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“MAIS PARECE UM SONHO ILUSÓRIO DO QUE UM FATO REAL E

ACABADO”: A LAICIDADE REPUBLICANA DISCUTIDA NA IMPRENSA


EVANGÉLICA (1889-1892)

Pedro Henrique Cavalcante de Medeiros

UFRRJ / FAPERJ

prof.phcmedeiros@gmail.com

O fim do regime de padroado com a plena liberdade religiosa foi uma das
bandeiras levantadas pelos liberais durante o segundo reinado, principalmente a partir do
renascer liberal da década de 1860. Os protestantes, principalmente os missionários norte-
americanos de diversas denominações, por meio da imprensa, lutaram para que essa
separação entre o poder religioso e o poder político se efetivasse, algo que teria sido
alcançado somente com a Proclamação da República.

Nossa comunicação foca o discurso protestante presbiteriano produzido no jornal


Imprensa Evangélica entre 1889 e 1892, com relação à mudança de regime em 1889, à
laicidade instaurada por meio do Decreto 119-A de 1890 e à Constituição Republicana de
1891. Ao analisar as publicações do jornal, procuramos compreender em que medida a
laicidade instaurada na República atendia às demandas dos protestantes presbiterianos.

Ressaltaremos a expectativa gerada entre os redatores da Imprensa Evangélica em


relação ao novo regime. Indicaremos os primeiros pontos de discordância dos protestantes
presbiterianos com os rumos que o governo recém instaurado estava tomando em relação
à religião e à sociedade. Por fim, proporemos caminhos para pensar o conceito de
laicidade para aqueles que eram concorrentes da religião dominante no campo religioso
brasileiro.

1. A expectativa da laicidade
No decurso das pesquisas de mestrado, analisamos o jornal Imprensa Evangélica
entre os anos de 1864 e 1873. O resultado de nossa pesquisa demonstrou que o tema da
liberdade religiosa havia sido amplamente discutido na esfera pública. E o jornal
evangélico não hesitou em reproduzir e discutir as principais ideias sobre esse tema.

Destacaram-se, por exemplo, naquele período, quatro opúsculos publicados sobre


o tema: Doze Proposições sobre a Legitimidade Religiosa da Verdadeira Tolerância dos
Cultos, de Ephraim; Da Liberdade Religiosa no Brasil: um estudo de Direito
Constitucional, de Antônio Joaquim de Macedo Soares; A Liberdade Religiosa Segundo
o Sr. Dr. A. J. de Macedo Soares: magistrado brasileiro, publicado no jornal ultramontano
O Missionário Católico; e Exposição dos Verdadeiros Princípios sobre que se baseia a
Liberdade Religiosa, de Melasporos. Desses opúsculos, verificamos que o editorial
evangélico rejeitava propostas abstratas e racionalistas sobre a laicidade. Mas advogava
propostas pragmáticas como a imediata separação da igreja do Estado (MEDEIROS,
2018, p. 170).

A discussão deste tema sempre esteve presente nas folhas da Imprensa Evangélica
(1889, p. 5). Mas, no último ano do Império, a questão da laicidade volta a ser discutido
de forma intensa. Em 5 de janeiro de 1889, o editorial expõe sua opinião sobre um projeto
de liberdade de cultos que havia passado no Senado, mas que fora barrado na Câmara.
"Virá a liberdade de cultos, assim como virá a este povo paciente e longânimo o
conhecimento da liberdade completa que se acha no Evangelho e com este conhecimento
o poder de sacudir o jugo de Roma, que há tantos anos, o acabrunha".

Para o editorial, somente a doutrina evangélica poderia cooperar para o progresso


e engrandecimento do povo. O regime de padroado era o obstáculo para o progresso da
civilização brasileira. Somente o protestantismo se adaptava ao pensamento moderno.

Em 26 de janeiro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 28), ao tratar do progresso da


humanidade em direção à liberdade religiosa, utiliza como referencial teórico as ideias de
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) sobre a lei da perfectibilidade. Dessa forma, o
progresso não se daria por saltos, nem por força. Progresso é desenvolvimento, uma
evolução. Um processo de transformação que se origina nas ideias, passando depois para
os costumes e alcançando as leis.

Essa publicação havia sido motivada em razão do Decreto 9.886 de 7 de março de


1888, que estabeleceu a obrigatoriedade do registro civil de nascimento, casamento e
óbito para todo cidadão brasileiro. Embora não satisfizesse as aspirações dos brasileiros,
era uma lei da liberdade e do progresso. Além disso, o Decreto era fruto da demanda dos
evangélicos. Era o fruto das ideias de liberdade advogadas durante a década de 1870. Não
deveria ser considerada como um “dom gratuito” do governo.

Em 2 de março, a Imprensa Evangélica (1889, p. 68) reclama que o atraso do


Brasil era ocasionado pela entrada das ordens monásticas estrangeiras. O clero nacional
podia ser tolerado, pois, além de serem brasileiros, ainda era liberal. “Sempre conserva
no íntimo da alma social um pouco da preciosíssima brisa Americana, isto é, um resquício
de amor a liberdade e a luz”.

Em seguida, o editorial expressa a opinião de que se durante o período colonial,


na guerra entre portugueses e holandeses em Pernambuco, a vitória tivesse sido dos
holandeses, neste momento, o Brasil estaria muito mais avançado que os holandeses em
relação à religião. Pois “a Bíblia eleva os povos e dá garantia segura de paz”. O editorial
defende “a Bíblia como garantia da ordem social”. Ela, ou melhor sua divulgação pela
religião evangélica, resolveria as questões sociais do momento, que em síntese era o
“restabelecimento da liberdade com boa ordem”.

Ainda em 18 de maio, como matéria de capa, a Imprensa Evangélica (1889, p.


160) chama a princesa Isabel de Condessa D’Eu e fanática. Na mesma edição, o editorial
comentou a Fala do Trono, em que o imperador falou da necessidade de abertura de novos
bispados e universidades. Para o editorial, essas medidas eram inúteis. Outras reformas
urgentes como o casamento civil e a liberdade de cultos eram ignoradas pelo Imperador.

Percebemos que a partir de então, o jornal passa a defender abertamente a


República. Em 20 de julho, a Imprensa Evangélica (1889, p. 232) declara que a França
havia alcançado a prosperidade com a República. A República era baseada na ordem, na
justiça, na liberdade de consciência, no progresso moral e material. “É o mesmo que se
dará em todo país que tomar o mesmo caminho”.
Em 3 de agosto, a Imprensa Evangélica (1889, p. 241) menciona a história da
Revolução Inglesa e a instauração da República na Inglaterra, “que tão importantes
serviços prestou ao país, dirigindo-o pela senda da liberdade e do progresso”.

Em 17 de agosto, o editorial cita o conselheiro Bastos, sobre a ideia de liberdade.


A liberdade não era uma questão política e sim religiosa. “Sem religião e sem justiça, não
há liberdade” (IMPRENSA EVANGÉLICA, 1889, p. 260). Somente por meio do
Evangelho as sociedades poderiam alcançar a liberdade.

Em 31 de agosto, a Imprensa Evangélica (1889, p. 274) procura demonstrar como


é a fé de um presidente norte-americano, o país com a laicidade modelo para o editorial.
William Henry Harrison (1833-1901) tinha firmeza em suas convicções que são expressas
em suas orações públicas. A tônica era a responsabilidade do homem com Deus.

O presidente Harrison era um “exemplo de probidade e moralidade austera”. Por


moralidade, o editorial explica: “madrugador, laborioso, sincero em seus costumes,
poucas vezes vai a divertimentos e quando o faz é com toda a família”. Sempre
acompanhado de sua esposa, “que durante muito tempo tem dirigido uma seção infantil
em uma escola dominical, e toma parte ativíssima nas obras de caridade e nas missões da
igreja”. Conclui: “a homens de fé e de oração como o atual presidente da grande república
é que deviam estar confiadas as rédeas dos governos de todas as nações”.

Em 14 de setembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 293) volta a discutir a ideia


de liberdade. Para o editorial, a liberdade era “a nossa glória de fazermos nós mesmos o
que nós mesmos devermos fazer”. A liberdade como condição essencial da felicidade
“supõe um princípio superior, dentro do qual ela se deve mover, posto que sempre
independente”.

Em 21 de setembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 300) comenta a vitória do


partido liberal nas últimas eleições. Era o momento de assegurar a execução das reformas
liberais. O editorial referia-se, principalmente, ao casamento civil e à liberdade de cultos.
Caso essas reformas não fossem realizadas, o partido seria indigno do nome liberal.

Não se desejava privilégio para os não católicos e sim igualdade e justiça. Certos
de que os liberais eram amantes da liberdade, restava aos não católicos confiar que eles
dariam “provas do seu patriotismo e do seu amor aos altos interesses da sociedade
brasileira”.

Em 28 de setembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 308) reforça que era alheia


a questões puramente partidárias. Mas considerava os deveres de patriotismo da imprensa
religiosa em discutir temas políticos que tinham feição moral. “Neste sentido ela pertence
forçosamente às matérias de doutrinamento obrigatório, aos que se acham encarregados
do ensino moral e espiritual do povo”.

Para o editorial, o ministério Ouro Preto possuía vantagens excepcionais para


efetuar as reformas necessárias. Mas se as reformas não ocorressem, “os membros do
atual gabinete terão seu lugar na vala comum e o partido que dizem representar, passará
a ser cousa da história”.

Em 23 de novembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 369) comenta a


Proclamação da República em matéria de capa com o título: Estados Unidos do Brasil.

Acabamos de presenciar o acontecimento mais estupendo e extraordinário que


se tem dado no século presente. Já está consumado, já ninguém duvida de sua
realidade, mas tão maravilhoso ele se apresenta aos nossos olhos, que mais
parece um sonho ilusório do que um fato real e acabado.
Segundo o editorial, o processo de instauração da República foi extraordinário e
único na história. Era motivo de orgulho para o Brasil, pois havia realizado uma reforma
radical sem perturbar a ordem pública. Não havia sinal de tempestade política nada que
alterasse a ordem social.

Raiou o dia 15, e logo a notícia de uma revolta do exército percorreu por todos
os ângulos da cidade, com a velocidade do relâmpago; e enquanto o povo
ansioso indagava a causa deste movimento, eis que toda a tropa desfilava pelas
ruas da cidade na maior ordem e debaixo da mais admirável disciplina por entre
numerosas ondas de povo que saudava o exército com palmas e com a mais
delirantes vivas à república!
Dessa forma, à redação do jornal restava agradecer a Deus pela “grande bênção”
que havia concedido ao Brasil. Como o governo demonstrava ser de ordem e liberdade, a
redação declarava seu apoio ao governo. E declara esperar o decreto da plena igualdade
de cultos na República.
Em 23 de novembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 374) transcreve um artigo
de James Brick, publicado na República Americana, sobre a laicidade nos Estados
Unidos. Lá, todas as corporações religiosas eram reconhecidas como “associações
voluntárias de cidadãos particulares” e tinham igualdade perante a lei.

A partir de 30 de novembro, percebemos uma ansiedade na redação da Imprensa


Evangélica (1889, p. 377) devido à aparente demora em decretar de uma vez a separação
entre o Estado e a Igreja. “Ora, como poderá o governo da República sustentar por mais
tempo a grande injustiça”. Enquanto não fosse decretada a separação, não haveria
liberdade, igualdade e fraternidade no Brasil, ideias que formavam a base da verdadeira
democracia.

Então, o editorial confronta a realidade brasileira com a dos Estados Unidos lugar
onde todas as comunidades de fé eram sustentadas pelos próprios fieis. Num
questionamento retórico, diz: “acaso queremos ficar neste ponto inferiores à grande
república da América do Norte? De nenhum modo!”

Ainda na edição de 30 de novembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 378) cita as


ideias de Saldanha Marinho sobre a ideia de laicidade. Segundo Saldanha Marinho, o
privilégio de uma igreja era a causa da perturbação da ordem e da civilização. Somente
com a laicidade, o patriotismo renasceria e o Brasil alcançaria um nível maior de
civilização.

Em 7 de dezembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 385) convoca os evangélicos


para o trabalho, pois a salvação do Brasil estava no “Evangelho de Jesus Cristo, que, se
estes princípios de verdadeira liberdade proclamados por Ele não forem aceitos pelo povo
brasileiro, um futuro pouco lisonjeiro aguarda esta nação”. Era a responsabilidade das
Igrejas Evangélicas trabalhar para “lançar as bases da liberdade pátria sobre a Rocha dos
séculos, para que seja conhecida a religião pura sem a qual não pode haver verdadeira
liberdade em país qualquer”.

A França havia proclamado a liberdade e a fraternidade, mas ainda não tinha


alcançado a verdadeira liberdade, pois lá, prevalecia o ceticismo e a incredulidade. Por
isso, não havia República bem consolidada sem a “aceitação geral da Sagrada Escritura,
de seus princípios divinos e de sua moral pura e severa”.
Os evangélicos demonstrariam seu patriotismo trabalhando na divulgação do
Evangelho no Brasil. As Igrejas Evangélicas eram o “sal da terra”. Desse trabalho
dependia a “salvação da pátria”.

Ainda na edição de 7 de dezembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 387) volta a


discutir a ideia de liberdade religiosa. Neste momento, o editorial faz um contraste entre
a ideia de laicidade europeia e americana. Na Europa, a laicidade era vista como uma
“declaração de desprezível indiferença da parte do Estado para com interesses espirituais
de seu povo”. Nos Estados Unidos, a laicidade era diferente. Na República do norte, a
laicidade estava assentada sobre dois princípios, um político e outro religioso.

Em política, a laicidade era baseada na liberdade e na igualdade. Uma


interferência do Estado em assuntos religiosos era vista como um atentado à liberdade de
pensamento e à liberdade de ação, enfim, à liberdade individual. Além disso, qualquer
privilégio dado a um clero particular era um ataque ao princípio da igualdade.

Sob a perspectiva religiosa, entende-se que uma corporação espiritual só tem fins
espirituais. Essa corporação reúne homens que possuem uma devoção em comum a um
ser invisível, nutrindo a esperança de um futuro ilimitável. Por isso, era inconcebível a
imposição de uma crença, uma vez que essa corporação estava fundada no amor e na
reverência, não na lei. Não precisava do apoio do Estado, “seu reino não é deste mundo”.

Os privilégios exclusivos também não interessavam a essas corporações. Os


privilégios atrairiam pessoas estranhas aos objetivos da corporação. Isso corromperia “a
simplicidade daqueles que já são seus membros”. Por isso, “a igreja como entidade
espiritual há de ser muito mais feliz e mais forte quando for absolutamente entregue a si
própria, quando não for patrocinada pelo poder civil”

Além desses princípios, o editorial também destacou a singular ideia de Estado


vigente entre os americanos. Diferente dos europeus, os americanos não viam o estado
como um “poder moral ideal, encarregado da obrigação de formar os caracteres e guiar
as vidas de seus súditos”. No pensamento americano, o Estado era

Semelhante a uma vasta companhia comercial ou talvez a uma vasta


municipalidade criada para a gerencia de certo negócio em que são
interessados todos os que residem dentro de seus limites, levantando
contribuições e despendendo-as neste negócio de interesse comum, mas
deixando quase em tudo o mais entregues a si mesmos, os acionistas ou
burgueses. [...] Portanto não ocorre nunca ao Americano em geral que haja
qualquer razão pela qual deve existir igrejas de Estado e ele fica pasmo ao ver
o fervor do sentimento europeu a este respeito.
Essa discussão teve continuidade em 14 de dezembro. O editorial da Imprensa
Evangélica (1889, p. 395), apresentou as particularidades da cultura civil-religiosa norte-
americana, como o Dia de Ação de Graças e o Dia de Oração e Jejum Comum. Para o
editorial, isso provava que de fato o Cristianismo era a religião estabelecida na América.
Os Estados Unidos não era uma república ateia. Portanto, “os americanos concebem que
o caráter religioso de um governo não consiste noutra coisa senão na crença religiosa de
cada um dos cidadãos e na conformidade de seu procedimento com aquela crença”.

A crença comum no Cristianismo era reconhecida por todos como a fonte da


prosperidade nacional. Sua nação era concebida como “objeto especial do favor Divino”.
As corporações religiosas recebiam do Estado apenas o favor em relação aos impostos de
suas propriedades, o que não feria a teoria. Isso, porque, elas “prestam serviços como
agentes morais e diminuem as despesas incursas relativamente à administração da
polícia”.

Em 21 de dezembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 402) continuou tratando da


cultura civil-religiosa dos Estados Unidos. O editorial diz que o único país da Europa que
mais se assemelhava aos Estados Unidos nesta questão era a Escócia. Note, a Escócia era
o país originário dos presbiterianos, advindos da reforma promovida por John Knox. Nos
Estados Unidos, havia rivalidade entre as diversas seitas religiosas. Mas era uma
rivalidade restrita a questões espirituais. Não havia perseguições, pois o Estado
permanecia neutro.

Ainda nesta edição, a Imprensa Evangélica (1889, p. 407) começa a citar a obra
de Edouard de Laboulaye (1811-1883), o poeta francês, teórico da laicidade e idealizador
da estátua da liberdade. O padroado era escravidão. O modelo de laicidade americana
fornecia uma noção de liberdade singular, que ensinava os homens a respeitá-la e amá-la.
“Nesta liberdade fecunda, que eleva as almas, esclarece e pacifica os espíritos, une os
corações, vemos nós o fruto o mais perfeito do Evangelho”. Essa liberdade só existia em
países que reconheciam Jesus Cristo como seu mestre.
Ainda em 14 de dezembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 393) procurou
demonstrar que o catolicismo não era a religião da maioria dos brasileiros. Para o
editorial, o catolicismo representava a crença apenas de um pequeno número de
brasileiros. Para provar seu argumento, o editorial diz não considerar nem os crentes das
igrejas evangélicas, nem os positivistas, nem os materialistas, nem os espíritas, nem os
indiferentes. Mas provaria o grau de catolicidade da população. O argumento se basearia
na observação e no senso comum.

A Igreja Católica impunha alguns deveres obrigatórios a todos os católicos.


“Nenhum fiel pode desprezá-lo sem ficar sujeito às mais severas penas espirituais, e até
a excomunhão da igreja”. Eram cinco deveres: ouvir Missa inteira nos domingos e festas
de guarda; confessar-se ao menos uma vez cada ano; comungar ao menos pela Páscoa da
Ressurreição; jejuar quando manda a Santa Madre Igreja; e pagar dízimos e primícias. Os
católicos sinceros seguiriam fielmente estas regras. Mas, observando apenas a província
do Rio de Janeiro, era difícil ver um católico que fosse fiel cumpridor de todas as regras.

Em 21 de dezembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 401) publica uma pastoral


na primeira capa convocando os leitores a orarem pela pátria. A República estava diante
de grandes desafios e o descontentamento era crescente. “Se todos os brasileiros
procurarem a união, a paz e o bem da pátria, o governo pode ser organizado nos novos
moldes e o Brasil pode continuar na sua carreira de prosperidade”.

Em seu discurso, o editorial utiliza a retórica religiosa para dizer que os


evangélicos eram poucos, “mas o nosso Deus é todo-poderoso”. Deus, como controlador
dos destinos das nações, havia em sua providência derrubado a monarquia. A República
fazia parte do seu plano. “Recorramos, pois, a Ele pedindo com todo o fervor que abençoe
os homens que estão no poder, dando-lhes prudência e sabedoria, moderando a ambição
e o orgulho onde quer que apareçam, fazendo desaparecer a discórdia e o ódio, inclinando
todos a viver em paz e harmonia”. Era dever dos leitores orarem pela pátria.

Em 4 de janeiro de 1890, a Imprensa Evangélica (1890, p. 1) publica um


comentário em matéria de capa sobre as reformas realizadas no ano anterior: o registro
civil, a Proclamação da República e a naturalização dos estrangeiros. Entretanto, o
editorial lamenta que a separação entre o Estado e a Igreja ainda não houvesse sido
efetuada.

Se o regime de “religião privilegiada” continuasse não haveria fraternidade entre


o povo brasileiro. O editorial declara que sua oposição não era contra a Igreja Católica,
mas contra o fato dela continuar sendo subsidiada pelos cofres públicos. “Todo brasileiro
patriota e que nutre o ardente desejo de ver sua pátria engrandecida e forte, deve pugnar
corajosamente pelo grande princípio de justiça que iguala os direitos a todos os seus
concidadãos”. O que o brasileiro patriota desejava era a separação para a República
brasileira ser semelhante à dos Estados Unidos da América.

Na mesma edição de 4 de janeiro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 3) transcreveu


um discurso de Rui Barbosa sobre a liberdade religiosa. No trecho selecionado pelo
editorial, Rui Barbosa declarava que a união entre a igreja e o Estado era uma prostituição.
Prostituição do Cristianismo e prostituição do soberania civil. O resultado de tal união era
“um povo sem fé, um clero sem vocação, indivíduos sem o instinto do direito, instituições
sem autoridade, uma nacionalidade, em suma, cristã e politicamente imersa em atonia
mortal”.

Somente sob o domínio da liberdade religiosa o sentimento cristão brotaria. Para


Rui Barbosa, os Estados Unidos também serviam como melhor exemplo. “Não há, no
mundo inteiro, um país onde tão ativa, tão intensa e tão universalizada seja a fé”. No país
onde não havia legislação de cultos, a opinião era tão religiosa que não compreendia a
incredulidade.

Destacamos que Rui Barbosa também utiliza como referencial teórico as ideias de
Laboulaye para demonstrar como o pensamento religioso cristão fundou as instituições
americanas. Não haveria país onde o cristianismo estivesse tão envolvido com a vida
social e política. A liberdade religiosa é o princípio de todas as outras liberdades. “Porque
esses conflitos incruentos entre ideia e ideia, entre religião e religião, entre seita e seita,
são o meio natural, onde o cristianismo se retempera, se restaura, se depura, se estende,
se aprofunda, e, acercando-se da sua origem, aproxima-se de seu ideal”.

2. A realização da laicidade
Em 11 de janeiro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 2) publica o Decreto da
liberdade religiosa, conhecido como Decreto 119-A de 7 de janeiro de 1890. Para o
editorial, “não haverá patriota, certamente, que se não orgulhe com este glorioso decreto,
cuja data brilhará na história pátria com intensidade igual às de 13 de Maio e 15 de
Novembro”. O brasileiro sabia resolver seus problemas “a energia e a prudência que
fazem a honra do caráter brasileiro”.

É um fato curioso que no mesmo artigo, a redação procure afirmar sua identidade
presbiteriana. Os países em que havia mais liberdade eram os que a maior parte do povo
era calvinista. Os maiores exemplos eram a Escócia e os Estados Unidos. Mas as nações
católicas eram as menos tolerantes e tinham menos liberdade. “Ao teólogo de Genebra
pertence a glória de ter lançado as bases da liberdade moderna”.

Além disso, a Bíblia continha a Constituição política mais antiga e a mais liberal
do mundo antigo. Para o editorial, a comissão encarregada de redigir a Constituição
brasileira deveria se atentar para Constituição da nação hebraica, promulgada por Moisés.
“Moisés foi o primeiro a estabelecer uma república com plena liberdade e garantias para
todos os cidadãos. [...] Foi um governo pelo povo”.

No entanto, no editorial de 18 de janeiro, a Imprensa Evangélica (1890, p. 3)


transcreveu um alerta da Gazeta de Notícias sobre a contradição existente entre os artigos
1º e 6º do Decreto. O primeiro artigo estabelecia o seguinte:

É proibido à autoridade federal, assim como à dos estados federados, expedir


leis, regulamentos, ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou
vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços
sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões
filosóficas ou religiosas.
No entanto, o artigo sexto estabelecia:

O governo federal continua a prover a côngrua, sustentação dos atuais


serventuários do culto católico e subvencionará por um ano as cadeiras dos
seminários; ficando livre a cada estado o arbítrio de manter os futuros ministros
desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos
antecedentes.
Segundo a Gazeta de Notícias, o artigo sexto era contraditório e atentatório ao
espírito liberal da reforma.

Em 12 de abril, a Imprensa Evangélica (1890, p. 2) transcreveu um artigo do


Movimento de Ouro Preto comentando o Decreto. Segundo o jornal mineiro, “o governo
provisório tem a intuição justa das coisas”. Era a preparação para uma “pátria livre,
grande e próspera”.

Em 26 de abril, a Imprensa Evangélica (1890, p. 1) publica um artigo propondo A


Solução Protestante para a República. O editorial alertava para o fato da hierarquia
católica já estar se organizando para manter a união com o Estado. Os protestantes
reconheciam a necessidade de religião na República. “Sem religião não pode haver moral,
sem moral não pode haver um povo livre”

Portanto, o povo deveria ser religioso, mas não fanático. A religião protestante era
a única que ensinava a moral tirada das Escrituras Sagradas, “é a mais pura que pode
haver; e a moral é a base da ordem, paz e prosperidade da sociedade”. Além disso, os
protestantes não se metiam em política, pois Jesus havia dito que “o meu reino não é deste
mundo”.

Em 5 de julho, a Imprensa Evangélica (1890, p. 2) publica os artigos sobre


laicidade do projeto de Constituição e transcreve o comentário da Gazeta de Notícias.
Para a Gazeta de Notícias, o projeto de constituição feria o princípio da liberdade
religiosa. Porém, os homens da política deveriam ser pragmáticos e não estarem presos a
abstrações filosóficas.

Os artigos eram atentatórios contra a Igreja Católica. Porém, a hierarquia católica


estava contra a liberdade republicana. “Se atendermos a que essa igreja constitui
propriamente um partido político, não devemos estranhar, antes devemos aplaudir, que
um governo republicano a trate como a adversários políticos”. Com o catolicismo, a
República deveria ser tolerante, mas com o partido católico, deveria ser intransigente.

Em 19 de julho, a Imprensa Evangélica (1890, p. 1) aborda a questão da


possibilidade de um Estado ser ateu. Para o editorial, essa ideia só existia quando se
ignorava que o Estado é um termo abstrato. Além disso, governo não era o Estado. Estado
era a nação. “Toda a nação organizada com o governo e leis é um Estado”. Por isso, era
impossível que o Estado fosse ateu ao declarar-se laico. Novamente, o maior exemplo são
os Estados Unidos.

Conclusão

A Imprensa Evangélica foi o órgão oficial da missão presbiteriana do norte dos


Estados Unidos (PCUSA). Foi fundada em 1864 e em 1892 teve suas publicações
encerradas por ordem da Junta de Missões da PCUSA. O encerramento deste jornal tinha
sido fruto do movimento de nacionalização do presbiterianismo no Brasil.

Diversos temas político-religiosos foram discutidos ao longo das publicações da


Imprensa Evangélica. Mas a liberdade religiosa foi o tema mais discutido. Nesta
comunicação, nossa pretensão foi apresentar, de forma sintetizada, os discursos
publicados no jornal em relação à laicidade, desde a Proclamação da República até o
Decreto 119-A e a Constituição.

Neste momento, estamos analisando outras questões relacionadas a esse tema,


principalmente a reação dos presbiterianos quando constataram que embora laica, a
República passara a favorecer tacitamente a Igreja Católica. Outra questão a ser abordada
ainda é o discurso contraditório de considerar o espiritismo como caso de polícia,
negando-lhe, ao menos no discurso, o direito à liberdade religiosa. Essas questões ainda
podem ser vistas na Imprensa Evangélica e depois no jornal O Estandarte, que se tornou
o órgão oficial do presbiterianismo nacional a partir de 1893.

Fonte

IMPRENSA EVANGELICA. São Paulo/Rio de Janeiro, 1889-1892.

Referencial Bibliográfico
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2019.

CATROGA, Fernando. A religião civil do Estado-Nação: os casos dos EUA e da França.


Revista de História das Ideias, Coimbra, v. 26, 2005. Disponível em: <https://digitalis-
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COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6ª ed. São
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LEITE, Fábio Carvalho. O Laicismo e Outros Exageros sobre a Primeira República no


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<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872011000100003&
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MEDEIROS, Pedro H. C. de. A Imprensa Religiosa como Espaço de Afirmação da


Identidade do Protestantismo Nacional: a missão presbiteriana e o jornal Imprensa
Evangélica. In: BESSONE, Tânia et al (org.). Imprensa, Livros e Política no Oitocentos.
São Paulo: Alameda, 2018.

MEDEIROS, Pedro H. C. de. Pelo Progresso da Sociedade: a imprensa protestante no


Rio de Janeiro imperial (1864-1873). Dissertação (mestrado em História) UFRRJ, 2014.

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