A pintura brasileira acadêmica e a superação do academicismo
Em meados do século XIX, o Império Brasileiro conheceu certa
prosperidade econômica, proporcionada pelo café, e certa estabilidade política, depois que Dom Pedro II assumiu o governo e dominou as muitas rebeliões que agitaram o Brasil até 1848. Além disso, o próprio imperador procurou dar ao país um desenvolvimento cultural mais sólido, incentivando as letras, as ciências e as artes. Estas ganharam um impulso de tendência nitidamente conservadora, que refletia modelos clássicos europeus. Mesmo a guerra que o Brasil manteve com o Paraguai, que custou aos dois países um grande número de vidas e um desgaste econômico incalculável, não foi motivo para um declínio das artes. Pelo contrário, serviu como tema artístico para que alguns pintores exaltassem a ação do governo imperial. A pintura acadêmica no Brasil
É nesse contexto histórico que se situam as obras de Pedro Américo e
Vítor Meireles, pintores brasileiros que estudaram na Academia de Belas- Artes. Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905) nasceu em Areia, Estado da Paraíba. Em 1854 passou a morar no Rio de janeiro, onde frequentou o Colégio Pedro II e, depois, a Academia de Belas-Artes. Entre os anos de 1859 e 1864 estudou na Escola de Belas-Artes de Paris, sob o patrocínio de Dom Pedro II. Sua pintura abrangeu temas bíblicos e históricos, mas também realizou imponentes retratos, como o de Dom Pedro II na Abertura da Assembleia Geral, hoje fazendo parte do acervo do Museu Imperial de Petrópolis. Entre os quadros históricos mais famosos estão Batalha do Avaí e O Grito do Ipiranga. Esse último quadro, atualmente no Museu Paulista, é a obra mais divulgada de Pedro Américo. Trata-se de uma enorme tela retangular que mostra Dom Pedro I proclamando a Independência do Brasil. Atrás dele estão seus acompanhantes: à direita e à frente do grupo principal num grande semicírculo, estão os cavaleiros da comitiva; à esquerda e em contraponto aos cavaleiros, está um longo carro de boi guiado por um homem do campo que olha a cena curioso. Movimento e imponência fazem do gesto de Dom Pedro I, na concepção do pintor, um momento privilegiado da História do Brasil (fig.1). A pintura de Pedro Américo é sem dúvida acadêmica e ligada ao Neoclassicismo. Mesmo tendo estado na Europa numa época em que já começavam as manifestações impressionistas, sua produção manteve-se fiel aos princípios da Imperial Academia de Belas-Artes. Fig. 1. O Grito do Ipiranga (1888), de Pedro Américo. Dimensões 760 cm x 415 cm. Museu Paulista, São Paulo. Víctor Meirelles de Lima (1832-1903) nasceu na cidade de Desterro, hoje denominada Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina. Ainda jovem foi para o Rio de Janeiro onde se matriculou na Academia Imperial de Belas- Artes. Nessa escola, obteve como prêmio uma viagem pela Europa. Esteve no Havre, depois em Paris, Roma e Veneza, onde o colorido dos pintores venezianos o impressionou particularmente. Em 1861, produziu em Paris sua obra mais conhecida, A Primeira Missa no Brasil. No ano seguinte, já em nosso país, pintou Moema (fig. 2), que focaliza a famosa personagem indígena do poema Caramuru, de Santa Rita Durão. Os temas preferidos de Víctor Meirelles eram os históricos (Juramento da Princesa Isabel), os bíblicos (Flagelação de Cristo) e os retratos (Imperatriz Teresa Cristina e Pedro II). c Além desses dois pintores, outro que merece destaque é José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899), considerado por alguns críticos como o mais brasileiro dos pintores nacionais do século XIX. Natural de Itu, cidade do interior do Estado de São Paulo, em 1869 Almeida Júnior começou a frequentar a Academia de Belas-Artes, no Rio de Janeiro, onde foi aluno de Víctor Meirelles. Mais tarde, depois de concluído o curso, ganhou uma bolsa de estudos do imperador e viveu em Paris entre os anos de 1876 e 1882. De volta ao Brasil, fez uma exposição no Rio de Janeiro e retornou à sua cidade natal, onde produziu as obras que se tornaram mais famosas, como Leitura (fig.3), e as telas de inspiração regionalista, como Picando Fumo e O Violeiro. Sua obra pictórica é grande e de temática variada, pois inclui quadros históricos, religiosos e regionalistas. Além disso, produziu ainda retratos, paisagens e composições como Descamo da Modelo, pintado na Europa, por ocasião de sua viagem. Fig. 2. Moema (1866), de Vítor Meireles. Dimensões: 129 cm x 190 cm.) Museu de Picando Fumo, de José Ferraz de Arte de São Paulo. Almeida Júnior. Fig.3. Leitura (1892), de José Ferraz de Almeida Júnior. O Violeiro, de José Ferraz de Almeida Júnior. Dimensões: 95 cm x 141 cm Pinacoteca do Estado, São Paulo. A superação do academicismo.
A pintura realizada pelos artistas que frequentaram a Academia de Belas-
Artes seguiu os padrões estéticos neoclássicos aqui introduzido pela Missão Francesa. De acordo com esses padrões, a beleza perfeita é um conceito ideal e, portanto, não existe na natureza. Assim, o artista não deve imitar a realidade, mas tentar recriar a beleza ideal em suas obras, por meio da imitação dos clássicos, principalmente dos gregos, que foram os que mais se aproximaram da perfeição criadora. Na pintura, como não foram preservadas as obras originais gregas, perfeição artística é encontrada nos pintores do Renascimento italiano, principalmente em Rafael, o mestre do equilíbrio das formas na composição das telas. Os artistas acadêmicos, influenciados por essa concepção estética que afirma ser a arte uma imitação dos modelos clássicos, passaram a seguir rígidos princípios para o desenho, para o uso das cores e para a escolha dos temas que, de preferência, deveriam ser os assuntos mitológicos, religiosos e históricos. Nas obras dos artistas brasileiros da segunda metade do século XIX, essas ideias que orientaram o Neoclassicismo aparecem de forma menos rígida. E no final do século, os pintores nacionais começam a seguir novas direções, principalmente os artistas que vão à Europa e entram em contato com os movimentos Impressionista e Pontilhista. Essa mudança virá de uma forma mais clara com Eliseu Visconti, mas os primeiros sinais já aparecem em algumas obras de Belmiro de Almeida e Antônio Parreiras. Belmiro Barbosa de Almeida (1858-1935) nasceu em Minas Gerais, e foi aluno da Academia de Belas-Artes. Posteriormente, estudou na Europa, onde recebeu influência de pintores franceses. Seus quadros mais famosos são Arrojos (fig. 4), pintado em 1887, e Dame à La Rose, de 1906. Belmiro de Almeida foi um grande desenhista e colorista que superou os ensinamentos acadêmicos, usando os recursos da arte moderna já florescente na Europa, como o Impressionismo, o Pontilhismo e o Futurismo. Antônio Parreiras (1869-1937) nasceu em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Aos 22 anos ingressou na Academia de Belas-Artes. Esteve na Itália, onde frequentou a Academia de Veneza. Foi autor de quadros históricos a partir de encomendas oficiais, como A Conquista do Amazonas, para o Estado do Pará. Porém, as obras mais significativas de Parreiras, por sua criatividade e modernidade, são as paisagens e os nus femininos, como Dolorida e Flor Brasileira (fig. 5). Esses trabalhos, elogiados em Paris, foram muito mal aceitos no Brasil do início do século. Fig. 4 Arrojos (1887), de Belmiro de Almeida. Dimensões: 89 cm x 116 cm. Fig. 5. Flor Brasileira (1911), de Antônio Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Parreiras. Dimensões: 34 cm x 26 cm. Museu Antônio Parreiras, Niterói.