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Incorporação Exames de Debate sobre Direito do

ponta mudam valor em cidadão,


de tecnologias a história das saúde foca judicialização
exige novo modelo doenças e em eficácia e deve ser exceção
de financiamento salvam vidas transparência e não regra
N
a última década, os avanços da genética e da bio-
tecnologia permitiram à indústria farmacêutica de-
senvolver as terapias gênicas e celulares, que estão
revolucionando os tratamentos de doenças raras e
ultrarraras, assim como tipos de câncer antes con-
siderados incuráveis.
Esses tratamentos inovadores abrem novas perspectivas
de cura para pacientes e médicos, mas seu custo ainda ele-
vado requer um debate aprofundado sobre as melhores for-
mas de avaliar essas terapias, financiá-las e incorporá-las aos
sistemas de saúde público e privado no país.
No Fórum Terapias Gênicas/Avançadas: Geração de Va-
lor na Jornada do Paciente e do Sistema de Saúde, realizado
pelo Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sin-
dusfarma) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
nos dias 23 e 24 de outubro de 2019, no auditório da agência,
em Brasília, gestores públicos, médicos, pesquisadores na-
cionais e internacionais, parlamentares e lideranças da Saúde
compartilharam as experiências no Brasil e em outros países
e discutiram os diversos aspectos relativos ao tema, como
regulação, pesquisa clínica, diagnóstico, legislação, financia-
mento e sustentabilidade.
EXPEDIENTE sumário

Inovação
Terapias gênicas, uma revolução a caminho
06
Doenças Raras
Esperança para 13 milhões de brasileiros
11
Diagnóstico
FÓRUM TERAPIAS GÊNICAS/AVANÇADAS: Informação genética pode transformar decisões clínicas
Geração de Valor na Jornada do Paciente 12
e do Sistema de Saúde Impacto Social
Diante do avanço tecnológico, sempre há um paciente
23 e 24 de outubro de 2019 15
Auditório da Anvisa – Brasília
Centros de Referência
Espera por consulta inviabiliza tratamentos
16
COMISSÃO ORGANIZADORA
Pesquisa
Coordenador Geral: Desenvolvimento de novas terapias avança no mundo
Bruno Abreu (Sindusfarma) 18
Marco Regulatório
Coordenador:
Reus Farias Filho (Sindusfarma) “A população brasileira não será cobaia”
22
Ana Clara Azevedo (Sarepta) Mercado
Aurélio Yamada (Biomarin) Definição de preços precisa acompanhar modernização
Fernanda Longo (ODC)
26
Gabriela Pimenta (Janssen) Valor em Saúde
Gabriela Tannus (AxiaBio)
Realização e organização Transparência de dados é premissa para mensurar custos
28
Gustavo Carbone (Sarepta)
Acesso
João Sanches (Novartis)
Incorporação da tecnologia exige novo modelo de gestão em saúde
Márcia Moscatelli (Ultragenyx) 32
Marcus Simões (SCMED/Anvisa) Legislação
Marjorie Nobrega (Janssen) APOIO Arcaísmo das regras dificulta parcerias
Misani Ronchini (Anvisa) 36
Omar Akl (Novartis) Judicialização
Raquel Fernandes (Janssen) Custo dobra quando o acesso é obtido por ordem da Justiça
38
Roberto Fernandes (ODC)
NOVO MODELO
Thiago Gonçalves (Novartis)
Diálogo entre setores é vital para encontrar sustentabilidade
Thomas Gierse (Biomarin) 40
Inovação

G
randes expectativas fo-

TERAPIAS GÊNICAS: ram criadas a partir do


mapeamento comple-
to do genoma humano

uma revolução
e agora vivemos o mo-
mento em que os resultados
começam a despontar, na for-
ma de diagnósticos precisos e

a caminho tratamentos contra doenças até


então consideradas incuráveis.
“Nos últimos cinco anos,
as terapias avançadas deram
um salto em termos mundiais.
Medicina avançada permite vislumbrar Hoje, todas as grandes indús-
uma nova ordem mundial na saúde. trias farmacêuticas desenvol-
vem protocolos na área. Nos
Com a tecnologia, é possível próximos anos, teremos pelo
menos 25 produtos aprovados
reprogramar o DNA para combater para várias enfermidades”, afir-
doenças até então incuráveis ma Guilherme Baldo, professor
da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Terapias avançadas são
produtos biológicos obtidos a
partir de células e tecidos hu-
manos que foram submeti-
dos a um processo de fabri-
cação. Existe a terapia celular
– que utiliza células inteiras
para a cura de uma doença,
como acontece no transplan-
te de medula óssea, por exem-
plo – e a gênica, cujo diferen-
cial é a introdução de DNA ou
RNA na célula a fim de corrigir
ou substituir genes defeituosos
que impedem o funcionamen-
to pleno do organismo.
As técnicas são indepen-
dentes, uma não suplanta a
outra e frequentemente se so-
brepõem. Ambas trazem como
Guilherme Baldo, professor da
principal perspectiva o poten-
universidade federal do rio grande do sul
cial de cura por meio de uma

6 Terapia gênica Terapia gênica 7


Inovação

única dose para doenças ra-


ras, graves, que sem a ajuda
Personalização
das novas tecnologias levam à Terapia Gênica Dadas suas múltiplas apli- ente. A modificação é a mes-
morte ou exigem tratamentos EX VIVO IN VIVO A terapia gênica cações, as terapias gêni- ma para todos os que têm de-
contínuos, geralmente durante cas certamente vão provocar terminada doença. Em função
toda a vida. 1
As células
1
O DNA é
reprograma o corpo uma revolução no sistema de disso, no futuro será possível
Os norte-americanos fo- são extraídas preparado em saúde. Entretanto, por utili- alcançar algum tipo de escala
ram os pioneiros, fixando os do paciente laboratório para combater zarem informações únicas e, consequentemente, redu-
pilares do conhecimento que sobre as características de zir o custo dos tratamentos”,
atualmente orienta o traba-
2
O DNA é
diretamente a doença. cada receptor, há dúvidas so- avalia Baldo.
lho de centenas de laborató- preparado bre como viabilizar o acesso à Espera-se que as novas
rios e centros de pesquisa em em laboratório
e introduzido 2
Você altera ou substitui população, uma vez que tra- tecnologias tragam a cura
todo o mundo. Cientistas fran- nas células tam cada paciente de forma para inúmeras doenças que
O DNA transformado
ceses e italianos também ocu- do paciente
é injetado no um gene deficiente individualizada. resultam da atuação irregular
pam posições de ponta nessa paciente, “Embora seja necessário de um gene, desde enfermi-
3
cruzada. “O Brasil não pode fi- As células com DNA
corrigindo
as causas para normalizar as um vetor ou a própria célu- dades herdadas dos pais até
car parado. É um investimento transformado são da patologia la do paciente para transpor- as adquiridas, como tumo-
grande e condicionado a mui-
reimplantadas, corrigindo
as causas da patologia funções celulares.” tar o conteúdo genético, não res, infecções por vírus letais
tos protocolos de biossegu- se cria obrigatoriamente um e problemas no coração, en-
rança, mas vital”, avalia Baldo. GUILHERME BALDO novo produto para cada do- tre outras.

Como funciona • in vivo – o material genético dificados em laboratório, eles região indevida, pode ocasio-
é alterado diretamente no perdem o caráter nocivo e re- nar a mutagênese insercional,
Existem diferentes formas
corpo do paciente. cebem o DNA que deve ser in- quando o material genético in-
de introduzir genes funcionais
serido nas células-alvo. Ao in- terfere em elementos que re-
– capazes de reverter o quadro
Em ambos, o grande desa- fectá-las, levam consigo uma gulam a reprodução celular, re-
de algumas enfermidades ou
fio é encontrar vetores capazes ou mais cópias do gene alte- sultando em tumores.
estimular o sistema imune – no
de transferir o DNA de modo efi- rado, devolvendo ao corpo a Um desses novos cami-
interior de células. É possível
ciente. Isso porque o material ge- normalização de alguns pro- nhos é a edição de genes, que
tanto inserir um gene normal
nético precisa atravessar a mem- cessos até então ineficientes. consiste em usar uma proteína
para substituir um não-funcio-
brana plasmática da célula de Várias pesquisas estão em capaz de quebrar o DNA num
nal como apenas modificar um
forma íntegra e alcançar a posi- andamento a fim de melhorar ponto exato e, no momento da
gene anômalo. A troca e o re-
ção correta – do contrário, pode a entrega da molécula na cé- ruptura, inserir nela o material
paro, por sua vez, podem ser
acarretar uma resposta adversa lula receptora. A necessidade que substituirá o gene anôma-
feitos também de duas formas:
do organismo, como mutações decorre do fato de que, ape- lo, dispensando o uso de vetor
inesperadas, por exemplo. Em sar de perderem a patogeni- e diminuindo o risco de des-
• ex vivo – o pesquisador re-
outras palavras, é necessário um cidade, os vetores virais po- vios. Enquanto na forma clás-
A maior conclusão do projeto genoma foi explicar
move as células do paciente,
modifica ou substitui o gene
carregador que proteja o gene dem instigar uma resposta do sica há um grau de incerteza que a complexidade do ser humano está na codificação
até a entrega em seu destino. sistema imunológico que torna sobre onde o produto genético
em laboratório e depois rein-
Atualmente os vetores mais ineficaz a terapia. Outro ponto será inserido, com a edição é
de diferentes proteínas e não no número de genes”
sere a célula transforma-
utilizados são os vírus, em ra- chave é o endereçamento cor- possível tirar uma mutação es-
da no corpo do paciente (o
zão da facilidade com que con- reto, uma vez que o vetor, ao pecífica e colocar outro gene CAROLINA FISCHINGER
exemplo mais conhecido é o
seguem invadir as células. Mo- entrar acidentalmente em uma naquele lugar. Médica Geneticista
chamado CAR-T).

8 Terapia gênica Terapia gênica 9


Inovação Doenças Raras

Terapia CAR-T e vem sendo aplicado para o madas, as células T são inseri-

No início de outubro, cor-


reu o Brasil a notícia de um
tratamento de cânceres hema-
tológicos, como linfomas e leu-
cemias. Extraídas do pacien-
das de volta no paciente e pas-
sam a atacar o câncer.
“A CAR-T foi considerada
Esperança para Em sua maioria degenerativas
e incapacitantes,
paciente com linfoma em fase
terminal que se livrou dos sin-
tomas do câncer graças a um
te, as células T – chamadas
de cavalo de batalha do siste-
ma imunológico devido a seu
mundialmente a terapia mais
inovadora do ano passado.
Mas ela não é isenta de riscos,
13 milhões enfermidades consideradas
raras estão na mira dos
tratamentos que corrigem
tratamento inédito na Améri-
ca Latina. Um homem de 64
anos foi submetido a uma das
papel de conduzir a resposta
imune e matar células infecta-
das por patógenos – são ma-
por isso precisa ser realizada
em centros de alta complexi-
dade”, explica Angelo Maiolino,
de brasileiros genes defeituosos
abordagens da medicina gêni- nipuladas em laboratório para diretor da Associação Brasilei-
ca que mais avançaram até o combater o tumor. ra de Hematologia, Hemotera-
momento: a CAR-T – sigla in- Essa modelagem usa ví- pia e Terapia Celular (ABHH).

A
glesa para designar os recep- rus desarmados que carregam Entre as reações adversas s doenças raras são alvos prioritários das copolissacaridose, por exemplo, custa R$ 1 mi-
tores quiméricos de antígenos os receptores quiméricos, ou que o tratamento pode desen- terapias avançadas. Geralmente crôni- lhão por ano, pela vida toda, porque precisa re-
de células T. seja, as moléculas sintéticas cadear está a síndrome de li- cas, progressivas e incapacitantes, es- por, semanalmente, em ambiente hospitalar, uma
Trata-se de um procedi- preparadas para induzir as cé- beração de citocinas (febre e sas enfermidades afetam principalmente enzima que seu organismo não produz. A terapia
mento que combina terapia lulas T a reconhecer as células diminuição da pressão arterial crianças, e a maioria não dispõe de tra- gênica pode resolver esse tipo de problema com
celular, gênica e imunoterapia tumorais. Uma vez reprogra- nos dias seguintes à adminis- tamentos médicos. Segundo o Ministério da Saú- uma única intervenção.
tração, quando a defesa do or- de, uma doença é classificada rara quando tem
ganismo começa a combater incidência de até 65 casos por 100 mil habitan-
as células malignas), além de tes. Estima-se que 13 milhões de brasileiros se-
1 2 toxidade neurológica. jam acometidos por esse tipo de problema.
Coleta de sangue
do paciente para
obtenção de células T
Produção de células
CAR-T em laboratório
3
É importante ter em vis-
ta que, em função de ser uma
O número é alto. E a diversidade de distúrbios,
também. Existem de seis a oito mil tipos de doen-
6 a 8mil
tipos de doenças raras
30%
dos pacientes morrem

Inserção tecnologia recente e de alto ças raras no mundo, de acordo com a Organização antes dos 5 anos
custo, recorre-se a ela quan- Mundial da Saúde (OMS), das quais 80% têm ori-
80%
Célula T
gênica do
CAR
do as possibilidades de trata- gem genética. As demais decorrem de causas am-
têm origem
mento convencional se esgo- bientais, infecciosas, imunológicas, entre outras. genética
taram. Segundo Maiolino, a A prevalência de pesquisas de terapia gêni-
CAR-T tem sido utilizada em
pacientes com doenças mui-
ca voltadas a doenças raras se explica pelo ca-
ráter inovador dos tratamentos. O receio de efei- 75%
afetam
13milhões
de pessoas
com doenças raras
to avançadas, o que implica tos adversos importantes restringiu o uso inicial
Célula
Célula
CAR-T
CAR-T crianças no Brasil

numa taxa de sucesso poten- dessa tecnologia a pacientes sem outra chance
cialmente menor. “Ainda as- de cura. “Os tratamentos hoje são mais seguros,
sim, os resultados são mui- mas, ainda assim, doenças genéticas são o foco,
Célula de
câncer 4
Recepção to bons, com resposta global especialmente pelo alto custo dos tratamentos”,
7 de antígeno
quimérico
entre 50 a 100% por cento”, explica o geneticista Guilherme Baldo.
afirma. E existe a perspectiva “Tratar um paciente com terapia gênica cus-
7anos 40%
As células CAR-T
ligam-se às células
cancerígenas e 6 de que a incorporação des- ta hoje em torno de US$ 1 milhão a 2 milhões.
as destroem Infusão das 5 sa terapia às linhas anteriores Isso não a torna uma escolha viável para doenças é o tempo médio para dos pacientes recebem
diagnóstico errado
fechar o diagnóstico
células CAR-T Crescimento das células de tratamento aumente ainda que já dispõem de soluções mais baratas”, expli- de doenças raras ao longo da vida
no paciente CAR-T em laboratório
mais o percetual de eficácia ca Baldo. No caso de doenças raras, no entanto,
no resultado. a lógica é inversa. Um paciente que sofre de mu-

10 Terapia gênica Terapia gênica 11


Diagnóstico

C
aracterizadas por uma

Informação genética ampla diversidade de si-


nais e sintomas, as do-
enças raras são de di-

pode transformar
fícil diagnóstico, o que
leva muitos casos à descoberta
tardia. Isso contribui para o alto
índice de pacientes que mor-

decisões clínicas rem antes dos 5 anos de idade


(30%). Detectar o distúrbio logo
nos primeiros dias de vida pode
mudar a história da doença e au-
mentar as chances do paciente.
Detectar o distúrbio logo nos “O diagnóstico é fundamen-
primeiros dias de vida aumenta as tal e evoluímos muito nessa
área nos últimos anos. Doenças
chances do paciente. Exames de que nos obrigavam a pedir exa-
mes invasivos, como biópsia
ponta garantem maior possibilidade de músculo para investigar dis-
de acerto nos tratamentos trofias musculares, hoje podem
ser mapeadas por uma análise
genética”, explica a médica ge-
neticista Carolina Fischinger.
As informações que os exa-
mes de ponta oferecem trans-
formam as decisões clínicas. E
não apenas no que se referen-
te a doenças raras. Algumas si-
tuações oncológicas podem ter
maior possibilidade de acerto
quando a avaliação é acompa-
nhada por testes moleculares
para a definição da conduta.
No caso das raras, é pos-
sível saber qual a mutação es-
pecífica que provocou os sin-
tomas e optar pelo melhor
tratamento. “Estamos vivendo
um momento promissor, mas
é importante colocar, princi-
palmente para as famílias, que
ainda há um longo caminho
Wagner Baratela,
pela frente”, diz Wagner Bara-
Médico Geneticista
tela, médico geneticista.

12 Terapia gênica Terapia gênica 13


Diagnóstico Impacto Social

Diante do avanço
tecnológico,
sempre há
um paciente
Carmela Grindler, diretora técnica de
saúde da secretaria do estado de são Paulo

David Schlesinger, diretor

A
de laboratório especializado
em exames genéticos s terapias gênicas são uma grande pro- impacto social que essas doenças provocam. Se-
messa para doenças complexas, o que gundo a médica Carmela Grindler, diretora técnica
explica a alta expectativa criada em tor- de Saúde da Secretaria do Estado de São Paulo,
no de resultados positivos. Mas, sob a 80% das famílias em que ocorre a manifestação
perspectiva do paciente e de seu con- de algum tipo de distúrbio considerado raro aca-
Sequenciamento de exoma texto familiar, existe um ganho muito importante bam chefiadas por mulheres, que perdem a em-
Hoje, dentre os exa- por algo em torno de US$ mitz, neurologista do Hospi- que é anterior ao desfecho clínico. pregabilidade devido à quantidade de faltas no tra-
mes genéticos mais robus- 6 mil. Hoje custa cerca de tal Pequeno Príncipe. “A medicina ascendeu a um grau nunca atin- balho ocasionadas pela doença do filho.
tos, há o sequenciamento R$ 1 mil. A ideia é tornar Reconhecido como uma gido, mas diante de um médico sempre existe um “São famílias aniquiladas. A assistência não é
completo do exoma, que o diagnóstico de doenças das mais importantes fer- paciente”, lembra a geneticista Carolina Fischinger. concessão. É direito humano. E essas mulheres não
rastreia toda a região co- raras mais rápido, preciso ramentas para a investi- Ela enfatiza os benefícios da avaliação genética, devem ser humilhadas, implorando pelo tratamento
dificante do genoma hu- e acessível”, revela David gação genética na atuali- que permite fechar o diagnóstico causal, mesmo dos filhos. Elas são brasileiras, têm direito à terapêu-
mano em busca de alte- Schlesinger, neurologista dade, o exoma precisa se quando ele não vem acompanhado por alternati- tica gênica de alto custo. Não é só quem pode pa-
rações. Ele é capaz de e diretor do laboratório de tornar presente nas indica- va de tratamento. “Para os pais, é muito importan- gar que tem direito. Todos nós temos filhos, netos,
detectar os genes respon- genética Mendelics. ções médicas, mas ele exi- te saber o que motivou a doença da criança”, diz. 30% das doenças raras são mutações espontâne-
sáveis por doenças com- A realidade mostra que ge uma complexa interpre- A neurologista Mara Lucia Schmitz reforça a as, todos nós temos direito”, afirma a médica.
plexas e solucionar casos o valor ainda está longe de tação dos resultados e não importância do diagnóstico preciso para amparar Outro ponto importante no enfoque social é in-
incertos. Está incorporado permitir acesso a todos os descarta a análise clínica. emocionalmente os familiares. “Muitas vezes o de- clusão do doente raro. Ele precisa ter empregabi-
ao SUS como primeira li- brasileiros que necessitam. “Tem de saber o que pro- sespero dos pais se dá por não entender o que se lidade para custear a si próprio. Carmela Grindler
nha de diagnóstico de de- “A disponibilidade pelo SUS curar, por isso o diagnósti- passa com o filho. A definição da doença ajuda a destaca a necessidade de garantir dignidade aos
ficiência intelectual. é extremamente limitada e co deve começar sempre diminuir a angústia. Eles deixam de peregrinar por que não terão mudança efetiva com os novos tra-
O preço, no entanto, os pais não têm como pa- pela avaliação do paciente. consultórios em busca de respostas e passam a tamentos: “Alguém foi mais produtivo na vida do
é uma forte barreira para gar, eles pedem ajuda na O exame não pode ser uma enfrentar a situação de outra forma”, relata. que Stephen Hawking? Não é possível julgar o ser
a utilização. “Quando sur- igreja para custear o exa- muleta para médicos”, afir- Mas não basta diagnosticar, é preciso imple- humano pelo seu grau de deficiência ou depen-
giu, o exoma era realizado me”, afirma Mara Lucia Sch- ma o geneticista Baratela. mentar políticas públicas capazes de minorar o dência. É preciso olhar para o que ele representa”.

14 Terapia gênica Terapia gênica 15


Centros de Referência

Mara Lucia Schmitz, médica responsável


pelo Centro de Tratamento de Doenças Complexas
do Hospital Pequeno Príncipe, no Paraná

Antoine Daher,
presidente da Casa Hunter

GABRIELA TANNUS,
Moderadora do Fórum Terapias Gênicas

Espera por
D
ois anos é o tempo de todo o país. As consultas são claros, ele passa pelo pronto- criança que poderia ser normal
espera que uma crian- difíceis, levam no mínimo 1hora -atendimento e perambula de passe a ser especial”, explica.
ça enfrenta para con- para que o médico entenda o médico em médico para tra- Não menos importante é
seguir uma consulta no que afeta o paciente. É impos- tar os sintomas”, diz Carme- a falta de capacitação como

consulta inviabiliza Centro de Tratamen-


to de Doenças Complexas do
Hospital Pequeno Príncipe, no
sível refrear a espera”, explica
a médica Mara Lucia Schmitz,
responsável pelo centro.
la Grindler, diretora técnica de
Saúde da Secretaria do Esta-
do de São Paulo.
consequência da ausência de
centros de referência. Alguns
tratamentos chegam ao pa-

tratamentos Paraná. Muitas morrem an-


tes de serem atendidas ou re-
cebem o diagnóstico tardio,
O problema não é me-
nor nos outros Estados. Com
apenas um centro de referên-
Uma vez que o paciente
é diagnosticado e com alter-
nativa de tratamento, come-
ciente por injeção cerebral, ou-
tros são inseridos na medula, a
forma como são administrados
quando o avanço da doença cia aprovado pelo Ministério ça a luta pelo medicamento de varia de acordo com a doen-
impede qualquer possibilidade da Saúde, São Paulo aguar- alto custo. A judicialização tem ça, mas o ponto convergente é
Medicina avançada exige locais de terapia. da a autorização do gover- sido via de acesso, mas ainda que sempre exigem cuidados
habilitados. Existem hoje apenas A enorme procura tem ex- no para colocar em funciona- assim não é garantia, segundo específicos. “O procedimen-
plicação: existem apenas oito mento sete ilhas de excelência a médica do Hospital Pequeno to é tão importante quanto o
oito hospitais de referência para hospitais habilitados como refe- já prontas. “Precisamos am- Príncipe, porque a entrega do medicamento, precisamos de
rência para atendimento de pa- pliar o atendimento especiali- governo às vezes falha. “A falta
atendimento de pacientes com cientes com doenças raras no zado. O sistema de saúde não do remédio no momento cer-
locais habilitados”, diz Antoi-
ne Daher, presidente da Casa
doenças raras no Brasil Brasil. Não há como dar con- vê o paciente que tem doen- to pode provocar crises meta- Hunter, entidade voltada a pa-
ta. “Recebemos pacientes de ça rara. Se os sinais não são bólicas e fazer com que uma cientes com doenças raras.

16 Terapia gênica Terapia gênica 17


Pesquisa

Desenvolvimento
E
xistem hoje pelo me-

de novas terapias
nos 953 companhias no
mundo que desenvol-
vem medicina regenera-
tiva, incluindo empresas

avança no mundo que atuam nas áreas de terapia


gênica, celular e desenvolvedo-
res de engenharia de tecidos.
Os números são da Alliance
for Regenerative Medicine, que
Perspectivas são animadoras: tem sede em Washington, D.C.
mais de 30 bilhões de dólares foram (EUA), e acompanha o desen-
volvimento das terapias avan-
investidos em medicina avançada çadas em todo o planeta.
A organização calcula que
desde 2016 – e os resultados 32,7 bilhões de dólares foram
começam a despontar investidos no desenvolvimen-
to de novos tratamentos des-
de o início de 2016 até ago-
ra. Na época, havia cerca de
700 ensaios clínicos em anda-
mento. Atualmente, são 1.071,
dos quais 96 na fase 3, ou
seja, etapa final para alcançar
o mercado.
As perspectivas são ani-
madoras, segundo a Alliance
for Regenerative Medicine. “O
ano passado foi decisivo. Nada
menos do que 13,1 bilhões de
dólares foram investidos no se-
tor, e 2019 está a caminho de
alcançar ou exceder esse pa-
tamar”, diz Lindsey Scull, vi-
ce-presidente de Comunica-
ção da entidade internacional.
De acordo com ela, mesmo
empresas que ainda não dão
lucros estão nos radares de
Jonas Saute, médico geneticista
investidores em razão do po-
do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
tencial de suas pesquisas.

18 Terapia gênica Terapia gênica 19


Pesquisa

Cenário atual
953
Empresas que desenvolvem medicina regenerativa
Precisamos ter nossas no mundo, incluindo companhias que atuam nas áreas
de terapia gênica, celular e engenharia de tecidos

pesquisas clínicas,
é mandatório,
sem isso estaremos 521 América
233 Europa
164 Ásia
do Norte e Israel
perdendo o bonde
da história” 1 África
ANGELO MAIOLINO América
Lindsey Scull, diretora da 13 do Sul 6 Brasil 21 Oceania
Alliance for Regenerative Medicine

Angelo Maiolino, diretor da ABHH –


Associação Brasileira de Hematologia,
Fonte: Alliance for Regenerative Medicine
Hemoterapia e Terapia Celular c

No Brasil, cientistas que so aos benefícios das novas rizonte de 40 a 60 novas te- tentes nacionais e isso ajuda-
atuam na área avaliam que o tecnologias ainda mais res- rapias gênicas a serem lan- rá a garantir a sustentabilida-
país está longe de poder ti- trito. “Tudo é feito nos paí- çadas até 2030. Isso é, na de do sistema”, preconiza.
Pesquisas CAR-T pelo mundo
China e Estados Unidos estão muito à frente dos demais países
rar proveito desses recursos. ses desenvolvidos e chega verdade, uma máquina que Apesar de todas as difi-
“Estamos muito atrasados, aqui por um preço imprati- gira: você ter medicamentos culdades, em algumas áreas
nos faltam centros equipa- cável. Se fizéssemos pesqui- no mercado permite também o Brasil apresenta uma base
dos que atendam todos os sas no Brasil, seria mais fácil que a indústria financie as fu- bem desenvolvida, como nos
protocolos de biosseguran- incorporá-las ao sistema de turas pesquisas”, explica. processos que envolvem a te- 55 Canadá
ça e sejam capazes de pres- saúde e conheceríamos me- Cientistas capazes não rapia CAR-T, cujo caminho é
tar serviços fundamentais lhor a eficácia de cada medi- nos faltam. “Nossos pro- bastante promissor, segun- Estados
para a pesquisa clínica. Não
277 390 China
camento”, avalia Jonas Sau- fissionais são de altíssi- do Angelo Maiolino, diretor da Unidos
temos verbas para fazer es- te, médico geneticista do mo nível”, assegura Antoine Associação Brasileira de He- Arábia 6 Japão
tudos e dependemos do in- Hospital de Clínicas de Por- Daher, presidente da Casa matologia, Hemoterapia e Te- 5 Saudita
teresse da indústria farma- to Alegre. Hunter, entidade de apoio a rapia Celular (ABHH). “Esta-
1 Brasil
cêutica para ir adiante”, diz Bruno Abreu, diretor de doentes raros. “A terapia gê- mos evoluindo muito rápido,
8 Austrália
Guilherme Baldo, professor Mercado e Assuntos Jurídicos nica em poucos anos será por isso precisamos fortemen-
da Universidade Federal do do Sindusfarma, vê o alinha- uma ferramenta para tratar te de mais ensaios clínicos da
Rio Grande do Sul. mento dos grupos de pes- todo o tipo de doença, não indústria aplicados em nossos
O resultado da falta de quisas com a indústria como só as raras. Se investirmos centros. Temos total condição
investimento torna o aces- fundamental. “Temos um ho- em pesquisas, teremos pa- de fazer acontecer”, afirma. Fonte: https://clinicaltrials.gov & http://www.chictr.org.cn

20 Terapia gênica Terapia gênica 21


Marco Regulatório

William Dib,
presidente da Anvisa

Rosana Mastellaro, diretora de


Assuntos Regulatórios do Sindusfarma

João Batista da Silva Júnior,


responsável pela Gerência de Sangue,
Tecidos, Células e Órgãos da Anvisa

interpõem no caminho desse


futuro quase utópico, e deman-
dam a mobilização de todos os
envolvidos no setor.
Entre esses pontos de
atenção está a avaliação téc-
nica dos riscos, prioridade da
Agência Nacional de Vigilân-
cia Sanitária (Anvisa), autar-
quia ligada ao Ministério da o risco e benefício é o nosso “Se você verificar o histórico

“A população Saúde. “A segurança do pa-


ciente deve ser preservada,
a população brasileira não
mote de trabalho.”
Ele destaca que a discus-
são na Anvisa ocorre des-
de um produto, ele está sendo
discutido pela agência cinco
ou seis anos durante o desen-

brasileira não será cobaia”, afirma William


Dib, presidente da entidade
à frente da missão de esta-
de 2012, com um marco im-
portante em 2018, quando a
agência publicou duas normas
volvimento. Facilita o proces-
so. Quando o dossiê é sub-
metido para aprovação, tudo

será cobaia” belecer um marco regulatório


para os Produtos de Terapias
Avançadas (PTA).
que conceituam esses produ-
tos no país: a introdução dos
mecanismos de boas práticas
é mais rápido.”
A diretora de Assuntos Re-
gulatórios do Sindusfarma, Ro-

S
alvar vidas, curar definiti- O trabalho, em andamen- em células (RDC 214) e a defi- sana Mastellaro, acredita que a
vamente doenças antes to, está a cargo da Gerência nição dos procedimentos e re- Anvisa está no caminho certo.
Para Anvisa, avaliação técnica dos sem nenhum tratamen-
to, melhorar exponen-
de Sangue, Tecidos, Células e
Órgãos, ligado à Anvisa. João
quisitos regulatórios para a re-
alização de ensaios clínicos
“Ter regulamentação para es-
tes produtos coloca a Anvisa
riscos aos pacientes é prioridade cialmente a qualidade Batista da Silva Júnior, gerente com produto de terapia avan- em patamar semelhante ao de
de vida dos pacientes: as pers- da área, ressalta esse impera- çada no Brasil (RDC 260). outras autoridades regulatórias
na missão de estabelecer marco pectivas reais das terapias gê- tivo no processo de registro de “A experiência internacio- de referência, como FDA, EMA
regulatório moderno para Produtos nicas permitem vislumbrar uma produtos e terapias avançadas. nal mostra que a agência re- e PMDA do Japão”, diz. “Ter
nova ordem mundial na saúde. “Não se pode disponibilizar um guladora precisa estar muito pesquisas clínicas sendo reali-
de Terapias Avançadas Mas o tamanho da ambição é produto terapêutico para seres próxima dos desenvolvedo- zadas no país vai trazer opor-
proporcional aos desafios. Efi- humanos sem ter todo um ar- res nesse momento”, afirma tunidade e esperança de trata-
cácia, riscos e alto custo são cabouço em estudos pré-clíni- Silva Júnior, que usa como o mento e muitas vezes de cura
algumas das questões que se cos”, afirma. “O balanço entre exemplo os Estados Unidos. à nossa população”.

22 Terapia gênica Terapia gênica 23


Marco Regulatório

Convergência regulatória
São os Estados Unidos duto de terapia gênica em dronização mundial.
que detêm hoje a maior quan- análise, para tratamento de Em agosto passado, a An-
ENSAIOS CLÍNICOS DESDE A RDC 260, de 2018

3 5 3 2
tidade de registros de produ- distrofia da retina hereditária. E visa submeteu o tema das te-
tos de terapias avançadas no a cooperação com outros paí- rapias gênicas a consulta pú-
mundo. Somam 16, conside- ses é fundamental. “Nós segui- blica (CP 706), e a previsão é
rando a inclusão de células de mos um modelo internacional, que os resultados sejam publi- APROVADOS EM CURSO EM ANÁLISE INDEFERIDOS
cordão umbilical, que não é fei- porque esse desenvolvimen- cados no início de 2020. Nes- Terapia gênica in vivo Terapia Celular Avançada Terapia gênica in vivo Terapia gênica
ta em outros países. Sem elas, to é global. Precisamos en- sa consulta estão sendo pro- nas áreas de hematologia na área de ortopedia e terapia gênica ex vivo in vivo
esse número cai para oito – o tender isso de forma adequa- postos quatro tipos de registro: e neurologia (patrocinador nacional) nas áreas de oftalmologia
(patrocinador global) e oncologia
mesmo dos registros na Euro- da, para que possamos fazer completo, simplificado, apro- (patrocinador global)
pa. Muito à frente está a Coreia o Brasil se desenvolver nessa vação condicional e, excepcio-
do Sul, com 14 registros; Ín- área com a mesma qualidade nalmente, com dispensa de re-
dia e Japão contam com qua- e competividade”, diz Silva Jú- gistro (ver quadro). A princípio,
tro; Canadá, duas; e Austrália nior. Apesar de as normas se- a prioridade seria dada a pro-
e China, uma. rem convergentes, ele destaca dutos desenvolvidos em en-
Hoje, o Brasil tem um pro- que isso não significa uma pa- saio clínicos no país.

Todas as empresas envolvidas na fabricação de um produto de terapia avançada


REGISTROS PROPOSTOS PELA ANVISA EXIGÊNCIAS PARA AUTORIZAÇÃO devem cumprir com Boas Práticas de Fabricação, conforme disposto na RDC 214,
documentadas nos relatórios clínicos e não clínicos.

Relatório de todos os estudos não-clínicos e clínicos realizados com o produto, que pode ser
Após o recebimento, e se comprovado o enquadramento em categoria prioritária,
CLASSE I a Anvisa terá o prazo de 120 dias para se manifestar. A validade do registro CLASSE I
enquadrado como prioritário nos casos de doença rara, negligenciada, emergente ou reemergente,
(simplificado) para emergências em saúde pública ou condições sérias debilitantes e nas situações em que nã
seria de 5 anos, com possibilidade de renovação.
vhouver alternativa terapêutica disponível

São exigidos documentação e estudos mais extensivos para casos que não se
CLASSE II enquadrem como prioritários. Após o recebimento, a Anvisa terá 365 dias para CLASSE II Relatório de todos os estudos não-clínicos e clínicos realizados com o produto, além de dossiê de
(completo) se manifestar. A validade seria também de 5 anos, com renovação. qualidade, nos casos previstos do art. 23 do Capítulo V da CP 706.

Utilização em condição séria debilitante, em situações de inexistência de terapia Relatório de todos os estudos não-clínicos e clínicos realizados com o produto, além de
CLASSE III alternativa comparável. A Anvisa terá prazo de 180 dias para se manifestar. CLASSE III cronograma completo de estudos clínicos ainda a serem realizados para reavaliações da eficácia,
(sob aprovação condicional) A validade seria de um ano, com possibilidade de renovação até cinco. bula e informações médicas.

Aplica-se a produtos desenvolvidos para paciente específico, para tratamento de DISPENSA Notificação à Anvisa com informações sobre o uso e a experiência clínica prévia com o produto
DISPENSA DE REGISTRO doenças sem alternativa terapêutica no país e sob risco de vida iminente.
A Anvisa terá o prazo de 30 dias para manifestar-se. DE REGISTRO
e informações de dados não clínicos e clínicos disponíveis.
O produto não é passível de comercialização.

24 Terapia gênica Terapia gênica 25


Mercado

DEFINIÇÃO DE mas que perdura até hoje. De 2004 data


a Resolução nº 2 da entidade, que esta-
belece, também até hoje, o marco legal

PREÇOS PRECISA
de precificação dos produtos. De lá para
cá, houve várias tentativas de revisão des-
sa resolução, sem sucesso. No momento,
há uma nova tentativa em andamento, mas

ACOMPANHAR está atrasada.


“A Resolução nº 2 era muito moderna
quando surgiu, mas hoje ela não respon-

MODERNIZAÇÃO de às necessidades da indústria”, diz. “Está


completamente fora de sintonia com as no-
vas tecnologias”, complementa. Priscila
Gebrim Louly, da CMED, reconhece a de-
fasagem. “Pela atual regulação, as terapias
Desafios para gênicas serão tratadas como medicamen-
tos novos, e deverão passar por todas as
implementação das etapas previstas na precificação”, diz, res-
novas tecnologias incluem saltando que as novas tecnologias estão no
escopo da revisão em curso.
diminuição da alta
carga tributária sobre os
Impostos x investimentos
medicamentos e fim do
Outro gargalo apontado por Bruno
modelo de tabelamento Abreu é o fato de o Brasil ser o país que
cobra mais impostos em medicamentos no
de preços mundo. Enquanto a média internacional é
de 6%, a conta por aqui chega a 31,3% em
remédios de alto custo. Em segundo lugar
Na Alemanha, a avaliação
Priscila Gebrim Louly, da Câmara de Regulação
do Mercado de Medicamentos (CMED)
vem a Argentina, com 21%. “Países mui- dos produtos de terapias gênicas é
to parecidos conosco, como o México, co-
bram zero de imposto”, diz ele. E a isenção
baseada em evidências relevantes
tributária não é incomum: ela existe nos Es- para o paciente: mortalidade,

A
emergência de novas tecnologias cado e Assuntos Jurídicos do Sindusfarma, tados Unidos, na Colômbia, no Canadá e
da área médica representa um de- para quem dois dos grandes problemas são na Venezuela, entre outros.
morbidade, qualidade de vida
safio global no que se refere à via- a carga tributária e o modelo arcaico de ta- “Nós estamos rompendo uma barrei- e efeitos colaterais, sempre
bilização econômica de tratamen- belamento e controle de preços. ra de conhecimento muito importante”, diz
tos e medicamentos. No Brasil elas Abreu lembra que a Câmara de Re- Nelson Mussolini, presidente executivo do
considerando a gravidade da doença”
evidenciaram problemas antigos e conheci- gulação do Mercado de Medicamentos Sindusfarma. “Precisamos saber como os
dos, que, diante da nova realidade, torna- (CMED), órgão interministerial da Agência governos vão tratar essa nova forma de sal- Meriem Bouslouk-Marx
ram a discussão inadiável. “A régua subiu de Vigilância Sanitária (Anvisa), nasceu em var vidas, de levar as pessoas para o am- Especialista em incorporação de medicamentos
bastante”, diz Bruno Abreu, diretor de Mer- 2003 com previsão de duração de um ano, biente produtivo.”

26 Terapia gênica Terapia gênica 27


Valor em Saúde

mente da necessidade de conter os altos custos mento de risco”. Seria este o caminho, segundo

Transparência dos tratamentos de saúde, propondo uma nova


relação entre todos os envolvidos no sistema –
indústria, financiadores, prestadores e pacientes.
ele, para diminuir as incertezas existentes quan-
do se incorpora uma nova tecnologia e destra-
var financiamentos.

de dados é
Um dos seus pilares é a transição do modelo de Um ponto fundamental é a transparência.
pagamentos por procedimento para o pagamen- Segundo Abicalaffe, ela passa por medir a per-
to por resultado clínico obtido. formance e o desempenho dos prestadores de
“Uma das grandes características do concei- serviço, expediente que é realidade em outros pa-

premissa para to de valor é exatamente a transferência de par-


te do risco para a indústria e para quem presta
o serviço”, diz Abicalaffe. “Para o sistema ab-
íses, mas não no Brasil. A dificuldade não é ape-
nas técnica, já que nossos dados de saúde são
precários, mas também política. “Imagine fazer

mensurar custos sorver novas alternativas de tratamento são ne-


cessários arranjos contratuais de compartilha-
um ranking de médicos e hospitais”, diz Abica-
laffe, prevendo a reação negativa dos envolvidos.

Escore de Valor em Saúde


Para especialistas, foco na
Levando em consideração, de um lado, as COMO FUNCIONA O EVS
definição do valor em saúde perspectivas de ganho econômico da indústria, dos
não deve estar na remuneração
O EVS é obtido a partir de um conjunto de
financiadores e dos prestadores de serviço, e, de
indicadores, padronizados para o mercado brasileiro,
outro, da experiência do paciente, a IBRAVS vem
dos serviços prestados, mas
e que se traduzem na seguinte equação:
desenvolvendo uma possível metodologia específi-
ca para a realidade brasileira, que possibilite tanto
sim na qualidade de vida a implementação de novas tecnologias, como as
EVS = [ IQ x p + IC x (1-p ) ] x 0,05

dos pacientes gênicas, quanto o acesso do público a elas.


IQ ÍNDICE DE QUALIDADE
Ainda em testes, o EVS (Escore de Valor em
Indicador composto único de 0 a 100 gerado a partir do agrupamen-
Saúde) é uma tentativa de criar uma base multidi- to de indicadores como estrutura, eficiência de processos,
mensional, com métricas compostas, que com- resultados. Cada um desses aspectos tem seu escore próprio,
Cesar Abicalaffe, presidente do Instituto também de 0 a 100, sendo que os indicadores de resultado somam
binem indicadores padronizados (veja quadro). pelo menos 70% do IQ. Aplicada a ponderação p de qualidade (de
Brasileiro de Valor em Saúde (IBRAVS)
Daí a necessidade de ter dados precisos sobre 0 a 1) no total, o peso do IQ na equação vai significar 70%.

as condições clínicas dos pacientes e a definição IC ÍNDICE DE CUSTO


das linhas de cuidado. Isso é fundamental não só

A
Indicador composto único de 0 a 100 gerado a partir de outros
mensuração do valor em saúde, des- “O fundamental do conceito de valor é exa- para a gestão e o tratamento, mas também para indicadores relacionados ao custo da produção de serviços
dependendo da perspectiva de retorno, diferentes para o financia-
de sempre fundamental para as ges- tamente conseguir um sistema de saúde que viabilizar os contratos de partilha de risco. dor e prestador de serviço. Aplicada a ponderação p de qualidade
tões públicas e privadas no setor, torna- efetivamente consiga entregar resultados, des- “É possível ter um EVS para o corpo clínico de no total, o peso do IQ na equação vai significar 30%.

-se crucial no que se refere às terapias fechos clínicos, aos pacientes. Mas obviamen- um hospital, para os médicos cooperados de uma P Peso da qualidade (0 a 1)
avançadas em razão do seu alto custo. te com um custo adequado para fazer essa en- entidade ou para um doença. Mas tudo tem a ver
Boa parte dos especialistas hoje defende que trega”, afirma Cesar Abicalaffe, presidente do como são compostos os indicadores entre quali-
o foco na definição desse valor não deve estar Instituto Brasileiro de Valor em Saúde (IBRAVS). dade e custo”, diz. Por meio da fórmula, pode-se
na remuneração dos serviços prestados, mas Não é um desafio simples. mensurar os indicadores isoladamente, saber quais envolvidos no sistema. “A aplicação disso não é
sim no paciente, na sua experiência e no ganho No mundo, o conceito de Value-Based são bons e ruins, e no final ter um índice único. nada fácil, porque nós estamos quebrando um
de qualidade de vida. E, para integrar o usuário Healthcare (VBHC) está à frente dessa tendência. No modelo proposto, existe um peso maior paradigma. O modelo tradicional é centrado no
nesse processo, é preciso, antes de tudo, trans- Seu idealizador, Michel Porter, professor e pesqui- para a qualidade, exatamente para atender à ne- prestador de serviço, e nós precisamos centrar
parência nos dados. sador da Universidade de Harvard, parte justa- cessidade de compartilhar riscos entre todos os no paciente. Isso requer muito trabalho.”

28 Terapia gênica Terapia gênica 29


Valor em Saúde
Jeremy Schafer,
da Precision for Value and Health

Informação e
Compartilhamento
financiamento
No caso das terapias avan-
de riscoS amplia
çadas, há uma dificuldade de
origem: por serem tecnolo-
gias novas, os dados são sem-
as possibilidades
pre insuficientes para avaliar o
custo-efetividade dos produ-
André Cezar Médici,
tos. “Nas terapias tradicionais,
economista de saúde do Banco Mundial
é fácil prever o que pode acon-
tecer no longo prazo, mas isso
não ocorre com a terapia gê-

A
nica”, diz Jeremy Schafer, da s terapias gênicas representam não ape- empresas precisam pensar modelos de retorno
Territorialidade Precision for Value and Health. nas um rompimento de paradigma no a longo prazo, em comparação com custos de
No sistema público, que as diferenças de infra-estrutu- Ele destaca que isso é um tratamento das doenças, mas também tratamentos paliativos que podem, eventualmen-
atende a 75% da população, ra entre esses lugares distin- complicador em modelos de nos modelos de negócio da indústria far- te, consumir recursos ainda maiores ao longo de
o desafio é semelhante, mas tos, o que muda radicalmente financiamento baseados no macêutica. Quem diz é André Cezar Mé- toda a vida do paciente. Isso é de especial consi-
com diferenças importantes. a perspectiva do paciente. curto prazo, como ocorre nos dici, economista de saúde do Banco Mundial, deração em sistemas públicos universais, com o
Joselito Pedrosa, consultor de A assimetria de informação EUA e em vários países. para quem novos modelos de financiamento se SUS. “Na saúde suplementar, no entanto, temos
Gestão em Saúde, lembra que entre os envolvidos, especial- “Custos iniciais significati- impõem nessa nova realidade. um problema. As economias podem não ser re-
o Brasil é o único país do mun- mente da parte dos usuários, vos podem esgotar os recur- “A eficiência alocativa representa muito a lógi- compensadas porque os pacientes têm a possi-
do com mais de 100 milhões é outro complicador para a sos financeiros antes que os ca pela qual as empresas farmacêuticas funcionam bilidade de trocar de operadora”, diz.
de habitantes a ter um sistema mensuração correta dos des- benefícios sejam alcançados”, hoje”, explica Médici. “O preço do bem ou serviço Entre as alternativas pensadas para a resolu-
de saúde universal integrado. fechos. O resultado é a persis- afirma. No Brasil, as incertezas oferecido deve refletir os custos marginais de pro- ção desses dilemas está o modelo de comparti-
Nessa realidade, outras variá- tência da profusão de tabelas sobre a eficácia – e a seguran- dução – o custo de oportunidade. Se a eficiência lhamento de riscos, em que pacientes ou segura-
veis precisam entrar na conta como instrumento de negocia- ça – dessas novas terapias é alocativa for priorizada, as empresas podem ter difi- dores-prestadores não pagam se a terapia falhar
da definição de valor. ção. “O modelo de remunera- uma questão que também que culdade em obter uma retorno adequado do investi- em produzir o resultado clínico esperado. As em-
“Existe a perspectiva do ção está falido, beneficia al- se impõe aos atuais critérios mento ajustado ao risco, porque os custos de Pes- presas farmacêuticas assumem parte dos riscos
médico, do prestador de saú- guém que a gente não sabe de definição de preço. quisa e Desenvolvimento não serão recuperados.” e dos custos se os resultados não forem alcança-
de, que é muito diferente do ainda quem é, mas que não Priscila Gebrim Louly, da Para ilustrar a dimensão do problema, Médici dos. “Esse modelo tem sido usado com sucesso
gestor público em diferentes beneficia o sistema e não be- Câmara de Regulação do usa números dos Estados Unidos, onde as estima- na França e na Espanha para gerenciar os custos
lugares do país”, diz. “Territo- neficia o usuário. Todo mun- Mercado de Medicamentos tivas apontam para investimentos entre US$ 1,3 bi- de alguns medicamentos, e o Medicare, nos Es-
rialidade é um fator de pon- do sai perdendo.” A velocida- (CMED) diz que o marco regu- lhão e US$ 2,6 bilhões para o desenvolvimento de tados Unidos, já usa acordos assim para cobrir o
deração. (…) O valor no Rio de da tecnologia, segundo ele, latório da entidade já está sen- um agente biológico, mais barato que o genético. gene da leucemia linfoblástica”.
Grande do Sul vai ser diferente impõe mais desafios. “Na hora do revisto. “São terapias de al- Mas o valor máximo pode chegar a US$ 5 bilhões Este último, segundo Médici, torna as terapias
do Acre, como é diferente en- em que você termina de anali- tíssimo custo em nível mundial. levando-se em contas as falhas no processo. A gênicas as principais candidatas a preços base-
tre a população da Zona Les- sar um processo de incorpora- O desafio é como estabelecer Merck, por exemplo, afirma que 75% de seus cus- ados em valor. “A precificação baseada em valor
te e do Morumbi, em São Pau- ção de um produto para a saú- um preço justo, tanto no pon- tos de Pesquisa e Desenvolvimento correspondem deve vir da perspectiva do paciente e da sociedade
lo”. Segundo ele, um aspecto de, já existe outra tecnologia to de vista da indústria, do pa- a falhas. Um custo sem retorno e desestimulante. e levar em consideração o benefício líquido da tera-
fundamental a considerar são mais nova batendo na porta”. ciente e financiador”, afirma. Fato é que, com a perspectiva de cura, as pia genética ao longo da vida do indivíduo”, finaliza.

30 Terapia gênica Terapia gênica 31


Acesso

Denizar Vianna, secretário de Ciência,


Tecnologia e Insumos Estratégicos
do Ministério da Saúde

Vania Canuto, diretora de Gestão


e Incorporação de Tecnologia
em Saúde – DGITS

Incorporação da
A
mudança radical no Para vencer essa arrebentação, é um passo para o futuro, mas tos, uma vez que se economi-
modo como tratamos é indispensável começar pela reconhece que torná-la aces- zaria com os tratamentos atuais
as doenças tem ainda mudança do próprio sistema, sível não é uma questão fácil e que demandam internações e
um longo e comple- que hoje não tem como incor- exigirá muito debate. “Precisa- procedimentos por toda a vida

tecnologia exige xo caminho pela fren-


te. Toda as questões envolvi-
das no debate atual em torno
porar esses novos tratamentos.
“Precisamos mudar o mo-
delo de financiamento”, diz,
mos definir como os governos
vão tratar dessa nova forma de
salvar vidas, de recuperar pes-
do paciente. Mas a falta de da-
dos volta a ser um complica-
dor. “Nem nos Estados Unidos

novo modelo de das novas tecnologias – cus-


to, modelos de financiamen-
to, regulação e pesquisa clíni-
ressaltando ser mandatório um
“choque de gestão” no Minis-
tério. “Ou mudamos, ou vamos
soas e trazê-las para o am-
biente produtivo”, afirma. “Digo
sempre que medicamento é in-
se conseguiu chegar a um cus-
to-benefício que atenda esse
mercado”, afirma Jeremy Scha-
ca – concorrem e convergem continuar a apagar incêndios”. vestimento, não pode ser olha- fer, da Precision Value & Health.

gestão em saúde para um ponto-chave dessa


transformação: a necessidade
de viabilizar economicamente
Os números pesam. “Falta di-
nheiro ao SUS? Falta sim, te-
mos de avançar nisso”, pros-
do pelo Estado como despesa;
é muito melhor ter pessoas pro-
dutivas do que em hospitais”.
“A indústria precisa oferecer pa-
râmetros para comprovar que o
produto realmente funciona, e
os produtos das terapias avan- segue Vianna. “Mas temos de O presidente da Anvisa, quem está pagando precisa in-
Engessado, sistema atual não é çadas, garantindo o acesso da
população a eles.
usar melhor os recursos dispo-
níveis, e pra isso precisamos
William Dib, concorda. “É pre-
ciso encontrar um termo de
sistir nestes indicadores.”
Avaliar é, de fato, o grande
capaz de absorver as terapias “Não adianta uma tecno- ser inovadores no modelo de ajuste em que todos saiam ga- desafio da incorporação das
logia estar disponível e não financiamento, de gestão e de nhando, para a população po- novas tecnologias. No Brasil,
avançadas, que demandam a ser acessível”, resume Denizar busca de resultados”. der obter esse tratamento com essa tarefa cabe à Comissão
mensuração precisa de benefícios Vianna, secretário de Ciência,
Tecnologia e Insumos Estraté-
O presidente executivo do
Sindusfarma, Nelson Mussoli-
segurança e qualidade”. Nacional de Incorporação de
Ainda que caras, essas no- Tecnologias no SUS (Conitec),
e acordos sustentáveis gicos do Ministério da Saúde. ni, afirma que a terapia gênica vas terapias podem reduzir gas- órgão colegiado presidido pela

32 Terapia gênica Terapia gênica 33


Acesso

secretaria de Ciência, Tecnolo-


gia, Inovação e Insumos Estra-
tégicos, com 13 representan-
Projeto piloto
tes das demais secretarias do No caminho da inova- – e que são fundamentais sultado de um estudo clíni-
Ministério da Saúde. ção, o primeiro passo já foi para a posterior definição co e os dados de mundo
Um dos objetivos da Coni- dado. Neste ano, o minis- do seu valor, viabilizando o real de determinada tecno-
tec é mensurar com precisão tério implementou um pro- financiamento e, por conse- logia para comprovar seu
os benefícios das terapias gêni- jeto piloto de financiamen- quência, o acesso. benefício no dia-a-dia e fa-
cas, ao mesmo tempo em que to por compartilhamento O projeto piloto vem sen- cilitar a tomada de decisão.”
se costuram desenhos de no- de riscos, hoje a alternativa do tocado em parceria pelo Esse é ponto chave do
vos acordos de financiamento que mais mobiliza as aten- Ministério e o Academic Re- modelo de compartilha-
que possam viabilizá-las. “Pou- ções entre os especialistas search Office (ARO) do Hos- mento de riscos. “A ideia é
cos órgãos de avaliação de na área. “É um acordo ba- pital Albert Einstein, em São avaliar o resultado no mun-
tecnologia em saúde estabele- seado em expectativa de Paulo. A ideia é gerar evidên- do real e pagar parcialmen-
ceram caminhos ou requisitos teto de pacientes, em des- cias de mundo real – pós-re- te só quanto se obtém de
específicos para os produtos fechos clínicos em médio gistro, utilizando dados de efeito, com o acompanha-
de terapias gênicas”, diz Vania prazo de acompanhamen- custeio, administrativos e de mento dos pacientes”, diz
Canuto, diretora do órgão. “As to desses pacientes, que resultados, reportados por Jonas Saute, médico que
agências estão acostumadas a vai nos proporcionar o mo- pacientes e médicos. atua nos Serviços de Ge-
avaliar ensaios clínicos, rando- nitoramento dos resulta- “Estamos tomando to- nética Médica, Neurologia
mizados e controlados, e nes- dos”, diz Vianna. dos os cuidados para defi- e Medicina Interna do Hos-
ses casos esse tipo de estudos No horizonte está a nir os critérios de qualidade pital de Clínicas de Porto
não são viáveis.” mensuração da efetividade metodológica e de aplica- Alegre. “Se o paciente me-
e da eficácia dos tratamen- bilidade que esses proje- lhorou 10%, esse é o valor
tos, que hoje escapam da tos devem ter”, diz Otavio que devo pagar pelo me-
Otavio Berwange, diretor do
estrutura da Conitec na ava- Berwange, diretor do ARO dicamento, por exemplo.
Academic Re-search Office (ARO)
liação da incorporação de do Einstein. “Trata-se de Mas para isso as métricas
do Hospital Albert Einstein
terapias e medicamentos medir estatisticamente o re- são fundamentais”.

SUS e ANS
Além da inovação com o tério da Saúde. Se não, vamos maior participação das organi- cobrir os custos desses novos rio Scarabel, diretor da Agên- Jurídicos do Sindusfarma, que
desenvolvimento de novas me- entrar em colapso.” zações de pacientes nas avalia- tratamentos, pois não teriam a cia Nacional de Saúde Suple- acompanha Scarabel no plei-
todologias, há outras deman- A questão a ser encarada, ções de custo-benefício para a compensação garantida com mentar (ANS). “Temos vários to de atualizar os mecanismos
das no caminho em debate na portanto, é desenhar um novo incorporação de tecnologias. o fim dos longos tratamentos. pagadores, com diversos ta- regulatórios, com mais transpa-
sociedade brasileira e no mun- modelo de saúde sustentá- Schafer relata que um dos No Brasil, a ANS (Agência manhos. Das 733 operadoras rência e envolvimento da socie-
do. “A questão não é somen- vel para o Brasil. “Temos de ser grandes problemas nos Es- Nacional de Saúde Suplemen- existentes no Brasil, 447 têm dade. “A solução passa tam-
te como enfrentar o alto custo parceiros. No futuro não vai mais tados Unidos é que a maio- tar) enfrenta o mesmo obstá- até 20 mil vidas. Precisamos bém por mudanças de cultura.
dessas terapias, mas também funcionar a fórmula do Ministé- ria das pessoas está no siste- culo, com as dificuldades adi- discutir o impacto econômico.” Quando temos um grande de-
como modernizar o SUS”, diz rio da Saúde e das operadoras ma privado, em que o usuário cionais no que se refere aos “A solução do problema, e safio como este, precisamos
Antoine Daher, presidente da sempre como compradores e pode mudar de seguro a qual- mecanismos regulatórios do é um grande problema, é con- aproveitá-lo. Essa é uma jane-
Casa Hunter. “E isso não pode da indústria sempre vendedora”, quer momento – o que inibe o país. “Nós precisamos de um junta”, reforça Bruno Abreu, di- la de oportunidade que não po-
ser atribuição apenas do Minis- afirma Daher, que reivindica uma interesse das operadoras em novo modelo”, afirma Rogé- retor de Mercado e Assuntos demos perder”, complementa.

34 Terapia gênica Terapia gênica 35


Legislação

Arcaísmo das regras


dificulta parcerias
Antiquada, burocrática e
inadequada para o setor da saúde,
legislação que regula compras
governamentais inviabiliza acesso
às novas tecnologias

Renata Cury,

“S
especialista em Direito na Saúde
e não mudarmos o obras, feita para outro tipo de visível de um modelo que pre-
Fernando Mendes Garcia Neto,
sistema existente mercado, e nós a usamos na cisa de profundos ajustes. “O
diretor da Anvisa
hoje – amarrado, saúde”, diz o secretário. A de- Brasil tem um dos poucos
legalista, burocrá- fasagem irradia-se em outros sistemas de acesso universal Nelson Mussolini, Alessandra Bastos
tico –, não vamos mecanismos do setor. à saúde que faz uma compra e Denizar Vianna
conseguir financiar as terapias O diretor de Mercado e As- única, inicial e paga tudo na
inovadoras”. A afirmação de suntos Jurídicos do Sindusfar- entrada. Não possui nenhum
Denizar Vianna, secretário de ma, Bruno Abreu, concorda. outro mecanismo posterior de
Ciência, Tecnologia e Insumos “A legislação tem que acom- bonificação e penalização, ba- ra neste entrave, uma vez sistema de pagamento por precificar medicamentos.
Estratégicos do Ministério da panhar o espírito inovador das seados em resultados”, afirma que prevê, justamente, o pa- partilha de risco é mais valioso Mas há obstáculos legais
Saúde, escancara uma ques- novas tecnologias que estão Denizar Vianna. É bom para gamento por desfecho clí- e gera economia para um país que impedem arranjos contra-
tão-chave. Na ordem do dia, chegando, para que permita a negociar preço com a indús- nico – saída para encarar os em desenvolvimento”. Intitula- tuais nesse sentido. A inade-
está a urgência de reforma da sua incorporação nos sistemas tria, mas é algo que impede a altos custos. “A partilha de ris- do The End of the Internatio- quação da Lei de Licitações,
atual legislação para enfrentar de saúde com agilidade, trans- implementação de alternativas cos estabelece possibilidades nal Reference Pricing System? ressaltada por Denizar Vian-
os novos tempos. parência e segurança jurídica.” de financiamento para as tera- de parcerias entre os setores (2015), o estudo assinado pe- na, novamente está no centro
Ilustra com clareza essa Alessandra Bastos, dire- pias gênicas. público e privado, que antes los professores Ulf Persson e do problema, ao prever que os
questão a obrigatoriedade de tora da Anvisa, lembra que a A eventual adoção do mo- eram quase antagônicos”, diz Bengt Jönsson chega a essa contratos durem apenas um
usar a Lei de Licitações (1993) autarquia está presa a uma delo de partilha de risco, que Renata Cury, especialista em conclusão comparando o ano na grande maioria dos ca-
para as compras governa- lei de 1976 que define o que vem ganhando força no mun- Direito na Saúde. novo modelo e o tradicional, sos. “Nós precisamos mudar.
mentais de medicamentos. “É é medicamento. do para a incorporação de te- “Um estudo sueco”, ela que se baseia no Preço In- Nós precisamos flexibilizar as
uma lei pensada para contratar O arcaísmo é a face mais rapias avançadas, esbar- prossegue, “mostra como o ternacional de referência para regras”, conclui Renata Cury.

36 Terapia gênica Terapia gênica 37


Judicialização

A
s complexidades técni- Além da sangria no orça- à Justiça, mas isso deve ser ex-

Custo dobra quando ca, administrativa e fi-


nanceira que cercam
as terapias avançadas
mento, a despesa não previs-
ta estabelece um quadro de
incerteza que impacta toda a
ceção, não a regra”, diz Vianna.
A ponderação encontra am-
paro novamente em números.

o acesso é obtido por são acompanhadas de


uma dificuldade peculiar no Bra-
sil. Dados da Advocacia-Geral
cadeia, aumentando preços e
prejudicando os esforços de
planejamento. “A judicialização
“O valor médio por paciente ju-
dicializado com doença rara va-
ria de 45 a 55 vezes em com-

ordem da Justiça da União mostram que as des-


pesas do Ministério da Saúde
com a judicialização do setor no
não é boa para ninguém”, diz
Bruno Abreu, diretor de Mer-
cado e Assuntos Jurídicos do
paração a outros pacientes com
ação judicial”, diz Carmela Grin-
dler, diretora técnica de Saúde
ano passado representaram R$ Sindusfarma. “A indústria pre- da Secretaria do Estado de Saú-
1,3 bilhão para os cofres públi- cisa de previsibilidade e de se- de de São Paulo.
Além da sangria no orçamento cos. Somando os gastos de Es-
tados e municípios, o valor salta-
gurança jurídica”.
Mas é fato que a via judicial
Medidas restritivas à judicia-
lização estão na pauta no Su-
Doenças raras na
público, despesas com demandas ria para a casa dos R$ 7 bilhões. acaba sendo hoje única alter- premo Tribunal Federal. Para o
“É a jabuticaba da judicializa- nativa para o paciente raro que setor, cabe ajustar com urgência pauta do Congresso
judiciais estabelecem quadro de ção”, diz Denizar Vianna, secre- precisa de medicamentos de as regras de regulação de preço
incerteza que impacta os preços tário de Ciência, Tecnologia e In-
sumos Estratégicos do Ministério
alto custo, sem escala de produ- e de incorporação. “Nós temos “Os parlamentares hoje estão
ção, ou não-registrados no país. hoje processos em análise que mais sensibilizados a trabalhar
em toda a cadeia da Saúde. “É um direito do cidadão recorrer ultrapassam muito o prazo de 90 para garantir vida melhor aos
dias previsto”, diz Bruno Abreu, brasileiros acometidos por doen-
afirmando que o problema deri- ças difíceis”, afirma o deputado
Bruno Abreu, diretor de Mercado e va em grande parte do modelo Diego Garcia (PODE-PR), relator
Assuntos Jurídicos do Sindusfarma regulatório de preços da CMED. da Subcomissão Especial de Do-
“Apenas oficialmente os medica- enças Raras da Câmara. Um dos
Joselito Pedrosa,
mentos não entram no sistema, eixos de trabalho da subcomis-
consultor de Gestão em Saúde
pois acabam entrando pela via são é levantar dados reais sobre
judicial, numa conta muito mais doenças raras. “Queremos saber
cara. O governo deixa de com- quem são os pacientes, onde
prar por vezes pelo preço de fá- estão, que tipo de distúrbio têm,
brica e, comprando no varejo, o com que tipo de assistência po-
valor às vezes dobra.” dem contar”, explica.
Quem também aponta a O deputado alega que a par-
responsabilidade do atual mo- tir dessa avaliação será possível
delo nesse cenário é Joselito estabelecer leis efetivas. “Hoje,
Pedrosa, consultor de Gestão tramitam no Congresso várias
em Saúde. “Se usarmos todo proposições em torno de doenças
o dinheiro gasto com a judi- raras, mas não adianta avançar
cialização em outras frentes e no papel e na prática as coisas
mudarmos a lógica de paga- não acontecerem”, explica. De
mento – para desfecho clínico, acordo com ele, a dificuldade é
por exemplo –, o problema das tal que alguns Estados não con-
doenças raras estará em boa seguem assegurar nem o obriga-
parte resolvido”, afirma. tório exame do pezinho.

38 Terapia gênica Terapia gênica 39


Novo Modelo

Nelson Mussolini,
presidente executivo do Sindusfarma

Rogerio scarabel, diretor da Agência


Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

esse investimento na vida das


pessoas. Não podemos esque-
cer que pessoas com saúde ge-
ram riquezas ao país!”.
“Temos de sentar juntos e
buscar alternativas para custe- cerias com a indústria, trazer a cesso decisório, porque uma
ar essas novas terapias, por- tecnologia para o Brasil. O SUS forma de legitimar a decisão é
que não podemos simples- gasta milhões em tratamentos trazer os vários atores do pro-
mente omitir tratamento devido ineficientes por não diagnosti- cesso”, diz Denizar Vianna, se-
ao alto custo”, diz a médica car corretamente e em conse- cretário de Ciência, Tecnologia e
geneticista Carolina Fischin- quência não tratar adequada- Insumos Estratégicos do Minis-

A
entrada das novas tec- ger. Entre as urgências estão mente. É um dinheiro que vai tério da Saúde.

Diálogo entre setores nologias no Brasil, em


especial as gênicas,
passa obrigatoriamen-
a ampliação de centros espe-
cializados, o fomento a pesqui-
sas clínicas e a modernização
para o ralo”, completa. “Temos
de ser parceiros, ninguém vai
conseguir resolver sozinho”.
Alessandra Bastos, diretora
da Agência de Vigilância Sanitá-
ria (Anvisa), diz que o desejo do

é vital para encontrar te por uma mudança


na gestão de saúde do país.
Mas isso não basta. Governo,
de processos de precificação e
financiamento, de forma a tor-
nar o sistema sustentável.
A cobrança encontra eco no
governo federal. “Estamos ten-
tando avançar para poder ven-
órgão é trabalhar com os envol-
vidos no setor nesse processo,
não para. “Para é apenas para

sustentabilidade indústria farmacêutica, presta-


dores de serviço, associações
de pacientes e pesquisadores
“Médicos e governo têm de
atuar juntos para superar o de-
safio de preço”, reforça Antoine
cer esse desafio, com um mo-
delo de agência que seja mais
independente em avaliação de
uma pessoa – para o cidadão,
para o paciente, para o doen-
te. A academia tem de trabalhar
são unânimes no diagnóstico Daher, presidente da Casa Hun- tecnologia, que traga as organi- com o Ministério, com a Anvisa,
de que, por sua complexidade, ter. “Precisamos fazer mais par- zações de pacientes para o pro- com o setor produtivo”.
Governo, indústria, prestadores, a construção de um novo mo-
delo só será viável com a parti-
associações de pacientes e cipação de todos.
pesquisadores são unânimes no “O Brasil não pode deixar as Mobilização em áreas do governo
novas tecnologias de lado, ten-
diagnóstico de que o acesso a do em vista o disposto na Cons- No âmbito de ação do governo federal, também existe um esforço para
tituição Federal, que consagra o atender a essa demanda, segundo Raphael Correia, responsável pela Coor-
novas tecnologias depende da direito universal à saúde”, diz o denadoria-Geral de Pessoas com Doenças Raras no Ministério da Mulher,
participação de todos presidente executivo do Sindus- da Família e dos Direitos humanos. Correia afirma que trabalha em conjunto
farma, Nelson Mussolini. “Pre- com o Ministério da Saúde para assegurar a ampliação da assistência aos
cisamos, como sociedade, nos doentes e garantir que os direitos estabelecidos em leis cheguem às pes-
organizar e procurar, rapida- soas que precisam. “Nosso olhar não é só para o paciente, é também para
mente, fórmulas para arcar com a família, sempre muito afetada pelo problema.”

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Realização e organização

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