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O fim do regime de padroado com a plena liberdade religiosa foi uma das
bandeiras levantadas pelos liberais durante o segundo reinado, principalmente a partir do
renascer liberal da década de 1860. Os protestantes, principalmente os missionários norte-
americanos de diversas denominações, por meio da imprensa, lutaram para que essa
separação entre o poder religioso e o poder político se efetivasse, algo que teria sido
alcançado somente com a Proclamação da República.
1. A expectativa da laicidade
No decurso das pesquisas de mestrado, analisamos o jornal Imprensa Evangélica
entre os anos de 1864 e 1873. O resultado de nossa pesquisa demonstrou que o tema da
liberdade religiosa havia sido amplamente discutido na esfera pública. E o jornal
evangélico não hesitou em reproduzir e discutir as principais ideias sobre esse tema.
A discussão deste tema sempre esteve presente nas folhas da Imprensa Evangélica
(1889, p. 5). Mas, no último ano do Império, a questão da laicidade volta a ser discutido
de forma intensa. Em 5 de janeiro de 1889, o editorial expõe sua opinião sobre um projeto
de liberdade de cultos que havia passado no Senado, mas que fora barrado na Câmara.
"Virá a liberdade de cultos, assim como virá a este povo paciente e longânimo o
conhecimento da liberdade completa que se acha no Evangelho e com este conhecimento
o poder de sacudir o jugo de Roma, que há tantos anos, o acabrunha".
Não se desejava privilégio para os não católicos e sim igualdade e justiça. Certos
de que os liberais eram amantes da liberdade, restava aos não católicos confiar que eles
dariam “provas do seu patriotismo e do seu amor aos altos interesses da sociedade
brasileira”.
Raiou o dia 15, e logo a notícia de uma revolta do exército percorreu por todos
os ângulos da cidade, com a velocidade do relâmpago; e enquanto o povo
ansioso indagava a causa deste movimento, eis que toda a tropa desfilava pelas
ruas da cidade na maior ordem e debaixo da mais admirável disciplina por entre
numerosas ondas de povo que saudava o exército com palmas e com a mais
delirantes vivas à república!
Dessa forma, à redação do jornal restava agradecer a Deus pela “grande bênção”
que havia concedido ao Brasil. Como o governo demonstrava ser de ordem e liberdade, a
redação declarava seu apoio ao governo. E declara esperar o decreto da plena igualdade
de cultos na República.
Em 23 de novembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 374) transcreve um artigo
de James Brick, publicado na República Americana, sobre a laicidade nos Estados
Unidos. Lá, todas as corporações religiosas eram reconhecidas como “associações
voluntárias de cidadãos particulares” e tinham igualdade perante a lei.
Então, o editorial confronta a realidade brasileira com a dos Estados Unidos lugar
onde todas as comunidades de fé eram sustentadas pelos próprios fieis. Num
questionamento retórico, diz: “acaso queremos ficar neste ponto inferiores à grande
república da América do Norte? De nenhum modo!”
Sob a perspectiva religiosa, entende-se que uma corporação espiritual só tem fins
espirituais. Essa corporação reúne homens que possuem uma devoção em comum a um
ser invisível, nutrindo a esperança de um futuro ilimitável. Por isso, era inconcebível a
imposição de uma crença, uma vez que essa corporação estava fundada no amor e na
reverência, não na lei. Não precisava do apoio do Estado, “seu reino não é deste mundo”.
Ainda nesta edição, a Imprensa Evangélica (1889, p. 407) começa a citar a obra
de Edouard de Laboulaye (1811-1883), o poeta francês, teórico da laicidade e idealizador
da estátua da liberdade. O padroado era escravidão. O modelo de laicidade americana
fornecia uma noção de liberdade singular, que ensinava os homens a respeitá-la e amá-la.
“Nesta liberdade fecunda, que eleva as almas, esclarece e pacifica os espíritos, une os
corações, vemos nós o fruto o mais perfeito do Evangelho”. Essa liberdade só existia em
países que reconheciam Jesus Cristo como seu mestre.
Ainda em 14 de dezembro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 393) procurou
demonstrar que o catolicismo não era a religião da maioria dos brasileiros. Para o
editorial, o catolicismo representava a crença apenas de um pequeno número de
brasileiros. Para provar seu argumento, o editorial diz não considerar nem os crentes das
igrejas evangélicas, nem os positivistas, nem os materialistas, nem os espíritas, nem os
indiferentes. Mas provaria o grau de catolicidade da população. O argumento se basearia
na observação e no senso comum.
Destacamos que Rui Barbosa também utiliza como referencial teórico as ideias de
Laboulaye para demonstrar como o pensamento religioso cristão fundou as instituições
americanas. Não haveria país onde o cristianismo estivesse tão envolvido com a vida
social e política. A liberdade religiosa é o princípio de todas as outras liberdades. “Porque
esses conflitos incruentos entre ideia e ideia, entre religião e religião, entre seita e seita,
são o meio natural, onde o cristianismo se retempera, se restaura, se depura, se estende,
se aprofunda, e, acercando-se da sua origem, aproxima-se de seu ideal”.
2. A realização da laicidade
Em 11 de janeiro, a Imprensa Evangélica (1889, p. 2) publica o Decreto da
liberdade religiosa, conhecido como Decreto 119-A de 7 de janeiro de 1890. Para o
editorial, “não haverá patriota, certamente, que se não orgulhe com este glorioso decreto,
cuja data brilhará na história pátria com intensidade igual às de 13 de Maio e 15 de
Novembro”. O brasileiro sabia resolver seus problemas “a energia e a prudência que
fazem a honra do caráter brasileiro”.
É um fato curioso que no mesmo artigo, a redação procure afirmar sua identidade
presbiteriana. Os países em que havia mais liberdade eram os que a maior parte do povo
era calvinista. Os maiores exemplos eram a Escócia e os Estados Unidos. Mas as nações
católicas eram as menos tolerantes e tinham menos liberdade. “Ao teólogo de Genebra
pertence a glória de ter lançado as bases da liberdade moderna”.
Além disso, a Bíblia continha a Constituição política mais antiga e a mais liberal
do mundo antigo. Para o editorial, a comissão encarregada de redigir a Constituição
brasileira deveria se atentar para Constituição da nação hebraica, promulgada por Moisés.
“Moisés foi o primeiro a estabelecer uma república com plena liberdade e garantias para
todos os cidadãos. [...] Foi um governo pelo povo”.
Portanto, o povo deveria ser religioso, mas não fanático. A religião protestante era
a única que ensinava a moral tirada das Escrituras Sagradas, “é a mais pura que pode
haver; e a moral é a base da ordem, paz e prosperidade da sociedade”. Além disso, os
protestantes não se metiam em política, pois Jesus havia dito que “o meu reino não é deste
mundo”.
Conclusão
Fonte
Referencial Bibliográfico
BELLAH, Robert N. Civil Religion in America. Daedalus, Cambridge/MA, v. 96, n. 1,
1967. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/20027022>. Acesso em: 08 out.
2019.
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6ª ed. São
Paulo: UNESP, 1999.