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Brasil(d)iários

O texto a seguir é uma análise histórica feita a partir de cinco vertentes com
diferentes vivências, mas compartilhando a mesma memória social do país e
sentimento Brasil, fundamentada na obra de Clarice Lispector.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que Brasília não foi uma invenção
de Juscelino Kubitschek, a ideia de interiorizar a capital do país surgiu em meados
do século XVIII, e foi retomada pelos inconfidentes logo após a chegada da corte
portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808, quando essa cidade era capital do Brasil.
Na década de 30 do século XX, marcada pelo governo autoritário de Getúlio Vargas,
em um cenário de tensões políticas e ideológicas, nos planos interno e externo, que
culminam com a II Guerra Mundial, surge a “Marcha para Oeste”, com objetivo de
ocupar os vazios demográficos e econômicos do país.
A primeira Constituição da República, de 1891, fixou legalmente a região
onde deveria ser instalada a futura capital, mas foi somente em 1956, com a eleição
de Juscelino Kubitschek, que teve início a efetiva construção da cidade. Ficava
consagrada a ideia de transferência da sede do poder político sobre argumentos de
defesa estratégica, coesão territorial e criação de uma cultura autenticamente
nacional.
A lei inaugurou o processo de construção da nova capital e nomeou a
Brasília. Para que a obra fosse realizada, o governo criou a Companhia
Urbanizadora Nova Capital , empresa conhecida como Novacap. Juscelino entregou
o comando dela para uma pessoa de sua confiança, o engenheiro e deputado do
PSD Israel Pinheiro. Essa estratégia foi muito utilizada por JK na construção da
nova capital. Ele nomeou técnicos e especialistas de sua confiança nos postos
chave da obra e deu-lhes carta branca para construir a cidade. O presidente
também não poupou recursos, e uma jornada de trabalho exaustiva foi implantada
para cumprir-se o prazo de entrega da capital. O arquiteto da construção foi Oscar
Niemeyer, diretor do Departamento de Arquitetura da Novacap. O projeto
urbanístico foi de autoria de Lúcio Costa, arquiteto que conquistou essa função após
ser anunciado como o vencedor do concurso organizado pela Novacap para essa
finalidade (obter o projeto urbanístico), em 1957.
A construção de Brasília foi feita em meio a inúmeros desafios . A cidade
com aeroporto mais próxima, Anápolis, ficava a mais de 100 km, e as estradas que
ligavam até Brasília eram de terra. Todo o material necessário para viabilizar a obra
era levado a Brasília com grande dificuldade. Além disso, o fato de tudo ser levado
de avião aumentava os custos da obra. A maioria dos trabalhadores vinha do
Nordeste, mas muitos também vinham de Goiás e Minas Gerais e ficaram
conhecidos como candangos. O trabalho era exaustivo, as condições de vida eram
ruins, e os trabalhadores ainda sofriam com a violência das autoridades, havendo
até casos deles que foram assassinados pelas forças policiais.
A obra sob direção de Zuleica Porto e Sérgio Bazi participou do 19º Festival
de Brasília do Cinema Brasilerio; onde se prestigiou ao vencer nas categorias de
melhor trilha sonora e melhor fotografia, créditos a Guilherme Vaz e Jacques
Cheuiche respectivamente. Prestígio esse que não havia de ter local e momento
melhor para ter acontecido.
O curta-metragem retratando a recém construída Brasília às palavras de
Clarice Lispector tem as nuances da simetria da cidade perfeitamente alinhada aos
chiados e narração sobre a cidade. Do qual a gravação das planificações da Brasília
não mais tão jovem dos anos 80 reunidas com as palavras de Lispector escritas
durante a ascendência da cidade, pode ter,de fato, trazido reflexões ao júri técnico
do festival sobre esse intervalo de pouco mais de 30 anos.
Para entendermos as reflexões do júri sobre “Aqui(anos 50) e Aqui(anos
80)” precisamos analisar o contexto de produção do curta. O panorama histórico
principal do filme foi o recém liberto Brasil da Ditadura Militar. O país agora estava
livre para usar com totalidade a liberdade de expressão. As represálias e o medo da
perseguição política a arte havia acabado e produzir "Brasiliários" foi um
empolgante passo para o futuro.
Passo esse que teve a característica de Zuleica Porto para ser bem
realizado, por ser pesquisadora e militante desde o final dos anos 60. “ Brasília é
ficção científica: o futuro construído no passado” frase retirada da própria obra, que
expressa a reflexão que o júri teve ao assisti-la em 1986. Porém, ao assistir
Brasiliários no presente momento, podemos interpretar que a frase foi formulada a
partir de um passo para o futuro, dando meia volta para olhar para o passado. Com
os pés em 1986 olhando para os anos 50 projetando o futuro desse país.
Brasiliários é uma dupla homenagem, à escritora Clarice Lispector e ao
filme curta-metragem de mesmo nome. Clarice esteve em Brasília duas ou três
vezes, a primeira no Natal de 1969 e depois em 1970. Foram visitas suficientes para
que ela captasse o lado espiritual e mágico da capital dos brasileiros. Foi pensando
assim que ela inventou até um gentílico para os seus habitantes: brasiliários.
Para Clarice, “os brasiliários vestiam-se de ouro branco. A raça se extinguiu
porque nasciam poucos filhos. Quanto mais belos os brasiliários, mais cegos e mais
puros e mais faiscantes, e menos filhos. Não havia em nome de que morrer”.
A origem dessa civilização ainda está por ser descoberta, mas a escritura
intuiu que “...no século IV a.C. [a região] era habitada por homens e mulheres louros
e altíssimos, que não eram americanos nem suecos, e que faiscavam ao sol. Eram
todos cegos. É por isso que em Brasília não há onde esbarrar.”
Esse sonho exotérico de Clarice foi captado pelos cineastas Zuleica Porto e
Sérgio Bazi e incorporado pela atriz Cláudia Pereira, numa ousada produção dos
anos 80. A música original do filme, premiada no Festival de Brasília, é de
Guilherme Vaz.
Brasília, como observa Clarice, é uma tentativa de remodelar o Brasil, a
construção da cidade de largas avenidas, de prédios modernos, representa a
euforia com o palco ilusionista de uma imagem de modernidade, na qual a ideia de
civilidade era a pretensão. Ao se negar a tradição das esquinas e do cotidiano
Brasileiro, a cidade abstrata coloca o Brasil no paradigma dos tempos modernos,
ela é a imagem do tão sonhado lema inscrito em nossa bandeira: Ordem e
Progresso. Assim, percebe-se que no espaço ficcional Brasília é um lugar de
questionamento, construída a beira do horizonte, a cidade sob o olhar feminino não
privilegia um “eu”, nas reticências das crônicas há uma intenção de silêncio
responsável por estabelecer relações entre a mulher que observa e o espaço
urbano que se impõe. Mas este espaço cria sentidos que, sob o olhar da autora se
investe de outros sentidos, pois que o desejo da autora, embora manifesto, é
também o desejo inconsciente de apresentar na narrativa o duplo funcionamento
discursivo que presentifica a cidade no discurso feminino.
O curta-metragem é com certeza instigante ao ponto de gerar reflexões
permanentes sobre o âmago do povo brasileiro. Apesar de não ser brasileira nata,
mas pernambucana de alma, Clarice conseguiu descrever em metáforas toda a
essência de ser, estar, ter sido e ter estado brasileiro, em sua escrita radicalizada e
angustiante.
“Olho Brasília como olho Roma” explica bem o que a construção de Brasília
seria ao povo brasileiro: uma cidade artificial, construída do zero, em toda sua força
e imponência, mal administrada, fadada à ruína. Até os dias atuais, a cidade erguida
por JK ainda renega as suas margens e traços de fracasso. Brasília faz muito
menos sentido do que qualquer outra cidade, justamente por ser planejada para não
ser uma capital habitual e funcional – entenda como preferir.
A cidade fantasma marca sua artificialidade no curta com planos simétricos,
demarcando bem o visual “concretão” construído sobre o planalto central. É
impossível olhar para as obras gigantescas e não se sentir hostilmente pequeno – e
imagina o calor que não deve fazer dentro daqueles construções maciças de
concreto.
Para Clarice, Brasília é só, terra sem limites, terra fantasma. A realidade
utópica proposta por Kubitscheck seria essa, porém, na prática, a atual capital
brasileira é apenas mais uma das cidades. Um Brasil dentro do Brasil. Não é difícil
analisar todos os desastres sociais se repetirem em modo e escala diferente.
Segregação e um toque de antipatia social.

Integrantes: José Henrique Ciriaco Ferreira, Júlia de Freitas Borges, Júlia Gonçalves
da Silva Leocadio, Maria Heloísa Segadas Nunes, Rebeca da Silva Paes.
Turma: 3001B

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