demonstrar em que medida esse
Hoje, é perfeitamente perceptível que as críticas lançadas por mesmo espaço, considerado como distância física entre os objetos
Castells coincidiram com o ressurgimento e consequente adoção, naturais e os objetos sociais, poderia conduzir à explicação socioló-
de modo generalizado, da análise marxista pela Sociologia da Eu- gica pretendida.
ropa ocidental. Não sendo detentora de um objeto teórico e sendo difícil saber
Com o retomar das teorias marxistas assiste-se, mais uma vez, como construir um que lhe fosse próprio, nada mais restava à So-
às alterações nas orientações da teoria social, situação que se torna ciologia Urbana senão receber as críticas de Manuel Castells, que se
responsável pela mudança de rumo dos estudos urbanos que pas- lhe apresentavam de uma forma bastante enérgicas.
sam, assim, a ocupar um novo terreno. Como sociólogo embutido pelo pensamento marxista, Manuel
Para os neomarxistas, o que estava em causa em matéria de Castells tenta o processo de reconstrução da Sociologia Urbana,
teoria sobre os fenómenos urbanos prendia-se com o isolamen- moldando-a à sua análise sobre as contradições existentes nas so-
to, em termos analíticos, a que deveriam ser sujeitos os aspetos ciedades capitalistas.
especificamente capitalistas que caracterizam a vida económica, Na sua opinião, na fase do chamado capitalismo tardio, as ci-
colocando a tónica no papel primordial das classes como agentes dades eram detentoras de um papel específico, que agora já não
históricos; e rejeitando, ao mesmo tempo, o papel que o Estado se localizava no processo de produção, mas nos chamados centros
Providência estava a desempenhar, do ponto de vista social, junto de consumo coletivo, ou sejam, as variadíssimas formas de serviços
das classes trabalhadoras sem, contudo, proceder a uma redistri- que o Estado facultava, de modo coletivo, aos cidadãos: a habita-
buição quer da riqueza quer do Poder. ção, os transportes, a assistência na doença, etc.
São, no entanto, os escritos dos autores associados ao filósofo Por outro lado, Castells partia ainda de um outro princípio: sen-
do o consumo coletivo dirigido àqueles que vivem num determina-
neomarxista Louis Althusser aqueles que se viriam a tornar como os
do raio espacial, tal vai implicar que haja um referente espacial por
mais influentes nas intenções, já manifestadas, de desenvolver uma
parte daqueles que nele se encontram.
nova Sociologia Urbana mais teórica e com análise mais rigorosa.
O modo como estes serviços eram prestados constituía, se-
Estes escritos viriam a ter grande impacto não só junto dos au-
gundo Castells, a fonte de mobilização política, geradores dos cha-
tores declaradamente marxistas, como de autores que se reivindi- mados movimentos sociais urbanos, que procuravam, através da
cavam da tradição weberiana, como Peter Saunders que publicou contestação aos padrões existentes de consumo coletivo, uma me-
em 1981 a obra Social Theory and the Urban Question e na qual lhoria das condições de vida urbana.
propunha romper com as linhas teóricas tradicionais em que a So- Castells propunha-se ir ainda mais longe no seu modelo, quan-
ciologia Urbana se fundava. do defendia que estas contestações se encontravam relacionadas
O argumento em que assentava a crítica à postura assumida com as condições de reprodução da força de trabalho e que estas
pela Sociologia Urbana, radicava na argumentação althusseriana da seriam detentoras de um elevado potencial revolucionário, se en-
distinção entre trabalhos científicos e trabalhos ideológicos. tretanto se encontrassem articuladas com os movimentos das clas-
Esta distinção residiria no facto que estes últimos partiam de ses trabalhadoras. O que no fundo Manuel Castells queria demons-
noções tidas como adquiridas, enquanto os primeiros manifesta- trar era que os movimentos sociais urbanos estavam intimamente
vam teoricamente as suas preocupações. O mesmo seria dizer que relacionados com a luta de classes.
toda a disciplina científica, a Sociologia Urbana incluída, deveria ser Parecia, assim, que a contribuição do modelo teórico de Caste-
detentora de um objeto teórico próprio distinto e, ao mesmo tem- lls resolveria os problemas que atormentavam a Sociologia Urbana,
po, específico. que passaria agora a deter um objeto teórico – o consumo coletivo
Assim sendo, a crítica lançada à Sociologia Urbana assentava – e a prática política marxista, na medida em que o próprio marxis-
na argumentação de que toda ela era detentora não de característi- mo saía fortalecido pela relação que Castells estabelecera entre os
cas científicas, mas sim de aspetos ideológicos, uma vez que no seu movimentos sociais urbanos e a luta de classes.
ponto de partida predominavam conceitos de senso comum, tais O curioso de todo este processo é o facto de que, do ponto
como: cidade, comunidade, problemas urbanos, ou seja, na opinião de vista académico, a análise teórica que era desenvolvida sobre a
dos críticos, conceitos que a própria Sociologia Urbana se mostrava cidade tenha sido feita a partir do princípio de que está se tornava
incapaz de fundamentar teoricamente (cf. Savage & Warde, 2002, no local específico onde o poder laboral era produzido, tornando-se
p.28). assim no emblema da então denominada nova Sociologia Urbana.
O problema que emerge é deveras delicado. Procurasse saber Para fortalecer este novo olhar sobre o papel da cidade, sur-
qual o objeto teórico, distinto e específico da Sociologia Urbana. ge em 1977 a revista International Journal of Urban and Regional
Esta situação aparenta ser fácil, todavia as interrogações persis- Research cujas influências de Castells e do marxismo francês eram
tem. Será a cidade o seu objeto teórico? Se a aceitássemos como bem patentes, pese embora houvesse uma certa abertura a outras
tal, então surgiriam os mais variadíssimos problemas em torno das perspectivas teóricas não muito afastadas do marxismo.

37
CONHECIMENTOS

Os anos setenta e parte dos anos oitenta do século passado, Mas para se proceder à sua análise conceptual tornasse neces-
tornar-se-iam cruciais para a sobrevivência do modelo teórico de sário defini-lo como sendo detentor de:
Castells. No início dos anos oitenta esse modelo era ainda visto a) composicionalidade, ou seja, o espaço compreende e só
como algo que iria dar novo fôlego à Sociologia Urbana (cf. Sava- pode ser compreendido em todas as dimensões que o constituem.
ge & Warde, 2002, p.29). Prometia-se, acima de tudo, um quadro Este sincronismo expressa as propriedades do espaço: é produto e
teórico coerente para a análise das questões urbanas. Castells era é produtor, é movimento e imutabilidade, é processo e resultado, é
um acérrimo crítico da análise culturalista, tal qual Louis Wirth es- lugar de partida e de chegada;
tabelecera, e das teorias deterministas sobre as questões espaciais. b) completude, isto é, o espaço possui a qualidade de ser um
Propunha, em alternativa, uma teoria que dava todo o ênfase todo mesmo sendo apenas parte. O espaço pode conter elemen-
à característica variável da produção económica e ao papel que o tos da natureza mas também é formado pelas diversas dimensões
Estado desempenhava nas sociedades contemporâneas, nomeada- sociais resultantes das relações que os sujeitos estabelecem entre
mente nas formas de organização do consumo coletivo. Por outro si, aos níveis da cultura, da política ou da economia. Por outro lado,
lado, as questões referentes aos movimentos sociais urbanos mere- os sujeitos são produtores de espaços ao estabelecerem relações
ceram-lhe particular atenção, na medida em que estes se compor- diversas, sendo produtos dessa multidimensionalidade.
tariam como veículos de contestação e oposição social.
Mas o decorrer dos anos oitenta iria mostrar-se impiedoso para O espaço contém todos os tipos de espaços sociais que resul-
o modelo de Castells e depressa se percebeu que as críticas e os ar- tam das relações entre os sujeitos, e entre estes e a natureza, trans-
gumentos preconizados por Castells levantavam tantos, ou até mais formando assim esse espaço, alterando as paisagens, construindo
problemas, quantos os que resolvia. territórios, regiões e lugares. A complementaridade é a qualidade
Em termos práticos, os movimentos sociais urbanos (quer os pela qual o espaço social complementa o espaço envolvente (espa-
de natureza social, quer os de natureza política) dificilmente se ço natural, espaço geográfico), (cf. Fernandes, 2005, p. 274).
mostravam conciliáveis com as orientações políticas marxistas, ou As qualidades que o espaço possui são um autêntico desafio
seja, escapavam um pouco por toda a Europa ao controlo político aos sujeitos que nele vivem, no sentido da procura sobre a com-
dos partidos comunistas, em detrimento dos novos movimentos preensão dos mesmos. Daí que o espaço seja multidimensional,
cívicos e ecológicos que entretanto começavam a emergir no ho- pluriescalar ou multiescalar, num processo ativo de complementa-
rizonte europeu. ridade, de conflitualidade e de interação.
Finalmente e no campo académico, verifica-se que à medida Não são raras as vezes em que estudos de análise espacial, so-
que se avançava na década de oitenta, as orientações do ensino bre as relações sociais ou outras, procedem a leituras e desenvol-
marxista se reorientaram para os processos de produção, em detri- vem ações intencionais que fragmentam o espaço.
mento do consumo coletivo que Manuel Castells tinha empolgado Este procedimento só pode resultar em análises parciais e in-
e que foi relegado para um papel insignificante, contribuindo desta completas, uma vez que restringem as qualidades que compõem e
forma para a decadência e abandono gradual dos pressupostos teó- completam o espaço.
ricos da nova Sociologia Urbana. O espaço apresenta-se como um conjunto indivisível de siste-
mas de objetos e sistemas de ações, os quais não podem ser con-
A Emergência da Sociologia do Território siderados de modo isolado. Deve, antes de mais, ser considerado
As Ciências Sociais nem sempre consideraram o território como como um quadro único de análise onde se produz a ação histórica.
uma variável necessária para a compreensão das realidades sociais As relações sociais, ao apresentarem-se predominantemente
e económicas. Dir-se-ia que, nos primórdios (cf. Reis, 2005a, p. 1). produtoras de espaços fragmentados, dicotomizados, unos ou fra-
Recentemente, as diversas áreas do conhecimento adotaram o cionados, produzem também espaços conflituais.
território como conceito essencial nas suas análises. Desta produção fragmentada ou fracionada de espaços resulta
Com a construção do conceito de território tornou-se possível um conjunto de intencionalidades que se produzem ao nível das
sair da polarização que existia anteriormente, ou seja, entre o rural relações sociais. São estas relações as responsáveis pela determi-
e o urbano, o espaço agrícola e o espaço industrial. Para além deste nação dos tipos de leitura e de ação intencional, que esboçam a
aspeto, do ponto de vista das políticas públicas, torna-se mais fácil totalidade como se de uma parte se tratasse, ou seja, o espaço na
conferir maior visibilidade à economia local. sua qualidade completiva, é apresentado como um fragmento ou
No entanto, o conceito de território é utilizado como uma das como uma fração.
dimensões das relações sociais, enquanto na verdade, o território é Esta decisão é uma ação intencional que vai interagir com uma
multidimensional, constituindo-se numa totalidade. ação receptiva, dando lugar à representação do espaço como frag-
Muitos sociólogos trabalham ainda, de modo indistinto, com os mento ou fração.
conceitos de espaço e de território a partir de uma visão unidimen- Constitui-se, portanto, numa forma de poder, que mantém a
sional, muitas vezes importada de outras áreas do conhecimento. representação materializada e/ou imaterializada do espaço, e que
Partindo da definição extremamente ampla proposta por Henri é determinada pela intencionalidade e sustentada pela receptivi-
Lefebvre de que o espaço social é a materialização da existência hu- dade.
mana (cf. Lefebvre, 1991, p. 102), chega-se à noção que esse mes- Sem este tipo de relação social o espaço como fração não se
mo espaço constitui uma dimensão da realidade. sustenta.
Esta amplitude conceptual potencializa um conjunto de utiliza- A intencionalidade pode ser definida como um modo de com-
ções distintas do espaço de que são exemplos os espaços políticos, preensão que um grupo, uma nação, uma classe social ou até mes-
os espaços culturais, os espaços económicos e os ciberespaços. mo um sujeito utiliza para se poder realizar, ou seja, para se mate-
Sendo parte da realidade, o espaço é detentor de um carácter rializar no espaço, como definiu Henri Lefebvre.
multidimensional.

38
CONHECIMENTOS

Portanto, a intencionalidade não é mais do que uma visão do de modo contínuo, novos espaços e novos territórios de contornos
mundo, ampla e una, que assume sempre uma forma, um modo de contraditórios, interdependentes e conflituosos. Esses vínculos são
ser e de existir. indissociáveis.
É dentro desta lógica que se cria uma identidade. Torna-se
imperiosa a sua delimitação espacial para que seja possível a sua O Conceito de Território
diferenciação e possa ser identificada. O atual debate sociológico sobre o território tem revelado a
Constrói-se então uma leitura parcial do espaço que é apre- existência de uma amálgama de opiniões e de pontos de vista dís-
sentada como totalidade, dando origem às leituras etnocêntricas, pares. Se por um lado existem aqueles que teimam em perceber o
uma vez que todos os povos e comunidades se sentem no centro do território com uma configuração estática, há outros que chamam
universo. A parte é transformada em todo e o todo é transformado insistentemente a atenção para a realidade complexa e dinâmica,
em parte. e em permanente mutação, que os territórios apresentam e que,
O espaço passa agora a ser compreendido de acordo com a in- em sua opinião, mais não são do que o reflexo das dinâmicas físicas,
tencionalidade da relação social que o criou, daí a sua redução a socioeconómicas e culturais do contexto local (cf. Gehlen & Riella,
uma mera representação unidimensional, e a visão parcial que o 2004, p. 20).
criou irá ser expandida como representação da multidimensiona- A própria noção de território convida-nos ao debate, uma vez
lidade. que amplia o nosso olhar e diversifica as possibilidades de com-
A relação social na sua intencionalidade cria uma determinada preender, de sistematizar e de alterar a realidade complexa.
leitura do espaço que, de acordo com o campo de forças em presen- Por outro lado, o território é uma referência globalizante, ou
ça, pode ser dominante ou não. Através deste processo, criam-se seja, é algo que está a ser construído simultaneamente com o con-
as diferentes leituras sócio-espaciais (cf. Fernandes, 2005, p. 276). ceito de globalização, denotando-se, por vezes, uma certa oposição
Dessa forma é produzido um espaço geográfico e ou social es- face a este conceito, sobretudo pelas possibilidades que oferece,
em reconhecer e valorizar as especificidades locais e regionais e as-
pecífico: o território. O território é o espaço apropriado por uma
sim enfrentar o desejo uniforme da ideia de globalização.
determinada relação social que o produz e o mantém a partir de
Por outro, a ideia de território pode oferecer a possibilidade
uma forma de Poder. Esse Poder, já foi referido anteriormente, é
de inclusão do particular no global, através das oportunidades de
dado pela receptividade.
desenvolvimento e de potencialidades locais e regionais que as va-
Por outro lado, o território é simultaneamente uma convenção lorizam e lhes dão visibilidade.
e uma confrontação. E pelo facto de possuir limites e fronteiras, O território constituído como espaço social produzido e deli-
torna-se num espaço de conflitualidades. mitado por uma fronteira que o ordena, é construído como repre-
Os territórios formam-se no espaço geográfico a partir de di- sentação: tanto pode ser uma ferramenta, como um recurso para o
ferentes relações sociais. O território pode ser definido como uma desenvolvimento económico e social.
fração do espaço geográfico e/ou de outros espaços materiais ou Nesta perspectiva, incluem-se no processo de planeamento as
imateriais. diferentes dimensões do território, pondo em evidência a sua com-
O território como um espaço geográfico, tal qual a região ou plexidade.
lugar, é detentor das qualidades composicionais e completivas dos Todo o conjunto é afetado e, simultaneamente, apontam-se
espaços. as especificidades e as particularidades internas às delimitações da
Partindo deste princípio, é essencial fazer sobressair a ideia de sociedade global, as quais interagem nos processos de construção
que o território imaterial é também um espaço político, ou seja um indenitárias sócio-económico-culturais que atribuem sentido ao
espaço abstrato. A sua configuração enquanto território refere-se local.
às dimensões de poder e controle social que lhes são intrínsecas. E O olhar holístico que aponta para a incorporação de recursos
mesmo sendo uma fração do espaço, o território também é multi- específicos propicia a invenção de alternativas de competitividade
dimensional. Essas qualidades dos espaços evidenciam, nas partes, dos produtos que são gerados no interior de um território, vanta-
as mesmas características da totalidade. gem essa que é partilhada coletivamente.
Se definirmos o território como um agregado de sistemas de Entretanto lançam-se desafios à ação coletiva para que esta
ações e sistemas de objetos poderá significar que espaço e territó- passe a gerir a apropriação, que é compartilhada, dos benefícios
rio, embora diferentes, são o mesmo. retirados da competitividade.
Será pacífico afirmar-se, então, que todo o território é um es- Estes desafios podem ser alcançados através de processos de
paço (nem sempre geográfico, podendo assumir configurações so- negociação de conflitos, de regras comuns e da tomada de decisões
ciais, políticas, culturais, cibernéticas, etc.). Por outro lado, é tam- coletivas.
Este processo é ainda responsável pela construção do patrimó-
bém evidente que nem sempre e nem todo o espaço é um território.
nio sociocultural baseado na tradição histórica local, ao mesmo
Os territórios movimentam-se e fixam-se sobre o espaço geo-
tempo que possibilita apontar alternativas inovadoras. Aos poucos,
gráfico. O espaço geográfico de uma nação é o seu território. E no
sedimenta uma memória coletiva, rearticulando os saberes e as
interior deste espaço há geralmente uma multiplicidade de terri-
relações com o meio natural e com o património material e sim-
tórios. bólico, desencadeando processos que conduzem à construção da
São as relações sociais que transformam o espaço em território cidadania.
e vice-versa, no entanto, o espaço é um a priori ao passo que o ter- O conceito de território é detentor da noção de património so-
ritório se caracteriza por ser um a posteriori. ciocultural e reclama a necessidade de mobilização dos recursos e
Além disso, o espaço é perene e o território é intermitente. das competências, atribuindo responsabilidades sociais, através de
Da mesma forma que o espaço e o território são fundamentais processos participativos.
para que as relações sociais possam efetivar-se, estas produzem,

39
CONHECIMENTOS

Deste modo, a mobilização do património local induz à redi- b) a articulação rural-urbano, utilizada para analisar os proces-
namização do território, através de novas modalidades de integra- sos de desenvolvimento e de mudança social, era baseada em teo-
ção e de valorização dos recursos (materiais e não materiais) e dos rias dicotómicas, onde o espaço rural se subordinava (e também
produtos locais, como componentes do património sociocultural se subalternizava) ao espaço urbano, através do que ficou denomi-
coletivo. nado por submissão formal da agricultura camponesa aos sectores
Não estamos perante uma situação em que se procura integrar de produção especificamente capitalistas (cf. Reis & Lima, 1998, p.
de forma positiva os conhecimentos científicos e técnicos nos sis- 341).
temas cognitivos e de agir de forma solidária, mas de estabelecer
uma relação de cooperação e de negociação do conflito, para que Por outro lado, o paradigma ao aceitar a tese da autonomia re-
as normas e os códigos de conduta sejam subjetivados no sistema lativa do espaço rural abria a possibilidade de se proceder a análises
de representações para que constituam parte da identidade social. sobre os próprios equilíbrios e sobre os mecanismos de reprodução
O conceito de território, que entretanto foi adquirindo forma, internos (cf. Reis & Lima, 1998, p. 342).
pode ser definido como um espaço socialmente construído, pos- Se uma das mais importantes heranças que o modelo teórico
suidor de recursos naturais e detentor de uma história construída em análise possibilitou foi a restituição parcial do processo de de-
pelos homens que nele habitam, através de convenções de valores senvolvimento industrial, centrado nos espaços urbanos dos países
e regras, de arranjos institucionais que lhes conferem expressão, e mais desenvolvidos e dos mais periféricos da Europa, conseguiu
de formas sociais de organização da produção. produzir uma fundamentação teórica e uma metodologia crítica
Como espaço social, o território é um campo de forças políti- muito consistente do modelo empirista-localista que condicionou
cas conflituosas, com estruturas de poder e dominação. Assim, o muitos dos estudos sobre as comunidades rurais.
território é simultaneamente um lugar de produção de bens e de A pior herança, se nos for assim permitida a classificação, pren-
acumulação de capital e um lugar de construção de acordos insti- de-se com o facto desse mesmo modelo ter limitado as abordagens
tucionais do poder instituído, em constante mutação e que abriga teóricas a outras dinâmicas do espaço rural, nomeadamente aque-
conflitos de interesses e formas de ação coletiva e de coordenação. las que se referem ao sul da Europa, onde esse mesmo espaço rural
As formas de ação coletiva são territorializadas, pois não ocor- se apresenta regionalmente mais diferenciado e que nem sempre
rem no espaço abstrato, mas sim no espaço socialmente construído. se assumiu como um espaço social passivo face aos processos de
mudança (cf. Reis & Lima, 1998, p. 342).
Sociologia do Território - Novos olhares sobre velhas e novas O impacto empírico verificado a partir deste modelo, traduziu-
questões: a análise dos territórios em mutação sobre as relações -se num conjunto de processos e de estratégias, de inovação e de
entre os espaços sociais rural e urbano reconversão económica, submetidas às lógicas urbano-industriais
e ignorando os fatores intrínsecos aos contextos locais onde se en-
A Sociologia, ao apropriar-se do conceito de território, tenta
contravam integrados.
resolver um conjunto de questões com que a Sociologia Urbana e
As lógicas e as próprias experiências de industrialização, que
a Sociologia Rural se confrontavam e para os quais as teorias por
emergiram de forma difusa nalguns países do sul Europa, nomea-
si construídas deixavam muitas perguntas sem resposta. Daí que o
damente em espaços rurais e noutros tradicionalmente margi-
uso do conceito de território tenha vindo, há mais de uma década,
nalizados, abriram o caminho que tendem para o incremento de
a obrigar à realização de um conjunto de reflexões em torno dos
processos de desenvolvimento, assentes nos recursos e nas comple-
conceitos de rural e de urbano, ao mesmo tempo que nos leva a
mentaridades dos locais, e que evoluiu de um modo relativamente
interrogar sobre os seus objetos específicos de análise. autónomo face ao modelo dominante de desenvolvimento, muitas
A leitura sociológica que predominantemente marcou, nos úl- das vezes denominado por fordista, que marcou o pós-guerra.
timos anos, a análise sobre espaço social rural português - nas suas A partir do momento em que se passou a refletir sobre as di-
dimensões de investigação e de institucionalização académica, sob nâmicas de reanimação local dos espaços sociais anteriormente
a forma de Sociologia Rural – caracterizou-se por ser tributária do considerados como irrelevantes, senão mesmo invisíveis, face às
paradigma de análise dominante em voga nos anos setenta (cf. Reis perspectivas de reflexão de teorias macroeconómicas e macrosso-
& Lima, 1998, p. 341). ciológicas, obrigou a que se procedesse a profundas reconceptuali-
Esse paradigma, incorporava um conjunto de problemáticas zações nos vários campos de análise, das quais sobressaem aquelas
e de preocupações intrinsecamente relacionadas com a natureza que se preocupam, simultaneamente, com os aspetos inteligíveis
das transformações verificadas pela agricultura e pelos espaços face às novas interdependências espaciais e territoriais, e com a
rurais nas sociedades mais avançadas da Europa. Assim, as teorias promoção da reabilitação dos estudos locais e da análise dos fenó-
desenvolvidas estavam todas elas viradas para a explicação da so- menos sociais.
brevivência do campesinato e as articulações entre a denominada O conceito de rural tende a ganhar novos contornos como con-
economia camponesa e a sociedade global (cf. Reis & Lima, 1998, sequência das transformações que têm tido lugar nos vários terri-
p. 341). tórios. Talvez já não se possa falar de uma especificidade do espaço
Hoje, é possível verificar que este paradigma se encontrava social rural, uma vez que essa mesma especificidade desapareceu
tendencialmente enviesado no que se refere ao tipo de análises devido ao avanço das lógicas que presidem ao modo de produção
teóricas que produziu, isto porque: capitalista nos campos (cf. Freitas, Almeida & Cabral 1976).
a) relegou para um lugar de destaque, senão mesmo para um Por outro lado, o rural tende a distanciar-se cada vez mais de
lugar exclusivo de análise, o campesinato e a pequena agricultura uma concessão setorial que assentava tradicionalmente nas ativi-
familiar, deixando o conhecimento sobre os assalariados agrícolas e dades agrícolas.
as especificidades relacionadas com o sistema latifundista para um A primeira interrogação que surge quando se pretende refletir
lugar subalterno, senão mesmo marginal; sobre as mudanças verificadas nesse espaço social, prende-se com
o aspeto meramente ideológico que vem defendendo que o espaço

40
CONHECIMENTOS

rural não é mais do que o prolongamento expectante do espaço Dado o entrosamento de culturas, torna-se necessária algu-
urbano; então é legítimo que nos interroguemos: será que o rural ma prudência com o uso de determinados resultados o que, muito
poderá ser entendido como um continuum do urbano? Ou será que evidentemente, pode apontar para uma reestruturação das identi-
o espaço rural poderá ser compreendido recorrendo à dicotomia dades e das culturas rurais atribuindo-lhes valores e padrões tidos
rural e urbana? como urbanos.
O que se tem vindo a verificar é um incremento da penetração E esta prudência não é de todo descabida se tomarmos em con-
das atividades industriais na agricultura, a ponto de não se poderem sideração a propagação da cultura rural nas grandes áreas urbanas.
diferenciar os sectores de fornecimento ou de compra de produtos. Perante está clara invasão do rural no espaço urbano, coloca-se
Devido à forte influência das atividades urbanas que penetram obviamente em causa os pressupostos dos que defendem o fim do
no espaço rural, assiste-se a processos diferenciados de urbaniza- rural.
ção dos campos. E esta questão leva a uma outra interrogação. A fronteira entre
Todavia, esta situação não deve ser vista como um determinis- o rural e o urbano não estará a ser derrubada pelo lado contrário?
mo, ao qual o espaço rural se encontra irremediavelmente conde- Este facto indicia, de forma indiscutível, que a fronteira entre o
nado. rural e o urbano não é rígida, encontrando-se muitas das vezes de
Outro tipo de modificação verificada nos espaços rurais relacio- forma dissimulada. Daqui emergem a necessidade e a importância
na-se com as alterações nas formas de trabalho, comprovando-se da análise do local.
a emergência de profissões diferenciadas no meio rural que eram, Todavia, a noção de local não reduz o espaço a uma simples
anteriormente, exclusivamente urbanas. base física.
Como ocupações não agrícolas, podem-se destacar profissões Esta noção torna-se útil como uma referência para um conjun-
como administradores, secretárias, mecânicos, motoristas ou ope- to de relações sociais diversificadas que podem estar diluídas tanto
radores de informática. no ambiente rural como no urbano, reduzindo, desta forma, a ne-
O que sobressai destas alterações é o facto de nestas profis- cessidade de distinção entre os ambientes.
sões, além de serem diferenciadas para o meio, os profissionais Perante esta diversidade, os valores culturais são incorporados
passarem a ocupar postos de trabalho em empresas que não estão por novos hábitos e técnicas, o que contribui para que se torne di-
ligadas somente ao ramo das agroindústrias, mas a outras empre- fícil a determinação da unicidade no sentido das modificações e de
sas que, por razões diversas, se estabeleceram neste ambiente. se proceder com rigor à identificação de determinada preponde-
Entretanto, presencia-se a proliferação de lugares ou quintas rância de certos valores culturais considerados como hegemónicos
projetadas para atividades de lazer destinadas à classe média ur- (cf. Blume, 2004, p. 41).
bana, e acessivelmente localizados em relação aos grandes centros A solução a adotar para este tipo de análise parece ser aquela
urbanos, e que possuem atividades diversificadas como a apicul- que Pierre Bourdieu propunha para a leitura do rural como uma
tura, a criação de peixes, de aves e outros pequenos animais, ou categoria social realizada (cf. Bourdieu, 1993, pp. 32-36).
a produção de chás, de flores, de plantas ornamentais, de frutas A partir desta proposta, desenvolver-se-ia um conjunto de pos-
e hortaliças, assim como atividades de recreio e de turismo (como sibilidades para observar as relações sociais ao nível local, tornan-
o turismo de habitação, o agroturismo ou o turismo rural), e que do-se possível a agregação ao rural das categorias simbólicas que
apresentam um impacto positivo na preservação e conservação da foram sendo construídas a partir de universos culturais diversos.
paisagem ao mesmo tempo que viabilizam economicamente espa- Estas categoriais tendem a orientar o sentido das análises para
ços condenados ao despovoamento. os sujeitos do processo e não apenas para o espaço.
Estes estabelecimentos, para além de proporcionarem uma al- Serão os sujeitos que irão manifestar o seu vínculo com o local,
ternativa de rendimento diferenciado para os trabalhadores agríco- através das suas práticas, independentemente de estarem ou não
las, propiciam que esses mesmos trabalhadores se tornem caseiros fisicamente no local definido como o de origem.
ou até jardineiros, contribuem, ainda, para eliminar as culturas ex- Torna-se, contudo, pertinente averiguar se, ao centrar os es-
tensivas que se encontram nos arredores das cidades, libertando- tudos nos aspetos simbólicos do rural, tendo o local como escala
-as da dependência dos agroquímicos e da maquinaria pesada que de análise, não se estaria a limitar a abordagem a outras escalas
normalmente se encontram associados a este tipo de culturas (cf. analíticas, e que são, por seu turno, são influentes na escala local.
Blume, 2004, p. 38). Neste sentido, mais do que precisar as fronteiras entre o rural
A interrogação anteriormente estabelecida possibilita que se e o urbano ou evidenciar as diferenças culturais nas representações
proceda a um outro tipo de reflexão. sociais, há que verificar a qualidade do conjunto das relações que as
Hoje parece ser pacífica a aceitação do facto de existir uma práticas sociais estabelecem sobre o espaço, sobre o local de aná-
grande aproximação entre os ambientes culturais urbanos e rurais. lise, sendo que as práticas podem até mesmo ampliar a rede de
No entanto, esta integração não leva, necessariamente, a uma relações sociais, sem que no entanto proporcionem uma homoge-
mudança generalizada da identidade local dos habitantes rurais, neidade social. Para que isto ocorra, as identidades devem estar an-
contrariamente ao que se poderia supor. coradas ao sentimento de pertença a um determinado local, crian-
O maior contato, como aquele que ocorre atualmente, pode do uma consciência de si na relação que estabelece com o outro (cf.
até proporcionar um efeito contrário. Blume, 2004), p. 42).
Assim, ao invés de se dar uma homogeneização cultural, que A proposta que sugere o estudo do rural a partir de uma abor-
descaracterizaria as identidades socioculturais dos sujeitos, a apro- dagem territorial é deveras inovadora.
ximação realçaria as especificidades do rural, na medida em que se Parte-se do princípio que o território pode substituir com van-
produziria uma reestruturação das identidades e, simultaneamen- tagens acrescidas, as ambiguidades originárias das perspectivas di-
te, se verificaria um fortalecimento da ruralidade (cf. Blume, 2004, cotómicas ou das perspectivas que consideram o rural como um
p. 40). continuum do urbano, na medida em que remete o debate para

41
CONHECIMENTOS

questões mais inteligíveis, não se preocupando em precisar as ca- cernentes a contextos e a estratégias regionais, têm proporcionado
racterísticas que outros consideraram como determinantes, de um para que se verifique a emergência de novos princípios a introduzir
ou outro espaço. nas teorias de análise do desenvolvimento local.
Acredita-se que a abordagem territorial para o rural pode pro-
porcionar uma valorização de dimensões analíticas importantes
como os fundamentos ecológicos e económicos que se encontram
inscritas neste espaço. DAS DIMENSÕES E CARACTERÍSTICAS CULTURAIS,
Será, de todo errado, abordar as relações entre a cidade e o ECONÔMICAS, AMBIENTAIS,, POLÍTICAS E SOCIAIS E DOS
CONFLITOS QUE ENVOLVEM A PRODUÇÃO DE TERRITÓ-
campo, nos termos em que usualmente se desenrola o debate so-
RIOS E TERRITORIALIDADES
ciológico, ou seja, dicotomia × continnum.
E é de todo errado, pelo facto de existirem as denominadas
twilight zones, ou sejam, espaços que pelo aumento da densidade Instituições e a Relação entre Economia e Sociologia na Aca-
demográfica, já não são rurais mas ainda não são urbanos, sem que, demia: Uma Visão Histórica
contudo, tal venha a significar que a contradição material e também
histórica entre o fenómeno urbano e o fenómeno rural esteja a de- Até o final do século XIX, economia e sociologia não existiam
saparecer. como disciplinas separadas. Vista como parte das chamadas “ciên-
Urge então saber quais os impactos que a tendência da dife- cias morais”, a economia política clássica (assim como sua crítica
renciação espacial pode alcançar na questão do desenvolvimento marxista) certamente se interessava muito por instituições, mesmo
local, uma que é usual aliar as questões do desenvolvimento com quando esse último termo não era usado com muita frequência.
os processos de urbanização. Por volta de 1870 emergiu a economia neoclássica, que tentou
Todavia, é possível que um determinado espaço rural se desen- aproximar a economia da física, afastando-a do que viriam a ser as
volva sem ter a necessidade de se tornar não-rural. outras ciências sociais. Por outro lado, na virada do século XIX para
A verificar-se esta situação, dar-se-ia como que um corte epis- o XX, surgiu nos Estados Unidos a escola institucionalista de Veblen
temológico com a perspectiva do espaço rural como continuum do e outros, que alcançou um status importante na academia norte-a-
espaço urbano, havendo lugar ao questionamento da tese que ad- mericana durante algumas décadas, tendo participado da econo-
voga que o desaparecimento do rural se torna irreversível face ao mia mainstream da época naquele país. De sua parte, a sociologia
avanço da urbanização. – aplicada ou não ao estudo da economia ou das organizações sem-
pre se interessou por instituições, ao lado de outros aspectos do
Os estudos a empreender devem incorporar as novas perspec-
social. Além disso, os principais fundadores da sociologia – Marx,
tivas de análise, já que para estas, torna-se fundamental a valoriza-
Durkheim e Weber – foram todos eles sociólogos econômicos, de
ção da questão espacial, que assume um lugar de destaque nesses
modo que se pode falar hoje da sociologia econômica clássica. Par-
estudos.
te da economia era, então, próxima da sociologia econômica e de
Desta forma, a abordagem territorial que é possuidora de um
outras disciplinas sociais, enquanto outra parte nem tanto8.
enfoque que valoriza as dimensões espaciais numa forma diferen-
Em meados do século XX, a divisão de trabalho entre a econo-
ciada para análise do rural, tornou-se a mais inteligível uma vez que
mia e outras ciências sociais já havia se alterado bastante, sobre-
os conceitos de espaço e de território não se restringem, apenas e
tudo nos Estados Unidos e, a partir deles, em outros países. Numa
só, às dimensões local, regional, nacional ou até mesmo continen- medida significativa, assuntos econômicos passaram a ser o territó-
tal, como podem referenciar, de forma simultânea, a todas essas rio de economistas e não de outros cientistas sociais (Swedberg e
dimensões, o que se traduz numa mais-valia para a análise. Granovetter, 2001; Velthuis, 1999; Hodgson, 2001: 195-197). Den-
Contudo será pertinente proceder-se à verificação de prováveis tro da sociologia, em particular, a sociologia econômica tornou-se
impedimentos de índole teórico conceptual, que reduziram o uso muito menos frequentemente praticada. Do lado da economia, o
do território a uma mera abordagem explicativa, para que se possa auge dessa separação correspondeu à ascensão e hegemonia teó-
realizar o pressuposto da abordagem territorial. rica do modelo standard de equilíbrio geral, também conhecido
Será que o território é suficientemente inteligível na discussão como modelo “Arrow-Debreu”. Este modelo é substancialmente
sobre o rural e a ruralidade? Ou será que a essa abordagem, nos a-histórico e a institucional, ao menos no que se refere às suas hi-
termos é que é proposta, só irá valorizar uma das dimensões expli- póteses explícitas (voltaremos a isso mais adiante).
cativas, a explicação normativa? Numa das interpretações possíveis, o modelo “Arrow-Debreu”
Ao chamar o território à discussão, para as questões sobre o pretende valer para qualquer economia, em qualquer lugar e em
rural e a ruralidade, contribui-se para que o debate passe a assumir qualquer momento do tempo. Numa leitura um pouco menos ge-
um caminho especializado, pois dá-se a sua distanciação das ver- ral, o modelo só supõe claramente uma única instituição e mesmo
tentes clássicas das Ciências Sociais, configurando-se, deste modo, assim a entende de forma extremamente restritiva: o mercado, mas
um novo momento para se produzirem as reflexões. não um mercado próximo a mercados reais e sim um mercado ima-
No entanto, esta renovação teórica, que tem vindo a apelar à ginário, reduzido ao mecanismo de preços (a interação entre oferta
convocação de novas abordagens sobre a fronteira do rural e do e demanda). Outras instituições, incluindo algumas sem as quais
urbano, e cuja reformulação está longe de reunir a fundamenta- mercados reais não podem existir, são ignoradas explicitamente.
ção teórica indispensável à credibilidade e adesão da comunidade Naquele período, a economia mainstream afastou-se de outras dis-
científica, tem vindo a introduzir, de forma sistemática, um conjun- ciplinas sociais e aproximou-se das ciências exatas e da matemática,
to de orientações e de perspectivas de análise, sobretudo, quando 8 DEQUECH, David. Instituições e a relação entre economia e sociologia. Estud.
focalizam a sua atenção nos processos endógenos – quer se tratem Econ., São Paulo , v. 41, n. 3, p. 599-619, Sept. 2011 . http://www.scielo.br/scie-
de transformações, ou de iniciativas de base local – e que são con- lo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-41612011000300005&lng=en&nrm=iso

42
CONHECIMENTOS

mais ainda do que os fundadores da economia neoclássica haviam mainstream, isso se deu em larga medida em reação à intervenção
feito. Por volta da década de setenta do século XX, as barreiras que no debate econômico de autores oriundos de fora da disciplina e
separavam a economia de outras disciplinas sociais começaram a em particular influenciados pela psicologia.
diminuir. Da parte dos economistas, três movimentos podem ser Destacam-se aqui os mais influentes precursores da economia
notados a esse respeito: comportamental: Herbert Simon, de um lado, e os psicólogos Da-
Primeiro (sem ordem cronológica ou de importância) houve na niel Kahneman e Amos Tversky, de outro. Simon e Kahneman ga-
economia uma virada institucional: ressurgiu o interesse dos eco- nharam o prêmio Nobel (Tversky certamente o teria compartilha-
nomistas pelas instituições. Isso vale inclusive para os economistas do com Kahneman se estivesse vivo no momento da premiação).
neoclássicos e, dentro desse conjunto, para teóricos de equilíbrio Embora Simon se interessasse muito por organizações e, em grau
geral que foram além do modelo standard. De fato, algumas tentati- menor, por outras instituições, a economia comportamental em
vas de ultrapassar os limites do modelo “Arrow-Debreu” e ampliar o geral não tem dado tanta atenção às instituições ou, mais ampla-
escopo da teoria de equilíbrio geral levaram à incorporação de mais mente, ao contexto social em que operam os agentes econômicos
instituições à análise. Além disso, surgiu a chamada nova econo- (ver Dequech, 2007-2008 para algumas referências críticas ao in-
mia institucional (Dequech, 2006). Parte dela aplica ao estudo das dividualismo das abordagens psicológicas que penetraram a eco-
instituições a teoria neoclássica, entendida aqui como assentada nomia mainstream). Uma exceção, de difusão ainda limitada, são
sobre três elementos definidores (Dequech, 2007-2008): a hipótese os trabalhos comportamentais sobre justiça (fairness), envolvendo
de racionalidade na forma de maximização de utilidade; a hipóte- normas sociais.
se de que a economia analisada está em equilíbrio ou tende a um Terceiro, economistas neoclássicos invadiram o território de
equilíbrio (que pode ser único ou um entre múltiplos equilíbrios); sociólogos, cientistas políticos e outros estudiosos da sociedade,
e um conceito de incerteza que corresponde ao “risco knightiano” aplicando em outros campos o instrumental neoclássico, em par-
(com probabilidades objetivas conhecidas) ou, mais amplamente, à ticular a hipótese de maximização de utilidade como critério de ra-
incerteza tal como concebida na teoria da utilidade esperada subje- cionalidade. Gary Becker (1976) é o principal expoente disso que
tiva de Savage (1954). ficou conhecido como “imperialismo econômico”. Seja em reação a
Outras alas da nova economia institucional abandonaram, ao isso ou não, não economistas voltaram a dedicar com intensidade
menos em parte, uma ou mais dessas ideias neoclássicas básicas sua atenção a assuntos econômicos. Dentro da sociologia, em par-
(Dequech, 2006). Oliver Williamson, recuperando insights de Ro- ticular, emergiu a partir dos anos 1980 a chamada nova sociologia
nald Coase sobre custos de transação, e Douglass North, são alguns econômica. Inicialmente, sob a influência de Mark Granovetter, ela
nomes importantes neste contexto. Esses três autores ganharam concentrou-se bastante nas redes de relações interpessoais. Com o
o prêmio Nobel de economia. Williamson dividiu-o com a cientis- passar do tempo, outros aspectos sociais da economia passaram a
ta política Elinor Ostrom, cuja premiação é um ótimo exemplo de ser (re)examinados pelos sociólogos, incluindo as instituições.
como aumentou o respeito dos economistas por outras disciplinas Assim como na economia, “novos institucionalismos” surgiram
sociais. Dentro e fora da economia neoclássica surgiram também em outras disciplinas das ciências sociais. Em vários casos, eles são
outras abordagens às instituições, mas sem o rótulo de economia aplicados ao estudo de fenômenos econômicos, de um modo que
institucional (algumas serão mencionadas mais adiante). Seja sob enriquece nosso entendimento.
este rótulo ou não, a esmagadora maioria dos trabalhos da econo-
mia mainstream contemporânea dedicados ao estudo das institui- Disciplinas Definidas por Objetos? A Proximidade entre Eco-
ções está baseada em modelos matemáticos e especialmente na nomia e Sociologia Econômica
teoria dos jogos. Usando de novo o prêmio Nobel como indicador Em contraste com a visão que define a economia em função
de eminência, cabe aqui mencionar os trabalhos sobre mecanismos de uma abordagem ou um método de análise, uma alternativa é
de desenho institucional, que levaram à premiação conjunta de defini-la em função de um objeto de estudo. Concebe-se então a
Leonid Hurwicz, Eric Maskin e Roger Myerson. economia como a disciplina que estuda a economia como objeto.
A ascensão da teoria dos jogos na economia em parte se deu Dentro dessa concepção, alguns economistas ligados à tradição ins-
às expensas da teoria do equilíbrio geral. Dito de outra forma, a titucionalista americana ofereceram um tratamento mais específico
retomada do estudo das instituições no meio da economia mains- da disciplina. Walter Neale, inspirado na distinção de Karl Polanyi
tream em boa medida foi facilitada pelo aumento do prestígio de entre os sentidos formal e substantivo do termo “econômico”, pro-
um aparato formal considerado propício a isso (ou, em vários casos, pôs o seguinte: “substantive economics ... is the study ... of how
mais propício que a teoria do equilíbrio geral): a teoria dos jogos. people go about provisioning themselves, whether as individuals or
A virada institucional levou a uma aproximação com outras discipli- as members of groups with common purposes” (1987: 1180).
nas, sobretudo o direito e a história. O aproveitamento de contri- Na definição de Allan Gruchy (1987: 21), a economia é a dis-
buições da sociologia é bem maior na economia não mainstream, ciplina que estuda o processo de provisão social. Isso pode ser
mas há exceções de destaque, como Masahiko Aoki (2001), Avner entendido como relacionado com a provisão das necessidades. A
Greif (2006), Durlauf e Young (orgs.)(2001) e George Akerlof (1984), provisão social engloba não apenas objetos materiais, mas também
embora esse último use ideias da sociologia e da antropologia ao serviços, incluindo cuidados pessoais. Parece razoável acrescentar
mesmo tempo em que amplia o escopo da hipótese de maximiza- que a economia deve estudar também as consequências de orga-
ção da utilidade, com referências a costumes, identidade e normas nizar o processo de provisão social de certa maneira. Esta definição
sociais no tratamento de temas tradicionalmente econômicos. não é livre de pontos obscuros, mas parece satisfatória e preferível
Segundo, houve na economia uma virada cognitiva: ressurgiu a outras alternativas.
o interesse dos economistas por questões cognitivas, referentes Existem variados tipos de relações econômicas através das
em especial a certos tipos de incerteza e de possíveis limitações quais as pessoas obtêm a provisão de bens e serviços. Alguns cor-
mentais e computacionais dos agentes econômicos. Na economia respondem, grosso modo, às formas de integração de que tratou

43
CONHECIMENTOS

Polanyi (1944, 1957), embora não precisem ou não devam ser to- mistas institucionais reconhecem), elas também incorporam ou cor-
das caracterizadas exatamente como ele o fez: reciprocidade, redis- porificam conhecimento prático ou tácito; e, especialmente como
tribuição, troca mercantil e autosubsistência familiar. Outros tipos modelos mentais compartilhados, desempenham uma função cog-
de relação econômica incluem solidariedade sem reciprocidade, nitiva profunda ao influenciar o modo como os indivíduos selecio-
roubo e (dependendo de como se vê a forma pela qual o Estado nam, organizam e interpretam informações. Em termos de motiva-
financia seus gastos) provisão pelo Estado sem redistribuição. Se ções, as instituições não apenas dão incentivos, como usualmente
a economia estuda o econômico, a sociologia pode ser vista como enfatizado por economistas mainstream, mas também influenciam
a disciplina que estuda o social, como seu próprio nome indica. A os próprios objetivos que as pessoas buscam e as obrigações que
subdisciplina da sociologia econômica pode ser vista como estudan- os indivíduos se atribuem. Essas são o que podemos denominar as
do simultaneamente o social e o econômico. Parte importante da variantes simples e profundas do seu papel motivacional, respec-
relação entre economia e sociologia passa a depender, então, da tivamente. Finalmente, as instituições podem também desempe-
relação entre seus objetos de estudo. nhar um papel emocional, menos estudado por enquanto, através
Na verdade, esses objetos se interpenetram em grande me- do qual influenciam o estado emocional das pessoas.
dida. Mais especificamente, o social está inevitavelmente presen- Por serem tratadas como padrões de comportamento ou de
te dentro do econômico. É isso que se pretende argumentar em pensamento socialmente compartilhados, ou seja, compartilhados
mais detalhes a seguir e disso resulta uma enorme dificuldade para por razões sociais, as instituições econômicas inevitavelmente im-
quem quiser separar economia e sociologia em termos de objetos. plicam que parte do social está dentro do econômico. Quando se
As instituições são uma parte importante dos argumentos. Assim, trata as instituições como capazes de influenciar profundamente a
convém começar discutindo o que são as instituições e como elas cognição e as motivações dos indivíduos, como discutido acima, co-
afetam os indivíduos. Em seguida, as instituições serão colocadas loca-se o institucional não apenas dentro do econômico em geral,
ao lado de outros aspectos do social. Depois disso será considera- mas, num sentido importante, dentro dos próprios agentes econô-
do como o social está dentro do econômico no caso particular dos micos em particular. Um pouco mais adiante, o argumento de que
mercados, dada sua relevância nas economias contemporâneas. o social, em particular o institucional, está dentro do econômico,
será ilustrado no caso dos mercados. Em termos gerais, ele vale,
Instituições contudo, qualquer que seja o tipo de economia prevalecente numa
As instituições são entendidas aqui de modo amplo, como realidade histórica concreta.
padrões socialmente compartilhados de comportamento e/ou de
pensamento (Dequech, 2009). Isso inclui padrões que não apenas Instituições e Outros Aspectos do Social
são seguidos, mas também que são prescritos ou descritos – no Émile Durkheim definiu a sociologia geral como a “ciência das
sentido de que eles indicam ou representam o que (não) fazer ou instituições” (Velthuis, 1999: 634 e n. 6). Coerentemente, Durkheim
pensar em determinadas circunstâncias – e, neste sentido, podem concebeu a sociologia econômica como voltada ao estudo das ins-
ser chamados de regras. Socialmente compartilhados quer dizer tituições econômicas (Swedberg, 2003: 18). Essa visão é excessi-
aqui compartilhados por razões sociais, por contraste com causas vamente restritiva, à luz do argumento de que as instituições não
genéticas ou outro tipo de causa natural ou inevitável. O conceito esgotam todos os aspectos relevantes do social, sendo apenas um
de instituições tem uma dimensão comportamental, assim como entre outros. Quais são os outros aspectos depende da classifica-
uma dimensão mental. A dimensão mental inclui não apenas ex- ção de cada autor. Um aspecto, bastante destacado na sociologia
pectativas, mas também modelos mentais compartilhados. econômica em seus primeiros anos de renascença, corresponde às
Existem diferentes tipos de instituição. Normas socialmente redes de relações interpessoais (redes sociais). Outro consiste nas
compartilhadas indicam o que um indivíduo deveria fazer, trazem relações de poder (ou relações de dominação, hierarquia, etc). Elas
consigo a possibilidade de sanções externas, mas, ao menos no são relações entre posições sociais, a não confundir com relações
caso de alguns indivíduos, são internalizadas. Normas formais ou pessoais. Alguns autores incluem ainda os aspectos sociais da cog-
legais são mantidas em prática em última instância pelas organiza- nição ou as estruturas cognitivas socialmente compartilhadas (e.g.,
ções do sistema legal, enquanto as normas sociais informais estão Dobbin, 2004: 4); para outros, essas estruturas são instituições e
ligadas a sanções por outras pessoas no grupo relevante. não algo separado delas (esta é a concepção adotada aqui, como
As convenções possuem ao menos duas características que já visto).
outros padrões socialmente compartilhados (sejam eles formais ou Mais recentemente, um número menor de autores, ao pensar
informais) podem não ter: em questões econômicas, passou a identificar ainda outro aspecto
a) quando seguida conscientemente, uma convenção é seguida do social: as técnicas performativas que eles acreditam formatar os
ao menos em parte porque outras pessoas a seguem (ou se espera mercados. Em suma, o social não é apenas institucional. Ao mesmo
que vão seguir) e não – ou não apenas – porque há uma pressão tempo, esses diferentes aspectos do social estão ligados entre si.
externa; As instituições, em particular, estão estreitamente relacionadas aos
b) uma convenção é em algum grau arbitrária, no sentido de demais aspectos. Por exemplo, as redes de relações sociais servem
que é concebível uma alternativa hipotética que não é claramente de condutor para as instituições (Dobbin, 2004: 18) e, às vezes, para
inferior ao padrão prevalecente. As instituições dependem dos in- sua efetivação (enforcement). A conexão entre as instituições e as
divíduos que as reproduzem, transformam ou criam, mas elas tam- relações de poder é uma via de duplo sentido. As instituições são
bém influenciam o comportamento e o pensamento individual de em parte mantidas por relações de poder; no caso específico das
maneiras cruciais e às vezes constitutivas (Dequech, 2006). organizações, trata-se de instituições que são em parte definidas
Talvez o tipo menos controverso de influência das instituições por essas relações de poder, na forma de relações hierárquicas.
seja seu papel restritivo. Seu papel cognitivo é triplo: informacional, Por outro lado, sobretudo através de sua presumida legitimidade
prático e profundo. Além de dar informações (como vários econo- ou inevitabilidade, as instituições ajudam a sustentar relações de

44
CONHECIMENTOS

poder. Há quem enxergue o poder mesmo como a capacidade de mercados, que a estimulam). Seu caráter institucional resulta de
influenciar o entendimento que os outros têm do mundo e de seus sua necessária associação com modos de pensar socialmente com-
interesses. Nesse duplo sentido, a economia das instituições pode partilhados, em particular modos de pensar sobre a conveniência
ser vista como uma economia política (o que aproxima a economia da especialização por contraste com a autosubsistência.
de outra disciplina social, a ciência política). Outras pré-condições para a existência de mercados são fre-
quentemente vistas como institucionais, embora talvez não como
O Importante Caso Particular dos Mercados tipicamente de interesse sociológico ou mais próximo da seara dos
Alguns economistas parecem restringir sua concepção da eco- sociólogos que dos economistas. Este parece ser o caso: da pro-
nomia como disciplina ao estudo de um tipo de relação econômica, priedade privada do que vai ser trocado; da proteção de direitos de
nomeadamente as relações de troca, sobretudo troca mercantil. As propriedade sobre o que pode ser vendido e comprado; e do cum-
trocas através dos mercados não esgotam, entretanto, as possibili- primento de contratos, ao menos quando dependente da (ameaça
dades de provisão social, como argumentado acima. Assim, a eco- de) pressão do Estado.
nomia como disciplina não deveria se restringir a investigar apenas Talvez se possa enquadrar no mesmo caso instituições que
os mercados. estabeleçam uma regulação básica da concorrência – no mínimo,
Contudo, mesmo quando nos limitamos ao estudo dos merca- regras sobre concorrência de bens importados, modos de pensar
dos, a economia como disciplina não é facilmente separável da so- sobre o que é concorrência desleal (como, por exemplo, sonegação
ciologia econômica. De acordo com Marion Fourcade (2007: 1017), de impostos e, em casos de algum poder de mercado, dumping,
a nova sociologia econômica, em suas origens nos anos oitenta vendas casadas, etc.) e a prática pelo Estado e/ou agentes privados
do século XX, orientou-se pela ambição de um diálogo – ou uma de (in)tolerância à concorrência desleal; mais dinamicamente, re-
concorrência – com a economia mainstream. Isso a teria levado gras sobre limites ou não para a market share de um ofertante ou
a se construir dominantemente como a sociologia dos mercados. demandante no mercado. Pelo menos para alguns autores, deve-se
Alguns sociólogos econômicos discordam desse foco estreito (para acrescentar também a moeda e o Estado, ao menos para garan-
algumas referências, ver Fligstein e Dauter, 2007: 106, n. 1 e Zelizer, tir direitos de propriedade e o cumprimento de contratos ou para
2007, além do próprio artigo de Fourcade) e o argumento de que a garantir a própria moeda. O mesmo parece valer para instituições
provisão social não se faz apenas pelos mercados lhes dá razão. De que ajudam a definir o que é um determinado bem ou serviço, com
qualquer modo, repete-se aqui, agora de modo mais específico, a já sua respectiva qualidade, por contraste com outros bens e serviços.
apontada dificuldade mais geral de responder a seguinte pergunta: Restam ainda outras bases institucionais dos mercados, que
o que é distintivo da sociologia, por contraste com a disciplina da não são frequentemente identificadas por muitos economistas e
economia, no estudo de assuntos econômicos? Isso vale no caso que envolvem temas reconhecidamente sociológicos. São exata-
particular em que o objeto econômico de estudo é restrito aos mer- mente elas que mais claramente colocam o social dentro dos mer-
cados. cados. Elas podem ser reunidas em pelo menos três grupos. Pri-
Também dentro dos mercados existe inevitavelmente algo de meiro, há um conjunto de regras (permissões e restrições) e modos
social, algo que facilmente pode ser visto como um objeto de estu- compartilhados de pensar sobre o que pode ou não ser vendido,
do de interesse para sociólogos, às vezes até mais tipicamente in- por quem e em que circunstâncias. Isso é o que delimita o domínio
teressante para sociólogos que para economistas. De fato, também do mercado, sujeito a alterações relativamente frequentes.
no caso específico do estudo dos mercados os sociólogos têm ma- As instituições envolvidas são concepções normativas morais
nifestado seu interesse pelos diferentes aspectos do social já men- e político-ideológicas (com relação a: que tipo de bens e serviços
cionados anteriormente. Fourcade (2007: 1015), por exemplo, des- devem ou não ser providos gratuitamente pelo Estado e não via
taca esses aspectos ao identificar quatro representações principais mercados; o nacionalismo ou não em relação aos produtores nacio-
do que é sociologicamente importante sobre mercados: “the social nais e seus interesses; etc.), junto com restrições comportamentais
networks that sustain them, the systems of social positions that or- formais (como leis) e informais (como normas sociais e conven-
ganize them, the institutionalization processes that stabilize them, ções). Segundo, há normas sociais de honestidade e cooperação,
and the performative techniques that bring them into existence.” que servem de base para a confiança (trust) nos agentes com quem
Mais particularmente, existe dentro dos mercados algo de ins- se interage, junto com redes de relações interpessoais. Isso em par-
titucional. Isso vai além do argumento de que o mecanismo de pre- te se sobrepõe ao cumprimento de contratos, mas vai além, incluin-
ços é uma instituição. Duas ideias principais serão destacadas aqui a do aspectos não completamente especificados nos contratos (e.g.,
esse respeito. Primeiro, será considerado o que se pode chamar de a qualidade das mercadorias e serviços). Um terceiro grupo inclui
bases institucionais dos mercados, sem as quais os mercados não duas instituições já mencionadas acima, mas agora vistas sob uma
podem existir. Segundo, serão dadas breves indicações de como as ótica diferente, incomum entre economistas: a moeda e o Estado.
instituições estão difundidas e são importantes numa economia de Numa visão inspirada em Polanyi, o Estado seria indispensável para
mercado, mesmo quando algumas dessas instituições não são in- administrar o que ele chamou de “mercadorias fictícias”, incluindo
dispensáveis à existência dos mercados. trabalho e a terra, além da moeda. Uma outra visão da moeda en-
fatiza suas bases convencionais, mas rejeitando a ideia econômica
As Bases Institucionais dos Mercados tradicional de que o objeto a ser eleito moeda tem um valor social
Os mercados não apenas são instituições, mas dependem de prévio à convenção monetária (Aglietta e Orléan, 2002).
instituições para existir.
Algumas das bases institucionais dos mercados são reconheci-
das como necessárias sem que sempre se veja o seu caráter institu-
cional. É o caso, por exemplo, da divisão social do trabalho (mesmo
que esta divisão não seja capaz de atingir uma larga escala sem os

45
CONHECIMENTOS

A Ubiquidade e Importância das Instituições na Vida Econô-


mica DO PAPEL DA INDÚSTRIA CULTURAL E DAS CULTURAS DE
Há muito mais de institucional na vida econômica do que supõe MASSA NA PRODUÇÃO DE UMA SOCIEDADE DO CON-
a maioria dos economistas e mesmo uma parte dos sociólogos. Me- SUMO E DE SEUS IMPACTOS ECONÔMICOS E SOCIOAM-
nos frequentemente reconhecidas como relevantes para economis- BIENTAIS
tas, mas na verdade muito importantes e amplamente difundidas,
são as instituições informais. Como fruto de uma sociedade capitalista e industrializada, em
Além das instituições já mencionadas, podem-se destacar várias que tudo é tratado como produto, inclusive os seres humanos, os
outras. Há, por exemplo, as instituições tecnológicas. Algumas delas valores humanísticos foram deixados de lado em troca do interesse
são formais, como as organizações e as leis dos chamados sistemas econômico. A agressão ao meio ambiente e os danos causados em
nacionais de inovação. Outras instituições tecnológicas são infor- nome da geração de grandes lucros.
mais: convenções e normas sociais. As convenções tecnológicas são Para entender o que vem a ser indústria cultural é preciso dis-
mais facilmente perceptíveis na literatura sobre tecnologias concor- tinguir o que é cultura propriamente dita. A visão que muitos têm
rentes, path dependence e lock in, a partir dos trabalhos seminais sobre o termo cultura, em sua etimologia, possui vários significa-
de Brian Arthur e Paul David, mas também podem ser associadas dos, para alguns a cultura é o resultado de status social, ou seja,
aos chamados paradigmas tecnológicos. Pelo menos alguma in- somente para uma sociedade elitizada com uma hierarquia de bens
terseção existe com a literatura sociológica que trata de estudos adquiridos durante sua trajetória de vida. Já para outros é o patri-
sociais da tecnologia e da construção social da tecnologia. Por sua mônio artístico, literário e científico. No seu conceito sociológico
vez, a ideia de normas sociais tecnológicas aparece já nas reflexões e antropológico, segundo Torre, a cultura tem uma definição mais
de Schumpeter sobre o agente inovador e ressurge com riqueza nos ampla, com embasamentos em estudo, a definição de cultura passa
trabalhos que tratam das dificuldades envolvidas em path creation. ser:
No domínio das finanças, organizações e regulamentos formais Cultura é tudo que o homem produz, quer no sentido mate-
são amplamente vistos como importantes, mas cresce o reconhe- rial (utensílios, objetos, vestimentas, técnicas, habitações), quer no
cimento da existência também de convenções e, por enquanto em sentido espiritual (filosofia, ciência, artes, letras, crenças). Cultura é
menor grau, de normas sociais financeiras. Keynes (1936, 1937) então à parte do ambiente feito pelo homem, o conjunto complexo
ofereceu um exemplo seminal com a análise de sua convenção pro- que inclui conhecimentos, artes, leis, crenças, moral, costumes, en-
jetiva (que consiste em projetar para o futuro o valor presente de fim tudo o que adquire como membro da sociedade. (1989. p218).
uma variável, como o preço das ações), mas existem modelos con- Para atender as necessidades do homem dentro de uma socie-
vencionais que são mais vagos ou gerais, no sentido de que não ge- dade consumista e para explicar sua existência de que forma tudo
ram previsões específicas sobre o valor futuro de alguma variável. foi criado, “a cultura se origina sempre para satisfazer as necessi-
Um exemplo é a convenção financeira de que trata André Orléan dades humanas, para que o homem possa adaptar-se ao meio e
(1999), um modelo mais qualitativo de análise que ele supõe ser adaptar o meio a si”. TORRE (1989 p. 200).
adotado por operadores no mercado de ações e que é compatível Como fruto de uma sociedade capitalista e industrializada, em
com diferentes expectativas específicas. O mesmo tipo de comen- que tudo é tratado como produto, inclusive os seres humanos, os
tário aplica-se ao chamado mercado de trabalho. Tradicionalmen- valores humanísticos foram deixados de lado em troca do interesse
te já se reconhece a relevância de organizações como sindicatos e econômico. A cultura também segue a lógica do interesse conside-
das leis trabalhistas (ou de sua ausência). Alguns autores destacam rando que ela é produzida como mercadoria e planejada a fim de
também normas sociais ou convenções, especialmente dentro das gerar lucros. Nasce o individualismo, fruto de toda essa industriali-
firmas e referentes, por exemplo, ao esforço dos empregados e à zação cultural, logo só serão valorizados e permitidos os trabalhos
justiça de seu tratamento pelos superiores hierárquicos. que sejam fiéis a essa ideologia e que mantenham seus seguidores
Menos comumente reconhecidas, mas igualmente relevantes, passivos, alienados e prontos para absorverem os ensinamentos de
são as instituições informais envolvendo decisões sobre o quanto consumo dessa indústria.
investir e o quanto produzir em mercados de bens. Nesses merca- Com o intuito de influenciar, transformar hábitos, educar, in-
dos, pode-se falar também de instituições informais envolvendo, formar, criar outra visão de mundo e com a intenção de atingir a
por exemplo, mark-up pricing em várias estruturas de mercado, sociedade como um todo para o consumo, a indústria cultural surge
formas de gerenciamento e procedimentos contábeis, bem como como a ovelha negra da Revolução Industrial, no século XVIII, que
padrões de consumo. Frequentemente trata-se aí de comporta- criou uma economia de consumo de bens e que passou a reger a
mentos em busca de vantagens pecuniárias. Finalmente, mas não sociedade com a lei da troca, produtos substituídos por moedas,
menos importante, pode-se falar de um tema ainda pouco explora- essa substituição de produtos foi intensificada no século XIX. COE-
do: instituições informais na economia como disciplina, que podem LHO (1980, p. 20).
influenciar ou ter como contrapartida instituições na economia A cultura – feita em série industrialmente, para o grande núme-
como objeto. ro – passa a ser vista não como um instrumento de crítica e conhe-
cimento, mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser
consumido como se consome qualquer outra coisa. E produto feito
de acordo com as normas gerais em vigor: produto padronizado,
como uma espécie de kit para montar. COELHO (1980. p. 11).
Através desta intensificação da cultura de massa e com o avan-
ço tecnológico, os meios de comunicação de massa, a imprensa, o
rádio, o cinema começam a disparar suas penetrações com a Era da
Eletrônica. Com o avanço da TV, capaz de colocar uma mensagem

46
CONHECIMENTOS

ao alcance de grande número de indivíduos esta alienação torna-se O Meio Ambiente é uma manifestação da constante trans-
mais intensa. Dando início a algo que já era praticado, só que agora formação, da natureza e da sociedade humana. Devido ao nosso
com mais intensidade, a sociedade consumista realiza hábitos, nos egocentrismo, e consumismo sem limite, na busca constante de
quais são praticados por outros, geralmente aqueles mais desen- suprirmos nossos desejos econômico, buscando sempre viver de
volvidos. aparência e isto fazendo às custas de derrubadas de árvores, quei-
Com o desenvolvimento dos meios eletrônicos, a indústria da madas, extinção de espécies, poluição do ar, do solo e da água, não
consciência converteu-se em marca-passos do desenvolvimento importando ao menos se todo este descaso com o planeta vai valer
socioeconômico na sociedade pós-industrial, infiltram se em todos mesmo a pena, pois para que todo este lucro, esta aparência de
os demais setores da produção, assume cada vez mais funções de ser o melhor, de ter a melhor casa e o melhor carro a melhor conta
comando e de controle, e determina a norma da tecnologia domi- bancária, sendo que não terá como aproveitar, já que o planeta já
nante. ENZENSBERGER. (1970. P. 43). reclama e está à beira de um colapso total. E para que tanto se ge-
A indústria cultural preza pela estagnação das coisas, tentando rações futuras também não aproveitará esta fortuna.
quebrar essa homogeneidade surgem movimentos modernos de Este descaso já vem de longe, o meio ambiente está sofrendo
vanguarda que rompem essa ideologia e valorizam a mudança e o profundas alterações, às vezes são rastro de destruição jamais re-
novo. cuperados, ou seja perdidas, pondo em perigo a sua própria exis-
Assim a indústria cultural, os meios de comunicação de massa tência, pois através desta destruição é que pode esta algum tipo de
e a cultura de massa, vêm se estabelecendo a partir do processo da cura jamais conhecidos.
industrialização e com a preocupação de atingir o maior número de O ritmo consumista está trazendo problemas seríssimos, insus-
público e com isso buscar o máximo de lucro. A lógica é oferecer tentáveis, não se pode nem medir o valor da perda só assistindo o
uma produção, agradar o consumidor fazendo com que ele consu- planeta responder de forma dramática.
ma e se adapte à cultura imposta pela indústria cultural. Os cenários como shoppings, arranha-céus, indústrias, são con-
Uma cultura começa a ser vinculada pelos veículos de comuni- siderados normais, os valores relacionados com a natureza não tem
cação e destinada a um maior número de pessoas. Os valores hu- valor, na verdade é tratada como empecilho ao progresso.
manos são deixados de lado em troca de interesses econômicos, Estas construções levam a várias complicações, pois muitas de-
las são feitas sem medir o impacto que podem causar. Ruas, quando
devido à industrialização da cultura, através dos meios de comu-
chove, ficam inundadas. Carros parece que têm mais que gente, um
nicação. Com o grande poder em transformar uma sociedade con-
trânsito louco, poluição constante.
sumista, alienada, a indústria cultural também contribui para uma
formação do indivíduo. A industrialização cultural faz com que os
meios de comunicação possam homogeneizar as classes sociais.
O consumo proposto pelos meios de comunicação está rela- DO PAPEL E DA IMPORTÂNCIA DE DISTINTOS ATORES
cionado à cultura superior, que manipula a classe dos dominados SOCIAIS NA FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE
induzindo a terem os mesmo hábitos da sociedade elitizada, isso AÇÕES E POLÍTICAS NA PRODUÇÃO DE UM MUNDO
significa que as formas culturais atravessam as classes sociais sem SUSTENTÁVEL
que percebamos, acreditando que o povo pode ser consumidor das
mesmas coisas que a elite, criando desta forma uma indústria. As- A busca por um mundo sustentável exige a participação ati-
sim a cultura de massa, fornecida pelos meios de comunicação que- va de diversos atores sociais na formulação e implementação de
bra as barreiras das classes sociais e culturais e coloca as bases de ações e políticas. Esses atores desempenham papéis fundamentais
uma instável e discutível democrática comunidade cultural. na promoção de práticas e soluções que visam conciliar o desen-
Nessa perspectiva, a cultura média surge como filha bastarda volvimento humano com a preservação ambiental e a justiça social.
ou subproduto da cultura de massa, nesse processo, ela se diferen- Neste texto, discutiremos o papel e a importância desses atores na
cia da cultura de massa: a) por tomar emprestados procedimentos construção de um mundo sustentável.
da cultura superior, desbastando-os facilitando-os; b) por usar es-
ses procedimentos, quando eles já são notórios, já foram “consu- — Governos e Instituições Governamentais
midos”; c) por rearranjá-los à provocações de efeitos fáceis; d) por Os governos desempenham um papel central na formulação e
vende-los como cultura superior. COELHO (1980. p.20). implementação de políticas públicas que promovam a sustentabili-
A alienação ou uma revelação a quem a consome. Na questão dade. Através da criação de legislações, regulações e instrumentos
de alienação o indivíduo foge da sua realidade cultural com um úni- de governança, os governos podem estabelecer diretrizes e metas
co intuito, trocar seus produtos por moedas criando uma socieda- para a proteção do meio ambiente, a promoção de energias ren-
de capitalista monopolizada. A revelação, é que leva o indivíduo a ováveis, a gestão sustentável dos recursos naturais, entre outros
outra visão de mundo. A indústria cultural faz com que percamos a aspectos relacionados à sustentabilidade.
essência da realidade, proporcionando ao homem a necessidade de Além disso, as instituições governamentais são responsáveis
consumir incessavelmente. por fiscalizar o cumprimento das políticas ambientais, promover a
A sociedade de consumo tem, claramente, um forte encanto e educação ambiental e incentivar a participação da sociedade civil
traz consigo muitos benefícios econômicos. Também seria injusto na tomada de decisões relacionadas ao meio ambiente.
argumentar que as vantagens obtidas por uma geração anterior de
consumidores não deveriam ser compartilhadas pela geração se- — Sociedade Civil e Organizações Não Governamentais
guinte. Todavia, o aumento disparado do consumo na última dé- (ONGs)
cada – e as projeções alucinantes que logicamente dele derivam A sociedade civil desempenha um papel essencial na con-
– indica que o mundo como um todo se verá, em breve, frente a um strução de um mundo sustentável. Organizações não governamen-
grande dilema. (Gardner, Assadourian e Sarin, 2004: 4) tais (ONGs), movimentos sociais, grupos comunitários e indivíduos

47
CONHECIMENTOS

engajados são responsáveis por levantar questões ambientais, pro- Os profissionais que trabalham no campo da antropologia so-
mover a conscientização e mobilizar ações em prol da sustentabil- cial são especialistas em explorar o conhecimento cultural de um
idade. povo
As ONGs desempenham um papel de pressão e advocacia, Por exemplo, o estudo de um antropólogo social pode abor-
monitorando as políticas governamentais, conduzindo pesquisas, dar questões específicas como a fé de um povo (ou seja, ideias re-
fornecendo assistência técnica e participando de processos de ligiosas), as tendências artísticas dominantes na época, a teoria do
tomada de decisão. Além disso, a sociedade civil desempenha um conhecimento dominante, as formas de relação social, os valores e
papel importante na promoção de práticas sustentáveis em nível crenças que estruturam a ética social, os convencionalismos sociais
local, através de iniciativas de reciclagem, conservação de recursos e as tradições dos povos em determinadas datas.
naturais, educação ambiental e empoderamento das comunidades. Assim como outras disciplinas humanas, a antropologia social é
um tesouro que permite ao ser humano conhecer-se melhor como
Setor Privado e Empresas parte da sociedade que pertence
O setor privado e as empresas têm um papel crucial na pro- Além disso, a antropologia social mostra a riqueza cultural que
dução de um mundo sustentável. As empresas podem adotar práti- há no mundo a partir das diferenças presentes nos costumes dos
cas de responsabilidade social e ambiental, investir em tecnologias mais variados povos. Ou seja, a cultura como um alimento de es-
limpas, reduzir emissões de gases de efeito estufa, implementar pírito é um bem essencial para a evolução, uma vez que é um bem
políticas de reciclagem e promover a sustentabilidade em suas diferente. Um dos métodos de investigação realizado por antropó-
cadeias de suprimentos. logos sociais é a observação direta que é fundamental para reunir
Além disso, a inovação e o empreendedorismo sustentável no dados objetivos.
setor privado podem impulsionar a transição para uma economia Outro fator, como o idioma de uma região, é vital para formar
mais verde e resiliente, promovendo a criação de empregos verdes a antropologia desse local.
e soluções inovadoras para os desafios ambientais.
O Homem é um ser Cultural
Academia e Pesquisa Científica O sentido da antropologia social parte também da premissa do
A academia e a pesquisa científica desempenham um papel ser humano como um ser cultural por sua própria natureza. Ou seja,
fundamental na produção de conhecimento e na formulação de a inteligência, a razão, a sensibilidade e a vontade são habilidades
soluções sustentáveis. Através da pesquisa multidisciplinar, estudos essenciais para a compreensão da vida humana.
de impacto ambiental, modelagem de cenários e análise de políti- Por outro lado, enquanto um ser humano pode ser compreen-
cas, os acadêmicos podem contribuir com evidências científicas e dido de modo individual, a antropologia social é colocada em ob-
recomendações para embasar a formulação de políticas públicas e servação como uma entidade de grupo. Ou seja, a sociedade como
práticas sustentáveis. estrutura de vida própria se nutre de ritos, costumes, regras e acon-
Além disso, a academia desempenha um papel de educação e tecimentos. É impossível compreender o ser humano como uma
formação, capacitando profissionais nas áreas relacionadas à sus- manifestação de sua própria natureza.
tentabilidade e promovendo a conscientização sobre os desafios
ambientais e sociais. Antropologia e Política10
A produção de um mundo sustentável requer a participação A abordagem da política pela antropologia pode ser definida de
ativa e colaborativa de diversos atores sociais. Os governos, a so- uma forma simples: explicar como os atores sociais compreendem
ciedade civil, o setor privado e a academia desempenham papéis e experimentam a política, isto é, como significam os objetos e as
complementares na formulação e implementação de ações e políti- práticas relacionadas ao mundo da política. A compreensão de gru-
cas sustentáveis. A integração desses atores e o fortalecimento de pos específicos, em circunstâncias particulares, leva a comparações
parcerias colaborativas são fundamentais para enfrentar os desafi- e diálogos com a literatura sobre contextos sociais mais amplos.
os globais e construir um futuro mais sustentável para as gerações Embora aparentemente simples, trata-se de uma proposta
presentes e futuras. complexa de ser executada e que implica pelo menos dois pressu-
postos. O primeiro, de que a sociedade é heterogênea, formada por
redes sociais que sustentam e possibilitam múltiplas percepções
DAS ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS, POLÍTICAS E AN- da realidade. O segundo, de que o “mundo da política” não é um
TROPOLÓGICAS DOS CONFLITOS E PROBLEMÁTICAS dado a priori, mas precisa ser investigado e definido a partir das for-
SOCIOAMBIENTAIS CONTEMPORÂNEAS QUE ENVOLVEM mulações e dos comportamentos de atores sociais e de contextos
DIFERENTES MODELOS E PRÁTICAS DE PRODUÇÃO, CIR- particulares.
CULAÇÃO, CONSUMO E DESCARTE DE COISAS E BENS O interesse da antropologia pela política existe desde os
primórdios da disciplina, uma vez que o estudo de sociedades e
Antropologia Social9 relações sociais é estreitamente ligado à temática das relações de
A antropologia social é uma disciplina fundamental do conhe- poder. No contexto da tradição evolucionista, que marcou a fase
cimento humano. Esta ciência começou a ser desenvolvida de ma- inicial da antropologia, o foco recaía sobre as formas e os sistemas
neira mais concreta a partir do século XIX. Em sua primeira fase, o de poder em sociedades “primitivas”, cujas características deveriam
objeto de estudo da antropologia social era a sociedade pré-indus- ser comparadas e classificadas em relação ao sistema político das
trial. No entanto, através da evolução social esta ciência também sociedades modernas, consideradas mais “evoluídas”. Propunha-se,
expandiu seu campo de estudo. 10 KUSCHNIR, Karina. Antropologia e política. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v.
9 Conceitos. Antropologia Social. < https://conceitos.com/antropologia-so- 22, n. 64, p. 163-167, Junho 2007. <http://www.scielo.br/scielo.php?script=s-
cial/> ci_arttext&pid=S0102-69092007000200014&lng=en&nrm=iso>.

48
CONHECIMENTOS

então, uma linha evolutiva das formas de organização política, que Isso tem sido observado em muitos estudos empíricos, desde
começava com a “horda primitiva” e chegava ao Estado moderno. o clássico Coronelismo, enxada e voto (Leal, 1948) até as recentes
Nessa época, entre o final do século XIX e o início da década de etnografias e coletâneas publicadas no âmbito do NuAP (Palmeira e
1920, a grande maioria dos estudos antropológicos não tinha a polí- Goldman, 1996; Barreira e Palmeira, 1998; Heredia, Teixeira e Bar-
tica como tema central de interesse, nem a antropologia política era reira, 2002; Palmeira e Barreira, 2006). A política é entendida, aqui,
pensada ou formalizada como uma subárea de estudos. principalmente como um meio de acesso aos recursos públicos, no
Com o avanço da tradição estrutural-funcionalista britânica, no qual o político atua como mediador entre comunidades locais e di-
entanto, a política ganhou espaço, sobretudo nas etnografias reali- versos níveis de poder. Esse fluxo de trocas é regulado pelas obriga-
zadas no contexto colonial anglo-africano. Muitos desses estudos ções de dar, receber e retribuir, o que o antropólogo Marcel Mauss
buscavam entender a organização social de grupos e etnias sem a ([1924] 1974) chamou de “lógica da dádiva”, e cujo princípio funda-
presença de um sistema político formal, isto é, sem Estado. É nessa mental está no comprometimento social daqueles que trocam para
direção que surgem as reflexões sobre a importância dos sistemas além das coisas trocadas.
de parentesco para a hierarquia e a coesão sociais. Tendo como re- As pessoas que participam dessas redes, seja como eleitores,
ferência inicial Radcliffe-Brown, sucederam-se autores como Evans- seja como políticos, nunca concordariam com os acadêmicos que
-Pritchard, Meyer Fortes, Max Gluckman, Edmund Leach e Victor consideram suas ações um mero “clientelismo”. Do ponto de vista
Turner, entre outros. Alguns dos textos fundamentais da então re- “nativo”, os políticos não estão “privatizando bens públicos” (para
cém-nomeada “antropologia política” foram produzidos nesse con- usar uma definição clássica de clientelismo); ao contrário, os polí-
texto, como a coletânea African political systems (Fortes e Evans-Prit- ticos estão dando acesso a bens e serviços públicos a pessoas que
chard, [1940 - 1961) e a monografia Os Nuer (Evans-Pritchard, [1940] não os teriam de outra forma. Nesse contexto, a palavra “público”
1978). Essa abordagem, por sua vez, também gerou críticas. A defini- não significa “recursos que pertencem a todos”, mas “recursos mo-
ção de poder teria se tornado tão ampla que poderia ser encontrada nopolizados pelas elites políticas e econômicas”. Ou seja, pessoas
em qualquer situação social, englobando literalmente todos os temas “ordinárias” – de estratos inferiores da sociedade – não participa-
da disciplina (Vincent, 2002). Mas é nessa fase que se consolidou ins- riam dessa definição de “público”. Por isso mesmo, o acesso às fon-
titucionalmente o campo de uma antropologia política (Easton, 1959). tes públicas de bens e serviços precisa ser intermediado pelo polí-
É fundamental ressalvar que, embora dialogando entre si com mais ou tico e é visto como um bem extraordinário, “que não tem preço”.
menos frequência, esses antropólogos não produziram em absoluto No entanto, essa rede não se constitui apenas pelo acesso e
abordagens homogêneas da política. Se numa primeira etapa foi dada intermediação de recursos públicos. A distribuição de bens e servi-
maior ênfase aos aspectos de coesão e equilíbrio social, à medida que ços em locais de “atendimento”, como centros de assistência social
avançamos no tempo, observamos uma maior preocupação com as ou escritórios políticos, é prática corrente. Para manter esse tipo
transformações sociais, discutindo as relações de poder no tempo e de serviço, o político precisa manter fortes laços com empresários
no espaço, a partir de temáticas relacionadas a conflitos, rituais, mitos, ou grupos economicamente favorecidos que lhe forneçam dinheiro
identidades, status, representações e práticas. ou mercadorias demandados pela comunidade. Essa ajuda externa
A partir da década de 1950, principalmente depois do clássi- é retribuída, por sua vez, na forma de alvarás, licenças, anistia de
co Sistemas políticos da Alta Birmânia, de Edmund Leach ([1954] multas e outros benefícios diversos. Pode também, sem dúvida, em
1996), desenvolve-se uma nova fase no campo da antropologia certos casos, caracterizar-se como corrupção pura e simples.
política, com o afastamento do cânone tradicional e a pulverização Como se coloca, então, a antropologia da política ante a ques-
de problemas teóricos e temas de pesquisa, cujo alcance foge ao tão da democracia? Se nos basearmos nos seus princípios concei-
âmbito deste texto. Entretanto, há um certo consenso de que esses tuais, relações de troca do tipo acima mencionadas são um grande
novos campos são fruto sobretudo do enfrentamento dos desafios desserviço. Entretanto, como intelectuais, temos que evitar que
impostos por uma conjuntura mundial na qual convivem forças po- nosso desejo de melhorar a qualidade da democracia interfira na
líticas e culturais em diversos níveis como comunismo, capitalismo, forma como coletamos e interpretamos os dados de pesquisa. Se-
colonialismo e movimentos sociais de diversos tipos. Entre estes, não, ficaremos perpetuamente rotulando as pessoas em vez de ten-
a área dos estudos feministas e dos movimentos anticolonialistas tar compreendê-las. Seguindo a proposta de Peirano (1998), esses
ganhou destaque por sua importante contribuição para a reflexão mesmos rótulos operam segundo lógicas de poder da academia
em torno do poder (Vincent, 2002). ou até lógicas de poder mais amplas. Assim, o mesmo fenômeno
No contexto brasileiro, desenvolveu-se, na década de 1990, um classificado como “máquina política”, nos Estados Unidos, torna-se
conjunto de trabalhos autodenominados antropologia da política, “clientelismo”, na América Latina, ou “serviços aos eleitores”, no
que tiveram sua institucionalização mais importante no Núcleo de Reino Unido (Posada-Carbó, 2005).
Antropologia da Política (NuAP), sediado no Museu Nacional da Categorias como “mandonismo”, “coronelismo”, “clientelismo”,
UFRJ, mas envolvendo grupos em outras universidades federais, entre outras, trazem embutidas a idéia de que as nossas práticas
como as de Brasília, Ceará e Rio Grande do Sul, entre outras. O ob- políticas são imperfeitas, atrasadas ou inferiores. Trata-se de clas-
jetivo do NuAP, como definiu Peirano (1998), era partir da “supo- sificações que tomam por base o princípio de que as sociedades
sição básica de que a categoria política é sempre etnográfica”. Ao modernas devem estar comprometidas com os princípios democrá-
investigar a política legitimada pelos padrões ocidentais modernos, ticos universais inspirados nas experiências europeia e norte-ame-
“deslegitimando pretensões essencialistas, sociocêntricas e confor- ricana. Desse ponto de vista, o clientelismo será sempre visto como
mistas”, revela-se que a própria percepção da “política” como uma sintoma de nosso estágio de “subdesenvolvimento” e, portanto, um
esfera social à parte de outras esferas é produto dessa ideologia problema para a “modernização” da política.
moderna. No caso brasileiro, alerta Peirano, o antropólogo enfren- Seguindo em outra direção, podemos tomar o “clientelismo”
taria uma “combinação complexa” de universalismo científico e como expressão de valores culturais que privilegiam as relações
ideologia nacional de moldes “holistas”. sociais entre pessoas, por oposição às relações entre indivíduos,

49
CONHECIMENTOS

no sentido que Roberto Da Matta (1979) emprestou ao termo. Isto


é, trata-se de trocas e relações sociais que envolvem noções como DAS TRANSFORMAÇÕES NO PROCESSO E NA ORGANIZA-
honra, gratidão e dívida moral. Em muitos casos, isso ajuda também ÇÃO DO TRABALHO, DAS NOVAS FORMAS DE TRABALHO
a perceber que as relações de troca empiricamente observadas não E SUAS IMPLICAÇÕES NO EMPREGO E DESEMPREGO NA
se constituem numa esfera “política” à parte, muito menos são a ATUALIDADE
principal fonte de recursos da população. Tanto é assim que muitos
dos bens doados por políticos são itens aparentemente supérfluos, Trabalho é um conjunto de atividades realizadas, é o esforço
como perucas, camisas para times de futebol, brinquedos, latas de feito por indivíduos, com o objetivo de atingir uma meta. O trabalho
tinta etc. também pode ser abordado de diversas maneiras e com enfoque
Para a antropologia, é preciso investigar tais trocas dentro do em várias áreas, como na economia, na física, na filosofia, a evolu-
contexto etnográfico em que ocorrem, buscando a compreensão ção do trabalho na história, etc11.
das relações sociais envolvidas. Em muitos casos, essa compreen- É o trabalho que faz com que o indivíduo demonstre ações,
são é fundamental para percebermos que a política opera com va- iniciativas, desenvolva habilidades. É com o trabalho que ele
lores da sociedade mais abrangente, tradicionalmente associados também poderá aperfeiçoá-las. O trabalho faz com que o homem
a outras esferas da vida social, como família e religião, mas con- aprenda a conviver com outras pessoas, com as diferenças, a não
siderados ilegítimos quando operados na esfera política. Isso não ser egoísta e pensar na empresa, não apenas em si.
quer dizer, obviamente, que se queira justificar nem defender essas O trabalho faz com que o indivíduo aprenda a fazer algo com
práticas – cumpre, antes de tudo, compreendê-las. um objetivo definido, desde a época do trabalho escolar no colégio,
Onde ficaria, então, a responsabilidade e a contribuição da an- e com isso, o ser humano começa a conquistar seu próprio espaço,
tropologia para com os princípios da democracia representativa e o respeito e consideração dos demais. Quando a pessoa realiza um
aperfeiçoamento das suas instituições? trabalho bem feito, também contribui para a sua autoestima, satis-
Como afirmou Abélès (1997), a antropologia não tem como fação pessoal e realização profissional.
objetivo criticar as práticas políticas, mas entender a maneira pela Muitas pessoas se questionam a respeito da diferença entre
qual as relações de poder emergem numa situação determinada, o trabalho e emprego, sendo que algumas pessoas confundem os
adquirindo significado para os atores sociais. Parte sempre do pres- dois conceitos. O trabalho é uma tarefa que não necessariamente
suposto de que a “democracia” é um modelo teórico, e que, portan- confere ao trabalhador uma recompensa financeira. O emprego é
to, não existe de forma pura. Questionar conceitos como “clientelis- um cargo de um indivíduo em uma empresa ou instituição, onde o
mo” é deixar de tomar esse modelo como ponto de partida; é não seu trabalho (físico o mental) é devidamente remunerado. O con-
considerar universais termos como, por exemplo, “individualismo”, ceito de emprego é bem mais recente do que o de trabalho, e surgiu
“representação” e “domínio público”; é, finalmente, perceber que o por volta da Revolução Industrial e se propagou com a evolução do
universalismo é um valor inspirado no paradigma da modernização, capitalismo.
na crença de que a imparcialidade e a objetividade devem prevale-
cer sobre as emoções e a subjetividade (como as que estão presen- Trabalho Infantil
tes nas relações baseadas na honra e na dádiva). Trabalho infantil é o trabalho exercido por crianças e adoles-
A abordagem antropológica privilegia técnicas de pesquisa centes, que estejam abaixo da idade mínima legal permitida para o
qualitativas, voltadas para a realização de trabalho de campo com trabalho, e isso pode variar de cada país. No Brasil, qualquer criança
observação participante e entrevistas em profundidade, frequente- ou adolescente, que trabalhe com menos de 16 anos, é considerado
mente produzindo “estudos de casos”. No entanto, o antropólogo trabalho infantil, que é proibido por lei.
não ignora que as práticas e as representações observadas estão Além do trabalho infantil ser proibido, qualquer forma de tra-
inseridas numa sociedade maior, num sistema político formal, com balho que seja cruel ou nociva, como tortura e maus tratos, tam-
instituições de larga escala. Nesse esforço, a antropologia de um bém constituem crime.
modo geral oscila entre sua fidelidade ao particular e a necessidade
de produzir generalizações (Lewellen, 1992). Por isso, é fundamen- Trabalho em Equipe
tal que se estabeleça um diálogo com outras disciplinas, como a his- Trabalho em equipe é quando um grupo realiza um esforço co-
tória, a ciência política, a sociologia, a linguística e a comunicação. letivo para atingir um objetivo ou solucionar um problema. Traba-
É a partir de abordagens multi e interdisciplinares e da adoção de lho em equipe é um tema muito debatido em organizações, pois
uma perspectiva comparativa que se pode chegar a compreender acredita-se que todos os funcionários devem saber trabalhar em
não só as representações e as práticas da política num grupo espe- equipe, para atingir metas mais rápidas.
cífico, mas também as relações desse material etnográfico com a Saber trabalhar em equipe é uma característica muito impor-
sociedade mais ampla. tante nos dias atuais, uma vez que facilita a convivência, faz com
A antropologia pode contribuir nesse debate porque sua prin- que as tarefas sejam realizadas de forma mais eficiente e com muito
cipal tarefa é estudar não o que a política deve ser, mas o que ela mais agilidade.
é para um determinado grupo, em um contexto histórico e social Trabalho em equipe é também muito importante nos esportes.
específico. Compreender, “do ponto de vista do nativo”, práticas Esportes como o futebol, basquete, vôlei, e muitos outros, precisam
muitas vezes diferentes daquelas que idealizamos pode gerar in- do trabalho em equipe de todos, para atingir o objetivo que é a
cômodo, intelectual ou cívico, mas um incômodo necessário, pois, vitória nas partidas.
como disse Geertz, “se quiséssemos verdades caseiras, deveríamos
ter ficado em casa” (2001, p. 67).

11 https://bit.ly/2j76Od5

50
CONHECIMENTOS

Trabalho Escravo Na filosofia, o trabalho tem concepções simples, como o pró-


Trabalho escravo é quando o empregador explora seu empregado. prio conceito de trabalho e suas diversas definições. Existem tam-
O trabalho escravo surgiu na época da escravidão, onde os empregados bém as concepções mais complexas do trabalho, como as ativida-
tinham que fazer tudo que seu patrão mandasse, sem receber absoluta- des exercidas por pensadores e seus interesses, como a virtude, a
mente nada por isso, e geralmente sob tortura e maus tratos. riqueza, a beleza, e etc.
O trabalho escravo também é quando ocorre contratações Os filósofos, pesquisadores e pensadores estudam como, para
realizadas de forma ilegal e que acabam explorando o trabalhador. quê e para quem os homens trabalham, se eles são obrigados a tra-
Em tese, a escravidão foi extinta em todos os países, porém alguns, balharem ou não, se eles trabalham em troca de algo, e etc.
principalmente no continente Africano, mantêm crianças e mulhe-
res para serem escravas, ou até mesmo na prostituição. Trabalho na Economia
Há diversos acordos internacionais que proíbem os países de No âmbito da Economia, o trabalho consiste no esforço huma-
manterem qualquer pessoa sob regime de trabalho escravo, porém no que tem como objetivo satisfazer as necessidades de uma pes-
isso não é cumprido, em especial em áreas pobres, como Filipinas soa ou de um grupo.
e Tailândia. Para a economia, o trabalho faz parte de um dos três fatores da
produção, juntamente com a terra e o capital. O trabalho significa
Trabalho Voluntário que um indivíduo realiza um conjunto de atividades, e recebe um
Há também o trabalho voluntário, que é aquele onde o indi- salário por isso, ou seja, o trabalho tem um preço, que é verificado
víduo se disponibiliza a exercer uma atividade, sem receber qual- na forma de salário.
quer remuneração para isso. Trabalho voluntário é bastante comum Existem outras formas de trabalho, como o trabalho autônomo,
para estudantes universitários, que estão em fase de aprendizado, quando o indivíduo exerce sua atividade como profissional liberal,
e ainda não buscam receber remuneração por isso. Além disso, o ou seja, não está vinculado a nenhuma empresa, e normalmente
trabalho voluntário está muitas vezes associado a diferentes causas trabalha no comércio ou em atividades comerciais.
sociais. Algumas ONGs e instituições sem fins lucrativos dependem
de pessoas que estão dispostas a trabalhar voluntariamente. Transformações no Mundo do Trabalho
Na década de 1970, com a recessão econômica causada pela
Trabalho na Física crise do petróleo, os capitalistas desenvolveram novas formas de
Em Física, trabalho, que é representado pela letra W, serve para trabalho, visando diminuir os custos de produção e aumentar seus
medir a energia necessária para a aplicação de uma força, durante ganhos. Começaram, então, a surgir formas de flexibilização do tra-
um determinado tempo de deslocamento. O trabalho é calculado balho e do mercado que tem a ver com a busca desenfreada por
através de uma fórmula, que é a multiplicação da força, pelo des- mais lucro.
locamento. O fordismo começou a apresentar problemas, por que não es-
O trabalho pode ser um número positivo ou negativo, uma vez tava mais conseguindo acompanhar o mercado, ou seja, as pessoas
que, para o trabalho ser positivo a força tem que atuar no sentido queriam produtos diversificados, personalizados e inovadores. O
do deslocamento, e para ser negativo, a força tem que ser exercida fordismo era lento para inovar, cada vez que se modificava um pro-
no sentido oposto. duto tinha que modificar muitas máquinas, supunha um estoque
O trabalho em física pode ser dividido em nulo, que é quando grande de mercadorias, etc. tudo isso elevou os custos de produção.
o trabalho é igual a zero, em trabalho motor, que é quando o deslo- Flexibilização ou acumulação flexível, se refere aos processos
camento e a força estão no mesmo sentido, e o trabalho resistente, que o mundo do trabalho vem sofrendo no âmbito da produção,
que é o oposto do motor. dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.
Todos estes baseados na inovação e na contraposição aos padrões
Trabalhos Acadêmicos fordistas de acumulação.
Trabalhos acadêmicos são tarefas exigidas a alunos que fre-
quentam instituições de ensino universitário e que pretendem Nova Tendência: Acumulação Flexível
desenvolver o espírito crítico e capacidade intelectual dos alunos.
Sistema no qual a rigidez fordista é substituída pela produção
Estes trabalhos podem ser exclusivamente escritos e submetidos à
flexível.
avaliação do professor. No entanto, muitos trabalhos acadêmicos
Nesse sistema, inverte-se a lógica fordista em que a indústria
requerem apresentação oral perante um público.
determinava o que seria consumido. Hoje os consumidores deter-
Alguns trabalhos acadêmicos podem ser longos, como a tese
minam o que as empresas irão produzir e oferecer.
(para doutorado), dissertação (para mestrado), monografia (para
A acumulação flexível assim está formatada ou pensada, para
graduação) e trabalho de conclusão de curso (para tecnólogos e téc-
atender as novas tendências do mercado. Os consumidores que
nicos). Outros podem ser mais curtos, não representando a mesma
importância que os trabalhos finais mais longos mencionados ante- não querem mais produtos padronizados na sua generalidade, mas
riormente. Como exemplo de trabalhos mais curtos temos: artigos, requerem produtos com características que correspondam a sua
relatórios, fichamentos, resenhas, comunicações, etc. personalidade e necessidade. Diferentes públicos como jovens, mu-
lheres, idosos, deficientes, gays, esportistas, empresários, etc. exi-
Trabalho na Filosofia gem produtos com detalhes e adereços próprios para o seu grupo,
Vários filósofos e pensadores debateram sobre o conceito de que como dito, correspondam a sua personalidade e necessidade.
trabalho. Para Aristóteles, por exemplo, as lutas e conquistas de- Baseado nisso, o sistema possui características como:
veriam vir apenas com o trabalho, não era justo que fosse de outra - Produção flexível: Produção de um reduzido número de mer-
maneira. Para ele, o trabalho fazia com que os homens se tornas- cadorias, voltadas a um público específico. Ex.: mulheres, jovens,
sem independentes. velhos, deficientes, homossexuais, ecologistas, aventureiros, etc.

51
CONHECIMENTOS

Diferentemente do fordismo que está destinado para fabrica- duplicaremos o poder aquisitivo para esses bens.” Dentro dessa li-
ção de produtos padronizados e homogêneos em grande quanti- nha de ideias, o aparecimento de desempregados em certas épocas
dade e para mercados de massa em que os consumidores não se era explicado como a resultante de um desajustamento temporá-
distinguem. A produção flexível oferece produtos específicos para rio. O ajustamento (ocupação da força de trabalho desempregada)
públicos distintos. Os produtos podem ser carros adaptados ou ocorreria quando os trabalhadores decidissem aceitar voluntaria-
personalizados, softwares para empresas segundo sua necessida- mente os salários mais baixos oferecidos pelos empresários.
de, calçados, móveis, objetos, acessórios personalizados de acordo
com a vontade do consumidor. Teorias
Isso é possível, principalmente, devido, as tecnologias basea- John Maynard Keynes contestou essas afirmações, negando
das na computação. Desse modo, o domínio da informática ganha que haja um ajustamento automático para o pleno emprego no re-
cada vez mais importância no mundo do trabalho. gime da propriedade privada dos meios de produção. Afirmam os
- Produção em grupo: Ao contrário do fordismo, em que as em- keynesianos que a lei do mercado dos clássicos, segundo a qual “a
presas tinham uma gerência que funcionava como uma espécie de oferta cria a sua própria procura”, é ilusória e que o pleno emprego
“cérebro da empresa”, que pensava todas as etapas da produção, é uma situação excepcional, de pouca duração e raramente atingi-
na acumulação flexível, a tendência é que os grupos de trabalha- da. Para Keynes, é a procura efetiva que determina a maior produ-
dores colaborem no desenvolvimento de todo o processo de pro- ção e em consequência o mais alto nível de emprego, enquanto a
dução. A atividade do trabalhador não se resume mais à execução produção global nem sempre encontra procura efetiva. “Quando a
de uma tarefa repetitiva e exaustiva: deve também ajudar a propor procura efetiva é insuficiente, o sistema econômico se vê forçado a
soluções para a empresa. contrair a produção”, o que resulta no desemprego. “Não há meio
- Trabalho em equipe: Ao invés de ter um cargo definido, com de assegurar maior nível de ocupação, a não ser pelo aumento do
um conjunto fixo de tarefas a serem realizadas, o trabalhador deve consumo.” A procura efetiva estaria na dependência da renda real,
enfrentar situações distintas em grupos colaborativos. ou seja, do efetivo poder de compra da comunidade, e o subconsu-
Forma-se um grupo para realizar um projeto e, logo depois, mo, causador do desemprego, seria consequência do fato de que
dissolve-se esta equipe, deslocando seus membros para novos pro- “uma parte excessivamente grande do poder de compra fica com
jetos. Ex: agências de publicidade, projetos de engenharia, grupos os beneficiários de rendas importantes”, como disse Bertrand de
de pesquisa, etc. Jouvenel.
- Habilidades múltiplas: Como dito anteriormente, a participa- Marx também formulou uma lei da população para explicar
ção do empregado não é mais exigida somente em uma única tarefa o desemprego. Chamou-a de “lei capitalista do desemprego”, e a
repetida à exaustão, mas em uma variedade de tarefas. Por isso, o considerou uma consequência da propriedade privada dos meios
mercado exige um empregado capaz de resolver problemas e pro- de produção. Segundo ele, na sociedade burguesa a acumulação
por ideias criativas. do capital faz com que uma parte da população operária se torne
As decisões em relação à contratação de um funcionário não inevitavelmente supérflua. É eliminada da produção e condenada à
são mais baseadas exclusivamente na sua escolarização e qualifi- fome. Essa “superpopulação relativa” toma diferentes nomes, se-
cações, mas na capacidade desse funcionário de se adaptar e ad- gundo os aspectos que apresenta:
- Superpopulação flutuante, constituída pelos operários que
quirir novas habilidades com rapidez. (Isso não quer dizer que não
perdem seu trabalho por certo tempo, em consequência da queda
devemos nos qualificar, ao contrário, quer dizer que devemos estar
da produção, do emprego de novas máquinas, do fechamento de
constantemente nos atualizando, dominando novos recursos).
empresas. Com o incremento da produção, uma parte desses de-
sempregados volta a se empregar; e também consegue emprego
Emprego e Desemprego na Atualidade
uma parcela dos novos trabalhadores que alcançaram a idade pro-
Ter um emprego não só constitui o principal recurso com que
dutiva. O número total dos operários empregados aumenta, mas
conta a maioria das pessoas para suprir suas necessidades mate-
numa proporção decrescente em relação ao aumento da produção.
riais como também lhes permite plena integração social. Por isso, - Superpopulação latente, constituída pelos pequenos produto-
a maior parte dos países reconhece o direito ao trabalho como um res arruinados e principalmente pelos camponeses pobres e pelos
dos direitos fundamentais dos cidadãos. operários agrícolas que estão ocupados na agricultura somente du-
Emprego é a função e a condição das pessoas que trabalham, rante parte do ano. Ao contrário do que ocorre no setor industrial, o
em caráter temporário ou permanente, em qualquer tipo de ativi- progresso técnico na agricultura provoca uma diminuição absoluta
dade econômica, remunerada ou não. Por desemprego se entende da demanda de mão-de-obra.
a condição ou situação das pessoas incluídas na faixa das “idades - Superpopulação estagnada, constituída pelos grupos numero-
ativas” (em geral entre 14 e 65 anos), que estejam, por determi- sos de pessoas que perderam definitivamente seu emprego e cujas
nado prazo, sem realizar trabalhos em qualquer tipo de atividade ocupações irregulares são pagas muito abaixo do nível habitual de
econômica, remunerada ou não. salário. Encontram-se entre esses os trabalhadores domésticos e os
As possibilidades de emprego que os sistemas econômicos po- que vivem de trabalho ocasional.
dem oferecer em certo período relacionam-se com a capacidade de
produção da economia, com as políticas de utilização dessa capaci- Classificação
dade e com a tecnologia empregada na produção. Costuma-se classificar o desemprego segundo sua origem:
Os economistas clássicos entendiam que o estado de pleno em- - Desemprego estrutural, característico dos países subdesen-
prego dos fatores de produção (entre eles o trabalho) era normal, volvidos, ligado às particularidades intrínsecas de sua economia. Ex-
estando a economia sempre em equilíbrio. John Stuart Mill dizia: plica-se pelo excesso de mão-de-obra empregado na agricultura e
“Se pudermos duplicar as forças produtoras de um país, duplicare- atividades correlatas e pela insuficiência dos equipamentos de base
mos a oferta de bens em todos os mercados, mas ao mesmo tempo que levariam à criação cumulativa de emprego.

52
CONHECIMENTOS

- Desemprego tecnológico, que atinge sobretudo os países quência de adolescentes e a melhora nos índices de sobrevivência,
mais adiantados. Resulta da substituição do homem pela máquina esse sociólogo calcula em vários milhões o número de jovens que,
e é representado pela maior procura de técnicos e especialistas e a cada ano, entram no mercado de trabalho, em busca do primeiro
pela queda, em maior proporção, da procura dos trabalhos mera- emprego remunerado. Em vários países sul-americanos, a situação
mente braçais. seria menos sombria se não fosse a altíssima taxa de aumento de-
- Desemprego conjuntural, também chamado desemprego cí- mográfico, calculada em 2,7% ao ano. A situação é particularmente
clico, característico da depressão, quando os bancos retraem os cré- grave em El Salvador, o país latino-americano de maior densidade
ditos, desestimulando os investimentos, e o poder de compra dos populacional.
assalariados cai em consequência da elevação de preços. No Brasil, um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
- Desemprego friccional, motivado pela mudança de emprego tatística, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
ou atividade dos indivíduos. É o tipo de desemprego de menor sig- (PNAD, concluiu que o Brasil tinha 62 milhões de pessoas com al-
nificação econômica. gum tipo de ocupação, dos quais 40 milhões empregadas; a pro-
- Desemprego temporário, forma de subemprego comum nas porção de desempregados (2,4%) era relativamente baixa). Esses
regiões agrícolas, motivado pelo caráter sazonal do trabalho em números escondiam acentuadas disparidades regionais, como a
certos setores agrícolas. proporção de crianças de 10 a 13 anos que trabalhavam: 7,3% em
São Paulo, 28,4% no Piauí.
Exército de Reserva Calcula-se que nos países menos desenvolvidos de 25 a 30% do
Thomas Robert Malthus, economista inglês do século XVIII, potencial de trabalho seja perdido por meio do desemprego e do
atribuiu o desemprego a leis eternas da natureza. De acordo com subemprego. No entanto, a taxa de crescimento demográfico extre-
a sua “lei da população”, desde a origem da sociedade humana a mamente alta não é a principal causa de subutilização da força de
população aumenta em progressão geométrica (1, 2, 4, 8, 16, 32...) trabalho. O problema se deve basicamente a graves desequilíbrios
e os meios de subsistência, dado o caráter limitado das riquezas e inadequações nos sistemas econômicos e sociais desses países.
naturais, aumentam em progressão aritmética (1, 2, 3, 4, 5, 6...). Entre esses fatores, aponta-se a má distribuição de renda.
Esta, segundo Malthus, é a causa original dos excedentes de popu-
lação, de fome e de miséria. Segundo Malthus, para se libertar da
miséria e da fome o proletariado deveria reduzir artificialmente os
nascimentos. DAS ABORDAGENS SÓCIO-ANTROPOLÓGICAS SOBRE OS
A desocupação de uma percentagem de três por cento da for- IMPACTOS DAS TRANSFORMAÇÕES TÉCNICAS, TECNOLÓ-
ça de trabalho é considerada nos países capitalistas como desem- GICAS E INFORMACIONAIS NAS RELAÇÕES SOCIAIS E DE
prego mínimo ou normal e só acima desse índice é que se fala em TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE
desemprego. Há quem considere essa quota como necessária ao
desenvolvimento da indústria. Os defensores dessa tese afirmam As transformações técnicas, tecnológicas e informacionais têm
que uma certa porcentagem de desemprego é salutar à economia, desempenhado um papel significativo na contemporaneidade,
por constituir uma reserva de mão-de-obra para a expansão indus- moldando as relações sociais e de trabalho. Através de abordagens
trial. E alegam que nos períodos de recuperação e avanço industrial, sócio-antropológicas, é possível compreender os impactos dessas
quando o crescimento rápido da produção se impõe, uma quantida- transformações e analisar as dinâmicas sociais e culturais que sur-
de suficiente de empregados estará à disposição dos empresários. gem em resposta a elas. Neste texto, exploraremos as principais
abordagens sócio-antropológicas sobre esses impactos.
Desemprego na América Latina
O potencial de mão-de-obra latino-americano está longe de — Determinismo Tecnológico
seu pleno aproveitamento. Há na economia agropecuária um de- O determinismo tecnológico é uma abordagem que enfatiza
semprego latente, disfarçado e, embora generalizado, dificilmente o papel central das transformações técnicas, tecnológicas e infor-
mensurável em termos estatísticos. O mesmo ocorre nas camadas macionais na configuração das mudanças sociais. Essa perspectiva
economicamente marginais da população urbana. É também cada argumenta que as inovações tecnológicas são os principais im-
vez maior o desemprego nos subgrupos secundário e terciário das pulsionadores das transformações sociais e que as mudanças nas
atividades econômicas no setor citadino. Observam-se na América relações sociais e de trabalho são diretamente determinadas pelas
Latina os diversos tipos de desemprego comuns à economia capi- mudanças tecnológicas.
talista. Como nessa região do mundo coexistem formas de explo- Segundo o determinismo tecnológico, as tecnologias são vistas
ração da terra em regime semifeudal pré-capitalista até atividades como forças autônomas e independentes que moldam a sociedade
em centros altamente industrializados, aí estão também desde o e suas estruturas. Acredita-se que as inovações tecnológicas têm
subemprego rural, decorrente da concentração da propriedade da uma lógica própria de desenvolvimento e que sua introdução inev-
terra, até o desemprego tecnológico, consequência da maior procu- itavelmente gera mudanças sociais correspondentes. Nessa visão,
ra de mão-de-obra especializada em lugar de simples trabalhadores as transformações sociais são vistas como resultantes diretas das
braçais. mudanças tecnológicas, e a tecnologia é vista como o principal mo-
Estanislau Fischlowitz chama a atenção para o denominado “fa- tor da história.
tor de patologia social do mercado do trabalho”, ou seja, o desem- Uma das ideias fundamentais do determinismo tecnológico é a
prego de preponderante origem populacional, que se delineia cla- noção de “imperativo tecnológico”. Isso significa que uma vez que
ramente na América Latina. A população cresce num ritmo tal que uma nova tecnologia é desenvolvida, sua adoção e implementação
os contingentes de pessoas a alcançar a idade de trabalho é maior são consideradas inevitáveis e necessárias para o progresso e o
do que a capacidade de absorção de mão-de-obra. Dada a alta fre- desenvolvimento social. De acordo com essa perspectiva, as mu-

53
CONHECIMENTOS

danças sociais são vistas como consequências naturais e inevitáveis dade e cultura é essencial para analisar os impactos das transfor-
do avanço tecnológico, e a sociedade é vista como passivamente mações técnicas, tecnológicas e informacionais nas relações sociais
moldada pelas inovações tecnológicas. e de trabalho na contemporaneidade.
No entanto, críticas ao determinismo tecnológico apontam
suas limitações. Essa abordagem tende a negligenciar outros fa- — Mediação simbólica
tores importantes que influenciam as mudanças sociais, como os A mediação simbólica é uma abordagem que enfatiza o pa-
contextos políticos, econômicos, culturais e ideológicos. Além dis- pel dos significados, dos símbolos e das representações sociais na
so, o determinismo tecnológico pode subestimar a capacidade dos relação entre as transformações técnicas, tecnológicas e informa-
atores sociais de moldar e influenciar o desenvolvimento tecnológi- cionais e as relações sociais. Essa perspectiva argumenta que as tec-
co, bem como de interpretar e utilizar as tecnologias de maneiras nologias e as transformações técnicas não são apenas ferramentas
diversas. neutras, mas carregam significados e simbolismos que influenciam
Embora o determinismo tecnológico tenha desempenhado as interações sociais e as práticas culturais.
um papel importante no entendimento das relações entre tecnolo- De acordo com a mediação simbólica, as tecnologias são con-
gia e sociedade, é importante considerá-lo como uma perspectiva sideradas mediadores simbólicos, ou seja, objetos técnicos que
entre outras, reconhecendo a complexidade das interações entre possuem uma dimensão simbólica e que moldam as práticas so-
tecnologia, sociedade e cultura. Abordagens mais recentes, como ciais, as identidades individuais e coletivas e as percepções dos in-
o construtivismo social e a mediação simbólica, fornecem visões divíduos. As tecnologias não são apenas instrumentos utilizados pe-
complementares que consideram os aspectos sociais, culturais e los indivíduos, mas também influenciam a forma como as pessoas
simbólicos envolvidos nas transformações técnicas e suas influên- se relacionam, se comunicam e constroem significados.
cias nas relações sociais e de trabalho. Nessa abordagem, os significados e os simbolismos atribuídos
às tecnologias são socialmente construídos e podem variar em dif-
— Construtivismo social erentes contextos culturais e sociais. Por exemplo, um mesmo ob-
O construtivismo social é uma abordagem que enfatiza a im- jeto técnico pode ter diferentes significados e usos em diferentes
portância das relações sociais, dos processos de interação e das culturas ou grupos sociais. Os significados atribuídos às tecnologias
práticas culturais na construção da realidade social. Essa perspec- são influenciados pelos valores culturais, pelas normas sociais, pe-
tiva argumenta que as transformações técnicas, tecnológicas e in- los sistemas de crenças e pelos contextos históricos e sociais espe-
formacionais são construções sociais que refletem os valores, as cíficos.
crenças e os interesses de determinados grupos sociais. A mediação simbólica também destaca a importância das rep-
De acordo com o construtivismo social, as inovações tecnológi- resentações sociais na relação entre as transformações técnicas e
cas não são vistas como forças autônomas que determinam as mu- as relações sociais. As representações sociais são construções cole-
danças sociais, mas como produtos da interação entre atores so- tivas que refletem as interpretações e os discursos compartilhados
ciais e suas necessidades, desejos e interesses. Nessa abordagem, sobre as tecnologias. Essas representações moldam as atitudes, as
a tecnologia é entendida como resultado de escolhas e decisões percepções e as práticas das pessoas em relação às tecnologias, in-
fluenciando a forma como elas são adotadas, utilizadas e integradas
humanas, influenciadas por fatores sociais, culturais, políticos e
na vida cotidiana.
econômicos.
Além disso, a mediação simbólica reconhece que as tecnologias
O construtivismo social destaca que as tecnologias são molda-
não têm um impacto homogêneo em todos os indivíduos e grupos
das pelas relações de poder existentes na sociedade. Grupos so-
sociais. As tecnologias são apropriadas e interpretadas de maneiras
ciais com maior poder econômico, político ou cultural têm maior
diferentes por diferentes atores sociais, levando a múltiplas formas
influência na definição das agendas tecnológicas, no desenvolvi-
de uso e significado. Essa diversidade de interpretações e usos das
mento e na disseminação de inovações. Além disso, as tecnologias
tecnologias pode gerar conflitos, resistências ou apropriações cria-
são influenciadas pelos valores e pelas crenças dominantes em uma tivas por parte dos indivíduos e grupos sociais.
determinada sociedade, refletindo e reforçando as hierarquias e as Em resumo, a mediação simbólica destaca que as transfor-
estruturas de poder existentes. mações técnicas não são apenas processos materiais, mas também
Uma das principais contribuições do construtivismo social é de- processos simbólicos que influenciam as relações sociais e culturais.
stacar a diversidade de significados e usos atribuídos às tecnologias. Compreender os significados, os símbolos e as representações as-
As inovações técnicas não são interpretadas de forma universal, sociados às tecnologias é fundamental para analisar os impactos
mas sim contextualizadas em práticas sociais específicas e em siste- das transformações técnicas, tecnológicas e informacionais nas
mas simbólicos particulares. As tecnologias podem ser adotadas e relações sociais e de trabalho na contemporaneidade.
apropriadas de maneiras diferentes por diferentes grupos sociais,
levando a consequências sociais e culturais variadas. — Ecologia de Mídia
O construtivismo social também enfatiza a importância do con- A ecologia de mídia é uma abordagem teórica que busca
hecimento local e das práticas situadas na compreensão das trans- compreender as interações complexas entre os meios de comuni-
formações técnicas. As percepções, as experiências e os saberes cação, os ambientes sociais e a cultura. Essa perspectiva enfatiza
dos atores sociais são fundamentais para compreender como as in- a importância de se analisar a mídia não apenas como um sistema
ovações tecnológicas são interpretadas, adaptadas e utilizadas em isolado, mas como parte de um ecossistema comunicacional mais
contextos específicos. amplo, no qual diferentes elementos interagem e influenciam-se
Em suma, o construtivismo social destaca que as transfor- mutuamente.
mações técnicas não são determinadas apenas pela lógica interna A ecologia de mídia considera que a mídia não apenas reflete a
das tecnologias, mas são produtos de processos sociais complexos. realidade, mas também contribui para moldá-la e transformá-la. Ela
Compreender esses processos e as relações entre tecnologia, socie- reconhece que os meios de comunicação desempenham um papel

54
CONHECIMENTOS

ativo na construção das narrativas, na disseminação de informações de trabalho, com direitos e benefícios estabelecidos por lei, como
e na formação das percepções sociais. Além disso, essa abordagem salário-mínimo, jornada de trabalho regulamentada e acesso a
destaca que a mídia está imersa em um contexto cultural, político e benefícios sociais. Por outro lado, o trabalho informal ocorre sem
econômico, e que suas práticas e conteúdos são influenciados por a devida proteção legal, muitas vezes sem contrato ou garantias
esses aspectos. trabalhistas. Os jovens são frequentemente afetados por essa real-
Um dos conceitos fundamentais da ecologia de mídia é o de idade, encontrando-se em empregos precários, de baixa remuner-
“ecossistema mediático”. Assim como em um ecossistema natural, ação e sem perspectivas de crescimento profissional.
o ecossistema mediático é composto por diferentes elementos in-
terdependentes, como plataformas de comunicação, produtores de — Trabalho no setor rural e urbano
conteúdo, audiências, regulamentações, tecnologias e infraestrutu- Outro aspecto relevante é a distinção entre trabalho no setor
ras. Esses elementos interagem e influenciam-se mutuamente, cri- rural e no setor urbano. O trabalho no campo geralmente envolve
ando dinâmicas complexas que moldam a produção, a circulação e atividades agrícolas, pecuárias ou de pesca, enquanto o trabalho
o consumo de mídia.
urbano está relacionado a empregos nas indústrias, serviços e
A ecologia de mídia também destaca a importância das práticas
comércio. Os jovens que crescem em áreas rurais muitas vezes
de recepção e apropriação da mídia por parte do público. Ela recon-
enfrentam desafios adicionais, como falta de acesso à educação e
hece que os indivíduos e os grupos sociais não são apenas recep-
oportunidades limitadas de emprego. Por outro lado, os jovens nas
tores passivos das mensagens midiáticas, mas também são ativos
na interpretação, na negociação e na ressignificação dos conteúdos. áreas urbanas podem se deparar com competição acirrada por em-
Essa perspectiva enfatiza a diversidade de leituras e apropriações pregos, altos níveis de desemprego e trabalho informal.
da mídia e a multiplicidade de vozes e perspectivas presentes no
ecossistema mediático. — Trabalho em diferentes setores e indústrias
Além disso, a ecologia de mídia chama a atenção para a dis- O trabalho também varia de acordo com o setor e a indústria
tribuição desigual de poder e recursos no campo da mídia. Ela anal- em que é realizado. Alguns setores, como tecnologia da informação,
isa as relações de poder entre os diferentes atores envolvidos na ciência e serviços financeiros, podem oferecer salários mais altos
produção e na distribuição de conteúdo, destacando o papel das e melhores condições de trabalho. Por outro lado, setores como
grandes corporações midiáticas, das políticas de regulação e dos construção, agricultura e serviços domésticos tendem a apresentar
movimentos sociais na configuração do ecossistema mediático. desafios significativos, como baixa remuneração, falta de proteção
social e condições precárias de trabalho. Essas diferenças têm im-
As abordagens sócio-antropológicas oferecem perspectivas en- pacto direto nas oportunidades e perspectivas dos jovens em difer-
riquecedoras para compreender os impactos das transformações entes áreas de atuação.
técnicas, tecnológicas e informacionais nas relações sociais e de
trabalho na contemporaneidade. Ao considerar os aspectos soci- — Efeitos sobre as gerações
ais, culturais e simbólicos envolvidos nesses processos, podemos Os múltiplos aspectos do trabalho em diferentes circunstâncias
ter uma compreensão mais completa das dinâmicas em curso. A e contextos têm efeitos significativos sobre as gerações, especial-
interação entre as transformações técnicas e as relações sociais é mente os jovens. Os jovens podem ser particularmente vulneráveis
complexa e multifacetada, exigindo uma análise abrangente que às condições precárias de trabalho, falta de proteção social e dificul-
leve em conta as diversas abordagens e seus insights para uma dades de inserção no mercado de trabalho. Esses desafios podem
compreensão mais profunda dessas transformações. levar a altos níveis de desemprego juvenil, subemprego e desigual-
dades de oportunidades. Além disso, o trabalho em condições ad-
versas pode afetar negativamente a saúde física e mental dos jov-
ens, bem como o seu desenvolvimento profissional e pessoal.
DOS MÚLTIPLOS ASPECTOS DO TRABALHO EM DIFE-
RENTES CIRCUNSTÂNCIAS E CONTEXTOS E SEUS EFEITOS — Enfrentando os desafios
SOBRE AS GERAÇÕES, EM ESPECIAL OS JOVENS
Diante desses desafios, é fundamental implementar políticas
e medidas que promovam o trabalho digno e inclusivo para todas
O trabalho é uma parte fundamental da vida de milhões de as gerações. Isso inclui a criação de empregos de qualidade, com
pessoas em todo o mundo. Além de ser uma fonte de sustento fi- remuneração justa, proteção social abrangente e oportunidades de
nanceiro, o trabalho também desempenha um papel significativo crescimento e desenvolvimento. Além disso, é necessário investir
na identidade pessoal, no desenvolvimento das habilidades e no em educação e treinamento profissional adequados, para que os
estabelecimento de relações sociais. No entanto, o trabalho pode jovens possam adquirir as habilidades necessárias para atender
apresentar diferentes aspectos e desafios, dependendo das circun- às demandas do mercado de trabalho. O estabelecimento de um
stâncias e contextos em que é realizado. Neste texto, exploraremos diálogo social entre governos, empregadores e trabalhadores tam-
os múltiplos aspectos do trabalho em diferentes circunstâncias e bém é essencial para promover um ambiente de trabalho saudável
contextos, com um foco especial nos efeitos que essas realidades e equitativo.
têm sobre as gerações, em particular os jovens. O trabalho desempenha um papel crucial na vida das pessoas,
e os diferentes aspectos do trabalho em várias circunstâncias e con-
— Trabalho formal e informal textos têm impactos significativos nas gerações, especialmente os
O trabalho pode ser categorizado em formal e informal, de- jovens. Para construir uma sociedade mais justa e equitativa, é fun-
pendendo das condições e proteções oferecidas aos trabalhadores. damental enfrentar os desafios do trabalho precário, informalidade
O trabalho formal é caracterizado pela existência de um contrato e desigualdades de oportunidades. Por meio de políticas e medidas

55
CONHECIMENTOS

adequadas, é possível promover o trabalho digno, garantir direitos de licenças de softwares de inteligência e de treinamento específi-
fundamentais e proporcionar condições favoráveis para o desen- co, além de promover a interação com outras agências de inteligên-
volvimento pessoal e profissional dos jovens. cia, inclusive dos países fronteiriços. O sistema de inteligência de
segurança pública deve ser plenamente implantado em todos os Es-
tados para a troca ágil e segura de informações sobre atividades de
indivíduos e grupos criminosos. O tratamento intensivo e contínuo
DAS CAUSAS, DOS ATORES E DAS FORMAS DE VIOLÊN- das atividades do crime organizado deve receber particular ênfase,
CIA (SIMBÓLICA, FÍSICA, PSICOLÓGICA, AFETIVAS ETC.) principalmente sobre o tráfico de drogas, contrabando, pirataria,
NOS MAIS DIVERSOS ÂMBITOS SOCIAIS DO CONTEXTO roubo de cargas, furto e roubo de veículos, jogos ilícitos e crimes
BRASILEIRO financeiros. Nessa área devem ser exploradas todas as possibilida-
des de integração com os serviços de inteligência da Polícia Federal.
Entres as principais causas da violência no país, pode-se citar: 4) Cadastros nacionais: o atual Sistema de Informação de Justi-
• As múltiplas carências das populações de baixa renda, ça e Segurança Pública (Infoseg) deve ser aperfeiçoado para receber
precariamente assistidas nas periferias das grandes cidades, dados atualizados e de qualidade dos Estados quanto a condenados
tornam seus integrantes, especialmente os jovens, suscetíveis de procurados, cadastro de armas e veículos, pessoas desaparecidas,
escolha de vias ilegais como forma de sobrevivência ou adaptação arquivos de fotos dos principais criminosos de cada unidade fede-
às pressões sociais. rativa e dados relevantes de inteligência. O Infoseg deve integrar
• A opção ilegal é favorecida pela tolerância cultural aos des- arquivos semelhantes existentes na Polícia Federal.
vios sociais e pelas deficiências de nossas instituições de controle 5) Tecnologia da informação: o desenvolvimento de bancos in-
social: polícia ineficiente, legislação criminal defasada (o que gera tegrados de dados criminais e sociais, a implantação de sistemas de
impunidade), estrutura e processos judiciários obsoletos, sistema geo-referenciamento e de sistemas de análise dos dados para iden-
prisional caótico. A interação entre essas deficiências institucionais tificar perfis criminais, padrões e tendências de cada área, pontos
enfraquece sobremaneira o poder inibitório do sistema de justiça críticos e evidências de atuação de indivíduos e grupos criminosos.
criminal. Devem ser desenvolvidos instrumentos e métodos para o moni-
• De maneira geral as polícias têm treinamento deficiente, sa- toramento de crimes e planejamento de intervenções focalizadas
lários incompatíveis com a importância de suas funções e padecem para sua redução em curto prazo. Esses instrumentos e métodos
de grave vulnerabilidade à corrupção. A ineficiência da ação policial também podem favorecer, através da análise ambiental dos pon-
na contenção dos crimes, assim como o excessivo número de mor- tos críticos de criminalidade, a integração com outros esforços de
tes de civis e de policiais, decorre dessas deficiências e do emprego prevenção como a participação de guardas municipais e ações das
de estratégias policiais meramente reativas e frequentemente re- prefeituras na correção de problemas locais que favorecem a ação
pressivas. criminosa.
• O emprego de tecnologia de informação ainda é incipiente,
dificultando o diagnóstico e o planejamento operacional eficiente
para a redução de pontos de criminalidade. Nesse planejamento
são precárias as iniciativas de integração entre os esforços policiais DAS FORMAS DE PRECONCEITO, INTOLERÂNCIA E DISCRI-
e as autoridades locais para promover esforços conjuntos de pre- MINAÇÃO PRESENTES NA VIDA COTIDIANA
venção e redução dos índices de violência.
O preconceito é uma atribuição social de malignidade a deter-
Possíveis Medidas Contra a Violência minados indivíduos e grupos, correspondente a uma categorização
1) Realização de projetos sociais com intuito de diminuir a de- de classe social que, muitas vezes, veicula uma atitude política e
sigualdade social. Abrindo outros caminhos, além dos caminhos étnica aversiva. Constitui-se de “um conjunto de opiniões, crenças
criminosos que fomentam a violência, à população de baixa renda e atitudes negativas contra grupos socialmente discriminados e se
(principalmente aos jovens). Por exemplo: É fato que, hoje, a Infor- fundamenta no medo irracional que desenvolvemos em relação a
mática é um pré-requisito básico para as pessoas que disputam um eles. A falta de contato e convívio mais próximo com os grupos so-
lugar no mercado de trabalho. No entanto, grande parte da popula- cialmente discriminados contribui, sem dúvida, para aumentar esse
ção não tem condições financeiras para adquirir este conhecimen- medo” (CARONE, 2005)12.
to. Uma primeira forma de ajudar, seria oferecendo condições a Um grau significativo de rejeição e intolerância sociais é dirigido a
estas pessoas de disputarem um emprego, através da disseminação esses supostos “portadores do mal” e é alimentado pela inconsciência
do conhecimento em Informática. do medo que se tem desses indivíduos, propagando-se no tecido social
2) Criação de um instituto de estudos e pesquisas de segurança sem passar pelo crivo de um exame crítico. Embora categorizações ex-
pública para desenvolver pesquisas sobre o controle da violência e cludentes existam em todos os agrupamentos humanos, no contexto
promover o desenvolvimento de modelos de organização, de ges- classista da sociedade capitalista, o preconceito preenche, mais ou me-
tão e de processos mais eficientes e eficazes para as polícias. Outra nos intencionalmente, uma função ideológica encobridora da primazia
função importante desse instituto seria o planejamento e coorde- de oportunidades para os grupos hegemônicos.
nação de programas de formação e capacitação das polícias, e, para As representações preconceituosas, uma das expressões da
tanto, deveria assumir a direção da Academia Nacional de Polícia. violência social, manifestam-se por meio de signos de periculosida-
3) Inteligência criminal: desenvolvimento dessa área pratica- de distintos e com atribuição de perversidades a indivíduos e gru-
mente inerte na maioria das polícias, com a adoção de métodos, 12 Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro, v.60, n.2,  p.20-31, jun.2008.
processos e instrumentos de busca e processamento de informação http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
sobre criminosos. Essa área deve receber recursos para aquisição d=S1809-52672008000200004&lng=pt&nrm=iso>.

56
CONHECIMENTOS

pos diferentes. Isso porque a escolha de quem deve ser hostilizado O potencial destrutivo dessa violência, se mantido sob repres-
atende a interesses político-econômicos hegemônicos de cada épo- são, esparrama-se nas relações entre os indivíduos. Pode assumir
ca. Esse processo de “dividir para reinar”, portanto, sofre as con- diferentes formas e até voltar-se contra os próprios pares, esmagan-
sequências de determinações históricas e, na contemporaneidade, do toda e qualquer intenção de laços coletivos. Um desses descami-
exprime-se de forma cada vez mais encoberta e sutil. Consequên- nhos é a externalização em atos catárticos de vandalismo individual
cias destrutivas permeiam a vida dos estigmatizados pelo precon- e/ou de pequenos grupos que, apenas, exprimem o ressentimento
ceito, em especial quando tais representações são internalizadas e uma malfadada vingança diante das violências sofridas. Trazem
inconscientemente pelos indivíduos destinatários do preconceito, um alívio temporário e uma ilusão de vitória contra o opressor por-
que se tornam “portadores” de tais atribuições de malignidade. que apenas vêm confirmar e legitimar também as atribuições de
O preconceito é, possivelmente, uma das mais eficientes e periculosidade anteriormente imputadas a tais indivíduos. A repre-
perversas estratégias de controle e de exclusão sociais, pois a vio- sália social não tarda. Pior ainda: ficam confirmadas socialmente
lência das representações preconceituosas (violência simbólica) as atribuições sociais de periculosidade desses indivíduos e grupos.
perfura/ilude as estruturas psíquicas conscientes e, como em um Justifica-se, pois, a aplicação de diferentes formas de coerção so-
susto-traumático (FREUD, 2006), instala-se na irracionalidade da cial, mais ou menos ostensivas e violentas contra eles. O ciclo da
vida psíquica e reverbera continuamente (repetição compulsiva do autopunição desemboca no cerco policial e na represália armada
sofrimento recalcado) seus efeitos deletérios. Sem o saber, os indi- conducente ao extermínio coletivo (CANIATO, 2003).
víduos desarmados de qualquer possibilidade de defesa assumem, Este processo, de fato, em especial porque escamoteado por
como suas, as “perversidades” que são difundidas pelas “ideias” expressões ideologizadas, expõe os indivíduos e os grupos a um vio-
preconceituosas. lento e doloroso processo de idiotização regressiva. Esta sedimenta
Aderem mais ou menos conscientes aos atributos de maligni- a impotência individual e a apatia dos grupos sob a culpabilização
dade que lhes são impingidos. A labilidade psíquica cede espaço por suas mazelas e fracassos psicossociais. Restam os “pobres reni-
para a implantação na vida mental dessa atribuição, e o indivíduo tentes” para os quais está reservada a pseudoproteção do enreda-
acaba por tomá-la como se fosse originária de si próprio. É nesse mento nas malhas dos rendosos e lucrativos “negócios” do crime
processo de identificação inconsciente com tais atribuições que o organizado e do tráfico de drogas. Embora eles não admitam, estes
indivíduo se torna cúmplice deste processo social que o violenta “paraísos fiscais” se restringem ao se digladiarem entre si, ferre-
e rejeita. Por outro lado, é com sua adesão a essas “ideias” que o nhamente, até a morte e/ou até virem sucumbir sob as armas das
preconceito ganha força de verdade. Os indivíduos, internalizando forças de “segurança” estatais. O que dizer do que vem ocorrendo
tais representações violentadoras e tomando-as como se fossem com os designados, oficialmente, como “adolescentes em confli-
próprias, acabam por exibir atitudes condizentes com tais maligni- to com a lei”, que devem receber “medidas socioeducativas” em
dades e, assim, ratificam o que lhes é socialmente atribuído. abrigos/prisões cheios de celas com grades de ferro, algemas para
A perversidade embutida na internalização dessas atribuições a locomoção interna e guardas em guaritas blindadas para coibir
sociais de malignidade (violência social internalizada) é difusa e an- rebeliões e fugas?
tagônica. Em especial, quando se tornam inoperantes as funções O que ocorre com os jovens pobres, sob a proteção estatal,
egóicas de discriminação do real inimigo/opressor. Revertidas e que denunciam a violência que sofrem nos enfrentamentos de-
deslocadas para o mundo interno e inconsciente dos indivíduos, sesperados das rebeliões “camicases” nas instituições educativas
tais representações, ideologicamente pervertidas, embebem a vida da ex-Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM)? Para
psíquica dos sujeitos e passam a administrar seus desejos, seus muitos, inclusive para psicólogos influentes neste setor, a juventude
sentimentos, seus pensamentos e suas ações de forma a torná-los é violenta (JUVENTUDE..., 2005), o que é dito, de forma explícita,
cooperadores/cúmplices da crueldade social que os atormenta. As em entrevista para uma revista da categoria profissional. Enquanto
estratégias de encobrimento da violência social do preconceito po- isso, em universidades famosas de Porto Alegre – Pontifícia Univer-
tencializam a aceitação dessas ideias por ampla camada da popula- sidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Universidade Fede-
ção que não só dá crédito de confiabilidade a certas formas de fazer ral do Rio Grande do Sul (UFRGS) –, médicos que se dizem cientistas
ciência como também agrega veracidade aos discursos de determi- estão buscando novas máscaras para velhas práticas de extermínio
nados governantes. O preconceito vai se alastrando na sociedade, e exclusão, que são exibidas e alardeadas no programa Fantástico
perpetuando e justificando até ações bélicas contra os grupos ma- da Rede Globo de Televisão, para obter adesão da população desa-
lignizados. Tais violências corrosivas não terminam no âmbito da in- visada. Estes profissionais estão procurando provar, por pesquisas
timidade subjetiva – nessa espécie de prazer em “lamber as feridas” genéticas e exames neurológicos, que a destrutividade de jovens
– e, sim, nas atrocidades que penetram sorrateiramente os vínculos das classes pobres é herdada; portanto, de natureza biológica e he-
interpessoais nos moldes do que Theodor Adorno examina em “A reditária (CIESPI, 2007). Felizmente, a comunidade científica vem
educação após Auschwitz” (ADORNO, 1986b, p. 39-40): protestando contra estas arbitrariedades.
Aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo
contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade de
demonstrar, que precisou reprimir. Esse mecanismo deve ser cons-
cientizado, da mesma forma como deve ser fomentada uma educa-
ção que não mais premie a dor e a capacidade de suportá-la. [...]
não devemos reprimir o medo. Quando o medo não for reprimido,
quando nos permitirmos ter tanto medo real quanto essa realidade
merecer, então possivelmente muito do efeito destrutivo do medo
inconsciente e reprimido desaparecerá.

57
CONHECIMENTOS

rios de diferentes países e culturas distintas, mas ao se instalarem


DAS DIFERENÇAS E DAS DESIGUALDADES DECORRENTES em lugares como a França e a Inglaterra em geral se identificam
TANTO DOS PROCESSOS ESTRUTURANTES DA ESTRATIFI- como uma mesma etnia, independentemente do país de origem.
CAÇÃO SOCIOECONÔMICA DA SOCIEDADE BRASILEIRA Tal situação pode ser percebida sobretudo com relação aos descen-
QUANTO DOS MARCADORES SOCIAIS DA DIFERENÇA, dentes dos primeiros imigrantes, e a construção de uma identidade
COMO IDADE, GERAÇÃO, GÊNERO, CLASSE, COR/RAÇA, comum “árabe” ou “muçulmana” vem tanto do fato de possuírem
SEXUALIDADE, ENTRE OUTROS uma mesma religião quanto do fato de a sociedade os tratar em
geral como um grupo homogêneo.
Etnias Alguns sociólogos diferenciam etnia e grupo étnico, pois
O conceito de etnia vem ganhando espaço cada vez maior nas para eles um grupo precisa de uma interação entre todos os seus
ciências sociais a partir das crescentes críticas ao conceito de raça membros, enquanto a etnia abrange um número grande demais de
e, em alguns casos, ao conceito de tribo. Apesar disso, é ainda con- pessoas para que haja relação direta entre todas elas.
siderado por muitos uma noção pouco definida. O termo etnia sur- O grupo étnico seria, então, um conjunto de indivíduos que
giu no início do século XIX para designar as características culturais apresenta uma interação entre todos os seus membros, além das
próprias de um grupo, como a língua e os costumes. Foi criado por características gerais da etnia. Por essa distinção, os membros de
Vancher de Lapouge, antropólogo que acreditava que a raça era o uma vizinhança judaica em uma cidade do Ocidente, por exemplo,
fator determinante na história. Para ele, a raça era entendida como onde todos os indivíduos frequentam a mesma sinagoga, consti-
as características hereditárias comuns a um grupo de indivíduos. tuem um grupo étnico, ao passo que os judeus como um todo com-
Elaborou então o conceito de etnia para se referir às características põem uma etnia.
não abarcadas pela raça, definindo etnia como um agrupamento Atualmente, os debates em torno da ideia de etnia continuam
humano baseado em laços culturais compartilhados, de modo acirrados. Primeiro porque a Antropologia não considera mais raça
a diferenciar esse conceito do de raça (que estava associado a um conceito determinado biologicamente. Hoje, raça significa a
características físicas). Já Max Weber, por sua vez, fez uma distinção percepção das diferenças físicas pelos grupos sociais, e como essa
não apenas entre raça e etnia, mas também entre etnia e Nação. percepção afeta as relações sociais, aproxima-se bastante da pró-
Para ele, pertencer a uma raça era ter a mesma origem (biológica pria definição de etnia. Por outro lado, alguns antropólogos france-
ou cultural), ao passo que pertencer a uma etnia era acreditar em ses, no fim da década de 1980, afirmaram que o conceito de etnia
uma origem cultural comum. A Nação também possuía tal crença, estava sendo pregado para as sociedades ditas primitivas com a in-
mas acrescentava uma reivindicação de poder político. tenção de apagar a historicidade delas. Para Amselle, por exemplo,
A etnia é um objeto de estudo da Antropologia, e se caracte- o conceito de etnia, bem como o de tribo, era usado em substitui-
rizou desde cedo como tema principal da Etnologia, ciência que ção ao de Nação, para as “sociedades primitivas”, passando a ideia
se propõe a estudar diferentes grupos étnicos, constituindo-se de Nação a pertencer exclusivamente aos “Estados civilizados”.
em torno da própria noção de etnia. Durante o século XX, essas Dessa forma, o conceito de etnia teria um sentido etnocêntrico bas-
duas disciplinas multiplicaram as conceituações sobre o termo. Au- tante acentuado. Mas, apesar dessas controvérsias, a Antropologia
tores como Nadel e Meyers Fontes afirmam que uma etnia é um trabalha também com a noção de etnicidade, que é um sentimento
grupo cuja coesão vem de seus membros acreditarem possuir um de pertencer exclusivamente a um determinado grupo étnico. Um
antepassado comum, além de compartilharem uma mesma lingua- conceito próximo ao de identidade.
gem. Para essa definição, baseada em Weber, uma etnia seria um Podemos perceber, dessa forma, os intensos debates em torno
conjunto de indivíduos que afirma ter traços culturais comuns, do conceito de etnia, e o quanto esse conceito ainda precisa ser
distinguindo-se, assim, de outros grupos culturais. mais bem caracterizado. Não obstante, os estudos etnológicos têm
Nesse sentido, não importa se o grupo realmente descende de crescido, principalmente porque, desde a década de 1960, muitas
uma mesma comunidade original: o que importa é que os indiví- reivindicações políticas no mundo se apresentam como étnicas, ba-
duos compartilhem essa crença em uma origem comum. Uma cren- seadas em crenças em uma identidade comum, contexto esse que
ça confirmada, a seu ver, pelos costumes semelhantes. motiva os cientistas sociais a continuarem refletindo sobre o con-
Assim, uma etnia se sente parte de uma mesma comunidade ceito.
que possui religião, língua, costumes - logo, uma cultura - em co- É preciso ressaltar que se, por um lado, muitas comunidades se
mum. Notemos que nesse conceito não importa somente o fato auto afirmam positivamente a partir de seus costumes, por outro, a
de as pessoas que compõem uma etnia compartilharem os mes- identidade étnica (a etnicidade) é um elemento que contribui para
mos costumes, mas sobretudo o fato de elas acreditarem fazer par- a construção do etnocentrismo. Ao se identificarem como mem-
te de um mesmo grupo. Nesse sentido, a etnia é uma construção bros de uma cultura em comum, diferente dos que o cercam, um
artificial do grupo, e sua existência depende de seus integrantes determinado grupo reage às culturas diferentes muitas vezes com
quererem e acreditarem fazer parte dela. repulsa. O sentimento de superioridade diante de diferentes cultu-
Toda etnia se identifica como um grupo distinto, consideran- ras é, assim, criado na identidade étnica. Dessa forma, os fran-
do-se diferente de outros grupos, e baseia sua identidade em uma ceses se sentem superiores aos “árabes” (como classificam todos
religião e rituais específicos. Assim, os judeus e muçulmanos dentro os que professam a fé muçulmana, sejam árabes ou não) por acre-
das atuais Nações europeias são, cada um por seu lado, etnias, por ditarem possuir uma origem diferente e uma cultura que os outros
se identificarem como grupos distintos e reivindicarem identidades não compartilham. Isso acontece com os norte-americanos diante
próprias baseadas em religiões e costumes diferentes das socieda- dos hispânicos, e já aconteceu em outras épocas da história, como
des em que estão inseridos. No caso dos muçulmanos, a construção entre os alemães e os judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
artificial desse conceito é mais nítida, pois quase sempre oriundos Em suma, a discussão sobre etnia nos leva a repensar o próprio
de migrações recentes para a Europa, seus integrantes são originá- conceito de etnocentrismo. Para o professor de História, conhe-

58
CONHECIMENTOS

cer o conceito de etnia é uma exigência fundamental, pois os Uma última fronteira é quanto poder e prestígio você tem,
programas curriculares discutem cada vez mais as minorias no como resultado de sua renda ou natureza de seu trabalho. Pessoas
Brasil. Essas minorias são estudadas pela Antropologia como etnias, com poder e prestígio agem e pensam diferentemente dos que não
mas algumas delas ainda se identificam muitas vezes como raças. É têm esses bens.
o caso dos negros brasileiros. Enquanto os antropólogos discutem a Essas fronteiras de classe são vagas, indicando que não há
validade de termos como raça e etnia, o que precisamos apreender qualquer divisão ou rígida descontinuidade entre elas. Voltando
de todo esse debate e discutir com os alunos é que, seja na raça à questão da mobilidade social, há possibilidades de mobilidade
ou na etnia, o fato de um indivíduo pertencer a um desses grupos entre essas classes, mas não há grandes saltos. Estatisticamente, é
é mais uma questão de sentimento, de identidade, do que de de- mais provável que você mude para a classe mais próxima - ou acima
terminação física ou mesmo cultural. Vale lembrar ainda que tan- ou abaixo. Se começar pela média baixa, você pode esperar mudar
to a concepção atual de raça quanto a de etnia são conceitos que para a média sólida, ou mudar para um emprego operário mais alto.
buscam dar conta da multiplicidade de culturas, de hábitos e Se começar nas classes operárias, você pode mudar com a aquisi-
crenças que a humanidade apresenta, e das implicações políticas ção de diplomas para as classes médias. Mas, se a economia está
dessas diferenças13. em recessão e se o governo corta gastos, então é provável que você
permaneça onde começou ou que até mesmo desça a escada da
Classes Sociais estratificação. A maioria dos brasileiros permanece em uma classe
Quantas classes há na sociedade - isto é, pessoas que dividem social durante toda a sua vida; e, se eles mudam, não é para muito
uma dada fatia da torta de dinheiro e prestígio e que, desta forma, longe - apesar de muito discurso sobre aqueles que passaram de
revelam características comuns? muito pobres a ricos.
Quão claras são as fronteiras? Quanta mobilidade de classe
para classe ocorre durante uma, ou entre gerações? E quão dura- Gênero
douras são as classes? Algumas das respostas a essas perguntas são Em todas as sociedades, os indivíduos categorizam-se uns aos
mais fáceis do que outras. Vamos tomá-las em ordem. outros como masculino ou feminino e, com base nessa distinção,
Quantas classes existem? A resposta depende da nossa sinto- as crenças culturais e normas indicam quais status os homens e as
mulheres deveriam ocupar e como elas deveriam desempenhar os
nia com a realidade. Uma aproximação irregular distinguiria o se-
papéis associados com esses status. Tem havido no curso da evo-
guinte: elite (ricos, poderosos e prestigiosos), muito ricos (riqueza
lução humana enorme variação no que é definido como adequado
acumulada e prestígio de profissões de alta renda ou empresas),
aos homens e às mulheres, um fato que indica que distinções entre
profissionais executivos de classe médio-alta (profissionais com alto
os sexos são mais socioculturais do que biológicas. Esse processo
salário ou pessoas de negócios bem sucedidas que acumularam al-
de definir culturalmente status e papéis adequados para cada sexo
guma riqueza), sólida classe média administrativa (renda respeitá-
é denominado de diferenciação de gênero; e esse conceito deveria
vel, alguma riqueza em fundo de pensão e participação de lucros
ser distinto da diferenciação sexual, que denota as diferenças bioló-
da empresa), classe média mais baixa (renda modesta, poucos gicas entre homens e mulheres As duas noções, de sexo e gênero,
bens acumulados, talvez participação de lucros da empresa), clas- entretanto, não são tão facilmente separadas porque muito do que
se trabalhadora alta (renda respeitável, alguma riqueza em fundos a população costuma ver como tendências “naturais”, biológicas,
de pensão e participação de lucros da empresa), operária de clas- dos sexos são culturalmente definidos e reforçado através de san-
se média (renda modesta, poucos bens acumulados), e os pobres ções. As únicas diferenças biológicas claras entre os homens e as
(renda baixa, desempregados, “desempregáveis” sem qualquer au- mulheres são diferenças geneticamente causadas nas secreções
xílio). Como importante observação, esta última classe, de pessoas hormonais e seus efeitos no desenvolvimento dos órgãos sexuais
pobres, é a maior do mundo. e outras características anatômicas (estrutura óssea, percentual de
Uma pesquisa divulgada pelo jornal “O Globo”, em 2006, afir- camada de gordura e musculatura). Pode haver outras diferenças
ma que a riqueza está fortemente concentrada na América do Nor- fundamentadas geneticamente, mas não há evidências claras para
te, na Europa e nos países de alta renda da Ásia e do Pacífico. Os essas. Além disso, até mesmo as diferenças mais inequívocas tor-
moradores desses países detêm juntos quase 90 por cento do total nam-se tão elaboradas e impregnadas por crenças culturais e nor-
da riqueza do planeta’’, disse a pesquisa. mas, e por papéis sociais e práticas dentro de estruturas sociais,
“Nós calculamos que os 2 por cento dos adultos mais ricos do que tornam obscura a fronteira entre o sexo e o gênero.
mundo possuem mais da metade da riqueza global enquanto os 50 A base da noção de sexo socialmente construída é bastante
por cento mais pobres, 1 por cento”, disse Anthony Shorrocks, di- ilustrada por casos nos quais a identidade sexual biológica é am-
retor do instituto. bígua. Por exemplo, em um estudo, crianças que nasceram com os
As diferenças nessas classes giram em torno de diversos fato- órgãos de ambos os sexos (antigamente chamadas de hermafrodi-
res. Um deles é se o trabalho é manual (operárias) ou não manual tas, atualmente chamadas de intersexuais) empregaram as carac-
(intelectual); esse fator é muito importante, e podemos sempre terísticas sexuais - atitudes, comportamento e preferências sexuais
observar facilmente as diferenças na conduta, no estilo de vida e - que refletiram sua socialização pelos pais, tanto masculinos quan-
em outras características das pessoas do setor administrativo e da to femininos (Ellis, 1945; Money ê Ehrhardt, 1972). Em outro caso
linha de produção. Outro ponto de corte é o nível de renda e a ca- elucidativo, uma garota jovem que tinha os órgãos sexuais externos
pacidade de acumular bens de sua própria renda; as pessoas que de uma mulher e que fora criada como mulher, sofreu uma mudan-
têm bens agem e pensam diferentemente do que as que não têm. ça de voz na puberdade; um exame médico mais detalhado revelou
E quanto menos dinheiro você tem, maior é a diferença entre você que “ela era “XY”, ou seja, um homem”. Informada disso, ela “foi
e os que têm alguns bens. para casa, jogou fora suas roupas de moça e tornou-se um garoto,
começando imediatamente a se comportar como os outros garo-
13 Fonte: SILVA, K. V. e SILVA, M. H. tos” (Reynolds, 1976).

59
CONHECIMENTOS

Ou seja, o gênero é mais determinante do que o sexo quando


pensamos em assumir papéis. Um indivíduo pode ter nascido do DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA SOCIEDADE BRASI-
sexo feminino e optar, posteriormente, pelo gênero feminino se tor- LEIRA E DAS DEMANDAS E PROTAGONISMOS POLÍTICOS,
nando, portanto, uma mulher. Outro ponto importante é distinguir SOCIAIS E CULTURAIS DOS POVOS INDÍGENAS E DAS
gênero de orientação sexual. Embora existam várias orientações POPULAÇÕES AFRODESCENDENTES (INCLUINDO OS
sexuais, as mais conhecidas são: homossexuais, heterossexuais e QUILOMBOLAS)
bissexuais. A orientação sexual (e não opção sexual) não é deter-
minada pelo sexo nem pelo gênero. O que determina o seu sexo Combate às Desigualdades Raciais
são suas características biológicas; seu gênero é determinado pelas Avanços nos indicadores socioeconômicos da população ne-
suas características culturais e sociais; sua orientação sexual se defi- gra atestam o impacto positivo das políticas universais. Ao mesmo
ne para qual gênero você tem sua afetividade direcionada. tempo, os dados mostram a necessidade urgente de ações afirma-
De um ponto de vista sociológico, então, é melhor nos concen- tivas de caráter amplo na busca por igualdade racial no Brasil. Se-
trarmos nos processos de gênero, ou aquelas causas culturais e so- gundo Douglas Belchior, “O jovem negro tem, hoje, oportunidades
ciais que afetam os status e os papéis desempenhados por todos que seus pais não tiveram, mas isso não significa que elas sejam
na sociedade. Vamos nos concentrar na estratificação de gênero iguais”14.
porque esse é o tópico que diretamente afeta tudo em nossas vidas. Construir pontes que aproximem as realidades de brancos e ne-
gros no Brasil é um desafio monumental de engenharia social e econô-
Geração mica. Nas últimas duas décadas, políticas públicas de natureza diversa,
Nas Ciências Sociais, e mesmo no âmbito de senso comum, adotadas em diferentes níveis de governo, têm sido capazes de impul-
o termo traduz, vulgarmente, a referência a um conjunto de indi- sionar a construção das bases da igualdade. Indicadores socioeconô-
víduos nascidos num mesmo tempo, que detêm uma experiência micos de toda ordem mostram uma melhoria nas condições de vida
comum, e expressa uma determinada forma de encarar a vida e os da população negra, bem como no acesso a serviços e direitos. Nesse
seus problemas. A geração pode também ser entendida na base de período, homens e mulheres negras viram sua renda, expectativa de
um movimento cultural que emergiu em determinado momento da vida e acesso à educação – para citar apenas os componentes do Índice
vida de uma sociedade, sem que isso tenha a ver com o tempo de de Desenvolvimento Humano (IDH) – avançarem de forma mais ace-
nascimento daqueles que o representam. É com esse sentido que, lerada do que as da população branca.
por exemplo, se alude à geração de 70 por referência ao movimento Entretanto, ainda não é possível vislumbrar a superação do
literário português do século XIX. Mas, em termos mais concretos, abismo racial. Os dados disponíveis indicam um caminho: é preciso
cada geração distancia-se das que lhe estão chegadas - anterior e apostar em políticas de ação afirmativa de forma consistente.
posterior - por um período de 20 anos. Diz-se, de forma consensual, A criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
que uma geração representa vinte anos e isso implica aceitarmos as Racial (Seppir), em nível federal, a aprovação do Estatuto da Igual-
diferenças que ela possa ter em relação a outras gerações, diferen- dade Racial e os resultados encorajadores já revelados por algumas
ças que, naturalmente, se traduzem em todos os domínios sociais ações indicam um rumo positivo nas políticas públicas dos últimos
e para as quais contribuem o progresso tecnológico, a escola, as anos. Embora persistam os debates acerca da constitucionalidade
transformações económicas e, em sentido lato, as transformações das ações afirmativas – especialmente nas cotas para ingresso em
de toda uma sociedade. Por isso, as diferenças entre gerações, ao universidades e no serviço público –, muitos avaliam que a agenda
existirem, têm necessariamente uma relação com a sociedade em está consolidada. “O momento é de continuidade e de ampliação”,
si e, mais do que isso, com a sua própria estrutura sociodemográ- afirma Tatiana Dias Silva, coordenadora de Igualdade Racial do
fica. Hoje se fala muito, nas sociedades desenvolvidas, em conflito Ipea, especialista em análises da questão racial. “Temores de que
de gerações como uma consequência do progressivo aumento da as ações afirmativas criariam um ‘racismo ao contrário’ ou ‘reduzi-
esperança média de vida nas idades mais avançadas: as distâncias riam o nível das universidades’ desapareceram. Os dados disponí-
de tempo que existem entre os jovens e os idosos é, nesta inter- veis desmentem tudo isso.”
pretação, um fator de desentendimento entre gerações, dadas as
distâncias de valores e de universos socialmente apreendidos. Não Impacto das Mudanças
é pacífica esta tese, tanto mais que, nas mesmas sociedades, nunca Os argumentos favoráveis às ações afirmativas não vêm, ne-
se deixou de valorizar, apesar de outro tipo de “concorrências”, o cessariamente, de uma avaliação acerca do impacto específico das
papel, por exemplo, dos avós na educação dos netos e, por conse- iniciativas em curso no País. O caráter pontual e descentralizado das
quência, a sua importante ação enquanto transmissores de certa políticas dificulta a identificação destas nas mudanças na vida dos
ideia da sociedade em que estão inseridos e dos valores que par- negros brasileiros nos últimos anos. Há também o fato de um nú-
tilham. mero cada vez maior de instituições e órgãos públicos e privados
Em termos analíticos, podemos ainda definir geração por um manterem programas de inclusão ou combate à discriminação e o
corte efetuado sobre um conjunto de pessoas nascidas em determi- preconceito. “A partir dos dados estatísticos, não é possível desa-
nado período, coincidente, normalmente, com um ano civil. gregar o que é impacto de ações afirmativas e o que é resultado das
políticas de caráter universal”, comenta Marcelo Paixão, economista
e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas,
Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
14 IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Igualdade Racial. O longo
combate às desigualdades raciais. https://www.ipea.gov.br/igualdaderacial/in-
dex.php?option=com_content&view=article&id=711.

60
CONHECIMENTOS

A exceção talvez sejam os dados relativos à criação de cotas nas cendo que políticas universais podem ser, às vezes, mais positivas,
universidades públicas. Neste caso, é possível inferir, a partir dos a questão é saber se seus efeitos tiveram a capacidade de, efetiva-
editais e do Censo do Ensino Superior do Ministério da Educação, mente, enfrentar o abismo sociorracial no País. E a resposta é não,
o número de estudantes afrodescendentes beneficiados pelas me- não tiveram”, diz, taxativo, o economista Marcelo Paixão.
didas. Segundo dados reunidos no artigo Juventude Negra e Edu- Paixão analisa a evolução dos negros no mercado de trabalho
cação Superior, de autoria de Adailton da Silva, Josenilton da Silva como um exemplo dos benefícios e limites das políticas universais.
e Waldemir Rosa, no livro do Ipea Juventude e Políticas Sociais no Segundo ele, há uma aproximação recente entre a renda do tra-
Brasil, entre os anos de 2002 e 2009, pouco mais de 98 mil jovens balho auferida por negros e brancos, mas longe de significar o fim
negros entraram no Ensino Superior por meio de iniciativas desse das desigualdades. Os dados levantados pelo Ipea para o Boletim
tipo ou programas de bônus sobre a nota obtida nos processos sele- Políticas Sociais nº 19 Políticas Sociais: acompanhamento a análise,
tivos. O levantamento não inclui os afrodescendentes que porven- mostram que os rendimentos médios reais da população negra re-
tura se beneficiaram de cotas não raciais, que utilizam critérios de cebidos de todas as fontes, cresceram 56% entre 1992 e 2009, ante
renda ou estão voltadas para alunos oriundos do sistema público um aumento de 39% entre os trabalhadores brancos. No entanto,
de ensino. O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil a diferença entre uns e outros continua significativa: na década de
2009-2010 (lançado pelo Laeser e pelo Instituto de Economia da 1990, o rendimento dos negros equivalia a 50% do dos brancos; há
UFRJ) atesta o seguinte quadro no ano de 2008: “Se, por um lado, dois anos, esta proporção passou a 57%.
os dados do Censo do Ensino Superior evidenciavam a existência de
uma boa disseminação do número de Instituições de Ensino Supe- Salário Mínimo e Bolsa Família
rior (IES) que aderiram ao sistema de ingresso diferenciado, 26,3% A principal explicação para esta aproximação estaria no efeito
do total das IES públicas do País, por outro lado, o número de vagas redistributivo das políticas sociais, em especial em relação ao sa-
disponibilizadas pelo sistema de cota era de apenas 10,5%”. lário mínimo e os benefícios previdenciários. Isso porque a maior
Ainda que restritas e criadas por iniciativa das instituições, sem parte dos trabalhadores negros atua em setores cujos vencimentos
qualquer tipo de integração ou norma que sustente a reserva de va- estão atrelados ao salário mínimo.
gas como política pública abrangente, as cotas, somadas a ações de Quando analisada a renda das famílias somando-se outras
caráter geral de acesso ao ensino superior – como o Programa Uni- fontes além do trabalho, o resultado é o mesmo: percebe-se uma
versidade para Todos (ProUni) –, estão mudando o perfil do univer- aceleração recente na diminuição das desigualdades, mas ainda in-
sitário brasileiro. Em 17 anos, a taxa líquida de matrícula de jovens suficiente para dar conta da defasagem. Segundo análise do técnico
do Ipea Sergei Soares, registrada em artigo no livro As políticas pú-
de 18 a 24 anos – que mede o número de matriculados no nível
blicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição
esperado de ensino para aquela faixa etária – mais que quintuplicou
(disponível em www.ipea.gov.br), a razão entre a renda domiciliar
entre os negros. Segundo dados levantados pelo Ipea para o Bole-
per capita das famílias negras e a das famílias brancas iniciou uma
tim Políticas Sociais: acompanhamento e análise nº 19, disponíveis
trajetória de queda constante a partir de 2001. Ao longo dos anos
no site criado por ocasião da programação em torno do Ano Inter-
1990, os brancos viviam com um ingresso 2,4 vezes maior do que os
nacional dos Afrodescendentes – www.ipea.gov.br/igualdaderacial
negros. Em 2007, essa proporção caiu para 2,06. No entanto, alerta
–, no ano de 1992, apenas 1,5% dos jovens negros nesta faixa etá-
Soares, mantido esse ritmo – o que não é provável –, a igualdade
ria estavam na universidade. Em 2009, eram 8,3 %. Entre os jovens entre os dois grupos só seria alcançada em 2029.
brancos, as matrículas líquidas triplicaram no mesmo período – de Além dos fatores macroeconômicos e das políticas salariais,
7,2% para 21,3%. A frequência dos jovens negros na universidade, tanto a análise do Ipea como a do Laeser chamam a atenção para
que correspondia a 20,8% da frequência dos brancos em 2002, pas- o peso dos programas de redistribuição de renda. O relatório do
sou a corresponder a 38,9% em 2009. Laeser aponta que a importância dos benefícios do Bolsa Família
sobre a renda das famílias negras é significativamente maior do que
Universal ou Não para as famílias brancas. Entre os afrodescendentes, o programa re-
A divisão entre o peso das políticas universais e o das ações presenta 23,1% da renda da família. Para os brancos, 21,6%. Além
afirmativas lembra um dos debates de fundo sobre os efeitos do disso, a proporção de famílias cujo chefe é preto ou pardo bene-
preconceito e da discriminação no País. Um dos argumentos con- ficiadas pelo programa – 24% do total de famílias deste grupo no
trários ao estabelecimento de políticas reparadoras baseadas em país – é quase três vezes maior do que a das unidades familiares
quesitos raciais é de que a exclusão social no Brasil não é determi- brancas (9,8%).
nada pela cor da pele, mas pela pobreza. Este é um dos pontos le- Com os rendimentos de trabalho crescendo e a maior partici-
vantados pelo Democratas (DEM) na Arguição de Descumprimento pação nos programas de distribuição de renda, é natural que os ín-
de Preceito Fundamental (ADPF), que questiona o sistema de cotas dices de pobreza e indigência caiam rapidamente entre os afrodes-
raciais no processo seletivo da Universidade de Brasília e que aguar- cendentes. No entanto, embora em números absolutos mais negros
da julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Por essa razão, o tenham ultrapassado a linha da pobreza, a redução proporcional
DEM advoga que apenas critérios econômicos poderiam ser válidos dos índices ficou em torno de 30% para os dois grupos, mantendo
para o estabelecimento de cotas em vestibulares, por exemplo. as diferenças significativas. Em 1997, 57,7% dos negros brasileiros
Seguindo essa mesma lógica, programas voltados para o com- eram pobres. Dez anos depois, eram 41,7%. Entre os brancos, o per-
bate à pobreza e à redução das desigualdades sem recorte específi- centual caiu de 28,7% para 19,7% no mesmo período.
co deveriam dar conta de acabar com as diferenças existentes entre
negros e não-negros. São justamente as análises estatísticas que Trabalho Precário
demonstram que os afrodescendentes são o grupo mais beneficia- “O fato é que as políticas macroeconômicas e as de caráter
do pelos avanços econômicos e sociais recentes no País. Isso reforça redistributivo, como o Bolsa Família, contribuíram para diminuir a
os argumentos em favor das ações afirmativas. “Mesmo reconhe- desigualdade de renda, mas a distância é muito grande”, comenta

61
CONHECIMENTOS

Marcelo Paixão. Os limites ficam mais evidentes, diz ele, quando se debates sobre o Plano Plurianual, pode abrir espaço para se esta-
analisa a possibilidade de mobilidade dos negros dentro do merca- belecer uma gestão coordenada das ações afirmativas em nível fe-
do de trabalho. “Essas políticas gerais não afetam a maneira como deral.
os afrodescendentes chegam ao mercado, nem como são tratados
dentro dele. A estrutura do vínculo com cor e raça não muda”, afir- Cotas e Contestações
ma. Hoje, os negros são maioria nos setores econômicos com as O resultado intangível da implementação de ações afirmativas
piores condições laborais – agricultura, construção civil e trabalhos no Brasil, segundo analistas e representantes do movimento negro,
domésticos – e também nas posições mais precárias, sendo a maio- foi colocar, definitivamente, a discriminação e o preconceito na
ria entre os profissionais não remunerados e assalariados sem car- agenda pública. “Apesar da insuficiência das ações até aqui adota-
teira. das, o sentido das iniciativas em curso é colocar em debate o tema
Em outras palavras, embora melhores as condições de vida da da reparação histórica ao povo negro, algo que faz parte das reivin-
população negra, políticas que ignorem a questão racial não aju- dicações do movimento desde a década de 1980”, avalia Douglas
dam a superar a expressão real do preconceito e da discriminação. Belchior, membro da Coordenação Geral da União de Núcleos de
O mesmo se dá no acesso à saúde ou no aproveitamento das opor- Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro
tunidades educacionais. Na área da educação, por exemplo, é pos- Brasil).
sível comemorar as reduções das diferenças entre negros e brancos Marcelo Paixão, economista da UFRJ, afirma que “o grande im-
em relação ao número de anos de estudo formal ou nos índices pacto das medidas de ação afirmativa foi colocar o tema das desi-
de analfabetismo. A taxa de analfabetismo em 1992 era de 10,6% gualdades raciais, mudando a lógica como vínhamos discutindo a
para brancos e 25,7% para negros; em 2009, 5,94% para brancos e questão das desigualdades sociais no Brasil”.
13,42% para negros. Nesse período, embora tenha caído a desigual- O debate público acerca dos efeitos do preconceito e da res-
dade, a taxa dos negros permaneceu mais que duas vezes maior ponsabilidade do Estado sobre a promoção da igualdade ganhou
que a taxa da população branca, de acordo com dados do IBGE impulso na esteira da Constituição de 1988, seja pela revitalização
compilados pelo Ipea. do movimento negro no processo de discussão da nova Carta, seja
Por outro lado, o aumento das matrículas em creches ou pré- pelo caminho aberto por ela para a criminalização do racismo.
-escolas é muito maior entre crianças brancas. A entrada no percur- Após um período em que o tema se volta para o reconheci-
so escolar regular é mais atribulada para as crianças afrodescen- mento e a penalização dos crimes raciais, em meados da década de
dentes. 1990, começam a ser implementadas as primeiras políticas públicas
voltadas ao combate à discriminação.
Taxa de Homicídios No início dos anos 2000, o governo federal começa a investir
Um número estarrecedor é do aumento de homicídios de ne- em projetos de caráter afirmativo.
gros, especialmente entre os jovens. Segundo o Mapa da Violência, Em 2002, o Itamaraty lançou o Programa de Ação Afirmativa
editado pelo Ministério da Justiça e pelo Instituto Sangari, o núme- do Instituto Rio Branco, órgão responsável pela formação dos diplo-
ro de brancos mortos vem diminuindo ao longo dos anos, enquan- matas. O programa está baseado na concessão de bolsas a afrodes-
to os casos envolvendo negros aumentam. Em 2008, o número de cendentes em cursos preparatórios para o processo de seleção do
jovens negros de 18 a 25 anos vítimas de homicídio foi 134% maior Instituto. Em nove anos, 17 ex-bolsistas passaram a fazer parte do
do que o de jovens brancos. corpo diplomático.
Os dados evidenciam a necessidade urgente de se ampliar o Em 2011, o Itamaraty deu um passo adiante, criando também
combate às desigualdades raciais. “Conceitualmente, a ação afir- uma cota de vagas para negros na primeira etapa do processo seleti-
mativa é aquela que, a partir da identificação de uma desigualdade, vo. “Entre as razões que levaram o Itamaraty a adotar um programa
cria políticas para alterar esse cenário de forma a garantir acesso de ação afirmativa está o fato de que a diplomacia é uma carreira
a direitos, bens e serviços semelhante ao restante da população”, que sofria de uma percepção social elitista; segundo, é uma carreira
explica Tatiana Silva, do Ipea. “Não é, necessariamente, política de que representa o País e houve o entendimento de que essas duas
cotas. Pode haver, por exemplo, a divulgação de vagas de trabalho questões deveriam ser enfrentadas”, comenta o primeiro-secretá-
para públicos específicos. Ou, como no caso da saúde, focar o com- rio do Instituto, Márcio Rebouças. “Por fim, em Durban [durante a
bate a patologias típicas da população negra.” III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a
Na avaliação de Tatiana, apesar da consolidação das ações afir- Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância], o Itamaraty assu-
mativas como uma necessidade, há muitas iniciativas ainda reali- miu o compromisso de promover ações afirmativas”.
zadas de forma experimental, através de convênios e sem garantia Em 2003, o Ministério da Saúde lançou o Programa de Combate
de continuidade. “Temos uma série de reconhecimentos das desi- ao Racismo Institucional, que durou até 2006 e buscou formar ges-
gualdades, mas há problemas na adoção de políticas públicas como tores para a promoção da equidade racial na área. Um ano antes,
a baixa adesão setorial e a pouca visibilidade das ações, que por o Ministério da Educação havia criado o Programa Diversidade na
não serem integradas no seu planejamento também não podem ser Universidade, para apoiar cursinhos pré-vestibulares voltados para
monitoradas”, comenta. afrodescendentes. Foi uma primeira resposta do governo a pres-
Ainda assim, há perspectivas positivas para a ampliação das sões para o desenvolvimento de ações afirmativas, que cresceram
ações afirmativas, considerando o contexto após a aprovação do a partir de iniciativas pioneiras de algumas universidades – as esta-
Estatuto da Igualdade Racial, no ano passado, e a instituição do Sis- duais do Rio de Janeiro e a Universidade de Brasília (UnB) – e mes-
tema Nacional de Igualdade Racial previsto por ele. Outra janela de mo de órgãos públicos, como o Ministério das Relações Exteriores.
oportunidade é a revisão em curso do Plano Nacional de Promoção
da Igualdade Racial. Apesar de ser considerado, como diz Tatiana,
“um quadro de intenções”, a rediscussão do plano, associada aos

62
CONHECIMENTOS

Julgamentos Quando afirmo que o preconceito em relação a população in-


Em 2001, as universidades estaduais do Rio de Janeiro – UERJ dígena é o maior de todos no Brasil não tenho nenhuma intenção
e UENF – criaram cotas para negros nos seus processos seletivos, de comparar graus de racismo pois soa perverso e desmerece a luta
depois de um primeiro ano em que o vestibular de ingresso reser- contra o preconceito de outros grupos étnicos, além de ser etica-
vou vagas para alunos vindos de escolas públicas. Em 2003, a UnB mente inadmissível. A presente frase é para se questionar e atiçar
aprovou a criação das cotas raciais, numa iniciativa inédita entre as reflexões acerca de um grupo étnico que sofre com um massacre
federais. A medida é ainda hoje alvo de uma ação no STF, movida genocida há mais de 500 anos onde a sociedade taxa com natu-
pelo DEM, que contesta a constitucionalidade de tais políticas. ralidade a população indígena de “primitivos”, mesmo com esses
“Uma pesquisa da Associação dos Juízes Federais sobre a jurispru- constituindo uma parte relevante da sociedade inclusive no âmbito
dência em segunda instância mostra que há prevalência do entendi- populacional, principalmente após a constituição federal de 1988,
mento sobre a constitucionalidade das cotas na educação. A OAB tam- mostrando assim tua patologia em relação a determinados grupos
bém se posicionou favoravelmente ao tema. Agora, devemos começar étnicos.
a ver vários questionamentos em relação às cotas no serviço público”, Mas com a constituição e algumas demarcações de terra a po-
avalia Tatiana Silva, coordenadora de Igualdade Racial do Ipea”. pulação indígena começa a ser reconhecida como população atuan-
A reserva de 10% de vagas para negros no serviço público já é te na sociedade? Não, pois a maioria das pessoas que compõe essa
realidade em alguns Estados, como o Paraná e Mato Grosso do Sul. sociedade reproduz o que chamamos de racismo estrutural. O que
No Rio de Janeiro, a destinação é de 20% para negros e índios. Já em é o racismo estrutural? De acordo com o professor Silvio Almeida, o
Vitória (ES), a adoção das cotas nos concursos foi contestada pelo racismo estrutural está além da patologia social, além da anormali-
Ministério Público Estadual e suspensa pelo Tribunal de Justiça. dade. Nesta estrutura o racismo se torna algo normal, e não no sen-
Uma decisão favorável do STF seria um reforço político importante tido de que é normal ser racista mas sim no sentido de que o racis-
a favor das ações afirmativas, reconhecendo o papel do Estado na mo constitui as ações conscientes e inconscientes da sociedade, ou
reparação dos efeitos do preconceito e da discriminação. seja, o racismo estrutural é uma espécie de funcionamento normal
da vida cotidiana, que envolvem três dimensões fora da patologia: a
Impacto das Ações economia, a política e a subjetividade. Dentro destes três conceitos
Em certa medida, a reação aos avanços nas políticas voltadas é possível observar como o índio é massacrado até os dias de hoje,
à promoção da igualdade racial nos últimos anos demonstra o im- no seguimento econômico a população indígena é massacrada pelo
pacto das ações afirmativas. “Fomos acusados de criar um ‘tribunal sistema capitalista, pelo colonialismo da pecuária e do agronegócio.
racial’, quando decidimos exigir a comprovação da declaração de Pelo seguimento político não se tem representatividade indí-
afrodescendente com fotos”, comenta Dione Moura, professora gena no legislativo, executivo ou judiciário e muito menos na es-
Faculdade de Comunicação da UnB que coordenou a comissão res- fera política com deputados, vereadores ou senadores, visto que
ponsável pela criação do programa de cotas. “Fizemos isso porque em 2016 dos 475.351 candidatos as eleições somente 0,34% destes
tínhamos provas concretas de que cursos pré-vestibulares e escolas candidatos eram indígenas; E fica difícil falar sobre a subjetivida-
estavam incentivando seus alunos brancos a se inscreverem como de sendo que o preconceito acerca desta população é crescente e
cotistas para desmoralizar nosso processo de seleção.” toma moldes catastróficos ao passar do tempo. Sim, lidamos com
Outra questão levantada à época, é a suposição de que a en- o retrocesso e não com avanços quando falamos da população in-
trada de alunos “menos preparados” através das cotas rebaixaria dígena brasileira. A falta de representatividade na esfera política e
a qualidade do ensino nas universidades. “Acompanhamos o per- o seguimento econômico cada vez mais colonialista corrobam essa
curso dos cotistas e provamos que eles tinham índices menores de subjetividade a transformando em juízo de valor que a população
abandono do curso”, conta Dione. Segundo ela, estes alunos valo- reproduz no que diz respeito à essa estrutura racista e preconcei-
rizam mais a passagem pela universidade e engajam-se de forma tuosa brasileira.
mais qualificada nos estudos. A situação consegue ficar mais alarmante quando apontamos
Para Douglas Belchior, o debate sobre as cotas deixou “à mos- dados em que envolvem a o direito a vida e a subsistência desta
tra que a elite brasileira é racista”. Crítico em relação à limitação população, de 2003 a 2015 foram contabilizados 891 homicídios
atual das ações afirmativas, ele reconhece que o fato de iniciativas de indígenas de acordo com o relatório “Violência contra os povos
estarem sendo levadas adiante repercute de forma positiva sobre a indígenas no Brasil”, e os dados chamam atenção para o crescente
autoimagem e a perspectiva de vida dos afrodescendentes, espe- número de homicídios nos últimos anos, onde em 2013 foram con-
cialmente os mais jovens. “O jovem negro tem, hoje, oportunidades tabilizados 53 e em 2014 foram contabilizados 138 mortes, onde a
que seus pais não tiveram, mas isso não significa que temos oportu- principal razão destes número alarmantes em relação as vítimas são
nidades iguais”, comenta. “Olhando para trás, o avanço é inegável. os conflitos por terras. O relatório ainda afirma que:
Olhando para a frente, vemos que não é tanto assim.” A fragilidade destes dados dificulta uma clara percepção da au-
toria dos homicídios, se eles tiveram como pano de fundo a disputa
Disparidade Racial e Preconceito: População Indígena, Dados pela terra ou, nesse sentido, se são consequência do fato de os indí-
e Análises genas não estarem vivendo em seus territórios tradicionais.
A disparidade racial no Brasil é uma realidade muito preocu- O cenário contemporâneo de empoderamento dos grupos
pante, e que, em seus diversos moldes nos mostra que a sociedade identitários também mostram algumas calamidades em relação
contemporânea reproduz e convive com a naturalização do precon- ao empoderamento da população indígena, segundo César Sanson
ceito de maneira patológica e estrutural. No presente texto iremos enquanto alguns movimentos conseguiram capitalizar suas deman-
analisar e debater sobre o preconceito em relação a população in- das e transformar-se em forças políticas de peso e inserindo suas
dígena, o maior de todos na esfera brasileira15. Análises. https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/atualidades/disparidade-
15 Lima. A. C. Disparidade Racial e Preconceito: População Indígena, Dados e -racial-preconceito-populacao-indigena-dados-analises.htm.

63
CONHECIMENTOS

demandas no meio político como por exemplo o movimento LGBT, social, cultural, econômica e ambiental. Além disso, discutiremos
movimento negro e o movimento feminista, os índios sofrem gran- as formas de organização e participação do cidadão na efetivação
de silêncio institucional em relação as suas mobilizações e suas de- desses direitos.
mandas. Neste quesito também entram as controversas demandas
que alguns políticos propõe para a população indígena sempre com — Direitos Humanos: Fundamentos, Princípios e Valores
falas retrógradas com intuito de transformar o indígena em um ser Os direitos humanos possuem fundamentos que remontam
humano que compõe a sociedade com modus operandi padrão, à dignidade inerente a cada ser humano. Eles são universais, indi-
incluí-lo no mercado de trabalho e fazer com que ele reproduza a visíveis e interdependentes. Universalidade significa que esses di-
modo de vida da sociedade ocidental, nos mostrando o despreparo reitos se aplicam a todas as pessoas, sem exceção. Indivisibilidade
e desrespeito perante a população indígena, só reforçando o quan- indica que não é possível separar os direitos civis e políticos dos
to a sociedade os taxa de seres “primitivos” somente por esta popu- direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, uma vez que
lação se encontrar fora na redoma de vidro consumista, excessiva, todos estão interconectados e complementam-se mutuamente.
patológica e estrutural da sociedade contemporânea. Além disso, os direitos humanos são baseados em princípios
César Sanon ainda pontua de forma clara que: essenciais, como a igualdade, a liberdade, a não discriminação, a
Por isso, a diferença do racismo com os índios em relação a ou- justiça, a solidariedade e a participação. A igualdade trata de ga-
tras modalidades hoje em dia é essa: os índios são o único grupo so- rantir que todas as pessoas sejam tratadas de maneira equitativa
cial a quem se pode dirigir na esfera pública propondo o extermínio e justa, sem discriminação. A liberdade diz respeito à autonomia e
da sua condição especial. Talvez não o único, mas o mais atacado, à capacidade de exercer direitos e liberdades fundamentais. A não
isso não importa: a questão aqui não é de quantidades, mas de um discriminação visa combater qualquer forma de discriminação ba-
modelo insuportável de racismo que sobrevive e justifica a ofensiva seada em características pessoais. A justiça busca promover a equi-
anti-indígena mais intensa desde a época da Ditadura Militar que dade e a imparcialidade na aplicação dos direitos. A solidariedade
vivemos hoje em dia. refere-se à responsabilidade coletiva na garantia dos direitos de
Portanto é mais que necessário, é urgente que os debates, estu- todos. A participação busca envolver os cidadãos nos processos de
dos e análises acerca da população indígena tomem força, tomem tomada de decisão que afetam suas vidas.
corpo, pois assim conseguiremos combater e desmistificar as diver-
sas refrações de preconceito que essa população enfrenta diaria- — Cidadania e seus diversos direitos
mente. O presente texto discorreu sobre as determinantes sociais A cidadania é um conceito que engloba direitos e deveres dos
correlacionadas com a população indígena brasileira, com intuito indivíduos enquanto membros de uma sociedade. Os direitos de
de levar cada leitor diversas reflexões sobre inúmeros pontos em cidadania estão divididos em várias dimensões:
que essa população está desfavorecida em relação ao modus ope- a) Direitos Civis: são os direitos fundamentais que garantem a
randi da sociedade, e que a situação dos índios no Brasil deve ser liberdade individual, a integridade física e a igualdade perante a lei.
analisada em sua totalidade, pois a falta de representatividade, de Incluem, por exemplo, o direito à vida, à liberdade de expressão, à
meios para subsistência, o exacerbado preconceito cometido con- privacidade, à propriedade e ao devido processo legal.
tra eles nos mostram o quão crítica está a situação, e cabe a cada b) Direitos Políticos: referem-se aos direitos relacionados à par-
um de nós rever diversos conceitos e estigmas que fazem com que ticipação política, como o direito de votar e ser votado, de se asso-
essas desigualdades perpetuem no cenário indígena, sem juízo de ciar politicamente, de expressar opiniões políticas e de participar de
valor, senso comum ou soberba, e o mais importante no momento, manifestações públicas.
não nos calarmos diante de nenhuma situação de desigualdade e c) Direitos Sociais: são os direitos que visam garantir condições
nem deixar que o silêncio institucional continue a reprodução da dignas de vida e bem-estar social para todos os cidadãos. Incluem
ordem vigente no cenário contemporâneo. direitos como o acesso à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho,
à previdência social, à cultura e ao lazer.
d) Direitos Culturais: dizem respeito à valorização e proteção da
DOS DIREITOS HUMANOS (SEUS FUNDAMENTOS, PRINCÍ- diversidade cultural, garantindo o direito das pessoas de participa-
PIOS, VALORES E GARANTIAS), DA CIDADANIA (DIREITOS rem da vida cultural de sua comunidade, preservando suas identi-
CIVIS, POLÍTICOS, SOCIAIS, CULTURAIS, ECONÔMICOS, dades e expressões culturais.
AMBIENTAIS ETC.) E DAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E e) Direitos Econômicos: relacionam-se à garantia de condições
PARTICIPAÇÃO DO CIDADÃO NA EFETIVAÇÃO DESSES de trabalho justas, ao acesso ao emprego, ao salário digno, à
DIREITOS proteção contra a exploração econômica, à segurança no trabalho e
ao direito de empreender.
Os direitos humanos são uma conquista fundamental da hu- f) Direitos Ambientais: são os direitos que buscam a proteção e
manidade, que visa assegurar a dignidade, a liberdade e a igualdade a preservação do meio ambiente, garantindo a todos um ambiente
de todos os indivíduos, independentemente de sua origem, raça, saudável e ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras
gênero, religião, orientação sexual, condição socioeconômica, en- gerações.
tre outros aspectos. A cidadania, por sua vez, está intrinsecamente
ligada aos direitos humanos, representando o conjunto de prerrog- — Garantias e Mecanismos de Proteção dos Direitos Humanos
ativas e deveres conferidos aos cidadãos em uma determinada so- Para assegurar a efetividade dos direitos humanos, existem di-
ciedade. versos mecanismos e garantias, tanto em âmbito nacional quanto
Este texto tem como objetivo explorar os fundamentos, internacional. Entre eles, destacam-se:
princípios, valores e garantias dos direitos humanos, bem como
abordar a cidadania em suas diferentes dimensões - civil, política,

64
CONHECIMENTOS

a) Constituições e Legislações Nacionais: muitos países pos-


suem em suas constituições ou legislações internas dispositivos que DAS DISTINTAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS SISTE-
garantem os direitos fundamentais e estabelecem a responsabili- MAS GOVERNAMENTAIS E DOS ESTADOS MODERNOS,
dade do Estado em sua proteção. INCLUSIVE DO CASO BRASILEIRO
b) Sistemas Internacionais de Proteção: existem tratados in-
ternacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Durante o Período Medieval, o interior do mundo feudal eu-
os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos ropeu era politicamente fragmentado. Cada grande senhor feudal
Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros, que estabelecem exercia em seus domínios uma autoridade quase absoluta sobre
obrigações para os Estados e mecanismos de monitoramento e pessoas e bens. Nesse contexto, a Igreja Católica desempenhou o
denúncia de violações. importante papel de órgão conciliador das elites dominantes, pro-
c) Cortes e Tribunais Internacionais: organismos judiciais inter- curando contornar os problemas da fragmentação política e das
nacionais, como a Corte Internacional de Justiça e a Corte Interna- rivalidades internas da nobreza feudal. Como os nobres eram cris-
cional de Direitos Humanos, têm a responsabilidade de julgar casos tãos, a Igreja procurou desviar as tensões internas do feudalismo,
relacionados a violações de direitos humanos e garantir a respons- apontando como inimigos externos e comuns da cristandade os
abilização dos Estados infratores. árabes muçulmanos. É preciso ressaltar que, além da autoridade
d) Instituições Nacionais de Direitos Humanos: muitos países religiosa, a Igreja também conquistou poderes materiais para impor
possuem órgãos responsáveis pela promoção e proteção dos direit- laços de união concreta entre nobres de diversos países, na medida
os humanos em âmbito nacional, como as Comissões Nacionais de em que era proprietária de aproximadamente um terço das terras
Direitos Humanos, que atuam no monitoramento, na denúncia e na cultiváveis. Assim, a Igreja estendia seu manto de poder “univer-
defesa dos direitos. salista” sobre diferentes regiões europeias. No início dos tempos
e) Organizações da Sociedade Civil: as organizações não gover- modernos, assistimos a uma série de grandes transformações que
namentais desempenham um papel fundamental na defesa e pro- atuaram na desestruturação do mundo feudal e, também, se re-
moção dos direitos humanos, através de atividades de advocacia, fletiram na diminuição do poder da Igreja: a expansão comercial
monitoramento e denúncia de violações. e marítima, o desenvolvimento da burguesia, o Renascimento e a
Reforma Religiosa. Entretanto, no plano propriamente político, o
— Formas de Organização e Participação do Cidadão na Efe- início dos tempos modernos foi marcado pelo processo de forta-
tivação dos Direitos lecimento das monarquias nacionais. Aliado a importantes setores
A efetivação dos direitos humanos depende da participação da burguesia e, mesmo, da nobreza, os reis passaram a concentrar
ativa dos cidadãos na vida pública e na promoção de mudanças so- crescentes forças em suas mãos, enfraquecendo os poderes locais
ciais. Algumas formas de organização e participação incluem: da nobreza agrária e impondo-se sobre os poderes universalistas
a) Participação política: o exercício dos direitos políticos, como da Igreja Católica. No decorrer do processo de formação das mo-
o voto e a participação em organizações políticas, é essencial para a narquias nacionais, surgiu o Estado Moderno, tendo as seguintes
construção de sociedades democráticas e inclusivas. características gerias:
b) Mobilização social: a organização de movimentos sociais e a - Idioma comum: um dos elementos culturais que mais influen-
participação em protestos, manifestações e campanhas são manei- ciou o sentimento nacionalista foi a língua falada por um mesmo
ras efetivas de reivindicar direitos, sensibilizar a sociedade e pres- povo. Esse era um elemento que identificava origens, tradições e
sionar por mudanças. costumes comuns;
c) Voluntariado: a participação em ações voluntárias em orga- - Território definido: eliminando-se, aos poucos, a fragmenta-
nizações da sociedade civil, projetos comunitários e atividades de ção política do mundo feudal e o predomínio das relações de vassa-
ajuda humanitária contribui para a transformação social e o forta- lagem, cada Estado foi procurando definir suas fronteiras políticas,
lecimento dos direitos. estabelecendo, enfim, o território comum da nação;
d) Educação em direitos humanos: promover a conscientização - Soberania: no mundo feudal, o poder estava baseado, em
sobre os direitos humanos por meio da educação formal e informal grande parte, na suserania. Aos poucos, esse conceito foi cedendo
é uma estratégia fundamental para capacitar os cidadãos a con- lugar à noção de soberania, pela qual o governante tinha o direito
hecerem, respeitarem e reivindicarem seus direitos. de fazer valer as decisões do Estado dentro do território nacional;
e) Ações jurídicas: o acesso à justiça é um direito fundamental - Exército permanente: para garantir as decisões do governo
e a busca de amparo legal por meio de ações judiciais individuais soberano, era preciso a formação de exércitos permanentes, con-
ou coletivas pode ser uma forma eficaz de garantir a proteção e a trolados pelos reis. A sociedade estava dividida entre grupos rivais
reparação de direitos violados. da nobreza e da burguesia. O rei passou a alimentar essa divisão,
enquanto foi concentrando uma grande soma de poderes em suas
Os direitos humanos e a cidadania são pilares fundamen- mãos. Assim, os reis passaram a comandar exércitos, distribuir a
tais para o desenvolvimento de sociedades justas, igualitárias e justiça entre os súditos, decretar leis e arrecadar tributos. Essa
democráticas. A promoção e a efetivação desses direitos exigem enorme concentração de poderes em torno do rei caracterizou o
um esforço conjunto do Estado, da sociedade civil e dos cidadãos absolutismo monárquico.
em geral. Por meio de fundamentos, princípios, valores, garantias e
formas de participação, é possível construir uma realidade em que Vários pensadores formularam teses procurando dar fundamento
todos os indivíduos sejam respeitados, protegidos e possam exercer teórico ao absolutismo. Entre eles, destacam-se os seguintes:
plenamente sua cidadania. - Nicolau Maquiavel (1469-1527): nascido em Florença, Ma-
quiavel foi um ativo político e hábil diplomata que defendeu a
unidade italiana. É considerado um precursor da teoria política do

65
CONHECIMENTOS

Estado Moderno, pois pregou a construção de um Estado forte, in- porém não é isto o que acontece. Os Estados nacionais muitas ve-
dependente da Igreja e dirigido de modo absoluto por um Príncipe zes não conseguem governar para a sociedade porque grande parte
dotado de inteligência e de inflexibilidade na direção dos negó- do dinheiro é gasto com juros, etc. Com este trabalho, embora não
cios públicos. Expondo com grande franqueza e objetividade suas tenhamos ainda perspectivas claras sobre a “nova ordem mundial”,
ideias, Maquiavel deu astutos conselhos aos governantes, rompen- queremos acenar para esta crise que, sobretudo hoje, atinge o es-
do com a religiosidade medieval e separando a moral individual da tado contemporâneo.
moral pública. Em sua célebre obra O Príncipe, escreveu que “o ho-
mem que queira em tudo agir como bom acabará arruinando - se Crise do Estado Contemporâneo
em meio a tantos que não são bons”. Daí porque “o Príncipe deve O marco inicial das sociedades contemporâneas é a Era das
aprender a não ser bom e a usar ou não o aprendido, de acordo Revoluções Burguesas, que teve início com a Revolução Inglesa no
com a necessidade”. O resultado das ações do Príncipe é o que con- Século XVII, tendo como auge a Revolução Francesa em 1789. Para
ta, e não a maneira por ele utilizada para conseguir os objetivos. muitos historiadores a Revolução Francesa faz parte de um movi-
Assim, para Maquiavel, os fins justificam os meios. Do nome de Ma- mento global que atingiu os EUA, Inglaterra, Irlanda, Alemanha, Bél-
quiavel surgiu o adjetivo maquiavélico, que tem o sentido figurado gica, Itália, etc., culminando com a Revolução Francesa em 1789.
de pessoa astuta, matreira e ardilosa; Esta é a revolução que marca a passagem das instituições feudais
- Jean Bodin (1530-1596): jurista e filósofo francês, defendeu, do Antigo Regime para o capitalismo industrial. O que marca, basi-
em sua obra A República, o conceito do soberano perpétua e abso- camente a passagem da Idade Moderna para a Contemporânea são
luto, cuja autoridade representava a vontade de Deus. Assim, todo as revoluções: Industrial, Americana e Francesa. As consequências
aquele que não se submetesse à autoridade do rei deveria ser con- deste marco são irreversíveis para todo o mundo; as nações passa-
siderado um inimigo da ordem pública e do progresso social. Segun- ram a identificar o poderio de um país com seu desenvolvimento
do Bodin, o rei deveria possuir um poder supremo sobre o Estado, industrial. Este processo difundiu-se pela Europa, Ásia e América.
respeitando, apenas o direito de propriedade dos súditos; Também os ideais da “Igualdade, Liberdade e Fraternidade” espa-
- Thomas Hobbes (1588-1679): filósofo inglês, escreveu o livro lham-se por toda a parte, então, as Revoluções Liberais, a indepen-
Leviatã (o título refere-se ao monstro bíblico, citado no livro de Jó, dência das colônias...
que governava o caos primitivo), no qual compara o Estado a um A independência das colônias latino-americanas faz parte da
monstro todo-poderoso, especialmente criado para acabar com a crise do Antigo Regime e da crise do sistema colonial que havia so-
anarquia da sociedade primitiva. Segundo Hobbes, nas sociedades frido o primeiro abalo com a independência dos EUA em 1783. Os
primitivas “o homem era o lobo do próprio homem”, vivendo em elemento essenciais que desencadearam este processo são três:
constantes guerras e matanças, cada qual procurando garantir sua Revolução Industrial inglesa e a busca de mercados consumidores,
própria sobrevivência. Só havia uma solução para dar fim à bruta- quebrando assim o monopólio (peça essencial do sistema colonial);
lidade: entregar o poder a um só homem, que seria o rei, para que desequilíbrio político europeu resultante dos conflitos provocados
ele governasse todos os demais, eliminando a desordem e dando pela Revolução Francesa e o Império Napoleônico; desenvolvimen-
segurança a todos. to das colônias que entram em choque com a política mercantilista
- Jacques Bossuet (1627-1704): bispo francês, reforçou a teoria do sistema colonial.
da origem divina do poder do rei. Segundo Bossuet, o rei era um ho- No Brasil, o que pode ser considerado como fato decisivo no
mem predestinado por Deus para assumir o trono e governar toda processo de independência é a liberdade comercial que marca o
a sociedade. Por isso, não tinha que dar justificativas a ninguém de fim do pacto colonial. Desde a Revolução Industrial o capitalismo
suas atitudes; somente Deus poderia julgá-las. Bossuet criou uma comercial estava sendo substituído pelo capitalismo industrial. Para
frase que se tornaria verdadeiro lema do Estado absolutista: “Um este o que interessa é o comércio livre, isto é, compra de matéria
rei, uma fé, uma lei”. (Texto adaptado de SILVA. C.). prima de quem quisesse e venda de produtos onde lucrasse mais.
Não queremos nos aprofundar nesta questão, pois, não é nos-
O Estado Nacional Contemporâneo so objetivo. Queremos apenas acenar para o contexto da passagem
Quando falamos de neoliberalismo e globalização estamos fa- da Idade Moderna para a Contemporânea e a nova ordem que este
lando de uma nova ordem mundial. Tal ordem é capaz de tornar fato implantou. Como nosso tema de estudo “A Crise do Estado
obsoleta a já existente: o Estado entra em crise, e é obrigado a re- Contemporâneo” é bastante amplo queremos nos deter, sobretu-
definir o seu papel; problemas sociais agravam-se cada vez mais e a do, no projeto neoliberal, globalização e algumas consequências.
desigualdade aumenta. As consequências desta nova ordem mun-
dial não demoram aparecer: “A renda dos brasileiros que estão no O Projeto Neoliberal
topo da pirâmide social, os 10% mais ricos, é quase dez vezes maior Dentre os projetos neoliberal, socialdemocrata e o democrá-
que a soma dos rendimentos dos brasileiros que vivem abaixo da tico popular, o neoliberalismo está se tornando ou já é um projeto
linha de pobreza, cerca de 30% da população, na estimativa mais hegemônico no Brasil e no mundo.
otimista”. Junto com o desemprego, esta é uma questão que deve O liberalismo, em termos econômicos “prega” a não interferên-
ser o alvo principal de qualquer governo. Não podemos negar que cia do Estado na economia. Esta deve ter como base o livre jogo das
os planos de estabilização trouxeram uma relativa tranquilidade, forças do mercado, por exemplo: os preços das mercadorias são de-
porém, sucedido de recessão. Isto mostra que, em primeiro mo- finidos pela concorrência entre os agentes econômicos e pela lei da
mento, tais planos não são duradouros. Quanto ao futuro deles é oferta e da procura. Nesta perspectiva o esperado é que o aumento
bastante incerta qualquer previsão. Sem dúvida, hoje, mais do que da oferta seja causa da diminuição dos preços e vice-versa. Alguns
nunca estamos sujeitos às intempéries mundiais. A grande questão pontos essenciais do liberalismo são: a livre iniciativa de indivíduos
é: “para quem deve o governo governar, para os mercados ou para e grupos; a livre concorrência entre eles e o livre acesso à proprie-
a sociedade?” A resposta óbvia seria governar para a sociedade, dade e ao lucro.

66
CONHECIMENTOS

Depois de “um tempo em baixa”, por causa do fortalecimento Neste sentido, o que podemos esperar é um agravamento da crise
do Estado durante algum período do século XX, nas últimas déca- provocada pela diminuição dos recursos disponíveis para fazer polí-
das, após o fim do socialismo no leste europeu, o liberalismo ressur- ticas públicas de tipo social.
ge com novo vigor sob o nome de neoliberalismo.
Os pontos básicos deste projeto neoliberal foram sistematiza- O Novo Papel do Estado frente à Globalização
dos no chamado “Consenso de Washington, em 1989. Integrantes Este subtítulo “O novo papel do Estado frente à globalização”
do Instituto de Economia Internacional e Washignton, do Banco induz a pensar que isto seja consenso universal e que frente a ela
Mundial, do Banco Internacional de Desenvolvimento e do Fundo o único papel a ser desempenhado pelo Estado é desenvolver um
Monetário Internacional; também estavam presentes representan- política de inserção no mundo globalizado, com eficiência. A globa-
tes dos EUA, países da América Latina, Central e Caribe. Tal reunião lização está fundamentada, basicamente em três mitos:
teve como objetivo discutir a economia do continente, que resultou 1. “a globalização é uma resultante exclusiva das forças de mer-
em dez pontos: ajuste fiscal; redução do tamanho do Estado (redefi- cado”. Se assim fosse, tratar-se-ia de uma nova ordem econômica e
nição do seu papel; menor intervenção na economia); privatização; que qualquer governo de bom senso deveria adotá-la.
abertura comercial; fim das restrições ao capital externo; abertura 2. “a globalização é um fenômeno universal, inclusivo e homo-
financeira; desregulamentação (redução das regras governamen- geneizador”. Neste sentido, globalização é uma nova ordem mun-
tais para o funcionamento da economia); restruturação do sistema dial, dinâmica, e, os países que não aderirem a este projeto estão
previdenciário; investimentos em infraestrutura básica; fiscalização fadados a “nadar, nadar e morrer na praia”.
dos gastos públicos e fim das obras faraônicas”. É evidente que esta 3. “a globalização promove uma redução pacífica e inevitável da
reunião, da qual falamos, foi provocada por um necessidade de dis- soberania dos estados nacionais”. Com isto muitos ideólogos mais
cutir a economia de uma forma global e porque os problemas são eufóricos preveem o inutilidade do estado. Toda a raça humana es-
muitos e também globais. Estas medidas já estão sendo implanta- taria agregada às nações desenvolvidas. Com relação a estes três
das também em alguns países latino-americanos, e, uma das críti- mitos, percebemos que não só as forças de mercado, mas também
cas que já pode-se fazer é que tais medidas não tem se preocupado, determinações políticas e ideológicas atuam ao lado da economia,
em primeiro lugar com os graves problemas sociais existentes. abrindo assim as portas para um processo de globalização restrito
e excludente; um projeto que aumenta a polarização das riquezas
Neoliberalismo e Políticas Públicas entre os países e classes. Enfim, na globalização também há con-
A tese central do liberalismo velho e novo continua sendo a tradições. O impacto produzido por ela é sentido diferentemente
mesma “o menos de Estado e de política possível”, isto é, o Estado em cada Estado Nacional e em cada classe social. O novo papel do
deve intervir o mínimo possível na economia. Segue-se a isto os Estado, das forças sociais e políticas internas é adotar medidas para
“dez pontos” sistematizados pelo Consenso de Washington. Um fa- conter a crescente desigualdade social. Também cabe aos países
tor que impulsionou a expansão do neoliberalismo em todo o mun- “centrais”, “pais do neoliberalismo” preocupar-se em desenvolver
do foi a junção entre os ideais neoliberais e o “movimento real do programas que tenham por base a solidariedade para com os países
chamados “periféricos” que adotaram tardiamente o projeto neo-
capitalismo na direção de um desregulamentação crescente e de
liberal.
uma globalização econômica de natureza basicamente financeira”.
Este foi o mesmo caminho pelo qual o neoliberalismo chegou ao
Brasil e na maior parte da América Latina: um caminho econômico SOBRE AS FORMAS DO PATERNALISMO, DO AUTORITA-
e o outro político. RISMO E DO POPULISMO PRESENTES NA POLÍTICA, NA
Temos bem claro estes dois caminhos: primeiro, contexto de SOCIEDADE E NAS CULTURAS BRASILEIRA E LATINO-AME-
renegociação da dívida externa; segundo, faz parte deste jogo a RICANA E SEUS IMPACTOS NA DEMOCRACIA, NA CIDA-
aceitação das condições e das políticas e reformas econômicas im- DANIA E NOS DIREITOS HUMANOS
postas pelo credor. A razão, pela qual este projeto deve vigorar em
todo o mundo é a de que uma economia nacional, no mundo globa- A América Latina, incluindo o Brasil, tem uma história com-
lizado do ponto de vista financeiro, que não tenha moeda estável e plexa marcada por diferentes formas de governança política, es-
um equilíbrio fiscal e não tenha implementado o “tripé reformista”, truturas sociais e culturas. Ao longo dos anos, três fenômenos têm
precisa de crédito junto aos “manda-chuvas” da economia mundial, sido recorrentes nessa região: o paternalismo, o autoritarismo e
isto é, FMI, etc. (já citados acima). o populismo. Essas formas de exercício do poder político e social
A não observação das regras pode resultar numa sanção por têm impactos significativos na democracia, na cidadania e nos dire-
parte dos mercados financeiros. Um ataque especulativo de tais itos humanos. Neste texto, exploraremos as características desses
mercados é capaz de destruir um governo e uma economia nacional fenômenos e seus efeitos na América Latina, com foco especial no
em poucas horas. Os mercados financeiros ditam as medidas que Brasil, analisando seus reflexos na sociedade e nas práticas políticas.
precisam ser adotadas pelos governo. Assim, as políticas públicas
nacionais estão “amarradas” a uma política internacional. Quanto — Paternalismo
aos países que assumiram tardiamente este projeto, como o Brasil O paternalismo é uma forma de governo ou liderança caracter-
e muitos países latino- americanos, que dizer a respeito do futuro izada pela figura de um líder que assume o papel de pai protetor,
das políticas públicas destes países? tomando decisões em nome do bem-estar dos governados ou se-
Já falamos anteriormente que estes planos não têm resolvido guidores. Esse líder é visto como alguém que detém a sabedoria e
os reais problemas sociais; o sucesso inicial dos planos de estabili- a autoridade para tomar decisões em benefício daqueles consider-
zação têm sido sucedido pelo “aumento do desemprego, desacele- ados “menos capazes” ou “necessitados de proteção”.
ração do crescimento e do aumento exponencial da dívida pública”.

67
CONHECIMENTOS

No contexto político, o paternalismo é observado em práticas — Impactos na Democracia, Cidadania e Direitos Humanos
em que o Estado assume a responsabilidade de prover serviços e O paternalismo, o autoritarismo e o populismo têm impactos
benefícios sociais, como assistência médica, educação e segurança negativos na democracia, na cidadania e nos direitos humanos. Es-
social, em troca de lealdade e apoio político. Essa relação de de- sas formas de governança e liderança políticas restringem a partic-
pendência gera um desequilíbrio de poder, onde os cidadãos são ipação cidadã, limitam a liberdade individual, prejudicam a inde-
tratados como súditos em vez de sujeitos de direitos. pendência dos poderes e enfraquecem as instituições democráticas.
Na sociedade e na cultura, o paternalismo pode ser observado O exercício do poder paternalista cria uma relação de de-
nas relações familiares, onde a autoridade do pai é inquestionável pendência e submissão entre o Estado e os cidadãos, minando
e as decisões são tomadas em nome do bem-estar dos filhos. Essa a autonomia e a participação ativa dos indivíduos na tomada de
mentalidade pode se estender para além da família, influenciando decisões. O autoritarismo, por sua vez, suprime a liberdade de ex-
as relações entre líderes e seguidores em diferentes contextos. pressão, restringe os direitos civis e políticos e perpetua um clima
Os impactos do paternalismo na democracia, cidadania e dire- de medo e opressão.
itos humanos são ambíguos. Embora o paternalismo possa fornecer O populismo, embora possa mobilizar setores marginalizados
certa segurança e proteção para grupos marginalizados, também da sociedade, muitas vezes se baseia em discursos polarizadores,
pode reforçar relações de subordinação, inibir a participação cívica desconsiderando a diversidade de opiniões e enfraquecendo o
e restringir o exercício pleno da cidadania e dos direitos humanos. debate democrático. Além disso, líderes populistas podem adotar
medidas autoritárias em nome do “povo”, minando as instituições
— Autoritarismo democráticas e os direitos humanos.
O autoritarismo é um sistema de governo caracterizado pelo O paternalismo, o autoritarismo e o populismo representam
exercício absoluto do poder por parte de um líder ou grupo, sem desafios significativos para a democracia, a cidadania e os dire-
consulta ou participação significativa da população. O líder au- itos humanos na América Latina, incluindo o Brasil. Essas formas
toritário impõe sua vontade através do controle político, econômico de exercício do poder político e social limitam a participação ci-
e social, suprimindo a liberdade de expressão, limitando os direitos dadã, restringem as liberdades individuais e minam os princípios
civis e políticos e perseguindo opositores políticos. democráticos. É essencial promover a conscientização, o debate e a
Na América Latina, o autoritarismo tem uma história marcante, defesa dos direitos humanos, fortalecer as instituições democráti-
com regimes ditatoriais que ocorreram em vários países durante o cas e incentivar a participação ativa dos cidadãos para superar esses
século XX. Esses regimes frequentemente buscavam justificar sua desafios e construir sociedades mais justas e igualitárias.
autoridade através de um discurso nacionalista, prometendo es-
tabilidade e desenvolvimento econômico em troca de submissão
política.
O autoritarismo tem um impacto profundo na democracia, SOBRE AS FORMAS ATUAIS DE ORGANIZAÇÃO E DE
na cidadania e nos direitos humanos. A falta de liberdade de ex- ARTICULAÇÃO DAS SOCIEDADES EM DEFESA DA AUTO-
pressão e a supressão da oposição política minam os princípios NOMIA, DA LIBERDADE, DO DIÁLOGO E DA PROMOÇÃO
democráticos. Os direitos civis e políticos são violados, resultando DA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA
em restrições à liberdade individual, tortura, prisões arbitrárias e
outras formas de violência estatal. A participação cidadã é limitada A sociedade contemporânea enfrenta diversos desafios rela-
ou completamente negada, impedindo o exercício pleno da cidada- cionados à garantia da autonomia, liberdade, diálogo e promoção
nia e a busca de mudanças sociais. da sociedade democrática. No entanto, também tem testemunha-
do a emergência de novas formas de organização e articulação que
— Populismo buscam enfrentar esses desafios e promover uma sociedade mais
O populismo é um fenômeno político e social complexo que justa, inclusiva e participativa. Neste texto, exploraremos as formas
se baseia na ideia de representar os interesses do “povo” contra atuais de organização e articulação das sociedades em defesa dess-
uma elite ou grupo dominante. Os líderes populistas geralmente es valores fundamentais.
se apresentam como defensores do povo e prometem resolver os
problemas sociais e econômicos através de medidas simplistas e — Movimentos Sociais
apelos emocionais. Os movimentos sociais têm desempenhado um papel cru-
O populismo na América Latina tem raízes históricas profundas cial na defesa da autonomia, liberdade e promoção da sociedade
e tem sido usado como uma estratégia política para ganhar apoio democrática. Esses movimentos surgem em resposta a diferentes
popular. Os líderes populistas frequentemente adotam um discurso questões sociais, políticas e ambientais, e são compostos por gru-
polarizador, alimentando a divisão entre “nós” e “eles”, explorando pos de indivíduos que se organizam em torno de objetivos comuns.
ressentimentos sociais e promovendo políticas simplistas. Os movimentos sociais têm se utilizado de diversos recursos
Os impactos do populismo na democracia, cidadania e direitos e estratégias para alcançar seus objetivos. Manifestações públicas,
humanos também são ambíguos. Por um lado, o populismo pode protestos, ocupações, greves, campanhas de conscientização e
dar voz a grupos marginalizados e promover a participação política. ações diretas são algumas das formas de ação adotadas por ess-
Por outro lado, o populismo pode minar os princípios democráticos es movimentos. Além disso, a utilização das redes sociais e outras
ao enfraquecer as instituições, concentrar poder nas mãos do líder tecnologias de comunicação tem se mostrado fundamental para a
carismático e restringir a diversidade de opiniões. Os direitos hu- mobilização e organização desses grupos.
manos podem ser ameaçados quando os líderes populistas violam
princípios de igualdade, tolerância e inclusão.

68
CONHECIMENTOS

— Organizações Não Governamentais (ONGs)


As organizações não governamentais desempenham um pa- DO PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NO CON-
pel fundamental na defesa da autonomia, liberdade e promoção TEXTO MUNDIAL, SUAS FORMAS DE ATUAÇÃO E SEUS
da sociedade democrática. Essas organizações atuam em diversos LIMITES NOS CONTEXTOS NACIONAIS
campos, como direitos humanos, meio ambiente, saúde, educação,
cultura, entre outros. Os organismos internacionais desempenham um papel funda-
mental na governança global e na busca por soluções para desafios
As ONGs trabalham em diferentes frentes, desde a prestação que transcendem as fronteiras nacionais. Essas organizações são
de serviços e assistência direta à população até a realização de criadas por Estados soberanos com o objetivo de promover a co-
pesquisas, advocacia política e engajamento da sociedade civil. Elas operação, a paz, o desenvolvimento sustentável e a proteção dos
desempenham um papel crucial na defesa dos direitos, no monito- direitos humanos. Neste texto, exploraremos o papel dos organis-
ramento das políticas públicas e na promoção de uma sociedade mos internacionais no contexto mundial, analisando suas formas de
mais justa e inclusiva. atuação e os limites enfrentados nos contextos nacionais.

— Redes e Coletivos — Organismos Internacionais e sua Importância Global


As redes e coletivos têm se tornado cada vez mais importantes Os organismos internacionais são instituições criadas por meio
na organização e articulação das sociedades em defesa da autono- de tratados ou acordos internacionais e são compostos por Estados
mia, liberdade e diálogo. Essas formas de organização horizontal membros que buscam cooperar em áreas específicas. Essas organi-
permitem a conexão entre indivíduos e grupos com interesses co- zações desempenham um papel importante na promoção da paz,
muns, facilitando a troca de informações, a cooperação e a mobili- segurança, direitos humanos, comércio, saúde, meio ambiente, en-
zação em torno de causas específicas. tre outras questões globais.
As redes e coletivos podem surgir tanto no âmbito local quanto Os organismos internacionais atuam como fóruns de diálogo
no global, abordando uma ampla gama de questões, como direitos e negociação, buscando consensos entre os Estados membros e
humanos, justiça social, igualdade de gênero, diversidade cultural, promovendo a cooperação multilateral. Essas instituições também
entre outras. Através da colaboração e da solidariedade, essas for- desempenham um papel normativo, estabelecendo padrões e di-
mas de organização têm o potencial de fortalecer a sociedade civil retrizes que influenciam as políticas nacionais e as relações entre
e promover mudanças sociais significativas. os países.

— Diálogo e Espaços de Participação — Formas de Atuação dos Organismos Internacionais


O diálogo e os espaços de participação são elementos-chave Os organismos internacionais atuam de diferentes maneiras
na promoção da sociedade democrática. Esses espaços permitem para cumprir seus objetivos. Alguns desempenham funções de co-
que diferentes vozes sejam ouvidas, promovendo a diversidade de ordenação e apoio técnico, enquanto outros têm poderes de de-
opiniões, a troca de ideias e a construção coletiva de soluções. cisão e aplicação de medidas. A seguir, destacamos algumas formas
A criação de espaços de participação pode ocorrer em difer- de atuação comuns dos organismos internacionais:
entes níveis, desde o local até o nacional e internacional. Consel- Cooperação Técnica: Os organismos internacionais fornecem
hos, fóruns, conferências, audiências públicas e mecanismos de apoio técnico, recursos e conhecimentos especializados para aux-
consulta popular são algumas das formas de garantir a participação iliar os países na implementação de políticas e projetos em áreas
da sociedade civil nas decisões políticas e na formulação de políti- como desenvolvimento sustentável, saúde, educação e agricultura.
cas públicas. Mediação e Resolução de Conflitos: Muitos organismos in-
As formas atuais de organização e articulação das sociedades ternacionais atuam como mediadores em conflitos entre Estados,
em defesa da autonomia, liberdade, diálogo e promoção da socie- buscando promover a paz, a estabilidade e a resolução pacífica de
dade democrática têm se mostrado fundamentais para enfrentar os disputas.
desafios contemporâneos. Os movimentos sociais, as organizações Estabelecimento de Normas: Os organismos internacionais
não governamentais, as redes e coletivos, bem como os espaços de desenvolvem normas e padrões em diversas áreas, como direitos
participação, desempenham papéis complementares na busca por humanos, proteção ambiental, comércio e propriedade intelectual.
uma sociedade mais justa, igualitária e participativa. Essas normas influenciam as políticas nacionais e promovem a har-
É essencial promover a conscientização, fortalecer as alianças monização e cooperação entre os Estados.
entre essas diferentes formas de organização, ampliar o acesso Monitoramento e Fiscalização: Os organismos internacionais
aos espaços de participação e incentivar o diálogo construtivo desempenham um papel importante na monitorização do cumpri-
entre todos os setores da sociedade. Somente assim será possível mento de tratados, acordos e convenções pelos Estados membros.
promover a autonomia, a liberdade e a democracia, construindo Eles avaliam o progresso alcançado, identificam desafios e ofere-
uma sociedade na qual todos tenham voz, sejam respeitados e cem recomendações para melhorar o cumprimento das obrigações
tenham a oportunidade de contribuir para um futuro mais justo e internacionais.
inclusivo.
— Limites dos Organismos Internacionais nos Contextos Na-
cionais
Embora os organismos internacionais tenham um papel rele-
vante na governança global, eles também enfrentam limites signifi-
cativos nos contextos nacionais. Alguns dos principais desafios são:

69
CONHECIMENTOS

Soberania Nacional: Os Estados membros mantêm sua sobera- 2. A desnaturalização é uma postura teórico-metodológica que
nia e têm o poder final de tomar decisões em seus territórios. Isso busca:
pode limitar a capacidade dos organismos internacionais de impor (A) Provar a existência de uma ordem natural imutável na so-
medidas ou intervir em assuntos internos de um país, especial- ciedade.
mente quando questões de segurança nacional ou política interna (B) Desvendar as construções sociais e as relações de poder
estão envolvidas. subjacentes.
Falta de Recursos e Financiamento: Muitos organismos interna- (C) Aceitar as noções de ordem natural e evitar questionamentos.
cionais dependem das contribuições financeiras dos Estados mem- (D) Generalizar conceitos e categorias para uma análise mais
bros. A falta de recursos e financiamento adequados pode afetar abrangente.
sua capacidade de cumprir sua missão e implementar programas
eficazes. 3. O distanciamento na prática científica do cientista social busca:
Interesses Nacionais Contrapostos: Os Estados membros po- (A) Interferir pessoalmente na análise para obter resultados
dem ter interesses nacionais divergentes, o que pode dificultar a mais subjetivos.
tomada de decisões consensuais nos organismos internacionais. (B) Utilizar métodos e técnicas rigorosas de coleta e análise de
Conflitos geopolíticos, disputas comerciais e rivalidades políticas dados.
podem comprometer a eficácia e a legitimidade dessas instituições. (C) Enfatizar a subjetividade do pesquisador e suas influências
Limitações Institucionais: Alguns organismos internacionais pessoais.
possuem estruturas institucionais complexas e processos de tom- (D) Evitar a utilização de teorias e conceitos abrangentes.
ada de decisão burocráticos. Essas limitações podem afetar a ag-
ilidade e a eficiência dessas organizações, tornando-as menos re- 4. O estranhamento, a desnaturalização e o distanciamento são
sponsivas às necessidades e demandas emergentes. posturas teórico-metodológicas que:
(A) São excludentes e não podem ser combinadas.
— Perspectivas Futuras (B) Buscam a objetividade e a neutralidade na investigação
Apesar dos desafios e limites enfrentados, os organismos in- científica.
ternacionais continuam desempenhando um papel crucial na pro- (C) Ignoram as contradições e desigualdades sociais.
moção da cooperação global e na busca por soluções para prob- (D) São aplicáveis apenas em pesquisas qualitativas.
lemas transnacionais. Para fortalecer sua atuação, é necessário
promover a reforma e a adaptação dessas instituições às necessi- 5. O estranhamento propõe que o cientista social:
dades e desafios contemporâneos. (A) Mantenha-se alinhado com as visões dominantes da socie-
Além disso, é importante envolver atores não estatais, como a dade.
sociedade civil, empresas e instituições acadêmicas, na governança
(B) Aceite as contradições e estruturas ocultas presentes na
global, garantindo uma representação mais ampla e inclusiva de in-
sociedade.
teresses e perspectivas.
(C) Questione o senso comum e as percepções prévias para
Os organismos internacionais desempenham um papel funda-
uma compreensão mais profunda da realidade social.
mental na promoção da cooperação, paz, desenvolvimento suste-
(D) Evite questionar os valores, normas e instituições que mol-
ntável e proteção dos direitos humanos. Suas formas de atuação
dam a sociedade.
são diversas e abrangem desde a cooperação técnica até a me-
diação de conflitos e a estabelecimento de normas.
No entanto, essas instituições enfrentam limites nos contextos 6.As transformações culturais no mundo contemporâneo são
nacionais, como a preservação da soberania nacional, falta de re- marcadas por:
cursos, interesses divergentes e limitações institucionais. (A) Uniformização cultural e homogeneização das tradições.
Para superar esses desafios, é necessário fortalecer o diálogo (B) Crescente diversidade e interculturalidade.
e a cooperação entre os Estados membros, buscar soluções inclu- (C) Fortalecimento das fronteiras culturais e isolamento entre
sivas e adaptar as instituições internacionais aos desafios e neces- grupos.
sidades emergentes. Somente assim será possível promover uma (D) Conservação das identidades culturais tradicionais.
governança global eficaz, capaz de enfrentar os problemas globais
e garantir um futuro mais justo, pacífico e sustentável. 7.As transformações sociais no mundo contemporâneo têm
sido influenciadas por:
(A) Preservação dos papéis tradicionais de gênero e da estru-
tura familiar.
QUESTÕES (B) Estagnação política e ausência de participação cidadã.
(C) Novas formas de trabalho e luta por igualdade de gênero.
1. O estranhamento é uma postura teórico-metodológica que (D) Despreocupação com as questões ambientais.
se baseia na ideia de:
(A) Aceitar as concepções prévias e visões dominantes da so- 8.As transformações históricas no mundo contemporâneo são
ciedade. resultado de:
(B) Manter distância das contradições e estruturas ocultas pre- (A) Processos estáticos e imutáveis ao longo do tempo.
sentes na sociedade. (B) Avanços científicos e tecnológicos exclusivamente.
(C) Questionar o senso comum e as percepções prévias para (C) Eventos e processos que moldaram o século XX e continu-
uma compreensão mais profunda da realidade social. am a influenciar o presente.
(D) Ignorar as relações de poder e as desigualdades existentes. (D) Conservação das estruturas políticas e sociais tradicionais.

70
CONHECIMENTOS

9.As transformações científicas e tecnológicas têm impactado 16. Quais são as medidas necessárias para promover um tra-
as relações sociais ao: balho digno e inclusivo para todas as gerações?
(A) Isolar as pessoas e dificultar a comunicação. (A) Criação de empregos de qualidade, com remuneração justa
(B) Dificultar o acesso à informação e ao conhecimento. e proteção social.
(C) Facilitar a conectividade global e a interação entre pessoas. (B) Investimento em educação e treinamento profissional.
(D) Minimizar a importância da ética nas relações humanas. (C) Estabelecimento de diálogo social entre governos, empre-
gadores e trabalhadores.
10.Compreender as transformações culturais, sociais, históri- (D) Todas as alternativas estão corretas.
cas, científicas e tecnológicas no mundo contemporâneo é funda-
mental para: 17. Quais são os fundamentos dos direitos humanos?
(A) Manter as estruturas sociais e culturais tradicionais. (A) Universalidade, indivisibilidade e interdependência.
(B) Ignorar as diferenças e reforçar estereótipos. (B) Legalidade, proporcionalidade e igualdade.
(C) Promover uma análise crítica da realidade atual. (C) Justiça, equidade e dignidade.
(D) Minimizar a importância da diversidade cultural. (D) Liberdade, igualdade e fraternidade.

11.Qual fenômeno político pode influenciar a circulação de 18. Quais são os direitos que compõem a cidadania política?
populações e bens? (A) Direito à vida, à liberdade de expressão e à igualdade pe-
(A) Conflitos armados. rante a lei.
(B) Avanços tecnológicos. (B) Direito ao trabalho, à moradia e à saúde.
(C) Mudanças climáticas. (C) Direito ao voto, à participação política e à associação.
(D) Crescimento econômico. (D) Direito à educação, à cultura e ao lazer.

12.Como os fenômenos econômicos afetam a circulação de 19. Qual é a principal característica dos direitos sociais?
bens e serviços? (A) São direitos inalienáveis e irrenunciáveis.
(A) Facilitam a disseminação de informações em tempo real. (B) São direitos que visam à promoção da igualdade e à justiça
(B) Promovem a diversidade cultural e o enriquecimento social.
mútuo. (C) São direitos que garantem a liberdade individual.
(C) Influenciam os fluxos migratórios em busca de melhores (D) São direitos que protegem a integridade física e moral das
oportunidades econômicas. pessoas.
(D) Proporcionam o acesso a recursos naturais em regiões afe-
tadas por desastres naturais. 20. O que são os direitos culturais?
(A) São direitos que garantem o acesso à educação e à saúde.
13. Quais são os principais aspectos que podem variar no tra- (B) São direitos que asseguram a liberdade de expressão e de
balho, de acordo com as circunstâncias e contextos em que é real- manifestação.
izado? (C) São direitos que protegem a diversidade cultural e o patri-
(A) Salário e jornada de trabalho. mônio cultural.
(B) Setor de atuação e nível de formação exigido. (D) São direitos que garantem o acesso à moradia e ao trabalho.
(C) Proteção social e benefícios trabalhistas.
(D) Todas as alternativas estão corretas. 21. Quais são as formas de organização e participação do ci-
dadão na efetivação dos direitos humanos?
14. Qual é a diferença entre trabalho formal e trabalho infor- (A) Movimentos sociais, organizações não governamentais e
mal? espaços de participação política.
(A) O trabalho formal é caracterizado pela existência de um (B) Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário.
contrato de trabalho, enquanto o trabalho informal não possui (C) Leis, decretos e regulamentos.
regulamentação. (D) Imprensa, educação e cultura.
(B) O trabalho formal oferece maior remuneração do que o tra-
balho informal. 22. Qual é a principal característica do paternalismo?
(C) O trabalho formal ocorre no setor urbano, enquanto o tra- (A) Centralização do poder político em um líder carismático.
balho informal ocorre no setor rural. (B) Controle estatal sobre a economia e os meios de produção.
(D) O trabalho formal oferece mais oportunidades de cresci- (C) Relação de proteção e tutela entre um agente poderoso e
mento profissional do que o trabalho informal. um agente dependente.
(D) Participação ativa da população na tomada de decisões políticas.
15. Quais são os efeitos do trabalho precário e desigualdades
de oportunidades sobre os jovens? 23. O autoritarismo é caracterizado por:
(A) Maior estabilidade financeira e segurança no emprego. (A) Respeito às liberdades individuais e aos direitos humanos.
(B) Desenvolvimento de habilidades e competências relevantes (B) Igualdade social e distribuição justa de recursos.
para o mercado de trabalho. (C) Restrição das liberdades individuais e concentração de po-
(C) Aumento das taxas de desemprego juvenil e subemprego. der nas mãos de um indivíduo ou grupo.
(D) Redução das desigualdades sociais e econômicas. (D) Participação ativa da população na tomada de decisões po-
líticas.

71
CONHECIMENTOS

24. O populismo se caracteriza por: 30. Quais são as formas de atuação dos organismos interna-
(A) Adoção de políticas econômicas liberais e abertura comer- cionais?
cial. (A) Negociação de acordos bilaterais entre os Estados mem-
(B) Igualdade social e distribuição justa de recursos. bros.
(C) Exploração de sentimentos e demandas populares para ob- (B) Monitoramento e avaliação das políticas e práticas dos Es-
ter apoio político. tados membros.
(D) Participação ativa da população na tomada de decisões po- (C) Intervenção militar em casos de violações dos direitos hu-
líticas. manos.
(D) Criação de barreiras comerciais para proteger a economia
25. Quais são as principais formas de organização da sociedade dos Estados membros.
civil em defesa da autonomia, liberdade, diálogo e promoção da
sociedade democrática? 31. Quais são os limites dos organismos internacionais nos con-
(A) Movimentos sociais, organizações não governamentais e textos nacionais?
partidos políticos. (A) Restrição da soberania e independência dos Estados mem-
(B) Empresas privadas, sindicatos e instituições religiosas. bros.
(C) Forças Armadas, instituições educacionais e associações (B) Imposição de políticas econômicas e comerciais sem o con-
profissionais. sentimento dos Estados membros.
(D) Governos municipais, governos estaduais e governo fede- (C) Falta de recursos financeiros para implementar programas
ral. e iniciativas.
(D) Exclusão de países em desenvolvimento dos processos de
26. O que é diálogo na promoção da sociedade democrática? tomada de decisão.
(A) Imposição de ideias e visões unilaterais.
(B) Troca de ideias e opiniões baseada no respeito mútuo e na
busca de consenso.
(C) Restrição da liberdade de expressão e censura de opiniões GABARITO
divergentes.
(D) Tomada de decisões unilaterais sem a consulta da popula- 1 C
ção.
2 B
27. Qual é o papel dos movimentos sociais na defesa da au- 3 B
tonomia, liberdade, diálogo e promoção da sociedade democráti-
ca? 4 B
(A) Representar os interesses do governo em âmbito nacional. 5 C
(B) Liderar manifestações violentas para impor suas demandas.
6 B
(C) Mobilizar a sociedade civil para a conquista de direitos e
transformações sociais. 7 C
(D) Impedir a participação popular nos processos democráti- 8 C
cos.
9 C
28. O que significa a promoção da sociedade democrática? 10 C
(A) Restrição da participação popular e concentração de poder
nas mãos de poucos. 11 A
(B) Garantia da igualdade de oportunidades e acesso aos direi- 12 C
tos fundamentais.
13 D
(C) Imposição de uma única visão política e ideológica sobre a
sociedade. 14 A
(D) Limitação das liberdades individuais em nome da segurança 15 C
nacional.
16 D
29. Qual é o papel dos organismos internacionais no contexto 17 A
mundial?
(A) Estabelecer leis e regulamentos internacionais vinculantes 18 C
para os Estados membros. 19 B
(B) Promover a cooperação entre os Estados membros e buscar 20 C
soluções para problemas globais.
(C) Exercer controle e influência sobre os governos nacionais. 21 A
(D) Garantir a soberania e autonomia dos Estados membros. 22 C
23 C

72
CONHECIMENTOS

24 C ANOTAÇÕES
25 A
26 B ______________________________________________________
27 C ______________________________________________________
28 B
______________________________________________________
29 B
30 B ______________________________________________________
31 A ______________________________________________________

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ANOTAÇÕES ______________________________________________________

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CONHECIMENTOS

ANOTAÇÕES

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BIBLIOGRAFIA LIVROS E ARTIGOS

identidade e na busca por felicidade e satisfação pessoal. As pesso-


ANTUNES, RICARDO. OS SENTIDOS DO TRABALHO: EN- as são constantemente incentivadas a consumir e a se adequarem
SAIO SOBRE A AFIRMAÇÃO E A NEGAÇÃO DO TRABALHO. aos padrões estabelecidos pelo mercado, o que acaba por transfor-
2. ED. REV. AMPL.. SÃO PAULO: BOITEMPO, 2009 má-las em mercadorias.
O autor também discute as consequências dessa transforma-
“Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a Afirmação e a Ne- ção, como a alienação, a busca incessante por novidades e a in-
gação do Trabalho”, escrito por Ricardo Antunes, é uma obra que satisfação crônica. Bauman critica a ideia de que o consumo traz
aborda de forma crítica e analítica a questão do trabalho na so- felicidade e alerta para os impactos negativos desse modo de vida
ciedade contemporânea. Publicado em 2009, o livro oferece uma baseado na efemeridade e no descartável.
reflexão profunda sobre os diferentes aspectos e significados atri- Ao longo da obra, Bauman desafia o leitor a refletir sobre o
buídos ao trabalho ao longo da história. papel do consumo na sociedade contemporânea e a repensar as re-
Antunes discute a relação entre trabalho e capitalismo, desta- lações entre indivíduo, sociedade e mercado. Ele propõe uma refle-
cando como o sistema econômico influencia a organização do tra- xão crítica sobre os valores e as práticas que moldam nossas vidas,
balho e as condições de vida dos trabalhadores. O autor analisa a buscando resgatar o sentido de comunidade e a solidariedade em
intensificação do trabalho, a precarização das relações laborais e os meio à lógica consumista.
impactos da globalização na dinâmica do emprego. “Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em Merca-
Ao longo da obra, Antunes também explora os sentidos e sig- doria” é uma leitura essencial para aqueles interessados em com-
nificados atribuídos ao trabalho, tanto do ponto de vista individu- preender os efeitos do consumismo na sociedade atual e refletir
al quanto coletivo. Ele examina a dimensão subjetiva do trabalho, sobre alternativas que promovam uma vida mais autêntica e satis-
suas relações com a identidade, a realização pessoal e as formas de fatória.
resistência e luta dos trabalhadores.
Além disso, o autor discute a importância de repensar e re-
construir os sentidos do trabalho, visando superar as contradições BENEVIDES, MARIA VICTORIA. DIREITOS HUMANOS: DE-
e injustiças presentes no sistema capitalista. Antunes propõe uma SAFIOS PARA O SÉCULO XXI. IN: SILVEIRA, ROSA MARIA
reflexão sobre alternativas ao modelo dominante, buscando cami- GODOY ET AL. EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: FUN-
nhos para uma reafirmação do trabalho como atividade criativa, DAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS. JOÃO PESSOA:
emancipadora e com valor social. UNIVERSITÁRIA/UFPB, 2007. P. 335-350
“Os Sentidos do Trabalho” é uma obra essencial para compre-
ender as transformações do mundo do trabalho e refletir sobre os
desafios e possibilidades de construção de uma sociedade mais jus- O texto “Direitos Humanos: Desafios para o Século XXI” de Ma-
ta e igualitária. ria Victoria Benevides, publicado no livro “Educação em Direitos
Humanos: Fundamentos Teórico-Metodológicos”, aborda os desa-
fios e perspectivas dos direitos humanos na contemporaneidade.
BAUMAN, ZYGMUNT. VIDA PARA CONSUMO: A TRANS- A autora explora questões fundamentais relacionadas aos direitos
FORMAÇÃO DAS PESSOAS EM MERCADORIA. 2. ED. RIO humanos, destacando a importância de sua promoção e garantia
DE JANEIRO: ZAHAR, 2022 para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Benevides discute a necessidade de um compromisso coletivo
na defesa e promoção dos direitos humanos, levantando questões
“Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em Merca- como a violação desses direitos em diferentes contextos sociais e
doria” é uma obra escrita por Zygmunt Bauman, renomado soció- políticos, as desigualdades socioeconômicas, as questões de gêne-
logo e filósofo polonês, que aborda de forma crítica a relação entre ro e a exclusão social. A autora enfatiza a importância da educação
consumo, sociedade e indivíduo na era contemporânea. em direitos humanos como um instrumento fundamental para a
O livro apresenta uma análise profunda sobre a transformação conscientização e mobilização da sociedade na defesa desses di-
das pessoas em mercadorias em um contexto de sociedade consu- reitos.
mista. Bauman discute como o sistema econômico atual, marcado Nesse sentido, o texto destaca a importância de uma aborda-
pelo consumo desenfreado e pela lógica do descartável, influencia gem interdisciplinar e crítica na educação em direitos humanos,
a vida cotidiana das pessoas, moldando suas identidades e relações visando desenvolver uma consciência cidadã, a capacidade de re-
sociais. flexão e a promoção de valores fundamentais, como a igualdade,
Bauman argumenta que na sociedade líquido-moderna, carac- a liberdade e a dignidade humana. Além disso, Benevides ressalta
terizada pela fluidez e pela falta de estruturas duradouras, as rela- a necessidade de uma atuação política e institucional comprometi-
ções sociais tendem a se tornar mais superficiais e voláteis. Nesse da com a efetivação dos direitos humanos em todas as esferas da
contexto, o consumo ganha um papel central na construção da sociedade.

75
BIBLIOGRAFIA LIVROS E ARTIGOS

Por meio de uma análise abrangente e fundamentada, o tex- cluídos. Nesse sentido, Fraser propõe uma ampliação do horizonte
to de Maria Victoria Benevides contribui para a compreensão dos da teoria da justiça, incorporando o reconhecimento como um ele-
desafios enfrentados pelos direitos humanos no século XXI, des- mento essencial para a busca da igualdade e da justiça social.
tacando a importância da educação e do engajamento cidadão na Ao examinar os dilemas da justiça nessa nova era, Fraser des-
promoção e defesa desses direitos fundamentais. taca a importância de abordar tanto as questões de redistribuição
quanto de reconhecimento de forma integrada. Ela argumenta que
a justiça não pode ser alcançada apenas através da redistribuição
DA MATTA, ROBERTO. O OFÍCIO DE ETNÓLOGO, OU dos recursos materiais, mas também requer o reconhecimento e a
COMO TER ANTHROPOLOGICAL BLUES. BOLETIM DO valorização das identidades e das diferenças culturais.
MUSEU NACIONAL: NOVA SÉRIE: ANTROPOLOGIA, RIO Assim, o texto de Nancy Fraser levanta questionamentos im-
DE JANEIRO, N. 27,P. 1-16, MAIO 1978 portantes sobre os caminhos que a teoria da justiça deve seguir em
uma era pós-socialista. A compreensão dos dilemas enfrentados
nesse contexto permite repensar as abordagens tradicionais e bus-
Roberto Da Matta, um renomado antropólogo brasileiro, es- car uma visão mais abrangente e inclusiva da justiça, que considere
creveu um artigo intitulado “O Ofício de Etnólogo, ou Como Ter tanto a redistribuição equitativa de recursos quanto o reconheci-
Anthropological Blues” publicado no Boletim do Museu Nacional: mento das identidades e diferenças como elementos fundamentais
Nova Série: Antropologia, em maio de 1978. Neste texto, Da Matta para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
aborda os desafios e dilemas enfrentados pelos etnólogos no exer-
cício de sua profissão.
No artigo, Da Matta discute a natureza do trabalho etnográfi- GALLOIS, DOMINIQUE TILKIN. TERRAS OCUPADAS?
co e explora as dificuldades inerentes à interpretação cultural. Ele TERRITÓRIOS? TERRITORIALIDADES? IN: RICARDO, FANY
analisa a relação entre o etnólogo e a comunidade estudada, desta- PANTALEONI (ORG.). TERRAS INDÍGENAS & UNIDADES DE
cando a importância de estabelecer um diálogo respeitoso e sensí- CONSERVAÇÃO DA NATUREZA: O DESAFIO DAS SOBRE-
vel para a compreensão da cultura em questão. Da Matta também POSIÇÕES. SÃO PAULO: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL,
enfatiza a necessidade de uma abordagem reflexiva por parte dos 2004. P. 37-41
etnólogos, reconhecendo que suas próprias visões e preconceitos
podem influenciar suas interpretações.
Além disso, o autor reflete sobre os limites do conhecimento O texto “Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?” de
antropológico e a constante busca por compreender a complexida- Dominique Tilkin Gallois, presente na obra “Terras Indígenas & Uni-
de da cultura humana. Ele levanta questionamentos sobre o papel dades de Conservação da Natureza: O desafio das sobreposições”,
da antropologia na sociedade e a relevância do trabalho do etnólo- organizada por Fany Pantaleoni Ricardo, aborda a complexa rela-
go em um mundo em constante transformação. ção entre terras indígenas e unidades de conservação da natureza,
O artigo de Roberto Da Matta é uma contribuição significativa especialmente diante das sobreposições territoriais e dos desafios
para o campo da etnologia, oferecendo insights valiosos sobre os que surgem a partir delas.
desafios e as responsabilidades inerentes ao ofício de ser um et- A autora explora o conceito de território e suas diferentes nu-
nólogo. ances, destacando que a ocupação do espaço não se limita apenas
à demarcação física, mas também envolve aspectos simbólicos,
culturais e políticos. Ela problematiza a noção de “terras ocupa-
FRASER, NANCY. DA REDISTRIBUIÇÃO AO RECONHECI- das” como uma mera presença física e argumenta que é necessário
MENTO? DILEMAS DA JUSTIÇA NUMA ERA “PÓS-SOCIA- compreender as territorialidades dos povos indígenas, ou seja, suas
LISTA”. CADERNOS DE CAMPO, SÃO PAULO , V. 14/15, P. formas de organização social, uso dos recursos naturais e relações
231-239, 2006 com o meio ambiente.
Gallois discute a sobreposição de territórios indígenas com
unidades de conservação da natureza, ressaltando os conflitos que
O texto “Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da jus- surgem nesse contexto. Ela analisa as tensões entre os objetivos
tiça numa era ‘pós-socialista’” escrito por Nancy Fraser discute os de preservação ambiental e a garantia dos direitos dos povos indí-
desafios enfrentados pela teoria da justiça em um contexto pós- genas, chamando a atenção para a necessidade de se estabelecer
-socialista. Fraser aborda a transição de um enfoque exclusivamen- diálogos e parcerias entre as partes envolvidas.
te voltado para a redistribuição de recursos para uma perspectiva A autora também enfatiza a importância de uma abordagem
mais ampla que considera também o reconhecimento das identida- interdisciplinar na análise dessas sobreposições territoriais, envol-
des e diferenças culturais. vendo não apenas aspectos jurídicos, mas também socioculturais e
No texto, Fraser destaca que, durante muito tempo, a luta ambientais. Ela ressalta a necessidade de se considerar a diversida-
pela justiça foi entendida primordialmente como a busca pela re- de de perspectivas e interesses envolvidos, buscando soluções que
distribuição equitativa dos recursos econômicos. No entanto, ela conciliem a conservação da natureza com o respeito aos direitos
argumenta que essa visão deixou de abarcar aspectos cruciais da dos povos indígenas.
injustiça social, como a negação de reconhecimento e valorização Por fim, Gallois defende a necessidade de um olhar atento e
das identidades coletivas e individuais. sensível para a questão das sobreposições territoriais, reconhecen-
A autora ressalta que, na era pós-socialista, as demandas por do a complexidade do tema e a importância de se promover pro-
reconhecimento tornaram-se cada vez mais presentes, principal- cessos de consulta e participação efetiva dos povos indígenas na
mente em relação aos grupos marginalizados e historicamente ex- tomada de decisões que afetam seus territórios.

76
BIBLIOGRAFIA LIVROS E ARTIGOS

um processo contínuo de negociação e articulação, influenciado


GODOI, EMÍLIA PIETRAFESA. TERRITORIALIDADE: por fatores como raça, gênero, classe social, nacionalidade e per-
TRAJETÓRIA E USOS DO CONCEITO. RAÍZES: REVISTA DE tencimento cultural.
CIÊNCIAS SOCIAIS E ECONÔMICAS, CAMPINA GRANDE, V. Hall também explora o papel dos meios de comunicação, da
34, N. 2, P. 8-16, JUL-DEZ 2014 globalização e das relações de poder na formação das identidades
contemporâneas. Ele analisa como as narrativas midiáticas e os
O artigo “Territorialidade: trajetória e usos do conceito” de discursos dominantes moldam nossas percepções de identidade e
Emília Pietrafesa Godoi, publicado na Revista Raízes de Ciências como indivíduos e grupos resistem a essas representações hege-
Sociais e Econômicas, explora a trajetória e os diferentes usos do mônicas.
conceito de territorialidade ao longo do tempo. O autor discute ainda as noções de hibridismo cultural e diás-
A autora inicia discutindo a origem do termo “territorialidade” pora, destacando a multiplicidade de identidades que emergem da
e sua evolução conceitual nas ciências sociais. Ela destaca que o interação entre diferentes culturas e contextos sociais. Ele enfatiza
conceito tem sido amplamente utilizado em diferentes disciplinas, a importância de reconhecer e valorizar a diversidade de experiên-
como a sociologia, a antropologia e a geografia, mas que cada área cias e perspectivas dentro de uma sociedade cada vez mais globa-
lhe atribuiu significados e enfoques distintos. lizada.
Godoi apresenta uma análise histórica das abordagens sobre “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade” é uma obra fun-
territorialidade, desde as perspectivas mais antigas até as mais damental para compreender as dinâmicas contemporâneas de
contemporâneas. Ela ressalta que inicialmente o conceito estava identidade e as complexidades do mundo atual. Com sua aborda-
associado à noção de poder, controle e demarcação física do es- gem crítica e perspicaz, Stuart Hall nos convida a repensar as no-
paço, especialmente nos estudos sobre territorialidade animal. No ções tradicionais de identidade e a refletir sobre a diversidade e a
entanto, ao longo do tempo, o seu significado foi ampliado para pluralidade que caracterizam a sociedade pós-moderna.
compreender também as relações sociais, culturais e simbólicas en-
volvidas na apropriação e organização do espaço.
A autora discute as diferentes abordagens teóricas sobre a ter- IANNI, OCTAVIO. A ERA DO GLOBALISMO. RIO DE JANEI-
ritorialidade, destacando as contribuições de autores como Robert RO: CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 2010
Sack, David Harvey e Pierre Bourdieu. Ela ressalta que cada abor-
dagem oferece uma perspectiva única sobre o tema, enfatizando
aspectos como identidade, poder, controle, relações de poder, dis- Com base no livro “A Era do Globalismo”, de Octavio Ianni,
putas territoriais e formas de resistência. podemos destacar a importância do tema na compreensão dos
Godoi também destaca os usos do conceito de territorialidade processos e desafios enfrentados pela sociedade contemporânea.
em estudos urbanos, rurais e nas relações entre grupos étnicos. Ela Publicado em 2010, o livro oferece uma análise profunda sobre o
discute como a territorialidade é importante para entender as di- fenômeno da globalização e seus impactos nos mais diversos as-
nâmicas sociais, políticas e econômicas que ocorrem em diferentes pectos da vida social, política, econômica e cultural.
contextos espaciais. Além disso, a autora enfatiza a relevância de se Ao longo de suas páginas, Ianni aborda a complexidade do glo-
considerar a dimensão simbólica e afetiva da territorialidade, uma balismo, ressaltando sua natureza multifacetada e abrangente. O
vez que as relações com o espaço também estão relacionadas a autor discute como a globalização transcende fronteiras geográfi-
vínculos emocionais e representações culturais. cas e influencia a interação entre os Estados, as instituições interna-
Por fim, Godoi conclui que a noção de territorialidade é com- cionais, as corporações transnacionais e as pessoas em geral.
plexa e multifacetada, exigindo uma abordagem interdisciplinar Uma das principais contribuições do livro é a análise das trans-
para sua compreensão. Ela ressalta a importância de considerar formações que ocorrem no contexto da globalização, destacando a
tanto os aspectos materiais quanto os simbólicos e subjetivos en- intensificação das relações econômicas, a expansão do poder das
volvidos nas relações de poder e apropriação do espaço. grandes corporações, a disseminação de informações e tecnolo-
gias, e as mudanças nas identidades e culturas locais.
Ianni também discute as desigualdades sociais e os conflitos
que surgem no contexto do globalismo, enfatizando a necessidade
HALL, STUART. A IDENTIDADE CULTURAL NA PÓS-MO- de compreender as relações de poder e as dinâmicas que perpetu-
DERNIDADE. 12 ED. RIO DE JANEIRO: LAMPARINA, 2019 am as assimetrias globais.
Além disso, o autor aborda a importância da governança global
Stuart Hall é um renomado teórico cultural que contribuiu sig- e a necessidade de um diálogo intercultural para enfrentar os desa-
nificativamente para os estudos sobre identidade na pós-moderni- fios globais, como as mudanças climáticas, os conflitos armados e
dade. Em sua obra “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, as desigualdades socioeconômicas.
ele aborda questões cruciais relacionadas à formação e transfor- Em suma, “A Era do Globalismo” de Octavio Ianni apresenta
mação das identidades individuais e coletivas no contexto contem- uma análise profunda e abrangente sobre a complexidade da glo-
porâneo. balização e seus desdobramentos nas esferas sociais, políticas,
No livro, Hall examina as mudanças sociais, políticas e culturais econômicas e culturais. O livro convida os leitores a refletir sobre
que ocorreram nas últimas décadas e como essas transformações os desafios e possibilidades que surgem nesse contexto, buscando
afetaram a compreensão da identidade. Ele argumenta que a no- uma compreensão mais ampla das dinâmicas globais e a constru-
ção de identidade não é mais fixa e estável, mas sim fluida e em ção de um futuro mais justo e equitativo.
constante redefinição. A identidade, segundo Hall, é construída em

77
BIBLIOGRAFIA LIVROS E ARTIGOS

za dos Yanomami. Essa experiência provoca uma profunda reflexão


KOPENAWA, DAVI; ALBERT, BRUCE. COMEDORES DE sobre a forma como a sociedade não indígena se organiza e valoriza
TERRA. IN: A QUEDA DO CÉU: PALAVRAS DE UM XAMÃ o tempo, o trabalho e o espaço.
YANOMAMI. SÃO PAULO: COMPANHIA DAS LETRAS, O autor também discute as dificuldades enfrentadas pelos in-
2015. P. 334-355 dígenas ao entrar na cidade, como a discriminação, o preconceito
e a perda de referências culturais. Ele observa as desigualdades
O livro “A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami”, sociais, a falta de respeito aos direitos indígenas e a pressão para
escrito por Davi Kopenawa e Bruce Albert, traz uma importante que os povos tradicionais se adaptem aos padrões dominantes da
contribuição para a compreensão da cultura, cosmovisão e luta sociedade urbana.
do povo Yanomami, uma das maiores etnias indígenas do Brasil. Kopenawa questiona a lógica do consumo desenfreado e o in-
No capítulo intitulado “Comedores de Terra”, os autores abordam dividualismo presente na cidade, contrastando-o com a visão de
questões fundamentais relacionadas à preservação do território e coletividade e harmonia com a natureza dos Yanomami. Ele des-
aos desafios enfrentados pelos Yanomami diante das ameaças ex- taca a importância de preservar a cultura e a sabedoria ancestral
ternas. diante dos apelos consumistas e da perda de valores essenciais.
Nessa parte do livro, Kopenawa compartilha suas reflexões e A partir de suas experiências na cidade, Kopenawa reforça a
experiências, revelando a profunda conexão que os Yanomami têm importância do diálogo intercultural, do respeito mútuo e da valo-
com a terra e a natureza. Ele descreve a importância da floresta e rização da diversidade. Ele ressalta a necessidade de reconhecer e
dos rios como fontes de sustento, espiritualidade e equilíbrio para valorizar o conhecimento e a visão de mundo dos povos indígenas,
o seu povo. incorporando essas perspectivas no debate sobre sustentabilidade,
Os autores também abordam os impactos negativos causados direitos humanos e construção de um futuro mais equitativo e har-
pela invasão de garimpeiros e outros grupos não indígenas em ter- monioso.
ritórios tradicionais Yanomami. Eles discutem a destruição ambien- Em suma, o capítulo “Na Cidade” é um convite à reflexão sobre
tal, a contaminação dos rios por mercúrio utilizado na extração de os desafios e as transformações enfrentados por Davi Kopenawa ao
ouro e os conflitos que surgem a partir dessas invasões. entrar em contato com a sociedade urbana. Suas percepções nos
Além disso, Kopenawa e Albert denunciam as políticas de ex- convidam a repensar nossos valores, práticas e relações, buscando
ploração predatória que ameaçam não apenas o meio ambiente, construir uma sociedade mais justa, respeitosa e sustentável, que
mas também a sobrevivência física e cultural dos Yanomami. Eles reconheça e valorize a diversidade cultural e a sabedoria dos povos
enfatizam a importância de garantir a demarcação e proteção efe- indígenas.
tiva das terras indígenas, bem como o respeito pela autonomia e
sabedoria dos povos tradicionais.
O capítulo “Comedores de Terra” é um convite à reflexão sobre MAIA, LUCIANO MARIZ. EDUCAÇÃO EM DIREITOS
a importância da preservação ambiental e do respeito à diversidade HUMANOS E TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
cultural. Por meio das palavras de Davi Kopenawa, somos confron- HUMANOS. IN SILVEIRA, ROSA MARIA GODOY. ET AL.
tados com a necessidade de repensar nosso relacionamento com a EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: FUNDAMENTOS
natureza e reconhecer a importância dos conhecimentos ancestrais TEÓRICO-METODOLÓGICOS. JOÃO PESSOA: UNIVERSITÁ-
na construção de um futuro mais sustentável e justo. RIA/UFPB, 2007. P. 85 - 102
Em suma, “Comedores de Terra” é um capítulo impactante do
livro “A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami”. Ao com-
partilhar suas experiências e lutas, Davi Kopenawa e Bruce Albert O texto “Educação em Direitos Humanos e Tratados Interna-
nos convidam a refletir sobre a importância de preservar a terra, a cionais de Direitos Humanos”, de autoria de Luciano Mariz Maia,
cultura e os direitos dos povos indígenas, valorizando a diversidade presente no livro “Educação em Direitos Humanos: Fundamentos
e buscando uma convivência harmoniosa com o meio ambiente. Teórico-Metodológicos”, organizado por Rosa Maria Godoy Silveira
e outros, aborda a relação entre a educação em direitos humanos
e os tratados internacionais de direitos humanos. Nesse contexto,
o autor explora os fundamentos teóricos e metodológicos que sus-
NA CIDADE. IN:A QUEDA DO CÉU: PALAVRAS DE UM tentam a importância dessa abordagem na formação dos indivídu-
XAMÃ YANOMAMI. SÃO PAULO: COMPANHIA DAS LE- os e na construção de uma sociedade mais justa e respeitosa.
TRAS, 2015. P. 421-438 Maia destaca a relevância dos tratados internacionais de direi-
tos humanos como marcos referenciais para a promoção e a prote-
O capítulo “Na Cidade”, presente no livro “A Queda do Céu: ção dos direitos fundamentais. Ele analisa a influência desses trata-
Palavras de um Xamã Yanomami”, escrito por Davi Kopenawa, traz dos na construção de políticas públicas e práticas educacionais que
reflexões profundas sobre a experiência do autor ao visitar cidades visam disseminar os princípios e os valores dos direitos humanos.
e entrar em contato com a sociedade não indígena. Nesse trecho, O autor enfatiza a necessidade de uma educação em direitos
Kopenawa compartilha suas percepções e vivências ao confrontar a humanos que vá além do mero conhecimento teórico, englobando
realidade urbana e seus desafios. a vivência prática e a transformação de atitudes e comportamentos.
Ao adentrar a cidade, Kopenawa descreve a sensação de estra- Ele ressalta a importância de uma abordagem interdisciplinar, que
nhamento diante de tantos prédios, ruas movimentadas e pessoas integre diferentes áreas do conhecimento, e a participação ativa
apressadas. Ele relata o contraste entre o ritmo acelerado e indivi- dos sujeitos envolvidos, tanto os educadores quanto os educandos.
dualista da cidade e o modo de vida coletivo e conectado à nature-

78
BIBLIOGRAFIA LIVROS E ARTIGOS

Maia discute também a relevância da educação em direitos hu- enfatizam a importância de uma abordagem transversal e inter-
manos para o fortalecimento da cidadania e a construção de uma disciplinar, que integre os direitos humanos em todas as áreas do
cultura de respeito aos direitos humanos. Ele destaca a necessida- conhecimento.
de de desenvolver nos indivíduos habilidades como o pensamento Em suma, o texto de Maués e Weyl oferece uma visão pano-
crítico, a empatia, a solidariedade e a capacidade de diálogo, que râmica dos fundamentos e marcos jurídicos que embasam a edu-
são essenciais para a convivência democrática e a construção de cação em direitos humanos. Ao explorar as bases legais, o artigo
uma sociedade mais inclusiva e igualitária. contribui para o fortalecimento dessa área de atuação, promoven-
Ao abordar a relação entre a educação em direitos humanos e do uma educação que valoriza a dignidade, a igualdade e a justiça
os tratados internacionais, o autor enfatiza a importância de con- social, fundamentais para a construção de uma sociedade mais in-
textualizar os direitos humanos dentro das realidades sociais, cul- clusiva e respeitadora dos direitos de todos os indivíduos.
turais e históricas de cada contexto, buscando superar visões etno-
cêntricas e promovendo o respeito à diversidade.
Em síntese, o texto de Luciano Mariz Maia nos convida a re- MORAES, AMAURY CÉSAR (COORD.). SOCIOLOGIA: ENSI-
fletir sobre a importância da educação em direitos humanos e sua NO MÉDIO. BRASÍLIA: MEC/SEB, 2010
articulação com os tratados internacionais de direitos humanos. Ele
nos incentiva a desenvolver uma consciência crítica e ativa em re-
lação aos direitos fundamentais, promovendo ações e práticas que O livro “Sociologia: Ensino Médio”, coordenado por Amaury
contribuam para a construção de uma sociedade mais justa, solidá- César Moraes, é uma obra voltada para a disciplina de Sociologia
ria e respeitosa. no contexto do ensino médio. Publicado em 2010 pelo MEC/SEB
(Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica), o livro
apresenta uma proposta pedagógica que busca introduzir os alunos
aos principais conceitos e teorias sociológicas.
MAUÉS, ANTONIO; WEYL, PAULO. FUNDAMENTOS E A obra está organizada em capítulos que abordam diferentes
MARCOS JURÍDICOS DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMA- temáticas, oferecendo uma visão ampla e abrangente sobre a So-
NOS. IN SILVEIRA, ROSA MARIA GODOY ET AL. EDUCA- ciologia. Cada capítulo apresenta os conteúdos de forma didática e
ÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: FUNDAMENTOS TEÓRI- acessível, utilizando exemplos e situações do cotidiano para facili-
CO-METODOLÓGICOS. JOÃO PESSOA: UNIVERSITÁRIA/ tar a compreensão dos estudantes.
UFPB, 2007. P. 103-116 Um dos objetivos centrais do livro é estimular a reflexão crítica
dos alunos sobre a sociedade em que vivem, proporcionando uma
O texto intitulado “Fundamentos e Marcos Jurídicos da Edu- compreensão mais aprofundada das relações sociais, das desigual-
cação em Direitos Humanos”, escrito por Antonio Maués e Paulo dades, dos processos de mudança e das dinâmicas culturais.
Weyl, é um importante contributo para compreendermos a base Além disso, a obra também incentiva o desenvolvimento de
habilidades e competências, como a capacidade de análise, inter-
jurídica que fundamenta a educação em direitos humanos. Pre-
pretação e argumentação, por meio de atividades práticas, exercí-
sente no livro “Educação em Direitos Humanos: Fundamentos Te-
cios e propostas de pesquisa.
órico-Metodológicos”, organizado por Rosa Maria Godoy Silveira e
O livro “Sociologia: Ensino Médio” busca contribuir para uma for-
outros autores, o artigo explora os fundamentos legais e os marcos
mação cidadã, estimulando o pensamento crítico e a compreensão dos
normativos que embasam essa área de atuação.
fenômenos sociais. Com uma linguagem clara e uma abordagem con-
Os autores ressaltam a importância de uma educação pauta-
textualizada, a obra se propõe a ser um recurso valioso tanto para os
da nos direitos humanos como forma de garantir a dignidade e a
estudantes quanto para os professores da disciplina de Sociologia.
igualdade de todos os indivíduos. A educação em direitos humanos
Dessa forma, o livro coordenado por Amaury César Moraes de-
busca promover a conscientização sobre os direitos inerentes a to- sempenha um papel fundamental no ensino da Sociologia, fornecendo
das as pessoas, incentivando a reflexão crítica e ações que visem a subsídios teóricos e metodológicos para que os estudantes possam
construção de uma sociedade mais justa e igualitária. compreender melhor a sociedade em que vivem e participar de forma
No texto, são abordados diversos marcos jurídicos que respal- ativa e crítica na construção de um mundo mais justo e igualitário.
dam a educação em direitos humanos, tanto no âmbito nacional
quanto internacional. São explorados tratados, convenções e de-
clarações que estabelecem diretrizes e princípios a serem seguidos
pelos Estados na promoção e proteção dos direitos humanos. QUINTANEIRO, TÂNIA; BARBOSA, MARIA LÍGIA DE OLI-
Os autores destacam a Declaração Universal dos Direitos Hu- VEIRA; OLIVEIRA, MÁRCIA GARDÊNIA MONTEIRO DE.
manos como um documento fundamental, além de ressaltar a UM TOQUE DOS CLÁSSICOS: MARX, DURKHEIM E WE-
BER. 2. ED. REV. ATUAL. BELO HORIZONTE: UFMG, 2017
importância de tratados específicos que abordam temáticas como
a igualdade racial, os direitos das mulheres, dos povos indígenas,
entre outros grupos vulneráveis. Esses marcos legais são essenciais O livro “Um Toque dos Clássicos: Marx, Durkheim e Weber”,
para nortear as políticas públicas e as práticas educativas voltadas de Tânia Quintaneiro, Maria Lígia de Oliveira Barbosa e Márcia Gar-
para a promoção dos direitos humanos. dênia Monteiro de Oliveira, é uma obra essencial para aqueles que
O texto ainda discute os desafios enfrentados na implemen- desejam compreender a sociologia clássica e as teorias desenvolvi-
tação da educação em direitos humanos, considerando questões das por três dos principais pensadores dessa disciplina: Karl Marx,
como a formação de professores, a elaboração de currículos ade- Émile Durkheim e Max Weber.
quados e a superação de barreiras culturais e sociais. Os autores

79
BIBLIOGRAFIA LIVROS E ARTIGOS

Em sua segunda edição revisada e atualizada, o livro apresenta Com sua abordagem embasada em pesquisas e experiências
uma abordagem acessível e didática, proporcionando ao leitor um de campo, “A Sociedade da Insegurança e a Violência na Escola”
panorama geral das ideias e contribuições desses três autores fun- se configura como uma leitura imprescindível para compreender
damentais. Através de uma linguagem clara e objetiva, os conceitos os desafios enfrentados pelas instituições de ensino e encontrar
sociológicos complexos são explicados de forma a torná-los com- caminhos para a construção de uma cultura de paz e respeito no
preensíveis para estudantes e interessados no assunto. contexto educacional.
O objetivo principal dos autores é fornecer um “toque” nos
clássicos, ou seja, oferecer uma introdução sólida e sintética às
obras desses teóricos, sem a pretensão de esgotar todas as nuan- QUESTÕES
ces de suas teorias. Dessa forma, o livro serve como ponto de parti-
da para a compreensão desses pensadores, incentivando o leitor a
se aprofundar posteriormente em seus estudos. 1.Qual é o tema central abordado no livro “Os Sentidos do Tra-
Além de apresentar as principais ideias de Marx, Durkheim e balho” de Ricardo Antunes?
Weber, o livro também aborda as contribuições de outros pensa- (A)A história do trabalho ao longo dos séculos.
dores contemporâneos, estabelecendo diálogos e conexões entre (B)A relação entre trabalho e capitalismo na sociedade contem-
as diferentes perspectivas teóricas. Isso enriquece a compreensão porânea.
dos leitores sobre a sociologia e sua relevância para a análise da (C)A importância da realização pessoal no ambiente de traba-
sociedade. lho.
Por fim, “Um Toque dos Clássicos” é uma obra indispensável (D) A influência da globalização na economia mundial.
para estudantes, professores e interessados em sociologia, ofere-
cendo uma introdução clara e concisa às teorias de Marx, Durkheim 2. O que o autor propõe em relação aos sentidos do trabalho
e Weber, e destacando a importância desses autores na compre- no sistema capitalista? (Sobre ANTUNES, RICARDO. OS SENTIDOS
ensão dos fenômenos sociais. Com sua abordagem acessível e en- DO TRABALHO: ENSAIO SOBRE A AFIRMAÇÃO E A NEGAÇÃO DO
riquecedora, o livro contribui para a formação crítica e reflexiva TRABALHO)
dos leitores, estimulando o pensamento sociológico e a análise da (A)A valorização do trabalho como atividade criativa e eman-
realidade social. cipadora.
(B)A manutenção dos sentidos tradicionais do trabalho.
(C)A intensificação do trabalho como forma de aumentar a pro-
SCHILLING, FLÁVIA. A SOCIEDADE DA INSEGURANÇA E A dutividade.
VIOLÊNCIA NA ESCOLA. SÃO PAULO: SUMMUS, 2014 (D) A redução dos direitos trabalhistas em prol do lucro em-
presarial.
O livro “A Sociedade da Insegurança e a Violência na Escola”,
3.Quais são os principais temas abordados no livro “Vida para
escrito por Flávia Schilling, aborda uma problemática atual e rele-
Consumo: A Transformação das Pessoas em Mercadoria” de Zyg-
vante: a violência no ambiente escolar e sua relação com a socieda-
munt Bauman?
de contemporânea marcada pela insegurança.
Nesta obra, a autora realiza uma análise aprofundada dos fa- (A)A história do consumo ao longo dos séculos.
tores que contribuem para o aumento da violência nas escolas, (B)A crítica ao sistema econômico capitalista.
explorando tanto os aspectos estruturais como os culturais e so- (C)A influência do consumo na construção da identidade e nas
cioemocionais. Schilling discute como a sociedade da insegurança, relações sociais.
caracterizada pela sensação generalizada de medo e instabilidade, (D) A defesa do consumismo como forma de felicidade.
se reflete no contexto educacional.
A autora destaca a importância de compreender a violência 4..Qual é a crítica central de Zygmunt Bauman em relação à
escolar como um fenômeno complexo e multifacetado, resultante transformação das pessoas em mercadorias?
de uma série de fatores interligados. Ela examina o papel das desi- (A)O consumo excessivo gera desperdício e degradação am-
gualdades sociais, das pressões acadêmicas, do uso de drogas, da biental.
exposição à violência midiática e da falta de diálogo e mediação de (B)O sistema econômico atual promove a desigualdade social.
conflitos no ambiente escolar. (C)O consumo desenfreado aliena as pessoas e torna suas re-
Ao longo do livro, Schilling também apresenta diferentes pers- lações superficiais.
pectivas teóricas e estudos de caso que evidenciam a dinâmica da (D) O consumismo é uma forma eficaz de alcançar a felicidade
violência nas escolas. Ela discute estratégias de prevenção e inter- pessoal.
venção, ressaltando a importância de uma abordagem integrada
que envolva não apenas a escola, mas também a família, a comuni- 5..Quais são os desafios abordados por Maria Victoria Benevi-
dade e os órgãos responsáveis pela segurança pública. des em relação aos direitos humanos?
A obra de Flávia Schilling contribui para ampliar o debate sobre (A)Desafios econômicos e políticos.
a violência na escola, fornecendo subsídios teóricos e práticos para (B) Desafios tecnológicos e ambientais.
professores, gestores educacionais, pesquisadores e demais inte- (C) Desafios culturais e religiosos.
ressados no tema. A autora nos convida a refletir sobre as causas da (D) Todos os mencionados acima.
violência e a buscar soluções efetivas que promovam um ambiente
escolar mais seguro, acolhedor e propício ao desenvolvimento in-
tegral dos estudantes.

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BIBLIOGRAFIA LIVROS E ARTIGOS

6.Segundo o texto, qual é o papel da educação em direitos 12.De acordo com o texto Maia, Luciano Mariz. Educação Em
humanos na sociedade? (Sobre Benevides,Maria Victoria. Direitos Direitos Humanos E Tratados Internacionais De Direitos Humanos.
humanos: desafios para o século xxi. In: Silveira, Rosa Maria Godoy In Silveira, Rosa Maria Godoy. Et Al. Educação Em Direitos Huma-
et al. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-meto- nos: Fundamentos Teórico-Metodológicos. João Pessoa: Universi-
dológicos. João pessoa: universitária/ufpb) tária/Ufpb, qual é a abordagem recomendada para a educação em
(A) Desenvolver uma consciência cidadã e promover valores direitos humanos?
fundamentais. (A)Abordagem transversal e interdisciplinar
(B) Garantir a igualdade socioeconômica. (B)Abordagem exclusiva em disciplinas específicas
(C) Combater a exclusão social. (C)Abordagem apenas em contextos jurídicos
(D) Todas as opções estão corretas. (D) Abordagem individualizada por grupo social

7.Qual é a principal crítica de Nancy Fraser em relação à con- 13.Qual é o tema principal abordado no livro “A Sociedade da
cepção tradicional de justiça baseada apenas na redistribuição eco- Insegurança e a Violência na Escola”?
nômica? (A)A importância do diálogo e da mediação de conflitos no am-
(A)A redistribuição econômica é desnecessária na busca da jus- biente escolar.
tiça social. (B)A relação entre a insegurança na sociedade contemporânea
(B)A redistribuição econômica é suficiente para alcançar a jus- e a violência nas escolas.
tiça social. (C)O impacto da exposição à violência midiática no comporta-
(C)A redistribuição econômica não considera as demandas por mento dos estudantes.
reconhecimento cultural. (D) As estratégias de prevenção da violência escolar adotadas
(D) A redistribuição econômica deve ser priorizada em detri- pelas instituições de ensino.
mento do reconhecimento cultural.
14.Segundo a autora Flávia Schilling, quais são os fatores que
8.De acordo com Nancy Fraser, por que o reconhecimento é contribuem para o aumento da violência nas escolas?
importante na busca da justiça social? (A)A falta de recursos financeiros das instituições educacionais.
(A)O reconhecimento é apenas uma questão simbólica, sem (B)O uso de drogas pelos estudantes.
impacto prático na justiça social. (C) A exposição à violência midiática.
(B)O reconhecimento é mais importante do que a redistribui- (D) Todos os itens acima.
ção econômica na busca da justiça social.
(C)O reconhecimento é um aspecto fundamental para comba- 15.Qual é a abordagem defendida pela autora para lidar com a
ter a desigualdade social. violência na escola?
(D) O reconhecimento é irrelevante na discussão sobre justiça (A)A responsabilidade exclusiva da escola na prevenção e com-
social. bate à violência.
(B)A integração de diferentes atores sociais na busca por so-
9.Segundo Stuart Hall, como a identidade é concebida na pós- luções.
-modernidade? (C)O endurecimento das punições aos estudantes violentos.
(A)Como algo fixo e estável. (D) A exclusão dos estudantes envolvidos em atos de violência.
(B)Como algo unicamente determinado pela classe social.
(C)Como algo fluido e em constante redefinição.
(D) Como algo totalmente independente da cultura. GABARITO
10.Quais são alguns dos fatores que influenciam a formação da
identidade, de acordo com o autor? (Sobre HALL, STUART. A IDEN- 1 B
TIDADE CULTURAL NA PÓS-MODERNIDADE. 12 ED. RIO DE JANEI-
RO: LAMPARINA) 2 A
(A)Raça, gênero, classe social e nacionalidade. 3 C
(B)Religião, ocupação profissional e idade.
(C) Altura, peso e cor dos olhos. 4 C
(D) Esportes preferidos, programas de TV favoritos e hobbies. 5 D
6 A
11.Quais são os desafios discutidos na implementação da edu-
cação em direitos humanos? (Sobre: Maia, Luciano Mariz. Educa- 7 C
ção Em Direitos Humanos E Tratados Internacionais De Direitos 8 C
Humanos. In Silveira, Rosa Maria Godoy. Et Al. Educação Em Direi-
tos Humanos: Fundamentos Teórico-Metodológicos. João Pessoa: 9 C
Universitária/Ufpb) 10 A
(A)Formação de professores
(B)Elaboração de currículos adequados 11 D
(C) Superar barreiras culturais e sociais 12 A
(D) Todas as alternativas acima

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BIBLIOGRAFIA LIVROS E ARTIGOS

13 B ANOTAÇÕES
14 D
15 B ______________________________________________________

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______________________________________________________
ANOTAÇÕES
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PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

ada com a realidade dos estudantes. O documento também possi-


SÃO PAULO (ESTADO). SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. bilita a elaboração de um currículo mais coerente e alinhado com
CURRÍCULO PAULISTA: ETAPA ENSINO MÉDIO. SÃO as demandas do mercado de trabalho e com as necessidades da
PAULO: SEDUC, 2020. P. 167–178, 229–239, 257–262, sociedade.
271–277, 286–294 Por fim, o Currículo Paulista é um documento vivo, que pode
ser atualizado e aprimorado a partir das experiências e das deman-
O Currículo Paulista é um documento produzido pela Secre- das da comunidade escolar. Por isso, estudar esse documento é fun-
taria da Educação de São Paulo que estabelece as diretrizes para damental não só para entender as diretrizes atuais do Ensino Médio
o Ensino Médio no estado. O documento apresenta uma proposta em São Paulo, mas também para contribuir com o debate sobre a
de formação integral dos estudantes, com base em competências educação no estado e no país como um todo.
e habilidades que serão desenvolvidas ao longo dos três anos do Para se preparar para a prova, é fundamental que o estudante
Ensino Médio. leia o documento na íntegra, a fim de compreender as competên-
O Currículo Paulista está organizado em quatro áreas do conhe- cias, habilidades e objetivos de aprendizagem para cada disciplina.
cimento: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecno- Também é importante que o estudante esteja atento às orientações
logias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas sobre a organização do currículo e das atividades pedagógicas, a fim
e Sociais Aplicadas. Cada área é composta por disciplinas que têm de compreender como as escolas devem implementar o Currículo
como objetivo aprofundar o conhecimento em temas específicos. Paulista.
No documento, são apresentadas as competências gerais que
devem ser desenvolvidas ao longo do Ensino Médio, como a capaci-
dade de compreender e utilizar diferentes linguagens, a capacidade QUESTÕES
de interpretar e utilizar informações e conhecimentos científicos e
a capacidade de compreender e atuar em diferentes realidades so-
ciais. 1.(VUNESP - 2019 - SEDUC-SP - Supervisor de Ensino)
Além disso, o Currículo Paulista apresenta os objetivos de Alceu, preparando-se para a prova do concurso ao cargo de
aprendizagem e desenvolvimento para cada disciplina, bem como Supervisor de Ensino estadual paulista, recorreu à “Proposta Cur-
as habilidades que os estudantes devem desenvolver em cada uma ricular do Estado de São Paulo – SE SP” (2012) para estudar o tema
delas. O documento também traz orientações sobre como as es- “métodos, técnicas e instrumentos de acompanhamento do traba-
colas devem organizar o currículo e as atividades pedagógicas, a lho pedagógico na escola”. De acordo com essa proposta, um cur-
fim de garantir uma formação integral e de qualidade para os es- rículo que promove competências tem o compromisso de articular
tudantes. as disciplinas e as atividades escolares com aquilo que se espera
É importante ressaltar que o Currículo Paulista é um documento que os alunos aprendam ao longo dos anos”. Essas competências
norteador, que orienta as escolas na organização do currículo e caracterizam modos de ser, raciocinar e interagir que podem ser
das atividades pedagógicas. Cabe às escolas e aos professores a depreendidos das ações e tomadas de decisão, em contextos de
responsabilidade de implementá-lo, levando em consideração as problemas, tarefas ou atividades. Graças a elas, pode-se
especificidades de cada contexto educativo e as necessidades dos (A) a partir de testes padronizados, formar turmas homogê-
estudantes. neas para facilitar o trabalho pedagógico.
Estudar o Currículo Paulista é fundamental para entender as (B) treinar os estudantes para que se saiam bem nas avaliações
diretrizes que norteiam o Ensino Médio em São Paulo. O documen- externas, as quais são baseadas nessas competências.
to apresenta as competências, objetivos de aprendizagem e habi- (C) articular os conteúdos curriculares com atividades laborais,
lidades que os estudantes devem desenvolver em cada disciplina, preparando os estudantes para o mercado de trabalho.
bem como as orientações sobre a organização do currículo e das (D) inferir se a escola como instituição está cumprindo bem o
atividades pedagógicas. papel que se espera dela e pode-se acompanhar o trabalho pe-
Ao compreender as competências gerais que devem ser desen- dagógico.
volvidas, os objetivos de aprendizagem e as habilidades específicas (E) preparar os alunos para prosseguirem estudos no nível su-
para cada disciplina, o estudante pode se preparar melhor para as perior, com garantia de sucesso.
avaliações e para a vida após o Ensino Médio. Além disso, o Currícu-
lo Paulista ajuda a garantir uma formação integral e de qualidade,
que prepare os estudantes para os desafios do mundo contemporâ-
neo.
Ao seguir as orientações do Currículo Paulista, as escolas e os
professores têm a possibilidade de diversificar as metodologias de
ensino, promovendo uma aprendizagem mais significativa e conect-

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PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

2.VUNESP-SP
Segundo o Currículo Paulista para o Ensino Médio, uma das
ANOTAÇÕES
competências gerais que os alunos devem desenvolver é “trabalhar
em equipe, com solidariedade e respeito, e exercitar a empatia, o ______________________________________________________
diálogo, a negociação e a mediação de conflitos.” Assinale a alter-
nativa que apresenta uma habilidade específica relacionada a essa ______________________________________________________
competência.
(A) Resolver problemas de forma individual, sem considerar a ______________________________________________________
opinião dos colegas.
(B) Colaborar para a realização de tarefas em grupo, conside- ______________________________________________________
rando as diferentes perspectivas e opiniões dos membros da
______________________________________________________
equipe.
(C) Argumentar de forma autoritária e impor suas ideias aos ______________________________________________________
colegas.
(D) Ignorar os conflitos entre colegas e focar apenas nas suas ______________________________________________________
próprias tarefas.
______________________________________________________
3.VUNESP-SP
O Currículo Paulista para o Ensino Médio destaca a importância ______________________________________________________
de a escola promover a reflexão sobre os impactos das tecnologias
______________________________________________________
no mundo contemporâneo. Assinale a alternativa que apresenta
uma atividade que poderia ser desenvolvida em sala de aula para ______________________________________________________
abordar esse tema.
(A) Propor a leitura de um texto literário clássico para discutir ______________________________________________________
as transformações da sociedade ao longo do tempo.
(B) Realizar uma pesquisa sobre os benefícios das tecnologias ______________________________________________________
para a saúde e o bem-estar das pessoas.
(C) Debater as notícias divulgadas nos principais portais de no- ______________________________________________________
tícias sobre as últimas novidades tecnológicas.
(D) Analisar as mudanças na comunicação e na produção de ______________________________________________________
informação com o surgimento das redes sociais.
______________________________________________________
4.VUNESP-SP ______________________________________________________
O Currículo Paulista para o Ensino Médio destaca a importância
de desenvolver nos alunos a capacidade de compreender e inter- ______________________________________________________
pretar criticamente diferentes tipos de texto. Assinale a alternativa
que apresenta uma atividade que poderia ser desenvolvida em sala ______________________________________________________
de aula para trabalhar essa habilidade.
(A) Realizar uma prova de múltipla escolha para avaliar a com- ______________________________________________________
preensão de um texto literário.
______________________________________________________
(B) Propor a leitura de um texto jornalístico para identificar a
opinião do autor sobre um tema específico. ______________________________________________________
(C) Elaborar um resumo de um texto científico para apresentar
aos colegas em sala de aula. ______________________________________________________
(D) Participar de um debate sobre um tema polêmico a partir
da análise de diferentes fontes de informação. _____________________________________________________

_____________________________________________________

GABARITO ______________________________________________________

______________________________________________________
1 D
______________________________________________________
2 B
3 D ______________________________________________________
4 D ______________________________________________________

______________________________________________________

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