Você está na página 1de 2

Para se falar em Venezuela é necessário um olhar histórico-crítico que compreenda

a complexidade da situação econômica e social do país. Se analisada isoladamente, com


base apenas nas manchetes chamativas, pode se ter a impressão de que a crise é reflexo
de um desejo sádico do governo venezuelano. Entretanto, foi exatamente como resposta à
um evento cruel, perpetrado pelo governo conservador de Carlos Andrés Pérez, em 1989,
que Chávez e seus aliados foram alçados ao poder.
Na década de 80, a Venezuela passava por uma crise semelhante, originada de uma
queda abrupta dos preços do petróleo. Como resposta, Pérez aplicou um duro pacote
econômico e reajustou o preço dos combustíveis - com consequente aumento das tarifas de
transporte público. Principal vítima das medidas econômicas adotadas, a parcela mais pobre
da população rebelou-se de maneira espontânea, com foco principal na capital Caracas. A
resposta do governo foi uma forte repressão que resultou na execução dos ativistas. A
tragédia, com MILHARES de mortos, ficaria conhecida como “El Caracazo”. É do movimento
de resistência cívico-militar, criado a partir do episódio, que surge Hugo Chávez -
posteriormente eleito em 1999 1. Dito isto, é importante analisar alguns dados relativos ao
período em que o “chavismo” está no poder.
De acordo com dados da FAO, o número de venezuelanos subnutridos em 1999-
2001 era de 4 milhões. Atingiu o menor patamar entre 2008-2010 (0,9) e, atualmente, no
ano de 2017, é de 3,7 milhões. Se observada a porcentagem em relação a população total,
no período de 1999-2001, os subnutridos representavam 16,4% desta. No intervalo de
2008-2010 - 3,1% - e, entre 2015-2017, 11,7%. O fornecimento médio de proteínas
(grama/capita/dia) era de: 68 g (1999-2001), 87 g (2008-2010) e último levantamento, 84 g
(2011-2013). Devido a falta de dados para o ano de 2017, devemos considerar uma piora no
fornecimento. A adequação da oferta média de energia na dieta era de: 106% (1999-2001),
121% (2008-2010), e de 105% (2015-2017).
Fato importante para a compreensão da deterioração econômica é a crise do
petróleo. Em 2014, o preço do barril de petróleo despencou de U$100 para U$50,
impactando fortemente a economia venezuelana. A falta de dólares oriundos das
exportações do petróleo teve como consequência a queda na produção interna de alimentos
(devido às dificuldades na importação de adubos e defensivos) e na importação de outros
produtos alimentícios. Em 1999 a produção total de cereais era equivalente à 2.234.034 mil
toneladas. Em 2008 atingiu 4.107.467 mil toneladas, caindo para 1.782.326 mil toneladas
em 2015 2.
Não obstante a situação econômica, se observados os elementos de avaliação e
classificação do Índice de Desenvolvimento Humano, a maioria dos indicadores também
apresentou melhoras em relação ao período anterior ao “chavismo”. Em 2000, a Venezuela
apresentou pontuação de 0.672, em relação ao índice, atingindo 0.767 em 2015. A
expectativa de vida evoluiu, no período de 2000 à 2015, de 72,3 anos para 74,4 anos. A
mortalidade adulta feminina caiu de 104 por 1000 (em 2000) para 91 por 1000 (2014), e a
mortalidade masculina teve redução de 217 por 1000 (2000) para 195 por 1000 (2014).
Ademais, a mortalidade infantil que era de 18,5 por 1000, em 2000, passou para 12,9 por
1000 em 2015 . Um aspecto negativo que se faz importante observar é que a porcentagem
de investimento em saúde, em relação ao PIB, que era de 2,3% em 2011, passou a ser de
1,5%, em 2014. No escopo da educação, a expectativa de anos de escolarização evoluiu de

1http://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/6010-venezuela-recorda-27-anos-do-
massacre-de-trabalhadores-neste-sabado
2 http://www.fao.org/countryprofiles/index/en/?iso3=VEN
10,4, em 2000, para 14,3 em 2015; e a porcentagem da população alfabetizada, que era de
89,8% em 1990, evoluiu para 95.4% em 2015 3.
O que se pode concluir é que houve melhora significativa ao período pré-chavista em
diversas áreas enquanto o preço do barril de petróleo estava estável. Um governo
despreocupado com o bem estar de sua população dificilmente evoluiria sua pontuação no
índice de desenvolvimento humano, muito menos reduziria a mortalidade infantil e o
analfabetismo. Cabe salientar que, desde 19994, o país passa por tentativas de golpe
(2002), sabotagem na produção (ocorrida na PDVSA)5, sanções econômicas6 e instabilidade
política gerada pela inconsequência dos opositores. Entretanto, não se pode ignorar que
existiram erros. Incontestavelmente, a ineficiência em diminuir a dependência econômica do
petróleo, de impulsionar a produção interna de alimentos e medicamentos de maneira
satisfatória, além de desenvolver a industrialização do país, são responsabilidades dos
governos “chavistas”. Contudo, não é certo que um governo neoliberal poderia ter feito
melhor. Por décadas os governos liberais se revezaram no comando da Venezuela,
culminando - num momento de crise - no “El Caracazo”. A crise gerada pela queda abrupta
do preço do petróleo freou, quando não reduziu, os avanços do “chavismo” na área social,
mas não é comprovável a omissão do poder público de maneira proposital aos reflexos dos
problemas econômicos. O índice Gini, que mede a desigualdade de distribuição de renda
(quanto mais próximo de 1, mais desigual), demonstra que a Venezuela, até 2016, possuía
o menor indicador de desigualdade (0,376) da América do Sul, enquanto o Brasil destacava-
se entre os mais desiguais (0,511). Dados como este, e os indicadores que compõem o IDH,
corroboram a ideia de que a crise venezuelana se afasta da ideia de um governo tirânico e
débil e, no geral, tem nexo causal direto com a crise econômica, já que houve melhora
significativa nos tópicos analisados, raramente regredindo à patamares anteriores a 1999.

3 http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/VEN
4 https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2002/020416_marciadi.shtml
5http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/03/grupo-armado-invade-instalacoes-da-pdvsa-e-faz-
sabotagem-diz-estatal.html
6https://g1.globo.com/mundo/noticia/apos-reeleicao-de-maduro-eua-impoem-novas-sancoes-
economicas-a-venezuela.ghtml

Você também pode gostar