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UNIVERSIDADE ÓSCAR RIBAS

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

DEPARTAMENTO DE DIREITO

TRABALHO DE FIM DE CURSO DA LICENCIATURA EM


Direito, na opção Juríco-Forense

“A PROTECÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO


ARGUIDO NO PROCESSO PENAL ANGOLANO”

Trabalho de Fim de Curso elaborado por:

DIONÍSIO LUCAS LAURINDO BANDA

JOÃO ZAGE LUCAS

Luanda, 2023
UNIVERSIDADE ÓSCAR RIBAS
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

DEPARTAMENTO DE DIREITO

TRABALHO DE FIM DE CURSO DA LICENCIATURA EM


Direito, na opção Juríco-Forense

“A PROTECÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO


ARGUIDO NO PROCESSO PENAL ANGOLANO”

Trabalho de Fim de Curso elaborado por:

DIONÍSIO LUCAS LAURINDO BANDA

JOÃO ZAGE LUCAS

Luanda, 2023
DECLARAÇÃO DOS AUTORES

Declaramos abertamente que o presente trabalho de fim de curso é resultado de


uma profunda investigação, cujo seu conteúdo é original em conformidade com as
fontes consultadas em determinadas bibliografias.
DEDICATÓRIA

Ao meu querido pai Josué Augusto (in memoriam)

(Dionísio Banda)

Às minhas queridas mães, Victória Lucas e Teresa Lucas (in memoriam)

(João Lucas)
AGRADECIMENTOS

A Deus por me ter dado saúde e força para superar as dificuldades


A minha irmã Conceição Banda pelo apoio incondicional
A minha cunhada Cecília António pelo suporte incansável durante a formação
A minha amiga Almira Eduardo pela paciência que teve ate chegar este grande dia.
A minha querida colega Abiud Garcia pela atenção e conselhos que tem dado durante esta
caminhada.
Aos meus colegas e amigos em geral pelo carinho, incentivo e paciência durante o percurso
académico.
E em especial ao meu magnifico irmão Nelson Augusto pela atenção e educação que
impulsionaram para esta licenciatura.
(Dionísio Banda)
A Deus todo-poderoso pela terrina de bênção que me tem dado
Aos meus irmãos, Paulo dos Santos, Bruno dos Santos, Adelcio Leal, Selson Paim.
A querida tia Marisa Parentes pelo apoio imensurável e carinho inseparável
A minha cunhada Joelma Garcia pela participação directa e suporte ao longo da trajectória
académica
A minha excelentíssima professora Catiana pelo amor, ensinamentos e força que serviram de
grande impulso para a minha formação académica
A minha ilustre colega Abiud Garcia pelos conselhos, dedicação constante e apoios
gratificantes.
Aos familiares, colegas e amigos pelo contributo caloroso que prestaram.
Em especial a minha digníssima e excelentíssima mãe, Maria da Conceição pela sua
prazerosa educação e princípios orientadores que serviram de ponte para chegar a este grau
de licenciatura.

OBRIGADO!
EPÍGRAFE

“Nas grandes batalhas da vida, o


primeiro passo para a victória é o
desejo de vencer.”

Mahatma Gandhi
RESUMO

O presente trabalho foi concedido com objectivo de apresentar uma visão holística da
realidade de direitos e garantias fundamentais do arguido no que toca a sua proteção em sede
do processo penal angolano. O mesmo foi dividido em dois capítulos a fim de facilitar a
compreensão dos leitores, sendo que: o primeiro capítulo trata da fundamentação teórica onde
o autor apresentou os seus conceitos concernentes aos direitos fundamentais propriamente
dito. Apresentou também as gerações dos direitos fundamentais e uma breve abordagem
histórica relativa aos direitos fundamentais. O segundo capítulo, trata sobre questões que têm
que ver com a protecção dos direitos e garantias fundamentais do arguido enquanto sujeito
passivo da relação jurídico-processual.

Palavras-Chave: Direitos Fundamentais, arguido.


ABSTRACT
LISTA DE ABREVIATURA

ART Artigo

ARTS Artigos

PÁG Página

PÁGS Páginas

ALS Alíneas

SS Seguintes

CFR Conforme

EX Exemplo

TC Tribunal Constitucional

UÓR Universidade Óscar Ribas

LDC Lei de Defesa do Consumidor

CRA Constituição da República de Angola

FNLA Frente nacional de libertação de Angola

MPLA Movimento popular de libertação de Angola

UNITA União nacional para a independência total de Angola

DDHC Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão


INTRODUÇÃO

Angola é uma República soberana e independente, baseada na dignidade da pessoa


humana e na vontade do povo angolano, que tem como objectivo fundamental a construção
de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social.

Um dos elementos fundamentais de um Estado de Direito é a defesa dos direitos,


liberdades e garantias e o respeito da dignidade da pessoa humana.

Inicialmente, os direitos fundamentais possuem um inegável conteúdo ético (aspecto


material). Eles são os valores básicos para uma vida digna em sociedade. Neste contexto, eles
estão intrinsecamente ligados à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder.
Afinal, em um ambiente de opressão não há espaço para vida digna. A dignidade humana é,
portanto, a base axiológica desses direitos. Além do conteúdo ético os direitos fundamentais
também possuem um conteúdo normativo (aspecto formal). Do ponto de vista jurídico, não é
qualquer valor que pode ser enquadrado nessa categoria. Juridicamente, somente são direitos
fundamentais aqueles valores que o povo formalmente reconheceu como merecedores de uma
protecção normativa especial, ainda que implicitamente. Esse reconhecimento formal ocorre
através da positivação desses valores por meio de normas jurídicas.

Assim, o primeiro aspecto a considerar na delimitação dos direitos do arguido no


processo penal deve buscar-se na Constituição da República de Angola, os direitos do
arguido no processo penal integram-se entre os direitos, liberdades e garantias fundamentais
expresso no capítulo II do título I da CRA, sendo que, os direitos fundamentais, interpretam-
se e integram-se, também de harmonia com a declaração universal dos direitos do homem, a
carta africana dos direitos do homem e dos povos e os tratados internacionais sobre direitos
humanos, de acordo com o n.º 2 do artigo 26.º da CRA.

O artigo 67.º do CPP dispõe que são direitos do arguido os seguintes: direito de
presença; direito de audiência; direito de informação (sobre os factos imputados e sobre os
seus direitos); direito ao silêncio / privilégio da não auto-incriminação; direito a defensor;
direito de intervenção e direito de recurso.
LINHA DE INVESTIGAÇÃO
O tema em análise está relacionado a disciplina de Direito Constitucional e tem como
linha de investigação o estudo sobre a protecção dos direitos e garantias fundamentais do
arguido no processo penal angolano.

ORIENTADOR

Apresentamos como orientador o Professor Belmiro Capoco Chissende Sacunduinga

OBJECTIVOS

GERAL

Estudar a protecção dos direitos e garantias fundamentais do arguido no processo


penal angolano

ESPECÍFICOS

Definir o que são direitos e garantias fundamentais;

Descrever a evolução histórica dos direitos fundamentais em angola;

Analisar os direitos do arguido no processo penal angolano;

Compreender a implementação dos direitos do arguido no processo penal angolano.

JUSTIFICATIVA

Com o advento do novo código penal e da nova figura do juiz de garantias em


Angola, espera-se a efectivação da melhor protecção dos direitos e garantias fundamentais do
arguido no processo penal. Isto impulsionou directamente na escolha deste tema.

PROBLEMA DE PESQUISA

Uma vez que a Constituição da República de Angola consagra o princípio da


presunção de inocência e tendo o arguido direito de ser ouvido na presença do seu defensor e
não responder nas questões sobre facto, por que razão ainda se verifica violações desses
direitos num Estado que se afirma como sendo Democrático de Direito?
HIPÓTESE

A falta de cultura jurídica;

A falta de informação;

A falta de conhecimento sobre matéria jurídica por parte dos agentes da polícia nacional e
outros;

A inobservância das disposições na Constituição da República de Angola.

DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

O propósito desta temática consiste em estudar os direitos e garantias fundamentais do


arguido enquanto sujeito da relação jurídico-processual penal.

ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

TIPO DE PESQUISA

Para elaboração da presente pesquisa será utilizado os seguintes tipos de pesquisas:


Pesquisa exploratória - a fim de criar familiaridade com o tema; pesquisa descritiva - a fim de
analisar minuciosamente o objecto de estudo.

MÉTODO DE ANALISE DE DADOS

Nesta abordagem utilizar-se-á o método qualitativo para descrever a complexidade do


problema e as variáveis, bem como indicar o fundamento do tema em questão.

TÉCNICAS DE PESQUISA

Será usado a técnica de pesquisa documental, nomeadamente: documentos (leis,


regulamentos, relatórios, regulamentos, pareceres,) que poderão ser encontrados em arquivos
(públicos ou particulares, sites da internet, bibliotecas e Pesquisa Bibliográfica: livros, teses,
artigos e outros meios de informação em períodos (revistas, boletins, jornais), que poderão
ser encontradas em bibliotecas.

ESTRUTURA DO TRABALHO

O trabalho terá dois capítulos, a fim de facilitar a compreensão dos leitores, sendo
que: o primeiro capítulo trata da fundamentação teórica onde vamos abordar os direitos e
garantias fundamentais, apresenta também as gerações dos direitos fundamentais e uma breve
abordagem histórica relativa aos direitos fundamentais. O segundo capítulo, trata sobre
questões que têm que ver com a protecção dos direitos e garantias fundamentais do arguido
enquanto sujeito passivo da relação jurídico- processual.
CAPÍTULO I

FUNDAMENTO HISTÓRICO SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Antes de se debruçar sobre a concreta problemática relativa “a protecção dos direitos


fundamentais em angola” no contexto da nova realidade jurídico-constitucional, acredita-se
ser absolutamente imperativo, sob uma perspectiva metodológica e hermenêutica, fazer-se
uma breve incursão pela história do direito constitucional angolano, embora apenas no que
aos direitos fundamentais dizem respeito, tendo como ponto de partida a primeira Lei
Constitucional angolana, de 11 de Novembro de 1975 também designada de Lei
Constitucional da República Popular de Angola, e, como ponto de chegada, a nova
Constituição da República de Angola, em vigor desde o dia 5 de Fevereiro de 2010.
(RIBEIRO, Valdemiro: Os direitos, liberdades e garantias à luz da nova constituição da
república de angola de 2010, Dissertação de Mestrado, 2013, p. 14).

Em Angola, houve três importantes movimentos de libertação: O Movimento Popular


de Libertação de Angola (MPLA), a União Nacional para Independência Total de Angola
(UNITA) e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), que protagonizaram a luta
contra a ocupação portuguesa na ânsia legítima de edificação de um Estado independente,
soberano e “dono do seu próprio destino”. Contudo, imediatamente após a conquista da
independência, a história de Angola ficaria tragicamente manchada por longos e
intermináveis períodos de violentas guerras civis, que influenciaram o próprio processo de
evolução histórica dos direitos fundamentais na ordem jurídico-constitucional angolana.
(RIBEIRO, p. 14).

A reforma constitucional foi um imperativo da Lei Constitucional de 1992, que era um


documento precário, transitório, e com poucas garantias no âmbito da defesa dos direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos; fragilidades quanto às garantias da constitucionalidade.
Com a aprovação da Constituição de 2010, o Estado angolano reforçou a democracia e
clarificou o sistema de governo, delimitou a soberania do Estado, definiu os direitos,
liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, bem como impôs os limites dos órgãos de
soberania e o respeito pela constituição como imperativo de uma nova era; cria-se uma nova
ética do Estado; nova república ou regime constitucional que formalmente é o primeiro poder
soberano dos Estados modernos (PINTO, João: A História Constitucional e Governação
Angolana, p. 194).
Origem dos Direitos Fundamentais

A expressão direito fundamental, tem origem na constituição alemã aprovada na igreja


de S. Paulo em Francoforde, em 1848. Aí, com efeito, nos termos do disposto do seu artigo
IV/ 25, procedeu-se ao estabelecimento de um catálogo dos direitos fundamentais do povo
alemão. O qualificativo fundamental destinava-se a sublinhar o carácter de reconhecimento e
não da criação de direitos por parte do Estado. O carácter pré-estadual e de indisponibilidade
dos direitos quedava assim estabelecido.

Ora, é, neste contexto que se acentua a dupla natureza dos direitos e liberdades
fundamentais. Os direitos fundamentais não garantem apenas direitos subjectivos, mais
também princípios objectivos básicos para ordem constitucional democrática do Estado de
direito. De um lado, releva o aspecto de direito individual, no que concerne aos chamados
direitos da pessoa, que podem não apenas assistir a indivíduos singulares, mais também a
grupos (coligações, associações, sindicatos, etc.). Neste último caso, tratar-se-ia de
instituições, pessoas.

Deste modo, o primeiro dado a reter na constituição de 1976 é o facto de esta


estabelecer, pela primeira vez, o primado dos direitos sobre a lei. Antes, os direitos
fundamentais só valiam no âmbito da lei, hoje as leis só valem no âmbito dos direitos
fundamentais estabelecidos na constituição.

Quer dizer, os direitos individuais postulam basicamente a protecção de pretensão de


uma esfera de vida que não pode quedar estritamente ao alcance do legislador.

Não são meras concepções do Estado (direitos subjectivos públicos, na acepção rigorosa do
termo), simples tolerância estadual. A sua garantia jurídica não se reduz a uma simples
reserva de lei. Pelo contrário, os diretos, liberdades e garantias são agora directamente
aplicáveis, vinculando entidades públicas e privadas, incluído os poderes legislativo,
executivo e judicial que devem dirigir a sua actuação conforme aos direitos fundamentais. O
seu fundamento não é mais o princípio da legalidade, mais sim o princípio da
constitucionalidade (artigo. 226.º n.º 1 e 2 da constituição).

Os direitos fundamentais não garantem apenas direitos subjectivos, mais também


princípios objectivos básicos para a ordem constitucional Democrática do Estado de Direto.
(QUEIROZ, 2011)
Deste modo, o critério da aplicabilidade directa dos direitos, liberdades e garantias,
estalecido no capítulo II da Constituição da República de Angola, só diz respeito a esses
direitos. A aplicabilidade directa significa então que esses direitos e liberdades fundamentais
se encontram dotados de densidade suficiente para serem feitos valer na ausência de lei ou
mesmo contra a lei.

Por essa razão, no regime geral dos direitos fundamentais, a constituição procede a
incorporação de dois princípios:

1. O princípio da universidade (artigo 22.º da Constrição da Republica de Angola);


2. O princípio da autonomia.

De acordo com o primeiro princípio, a universidade, a constituição afirma que toda a


pessoa pelo facto de o ser possui direitos determinados. Todos os indivíduos, nacionais e
estrangeiros, e ainda pessoas colectivas, gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres
consagrados na constituição. No que concerne ao segundo princípio, a autônoma, valem aqui
as considerações expendidas quanto aos conceitos de autonomia privada e autonomia pública
como princípio co-originários. A ideia de indivíduo não corresponde hoje ao valor
(individualista) da independência, mas ao valor (humanista) da autonomia sobre se inclui, por
definição, a relação com os outros, isto é a sociabilidade.

Conceito de Direitos Fundamentais


Segundo Andrade (2012, p. 15) “(...) os direitos fundamentais tanto podem ser vistos
em quanto direitos naturais de todos os homens, independentemente dos tempos e dos lugares
(perspectiva filosófica ou jusnaturalista) como podem ser referidos aos direitos mais
importantes das pessoas, num determinado tempo e lugar, isto é, num Estado concreto ou
numa comunidade de Estados (perspectiva estadual ou constitucional)...”

Ora, segundo a perspectiva estadual ou constitucional, os direitos fundamentais, tais


como os entendemos hoje, são verdadeiros direitos ou liberdades, reconhecidos em geral aos
homens ou a certas categorias de entre eles, por razões de humanidade. São, nessa medida,
direitos de igualdade, universais, e não direitos de desigualdade testamentais ANDRADE
(2012).

SENTIDO E FORMA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Por direitos fundamentais entende-se os direitos ou as posições jurídicas activas das


pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na
Constituição, seja na constituição formal, seja na constituição material. Donde direitos
fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material (MIRANDA,
2008, p. 9).

Esta dupla noção, pois os dois sentidos podem ou devem não coincidir, pretende-se
susceptível de permitir o estudo de diversos sistemas jurídicos, sem escamotear a atinência
das concepções de direitos fundamentais com as ideias de Direitos, os regimes políticos e as
ideologias.

Em primeiro lugar, não há verdadeiros direitos fundamentais sem que as pessoas


estejam em relação imediata com o poder, beneficiando de um estudo comum e não
separadas em razão dos grupos ou das condições a que pertençam; não há direitos
fundamentais sem Estados, ou pelo menos sem comunidade política integrada. Em segundo
lugar, não há direitos fundamentais sem reconhecimento duma esfera própria das pessoas,
mais ou menos ampla, frente ao poder político, não há direitos fundamentais em Estados
totalitários ou, pelo menos, em totalitarismo integral.

Não custa aprender o conceito formal de direitos fundamentais. Não custa aprendê-lo,
à face do sentido formal de Constituição e, porque não se afigura justificado desprender a
priori qualquer norma da Constituição formal da Constituição material, visto que essa norma,
mesmo quando aparentemente sem relevância constitucional, é parte de um todo, é possível
da interpretação que possa ou deva fazer-se na perspectiva do sistema e, se recebe o influxo
de outros princípios e regras, também conta para o sentido sistemático que recai sobre outros
princípios e regras. Deve ter-se por direito fundamental toda a posição jurídica subjectiva das
pessoas enquanto consagrada na Lei Fundamental (MIRANDA, p. 10-11).

Participante, por via da constituição formal, da própria constituição material, tal


posição jurídica subjectiva fica, só por estar inscrita na Constituição formal, dotada da
protecção a esta ligada, nomeadamente quanto a garantia da constitucionalidade e a revisão.
É inconstitucional uma lei que a viole e só por revisão (seja qual for o sistema de revisão
constitucional adoptado) pode ser eliminada ou ter o seu conteúdo essencial modificado.

Ou seja, todos os direitos fundamentais em sentido formal são também direitos


fundamentais em sentido material. Mais há direitos fundamentais em sentido material para
além deles.

Nesta senda, aproveitamos conceituar constituição formal e constituição material.


Numa primeira aproximação conceitual, podemos definir a constituição em sentido
material como o conjunto de princípios jurídicos que constituem os fundamentos da
comunidade política. Tratar-se-á de referenciar os preceitos e os princípios jurídicos com
valor substancial para a compreensão estrutural de um estado, independentemente do aspecto
formal que estes venham a assumir.

Por constituição em sentido formal, entende-se o conjunto de disposições jurídicas a


que é atribuída uma superioridade formal em relação às leis comuns, há uma qualificação de
valor constitucional a partir de um processo especial de elaboração que assegura uma especial
salvaguarda das suas normas perante às leis comuns.

Percebe-se imediatamente que o conceito de Constituição em sentido formal,


pressupõe a existência de leis constitucionais diferenciadas das outras leis, na medida em que
a superioridade formal da constituição é garantida pela formulação em textos escritos das
respectivas normas. Daí que tenda hoje a identificar-se o conceito de Constituição formal
com o de Constituição escrita. Convertida em texto, a constituição ganha um sentido
instrumental de garantia da ideia moderna de Constituição: ordenação sistemática e racional
da comunidade através de um documento escrito dirigido à salvaguarda dos valores da
liberdade, da estabilidade, da segurança, da publicidade e da previsibilidade (VAZ, 2012, p.
54-55).

Positivação

Os direitos fundamentais serão estudados enquanto direitos jurídico-positivamente


vigentes numa ordem constitucional. Como se irá ver, o local exato desta positivação jurídica
é a constituição. A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem
jurídica positiva dos direitos considerados naturais e inalienáveis do individuo. Não basta
uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de fundamentais colocados
no lugar cimeiro das fontes do direito: as normas constitucionais.

Sem esta positivação jurídica os direitos do homem são esperanças, aspirações, ideias,
impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma
de norma (regras e princípios) de direito constitucional. Por outras palavras, onde não existir
constituição não haverá direitos fundamentais. Existirão outras coisas, seguramente mais
importantes, direitos humanos, dignidade da pessoa, existirão coisas parecidas, igualmente
importantes, como as liberdades públicas, direitos subjectivos públicos, enfim. Daí a
conclusão do autor em referência são-no, enquanto tais, na medida em que encontram
reconhecimento nas constituições e deste reconhecimento se derivam consequências
jurídicas.

A positivação constitucional não significa que os direitos fundamentais deixem de ser


elementos constitutivos de legitimidade constitucional, e, por conseguinte, elementos
legitimativo-fundamentantes da própria ordem jurídico-constitrucional positiva, nem que a
simples positivação jurídico-constitucional os torne, só por si, realidades jurídicas efectivas
(ex. catalogo de direitos fundamentais em constituições meramente semânticas). Por outras
palavras: a positivação jurídico-constitucional não dissolve nem consome quer o momento de
jusnaturalização quer as raízes fundamentantes dos direitos fundamentais (dignidade humana,
fraternidade, igualdade, liberdade). Neste sentido se devem interpretar logo os artigos 1.º e
2.º. da Constituição da Republica de Angola, ao basearem respectivamente a república na
dignidade da pessoa humana e o Estado democrático de Direito. Esta ideia, tornar-se-á mais
transparente se aprofundarmos o sentido das categorias (constitucionalização e
fundamentalização de direitos. (CANOTILHO, p. 377).

Constitucionalização

Designa-se por constitucionalização a incorporação de direitos subjectivos do homem


em normas formalmente básicas, subtraindo-se o seu reconhecimento e garantia à
disponibilidade do legislador ordinário. A constitucionalização tem como consequência mais
notória a protecção dos direitos fundamentais mediante o controlo jurisdicional da
constitucionalidade dos actos normativos reguladores destes direitos. (CANOTILHO, p. 378).

O direito subjectivo pode definir-se como o poder jurídico (reconhecido pela ordem
jurídica a uma pessoa) de livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento
positivo (acção) ou negativo (omissão) ou de por um acto livre de vontade, só de per si ou
integrado por um acto de urna autoridade pública, produzir determinados efeitos jurídicos que
inevitavelmente se impõem a outra pessoa (contraparte ou adversário) (PINTO, 2005, p.178).

A constitucionalização dos direitos fundamentais significa a sua positivação, a sua


incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados naturais e inalienáveis
do individuo. Essa positivação dos direitos fundamentais torna-os direitos protegidos sob
a forma de normas (regras e princípios) do direito constitucional (ARAÚJO, Raul, 2018,
p. 111-112).
Os direitos fundamentais apresentam-se, genericamente, como limite ao poder
público, e ainda como fim da própria actividade público-estadual (política dos direitos
fundamentais). A dignidade da pessoa humana (Artigo 1.º da Constituição da República de
Angola) como princípio constitucional supremo. Apresenta-se como fundamento da
sociedade e do Estado, isto é, como norma jusfundamental e como direito jusfundamental.
Numa palavra como compromisso fundamental do Estado (JOSEF, 2000, p. 381-382 apud
QUEIROZ).

Para este quadro, é usual distinguir-se os direitos fundamentais constitucionais, de um


lado, das simples pretensões e expectativas do outro. Alguns afirmam que as pretensões e as
expectativas não constituem direitos verdadeiros e próprios. Outros referem a existência de
um feixe de direitos que não são fixos, antes evoluem com o decurso do tempo. De todo o
modo trata-se de direitos amplamente aceites pela comunidade e que não podem como tal ser
eliminados sem uma mudança fundamental na compreensão social.

Esses direitos são genuinamente constitutivos de outros direitos no sentido em que


ajudam a criar ou constituem mesmo valores básicos da sociedade. Mas são também
compromissórios no sentido em que aspiram a desfrutar de um grau de estabilidade no tempo.
A sua violação corresponde a uma espécie de quebra ou ruptura da relação de confiança que
deve presidir as relações entre governantes e governados, numa palavra, uma violação do
princípio da protecção da confiança próprio de um Estado democrático de direito e
constitucional (QUEIROZ, p. 282)

Os cidadãos gozam do direito, à liberdade de expressão, liberdade de religião, de


iniciativa económica. De propriedade etc., mas não necessariamente à ajuda e protecção do
Estado. Estes conceitos, que espelham direitos e liberdades básicos, não se encontram
dependentes de noções confusas ou de conteúdo variável, designadamente de direitos
negativos ou positivos, mas de uma posição de princípio sobre o que realmente constitui um
direito fundamental. Sob este ponto de vista, os direitos devem ser vistos, em primeira linha,
como instrumentos de protecção de interesses humanos fundamentais.

A protecção dos direitos e liberdades fundamentais não se esgota unicamente na


legislação, antes se estende à aplicação da lei pelo poder executivo e pelo poder judicial.
Embora o destinatário principal dessas pretensões jusfundamentais directas não sejam os
tribunais e o poder judicial, mas fundamentalmente o legislador.
No que concerne ao poder judicial, a Constituição atribui aos tribunais a tarefa
específica de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos,
reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e
privados. (artigo 174.º da CRA)

Por isso, e para isso, os direitos fundamentais devem ser compreendidos, interpretados
e aplicados como normas jurídicas vinculativas e não como trechos osternatórios ao jeito das
grandes declarações de direitos. (CANOTILHO, p. 378).

Fundamentalização

A inserção dos direitos fundamentais na Constituição faz com que eles sejam
analisados em várias dimensões, sejam elas formais ou materiais. Formalmente, essa
fundamentalidade constitucional tem as seguintes consequências:

a. As normas consagradas de direitos fundamentais, enquanto normas fundamentais, são


normas colocadas no grau superior da ordem jurídica;
b. Como normas constitucionais encontram-se submetidas aos procedimentos agravados
de revisão
c. Como normas incorporadoras de direitos fundamentais da própria revisão;
d. Como normas dotadas de vinculatividade imediata dos poderes públicos constituem
parâmetros materiais de escolhas, decisões, ações e controlo, dos órgãos legislativos,
administrativos e jurisdicionais.

A ideia de fundamentalidade material insinua que conteúdo dos direitos fundamentais


é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade. Ela fornece
suporte para:

a) Abertura da constitucionalização a outros direitos, também fundamentais, mas não


constitucionalizados, isto é, direito material mas não formalmente fundamentais;
b) A aplicação a esses direitos só materialmente constitucionais de alguns aspectos do
regime jurídico inerente à fundamentalidade formal;
c) A abertura a novos direitos fundamentais, daí falar-se, em princípio, em cláusula
aberta ou da não tipicidade dos direitos fundamentais.

A abertura da constituição a outros direitos, também fundamentais, mais não


constitucionalizados, isto é, direitos materialmente mas não formalmente fundamentais,
a. A aplicação a estes direitos só materialmente constitucionais de alguns aspectos de
regime jurídicos inerentes à fundamentalidade formal.
b. A abertura a novos direitos fundamentais. Daí o falar-se, nos sentidos em cláusulas
aberta ou em princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais.

CLASSIFICAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No presente número procura-se uma precisão terminológica. Não se trata de fazer uma
tipologia dos direitos fundamentais mas de registar classificações (algumas com valor
meramente histórico) sobre os direitos fundamentais.

Direitos do Homem e Direitos Fundamentais

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais, são frequentemente


utilizadas como sinonimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da
seguinte maneira: Direitos do homem são direitos validos para todos os povos e em todos os
tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); Direitos fundamentais são os direitos do
homem jurídicos-constitucionalmente garantidos e limitados espácio-temporalmente. Os
direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável,
intemporal e universal; Os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes
numa ordem jurídica concreta (CANOTILHO, p. 393).

Os direitos fundamentais, inclusive as liberdades públicas, reconhecem-se a todos,


nacionais e estrangeiros, mas alguns dos direitos especificados no texto constitucional
direitos esses que não são direitos do Homem, e sim do cidadão (TAVARES, 2020, p. 436).

Direitos do Homem e Direitos do Cidadão

Como é sabido, a Declaração de Direitos de 1789 intitulou-se Declaração dos Direitos


do Homem e do Cidadão. Daí que se procurasse distinguir entre direitos do homem e
direitos do cidadão: Os primeiros pertencem ao homem enquanto tal; os segundos
pertencem ao homem enquanto ser social, isto é, como indivíduo vivendo em sociedade.

Vendo bem a coisa, a distinção em referência é uma sequela da teoria da separação


entre sociedade e Estado, pois o binómio homem-cidadão assenta no pressuposto de que a
sociedade civil, separada da sociedade política e hostil a qualquer intervenção estadual, e, por
essência a política.
Direitos naturais e Direitos Civis

Esta distinção aproxima-se da anterior. Título I da constituição francesa de 1791


referia-se ipsis vebis aos direitos naturais e civis que lhe competia garantir. Os direitos
naturais, como o nome indica, eram inerentes ao indivíduo e anteriores a qualquer contrato
social; os direitos civis são os chamados Civil Rights da terminologia americana, ou seja, os
direitos pertencentes ao indivíduo como cidadão e proclamados nas constituições ou leis
avulsas.

Direitos Civis e Liberdades ou Direitos Políticos

É uma distinção introduzida dentro da categoria dos direitos civis. Os direitos civis
são reconhecidos pelo direito positivo a todos os homens que vivem em sociedade; Os
segundos (os direitos políticos) só são atribuídos aos cidadãos activos.

Direitos Civis e Direitos ou Liberdades Individuais

Aqui não há qualquer contraposição: Os direitos civis, depois de esvaziados dos


direitos políticos, passam a ser considerados pela publicistica francesa como direitos
individuais ou liberdades individuas ou ainda liberdades fundamentais. A designação de
direitos individuas reflete melhor a filosofia individualista da escola liberal e daí a sua
escolha em detrimento da fórmula direitos civis. (CANOTILHO, p 394)

Direitos e Liberdades Públicas

Como acabamos de ver, os direitos civis, depois de separados dos direitos políticos,
passaram a ser designados também por liberdades individuais. No entanto, costuma fazer-se
uma outra distinção com base na posição jurídica do cidadão, titular dos direitos, em relação
ao Estado. As liberdades estariam ligadas ao status negativus e através delas visa-se defender
a esfera dos cidadãos perante a intervenção do Estado. Daí o nome de direitos de liberdade.
Por sua vez, os direitos estariam ligados ou ao status activus ou ao status positivus. Os
direitos ligados ao status activus salientam a participação do cidadão como elemento activo
da vida politica (direito de voto, direito aos cargos públicos). Direitos são ainda as posições
jurídicas do cidadão conexionadas com o status positivus: Trata-se dos direitos dos cidadãos
às prestações necessárias ao desenvolvimento pleno da existência individual. Daí a sua
designação como direitos positivos ou direitos de prestação, moderadamente conhecidos por
direitos económicos, socias e culturais (cfr. Art 76.º ss da CRA).
Direitos e Garantias

Rigorosamente, as classificas garantias são também direitos, embora muitas vezes se


salientasse nelas o carácter instrumental de protecção dos direitos. As garantias traduzem-se
quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a protecção dos seus direitos, quer
no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade (ex.: direito de acesso
aos tribunais para defesa dos direitos, princípios do nullum crimen sine lege e nulla poena
sine crime, direito de habeas corpus) (CANOTILHO, P. 396).

Direitos Fundamentais e Direitos de Personalidade

Muitos dos direitos fundamentais são direitos de personalidade, mais nem todos os
direitos fundamentais são direitos de personalidade. Os direitos de personalidade abarcam
certamente os direitos de estado (por ex.: direito de cidadania), os direitos sobre a própria
pessoa (direito à vida, à integridade moral e física, direito à privacidade), os direitos
distintivos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito a informática) e muitos dos
direitos de liberdade (liberdade de expressão). Tradicionalmente, afastavam-se dos direitos de
personalidade os direitos fundamentais políticos e os direitos a prestações por não serem
atinentes ao ser como pessoa. Contudo, hoje em dia, dada a interdependência entre o estatuto
positivo e o estatuto negativo do cidadão, e em face da concepção de um direito geral de
personalidade como direito à pessoa ser e à pessoa devir, cada vez mais os direitos
fundamentais tendem a ser direito de personalidade e vice-versa. (CANOTILHO, P. 396)

Direitos, Liberdades e Garantias e Direitos Económicos, Sociais e Culturais

É uma distinção particularmente importante no plano do direito constitucional


positivo e no plano do direito internacional. Quanto ao constitucional vigente basta dizer que
a estrutura classificatória básica assenta na distinção entre (Direitos, liberdades e garantias
Título II) e Direitos económicos, socias e culturais (Título III) relativamente ao direito
internacional, o interesse da distinção radica no facto de ela se aproximar da classificação de
direitos constantes dos dois pactos internacionais das Nações Unidas sobre direitos
fundamentais (direitos pessoais, civis e políticos e direitos económicos, sociais e culturais.
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Aos direitos fundamentais são apontadas as seguintes características:

a) Universalidade: os direitos fundamentais aplicam-se a todas as pessoas,


independentemente de serem ou não nacionais de um país, e sem exclusão de sexo,
raça, credo religioso ou convicção político-filosófica;
b) Historicidade: os direitos fundamentais são produto da evolução histórica;
c) Inalienabilidade: eles são intransferíveis e inegociáveis;
d) Imprescritibilidade: não deixam de ser exigíveis por falta de uso nem desaparecem
pelo decurso do tempo;
e) Irrenunciabilidade: nenhum ser humano pode renunciar aos seus direitos
fundamentais;
f) Inviolabilidade: os direitos fundamentais não podem deixar de ser exercidos devido a
leis infraconstitucionais por actos das autoridades públicas;
g) Efectividade: os poderes públicos devem agir no sentido de assegurarem a
efectivação dos direitos fundamentais;
h) Complementaridade: os direitos fundamentais não devem ser interpretados de forma
isolada. Deve ser feita uma interpretação para que não haja uma colisão de direitos,
uma vez que todos eles têm a mesma força jurídica.

AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ao longo da História, assistiu-se à consagração dos direitos civis, dos direitos


políticos, dos direitos sociais básicos e econômicos, dos direitos colectivos e, mais
modernamente, dos direitos das minorias, do direito ao desarmamento etc. A existência de
várias dimensões é perfeitamente compreensível, já que decorrem da própria natureza
humana: As necessidades do Homem são infinitas, inesgotáveis, o que explica estarem em
constante redefinição e recriação, o que, por sua vez, determina o surgimento de novas
espécies de necessidades do ser humano. Daí falar em diversas dimensões de projeção da
tutela do Homem, o que só vem corroborar a tese de que não há um rol eterno e imutável de
direitos inerentes à qualidade de ser humano, mas sim, ao contrário, apenas um permanente e
incessante repensar dos Direito.
É preciso anotar que os autores têm preferido falar em gerações, querendo significar
gerações sucessivas de direitos humanos. A ideia de “gerações”, contudo, é equívoca, na
medida em que dela se deduz que uma geração se substitui, naturalmente, à outra, e assim
sucessivamente, o que não ocorre, contudo, com as “gerações” ou “dimensões” dos direitos
humanos. Daí a razão da preferência pelo termo “dimensão” (TAVARES, 2020, p. 443).

Contudo, é preciso insistir, desde logo, que os direitos não se encaixarão em apenas
uma das dimensões, nem será possível estabelecer uma linha divisória estrita e precisa entre
categorias individuais de direitos e categorias sociais ou de exercício colectivo.

Os direitos fundamentais são tradicionalmente classificados em três gerações ou


dimensões, as quais estão intimamente ligadas aos Lemas da Revolução Francesa: liberdade,
igualdade e fraternidade (PROVEDORIA DE JUSTIÇA, 2022, p. 13).

Os Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão

São direitos de primeira dimensão aqueles surgidos com o Estado Liberal do século
XVIII. Foi a primeira categoria de direitos humanos surgida, e que engloba, atualmente, os
chamados direitos individuais e direitos políticos. Neste primeiro conjunto de direitos
encontram-se a protecção contra a privação arbitrária da liberdade, a inviolabilidade do
domicílio, a liberdade e segredo de correspondência.

Também pertencem à primeira dimensão liberdades de ordem econômica, como a


liberdade de iniciativa, a liberdade de actividade econômica, a liberdade de eleição da
profissão, a livre disposição sobre a propriedade etc. Já as liberdades políticas referem-se à
participação do indivíduo no processo do poder político. As mais importantes são as
liberdades de associação, de reunião, de formação de partidos, de opinar, o direito de votar, o
direito de controlar os actos estatais e, por fim, o direito de acesso aos cargos públicos em
igualdade de condições.

No fundamental, os direitos de primeira dimensão são aqueles que compreendem as


chamadas “liberdades clássicas”. Direitos individuais, civis e políticos, seus exemplos
clássicos, são pois, direitos negativos que implicam a abstenção do Estado em relação a actos
que interfiram na esfera de liberdade dos indivíduos (PROVEDORIA, p. 13).

Os Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão


Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, que visam a oferecer os
meios materiais imprescindíveis à efectivação dos direitos individuais. Também pertencem a
essa categoria os denominados direitos econômicos, que pretendem propiciar os direitos
sociais. Enquanto no individualismo, que se fortaleceu na superação da monarquia
absolutista, o Estado era considerado o inimigo contra o qual se deveria proteger a liberdade
do indivíduo, com a filosofia social o Estado se converteu em amigo, obrigado que estava, a
partir de então, a satisfazer as necessidades colectivas da comunidade. Trata-se, com essa
nova dimensão, não de se proteger contra o Estado, mas, sobretudo, de elaborar um rol de
pretensões exigíveis do próprio Estado, que passa a ter de actuar para satisfazer tais direitos.
Entre os direitos de segunda dimensão, encontram-se, o direito ao trabalho, à proteção em
caso de desemprego, o direito ao salário mínimo, a um número máximo de horas de trabalho,
ao repouso remunerado e ao acesso a todos os níveis de ensino. O Estado passa do isolamento
e não intervenção a uma situação diametralmente oposta. O que essa categoria de novos
direitos tem em mira é, analisando-se mais detidamente, a realização do próprio princípio da
igualdade.

Os direitos sociais são essenciais para os direitos políticos, pois será através da
educação que se chegará à participação consciente da população, o que implica também
necessariamente no direito individual à livre formação da consciência e à liberdade de
expressão e informação. Os direitos econômicos, da mesma forma colaboram para o
desenvolvimento e efectivação de participação popular através de uma democracia
econômica”.

Os direitos fundamentais de segunda dimensão, por seu turno, são os direitos socias,
económicos e culturais, chamados de direitos positivos, que requerem a acção do Estado para
sua consecução e estão relacionados com o princípio da igualdade (artigo 23.º, n.º 1 e 2 da
CRA).

Os Direitos Fundamentais de terceira dimensão

São direitos de terceira dimensão aqueles que se caracterizam pela sua titularidade
colectiva ou difusa, como o direito do consumidor e o direito ambiental. Também costumam
ser denominados como direitos da solidariedade ou fraternidade. Os interesses difusos
demandam uma participação intensa do cidadão.
Os direitos fundamentais de terceira dimensão, por fim, referem-se aos direitos de
titularidade colectiva, tais como: o direito ao meio ambiente equilibrado; direito à paz; direito
ao desenvolvimento; o direito à autodeterminação dos povos, entre outros, e estão ligados ao
principio da fraternidade.

Dentre os direitos fundamentais de terceira dimensão, destacam-se os chamados


direitos difusos e colectivos. Os seus primeiros antecedentes que remontam ao direito
romano, embora conhecido desde há muito tempo pelas civilizações ocidentais, foi apenas em
meados do seculo XX que teóricos e legisladores passaram a ocupar-se sistematicamente do
seu tratamento (PROVEDORIA, p. 13).

A primeira preocupação do legislador, aquando da produção das normas que protegem


os titulares de direitos e interesses colectivos ou difusos, nomeadamente, o consumidor, foi a
de estabelecer um dever geral de protecção. A Lei Constitucional de 1992, por exemplo
apesar de propiciar a todos os cidadãos uma existência digna ao proteger o bem-estar e a sua
qualidade de vida (artigo 9.º), os interesses económicos (artigo 10.º), a vida privada (20.º), a
integridade física (artigo 22.º,n.º1), o direito a um ambiente saudável (artigo 24.º, n.º 1), a
participação em associações (artigo32.º, n.º 1), a possibilidade de instar as autoridades
judiciais por lesão dos seus direitos (artigo 43.º), a protecção à saúde e segurança física
(artigo 47.º, n.º 1 e 2), bem como o direito à instrução (artigo 49.º, n.º 1), não positivou
directamente normas sobre relações de consumo.

No entanto, com a provação da Constituição de 5 de Fevereiro de 2010, os direitos do


consumidor assumiram a plena dignidade de direitos fundamentais, com a sua integração no
capítulo III, referente aos Direitos, Deveres Económicos, Sociais e culturais, através do artigo
78.º, dando-se, assim, a positivação directa das normas sobre as relações de consumo.

A Lei de Defesa do Consumidor (LDC) determina que é da responsabilidade do


Estado proteger o consumidor, bem como apoiar a constituição e o fomento das associações
de consumidores, velar pela execução do disposto na referida lei, pressupondo esse dever de
protecção, por parte do Estado a intervenção legislativa e regulamentar adequada, em todos
os domínios envolvidos (artigo 2.º, n.º 1 e 2).

FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Função de Defesa ou de Liberdade


A primeira função dos direitos fundamentais, sobretudo dos direitos, liberdades e
garantias é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os podres do Estado (e de
outros esquemas políticos coactivos). Os direitos fundamentais cumprem a função de direito
de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva:

a) Constituem num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para


os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera
jurídica individual;
b) Implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente
direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes
públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade
negativa). Assim, por exemplo o artigo 40.º da CRA garante subjectivamente:
Direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra, pela imagem
ou por qualquer outro meio, bem como o direito e a liberdade de informar, de se
informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações
(CANOTILHO, p. 407).

Função de Prestação Social

Os direitos a prestações significa, em sentido estrito, direito do particular ao obter


algo através do Estado (saúde, educação, segurança social). É claro que se o particular tiver
meios financeiros suficientes e houver resposta satisfatória do mercado à procura destes bens
socias, ele pode obter a satisfação das suas pretensões prestacionais através do comércio
privado (cuidados de saúde privados, seguros privados, ensino privado). A função de
prestação dos direitos fundamentais anda associada a três núcleos problemáticos dos direitos
socias, económicos e culturais:

a) Ao problema dos direitos socias originários, ou seja, se os particulares podem derivar


directamente das normas constitucionais pretensões prestacionais (ex: derivar da
norma consagradora do direito à habitação uma pretensão prestacional traduzida no
direito de exigir uma casa);
b) Ao problema dos direitos sociais derivados que se reconduz ao direito de exigir uma
actuação legislativa concretizadora das normas constitucionais sociais (sob pena de
omissão inconstitucional) e no direito de exigir e obter a participação igual nas
prestações criadas pelo legislador (ex: prestações médicas e hospitalares existentes).
c) Ao problema de saber se as normas consagradoras de direitos fundamentais sociais
tem uma dimensão objectiva juridicamente vinculada dos poderes públicos no sentido
de obrigarem estes (independentemente de direitos subjectivos ou pretensões
subjectivas dos indivíduos) a políticas sociais activas conducentes à criação de
instituições (ex: hospitais, escolas), serviços (ex: serviços de segurança social) e
fornecimento de prestações (ex: rendimento mínimo, subsidio de desemprego, bolsas
de estudo, habitações económicas) (CANOTILHO, p. 408).

Função de Protecção Perante Terceiros

Muitos direitos impõem um dever ao Estado (poderes públicos) no sentido de este


proteger perante terceiros os titulares de direitos fundamentais. Neste sentido o Estado tem o
dever de proteger o direito à vida perante eventuais agressões de outros indivíduos. O mesmo
acontece com numerosos direitos como o direito de inviolabilidade de domicílio, o direito de
protecção de dados informáticos, o direito de associação. Em todos estes casos, da garantia
constitucional de um direito resulta o dever do Estado adaptar medidas positivas destinadas a
proteger o exercício dos direitos fundamentais perante actividades perturbadoras ou lesivas
dos mesmos praticadas por terceiros. Daí o falar-se da função de protecção perante terceiros.
Diferentemente do que acontece com a função de prestação, o esquema relacional não se
estabelece aqui entre o titular do direito fundamental e o Estado (ou uma autoridade
encarregada de desempenhar uma tarefa pública) mas entre o indivíduo e outros indivíduos.
Esta função de protecção de terceiros obrigará também o Estado a concretizar as normas
reguladoras das relações jurídico-civis de forma a assegurar nestas relações a observância dos
direitos fundamentais (ex: regulação do casamento de forma a assegurar a igualdade entre os
cônjuges) (CANOTILHO, p. 409).

Função de não Discriminação

Uma das funções dos direitos fundamentais ultimamente mais acentuada pela doutrina
(sobretudo a doutrina norte-americana) é a que se pode chamar função de não discriminação.
A partir do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados na
constituição, a doutrina deriva esta função primária e básica dos direitos fundamentais:
assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais. Esta
função de não discriminação abrange todos os direitos. Tanto se aplica aos direitos,
liberdades e garantias pessoais (ex: não discriminação em virtude de religião), como aos
direitos de participação política (ex: direito de acesso aos cargos públicos) como ainda aos
direitos dos trabalhadores (ex: direito ao emprego e formação profissional). Alarga-se de
igual modo, aos direitos a prestações (prestações de saúde, habitação). É com base nesta
função de não discriminação que se discute o problema das quotas (ex: parlamento paritário
de homens e mulheres) e o problema das afirmative actions tendentes a compensar a
desigualdade de oportunidades (quotas de deficientes). É ainda com uma acentuação-
radicalização da função anti discriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos
minoritários defendem a efectivação plena da igualdade de direitos numa sociedade
multicultural e hiperinclusiva (direitos dos homossexuais, direitos das mães solteiras direitos
das pessoas portadoras de HIV) (CANOTILHO, p. 409-410).

CAPÍTULO II

A PROTECÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO


ARGUIDO NO PROCESSO PENAL ANGOLANO

O arguido no processo penal Angolano

Considera-se arguido em direito processual penal todo aquele sobre quem recai forte
suspeita de que tenha praticado um crime suficientemente provado (n.º1 do art.º 63.º do
Código do Processo Penal Angolano).

O artigo 25.º do CPP de 1929 já vinculava a mesma definição de arguido que se


consubstanciava no facto de existência, por um lado, de uma forte suspeita e, por outro, da
circunstância da infração estar suficientemente comprovada no processo.

Isto significa que não basta a existência de uma forte suspeita. Terá de existir um
crime suficientemente comprovado. Desde logo, se constata que a definição de arguido se
manteve incólume no CPPA.

O código do processo penal de 1929 refere-se ao sujeito passivo da relação processual


ora como arguido, ora como réu de forma quase indiscriminada.

A utilização destes termos nem sempre obedece a critérios objetivos, muito embora a
designação de arguido tenha estado frequentemente reservada à fase da instrução preparatória
até ao despacho de pronúncia, enquanto a de réu dizia respeito à fase judicial, isto é, depois
do despacho de pronúncia (SAMBO, José 2022, p. 273).

Noutros diplomas avulsos afectos ao direito processual penal, anteriores ao novo


Código de Processo Penal Angolano utilizava-se ainda as “expressões suspeito, indiciado,
acusado e culpado”.

O novo código de processo penal no seu artigo 63.º estabelece que assume a qualidade
e arguido em processo penal todo aquele sobre quem recai forte suspeita de que tenha
praticado um crime suficientemente comprovado.

Por outro lado, assume imediatamente a posição processual de arguido a pessoa contra
quem foi deduzida acusação ou requerida a instrução contraditória (art.º 63.º n.º 2).

Assume ainda a posição processual de arguido quem, como tal, for constituído nos
termos dos artigos 64.º e 65.º do mesmo código, isto é, como pressuposto para aplicação de
alguma medida de coação ou de garantia patrimonial e ainda de forma oficiosa ou a
requerimento, etc.

Constituição de arguido

Assim é obrigatório a constituição de arguido:

Logo que, em instrução preparatória, aberta contra pessoa determinada, esta prestar
declarações perante o Ministério Público ou Órgão de Polícia Criminal.

Quando tenha de ser aplicada a alguém uma medida de coação de garantia


patrimonial.

Em caso de detenção de qualquer pessoa nos termos do artigo 250.º e seguintes (como
o acto de privação précario).

Sempre que seja levantado um auto de notícia e que se considere como agente de um
crime determinada pessoa, o auto lhe tiver sido comunicado e a notícia não seja
manifestamente infundida.

A constituição de arguido é um acto processual que se considere realizado quando


observados os seguintes termos (art. º 64.º do CPPA):

Comunicação oral ou escrita feita pelo Magistrado do Ministério Público ou órgão de


Polícia Criminal conforme o caso à pessoa visada em qualquer uma das situações
anteriormente referidas, de que a partir daquele momento passa a ter no processo a posição de
arguido.

A indicação dos direitos e dos deveres que competem a essa pessoa nos termos da lei
(art.º 67.º e 68.º).

A entidade que proceder à referida comunicação e indicação deve entregar ao arguido


nota escrita em que se procede à identificação do processo e do defensor que lhe tenha sido
nomeado e em que se refiram os factos ou o crime que lhe são imputados.

A constituição de arguido pode ser efetuada oficiosamente ou a requerimento do


suspeito (arts.º 65.º).

Se em qualquer acto de inquisição ou de declarações de pessoa que não é arguido


surgir fundada suspeita de que ela cometeu um crime, a entidade que preside o acto deve
suspendê-lo de imediato e proceder à comunicação da constituição de arguido e à indicação
dos seus direitos e deveres (n.º 2 do art.º 64.º).

Por outro lado, a pessoa que se der conta de que é objecto de suspeita de ter cometido
um crime e de que estão a ser efetuadas diligencias destinadas a imputar-lhe tem o direito de
requerer e exigir a sua constituição como arguido e de, nessa posição processual, passar a ser
ouvida (SAMBO, p. 275).

Neste último caso, o requerente considera-se constituído a partir da data do


deferimento ou daquele em que for ouvido como arguido.

A constituição de arguido é feita mediante comunicação da autoridade judiciária que


dirige o acto em que o arguido nessa qualidade deve intervir. Neste sentido parece ter
caminhado do nosso legislador constituinte, ao considerar no artigo 63.º da Constituição da
República de Angola que toda a pessoa privada da sua liberdade deve ser informada, no
momento da sua prisão ou detenção, das respectivas razoes e dos seus direitos. Essa
informação mais não é do que um retrato resumido das garantias concedidas pela lei ao
arguido ou seja, a partir desse momento o visado não tem duvidas de que foi constituído
arguido no processo.

O código de Processo Penal é mais claro quanto ao momento exato da constituição de


arguido, asseverando que a mesma só se considera realizada com a comunicação oral ou
escrita feita pelo Magistrado do Ministério Público ou Órgão de Polícia Criminal de que a
partir daquele momento a pessoa visada passa a ter n o processo a posição de arguido, sendo,
desde logo, informado dos seus direitos e deveres decorrentes dessa condição. A entidade que
fizer a comunicação tem ainda a obrigação de entregar ao arguido uma nota escrita em que
procede à identificação do processo e do defensor que lhe tenha sido nomeado e em que se
refiram os factos ou o crime que lhe são imputados (INÁCIO, Florentino, 2022, p.39-40).

Quanto à possibilidade de comunicação oral de constituição de arguido, impõe-se uma


breve consideração. O que será verdadeiramente oral é a comunicação e não a constituição.
Dito de outro modo, a constituição de arguido, como tal, deve ser feita por meio de despacho
escrito do Magistrado competente, porem como o processo nessa fase é secreto e a pessoa
visada precisa de saber sobre a sua condição processual, até mesmo para despoletar o
complexo de direitos e deveres que a lei lhe confere e consequentemente começar a montar a
sua defesa, determina a lei que tal constituição lhe deve ser comunicada, quer por escrito quer
por via oral. No entanto, é preciso estar atento aos riscos que se corre com uma comunicação
que seja estritamente oral, porque se futuramente o arguido alegar que não lhe foi
comunicada tal qualidade e na impossibilidade de meios documentados para provar o
contrário, inutiliza-se todo processo, se tiver em conta o disposto no n.º 4 do artigo 64.º do
CPP. Por isso, acautela-se que, sempre que possível, deverá haver nos autos uma notificação
de constituição de arguido, devidamente assinada pelo próprio arguido.

Ainda nos termos do código, concretamente nos termos do artigo 64.º é obrigatória a
constituição de arguido, logo que em instrução preparatória a pessoa vida preste declarações
perante Magistrado do Ministério publico ou Órgão de Policia criminal, quando tenha deve
ser aplicada a alguém medida de coação ou de garantia patrimonial. Havendo detenção de
qualquer pessoa ou sempre que, levantado auto de notícia em que se considere como agente
de um crime determinada pessoa, o aouto lhe tiver sido comunicado e a notícia não tiver sido
infundada.

A primeira situação justifica-se, porque o arguido beneficia de um estatuto especial,


mais para que o mesmo seja despoletado é necessário que haja a constituição formal nessa
qualidade. Assim, a alínea a) do n.º do artigo 64.º, pretende acautelar situações em que o
arguido prestasse declarações que pudessem comprometer a sua situação processual, sem
estarem informados dos direitos de que beneficia. Também é verdade que o disposto no n º
4.º do artigo 64.º, em parte, já acautela tal situação, ao impor que as declarações prestadas no
processo por qualquer pessoa, antes de ter sido constituída como arguido, não podem ser
utilizadas como meio de prova contra ela. Ainda assim, o legislador preferiu não arriscar, ao
impor a constituição na qualidade de arguido quem tiver de prestar declarações perante
aquelas entidades.

Quanto às medidas de coação e de garantia patrimonial (alínea b do n.º 1 do artigo


64.º), justifica-se que seja obrigatória a constituição de arguido sempre que forem aplicadas,
porque elas implicam sempre re3stricao ou privação da liberdade e um sacrifício patrimonial
só justificado no âmbito dos pressupostos das medidas de garantia patrimonial. Assim, não se
justifica que as mesmas possam ser aplicadas ao pacato cidadão mesmo que sobre ele recaiam
suspeitas, resultantes de indicias de que possivelmente tenha perpetrado um ilícito penal,
senão for antes constituído arguido. Alias, o n.º 2 do artigo 229.º do CPP determina que a
aplicação das medidas de coação pessoal depende da prévia constituição de arguido da pessoa
a quem foram aplicadas e com excepção do termo de identidade e residência, exigem ainda a
existência de fortes indícios da prática de um crime punível com pena de prisão superior no
seu limite máximo a um ano.

No que concerne à detenção (al. c do n.º 1 do artigo 64.º), segundo Inácio (2022) “(...)
a constituição de arguido justifica-se tendo em atenção as finalidades dessa fulgura jurídica
assinaladas nas alíneas do n.º 1 do artigo.º 250.º do CPP com a epígrafe conceitos e
finalidades da detenção. Ademais, o n.º 2 do citado artigo assevera que, em caso de detenção
para aplicação de medida de coação privativa de liberdade, é obrigatório o interrogatório do
detido, sem prejuízo de audição sumaria do Ministério Público, para aferir da necessidade, ou
não, de requer aplicação de algumas medidas de coação pessoal na competência do juiz. Bem
vistas as coisas, é uma repetição do que se dispõe na al. a) do n.º 1 do artigo 64.º do CPP,
uma vez que se estaria a prestar declarações perante autoridade judiciária”.

Quando é levantado um auto de notícia, a pessoa nela considerada como agente da


infração, não é desde logo constituído arguido, é preciso que o auto seja comunicado ao
mesmo, entende-se também que deve assinar e que a notícia constante do auto não seja
infundada, porque não sendo assim faltaria a forte suspeita de que a condição de arguido é
refém e muito menos estaria a infracção suficientemente comprovada (al. d, do n.º 1 do artigo
64.º).

Existem situações em que a constituição de arguido é imediata e automática, é o caso


previsto no nº 2 do artigo 63.º do CPP isto é, ser deduzida a acusação ou requerida a instrução
contraditória contra determinada pessoa, que passa automaticamente à posição processual de
arguido.

Uma nota deve ser dada ao disposto no n.º 4 do citado artigo 63.º, segundo o qual a
qualidade de arguido matem-se durante todo o decurso do processo. Porem, a configuração
dessa norma pode originar uma ma interpretação. Ora, a mesma não quer dizer que uma vez
constituído arguido, tal situação não possa ser alterada antes do processo conhecer o seu fim.

O arguido pode não ser acusado e quando acusado pode não ser pronunciado, em
qualquer dessas situações, a pessoa antes arguida deixará de o ser, embora o processo possa
continuar contra outro arguido ou outros arguidos (INÁCIO, p. 42).

O Arguido enquanto Sujeito Processual Penal

É inegável hoje a posição do arguido como sujeito processual, como centro de


imputação de um conjunto de direitos e deveres, resultantes do seu status jurídico-processual
penal. Isto, naturalmente, tratando-se de Estados que adoptaram o processo de matriz
acusatória.

Entretanto, como aliás já frisado, o arguido nem sempre ocupou no processo no


processo penal a posição que ocupa hoje na generalidade dos ordenamentos jurídicos dos
Estados modernos, posição essa que é a de verdadeiro sujeito processual no sentido de ser
dono e senhor de direitos e deveres processuais autónomos, com a possibilidade de
influenciar a decisão do tribunal, com a actividade que desenvolve no processo, assumindo
agora a posição de parte processual, posição que partilha com o representante do Ministério
Público, não assume um verdadeiro papel de parte, no processo penal, que mais não são do
que interesses da colectividade, e dos princípios que norteiam a sua atividade,
nomeadamente, a legalidade e a objetividade, este papel é sim reservado ao arguido que
defende um verdadeiro interesse em provar a sua inocência ou em não ver provada a sua
culpabilidade. (INÁCIO, p. 28-19)

Arguido versus Suspeito

No ponto anterior ficou claro que a posição do arguido no processo penal é a de um


verdadeiro sujeito processual, posição esta que lhe permite uma participação constitutiva na
declaração do direito do caso concreto, através da concessão de direitos processuais
autónomos, legalmente definidos, que deverão ser respeitados por todos os intervenientes no
processo penal.
Pretendemos agora saber se será esta a posição reservada também ao suspeito, visto
que a fronteira conceptual entre as duas figuras jurídicas é ténue, levando vezes sem conta, a
que se confundam um e outro, tanto na opinião pública, como para alguns operadores de
justiça criminal, essencialmente aqueles que actuam na fase preliminar (instrução) do
processo.

Antes de abordarmos com profundidade a posição do suspeito no processo penal e


todos os aspecto ligados à sua condição jurídico-processual, urge a necessidade de, tal como
fizemos em relação ao arguido, saber quem é o suspeito.

O suspeito, nos termos do artigo 65.º do CPP são todos aqueles que se procura na
instrução averiguar dos fundamentos da suspeita de ter cometido uma infração, mas não
sendo essa suspeita ainda forte, nas condições exigidas pelo artigo 63.º do mesmo diploma
legal.

Nesta conformidade, infere-se que a diferença entre o suspeito e o arguido está nos
indícios ou suspeita da perpetração de um ilícito. Assim, se esses indícios ou suspeitas forem
fortes, representando uma probidade quase segura de que determinada pessoa cometeu um
crime, então pode-se constituir o respectivo agente na condição de arguido, caso tais
suspeitas sejam ainda inconclusivas ou fracas o agente manter-se-á na condição de simples
suspeito.

Porem, esta não parece que seja a diferença fulcral entre ambas as figuras. Vejamos o
n.º 2 do artigo 65.º do CPP que permite ao simples suspeito requerer que passe a ser tratado,
no processo, como verdadeiro arguido, sempre que verifique que na instrução preparatória
estão a ser efetuadas diligências destinadas a imputar-lhe o crime. Assim, o requerente,
suspeito, considera-se constituído arguido desde a data do despacho a deferir o requerimento
ou daquela em que for ouvido como arguido.

Chegados a este ponto, prevalece a questão de sabermos qual será a verdadeira


diferença entre o arguido e o suspeito, que inferencialmente demonstrará também a posição
deste último no processo penal. Na nossa óptica a diferença é meramente formal, ou seja, a
diferença vai residir na constituição formal da qualidade de arguido ou não. Portanto, a
diferença esta no acto formal de constituição. Nestes termos havendo uma investigação
dirigida contra determinada pessoa enquanto não for constituído formalmente como arguido,
que como já vimos poderá ser inclusive a seu pedido, este será um mero suspeito.
A existência de fortes suspeitas não nos parece que tenha fundamento para ser a
diferença entre ambas as figuras jurídicas, na medida em que, mesmo não havendo tais
suspeitas, a pessoa contra quem a investigação é dirigida pode, para acautelar determinados
interesses processuais, requer que seja constituindo arguido e a autoridade judiciaria que
esteja a dirigir o acto não pode negar o tal pedido sob pena de irregularidade processual ou
dar lugar a nulidade de todo o processo, salvo se não houver nenhum indício que justifique tal
constituição.

Pretensa Diferença entre arguido e réu

No fundamental usa-se com bastante mais frequência o termo arguido para designar o
sujeito passivo durante a fase de instrução e o termo réu, após a pronúncia e, sobretudo, na
fase de julgamento.

O arguido será o sujeito passivo do processo, a partir do momento em que


determinado crime suficientemente comprovado é imputado a determinada pessoa.

Será reu o arguido a partir do momento em que o juízo de suspeita que sobre ele
recaía se transformou em juízo de probabilidade, confirmado pelo juiz, ou seja, a partir da
pronúncia.

A posição e situação jurídica de um e outro, são de facto e de direito semelhantes


entre si: a de sujeito de relações jurídicas estabelecidas no processo e a de titular de direitos e
deveres processuais, se bem que elas não se mantenham constantes e rigorosamente iguais em
todas as fases do processo (RAMOS, Vasco, 2011, p.171-172).

O artigo 63.º define o arguido como aquele sobre quem recai forte suspeita de que
tenha praticado um crime suficientemente comprovado.

A capacidade judiciária do Arguido

O arguido é um sujeito processual. Os principais sujeitos processuais são:

1. O Juiz
2. Ministério Público
3. Assistente
4. Arguido
Sujeitos, em sentido amplo, são as pessoas entre as quais se estabelecem as relações
jurídico-processuais. Em sentido estrito ou técnico, são aqueles participantes processuais a
quem competem direitos e deveres processuais autónomos, no sentido de que, através das
suas decisões podem determinar, dentro de certos limites, a concreta tramitação do processo.
Como asseverámos acima, o arguido é um sujeito processual ao qual assistem direitos e
deveres cujo exercício requerem personalidade judiciária (SAMBO, p. 278).

A personalidade judiciária não pode ser confundida com a susceptibilidade de


responsabilidade penal. Esta ultima tem natureza substantiva, enquanto aquela (personalidade
judiciária) se traduz na susceptibilidade de ser arguido, tendo por isso natureza adjectiva e
correspondendo à faculdade de ser titular e dispor de direitos e deveres processuais como
instrumentos de defesa contra a imputação que lhe está a ser dirigida. Este conjunto de
direitos e deveres integra o estatuto jurídico do arguido.

Assim, constatamos que o arguido para além de se considerara um sujeito processual,


é susceptível de uma imputação criminal. Como podemos observar, as duas qualidades não
podem ser confundidas. Assim, como asseveramos anteriormente, podem ser arguidos as
pessoas físicas maiores de dezasseis anos e as pessoas jurídicas, já que ambas (embora as
pessoas jurídicas só relativamente a certos crimes). São susceptíveis de imputação criminal.

Esta susceptibilidade de se tornar arguido é excluída sempre que determinada pessoa


não se encontre sujeita à jurisdição angolana quer por inaplicabilidade do direito penal quer
simplesmente pela não sujeição à jurisdição angolana, isto é, imunidade substantiva ou
processual.

Segundo o professor Germano Marques da Silva, esta imunidade substantiva ou


processual impede que possa ser instaurado processo contra estas pessoas sob pena do mesmo
se considerar juridicamente inexistente, pelo menos a partir do momento em que se mostre
necessária a constituição de arguido. A insusceptibilidade de ser arguido no processo não
retira a estas pessoas, segundo o professor, a possibilidade de participar no processo com a
finalidade de deduzir e impugnar o vício.

A falta de arguido com o fundamento na insusceptibilidade atrás referida gera


inexistência jurídica dos actos posteriores que lhe respeitem. Associada à personalidade
judiciária encontra-se também a capacidade judiciária que é a susceptibilidade de estar, por
si, em juízo.
Na realização do processo penal, ao arguido assistem direitos e deveres que implicam
capacidade para o exercício e, por isso, o dever de presença e o direito de audiência, segundo
o professor Germano Marques da Silva.

Assim, sempre que exista falta de capacidade de exercício deve o processo ser suspenso.

A presunção de inocência como garantia processual

À luz do artigo 67.º da Constituição da República de Angola, a presunção de


inocência constitui uma garantia constitucional relativa ao processo criminal.

O n.º 2 do artigo 67.º dispõe que se presume inocente todo cidadão até ao trânsito em julgado
da sentença de condenação.

O princípio da presunção de inocência encontra-se igualmente consagrado na


Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 11.º).

A presunção de inocência não é uma verdadeira presunção em sentido jurídico. Não se


trata de uma ilação que a lei ou o julgador tira de um facto desconhecido. Trata-se de uma
regra política que revela do valor da pessoa humana na organização da sociedade e que
recebeu consagração constitucional como direito subjetivo publico, direito que assume
relevância prática no processo penal num duplo plano. No tratamento do arguido no decurso
do processo e como princípio de prova (SAMBO, p. 280).

Como regra de tratamento processual, impede que se formulem juízos antecipados de


culpa sobre o arguido que o possam afectar ou prejudicar socialmente ou moralmente.

Este principio tem especial relevância no domínio das medidas de coação que não
deverão ser aplicadas, senão nos estritos limites das necessidades processuais e compaginadas
com as exigências cautelares do caso concreto.

O desvio na aplicação das medidas cautelares, nomeadamente, como antecipação da


pena, é incompatível com o princípio da presunção de inocência.

O individuo deve presumir-se inocente até decisão transitada em julgado. Basta que
seja evocada a presunção de inocência para que seja reservado ao arguido tratamento igual ao
conferido aos restantes participantes processuais. São, por isso, absolutamente inadmissíveis
quaisquer considerações ou insinuações que representam uma antecipação do juízo de culpa.
Grande parte das vezes não se mostra necessário evocar o princípio da presunção de
inocência, bastará fazer recurso às normas éticas e de mera cortesia. A presunção de
inocência não exige que o arguido seja tratado por excelência, mas como senhor e pelo seu
nome propilo que constitui o tratamento habitual na nossa sociedade.

O arguido só se presume inocente porque existe fundada suspeita de que seja culpado.
Por haver indícios de responsabilidade é que lhe são concedidos direitos de defesa para ele
poder ilidir.

Os direitos do Arguido no processo penal Angolano

Constituem direitos processuais do arguido os seguintes (art.º 67.º do CPPA):

1. Estar presente nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
2. Ser ouvido pelo magistrado competente quando este tenha d tomar decisões que
pessoalmente o possam afectar;
3. Ser informado pelas autoridades judiciárias ou pelo órgão de polícia criminal, perante
que seja obrigado a comparecer, dois direitos que a lei lhe concede;
4. Não responder às perguntas que lhe forem feitas, quer sobre os factos que lhe forem
imputados quer sobre o conteúdo das declarações que a cerca deles prestar;
5. Escolher defensor ou pedir ao magistrado competente que lho nomeie;
6. Ser assistido pelo seu defensor em todos os actos processuais em que participar e, se
estiver detido, o de comunicar-se em privado com ele;
7. Intervir nas fases de instrução preparatória e contraditória, oferecendo provas e
requerendo as diligencias que reputar necessárias;
8. Impugnar, mediante reclamação ou recuso, nos termos da lei, as decisões que lhe
forem desfavoráveis.

Constituem exemplificativamente, deveres processuais do arguido os seguintes (art.º 68.º):

1. Comparecer perante o Juiz, o Ministério Público ou o Órgão de Polícia Criminal


quando, para tanto, tiver sido convocado nos termos legais;
2. Responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade ou sobre os seus
antecedentes criminais;
3. Submeter-se às diligências de prova e às medidas de coacção e garantia patrimonial
ordenadas pela entidade competente nos termos da lei;
4. Não perturbar a instrução e o normal funcionamento do processo.

Como acabamos de observar, os artigos 67.º e 68.º do CPPA fazem uma enumeração
respectivamente dos direitos e dos deveres do arguido, que reputamos não ser nem taxativa,
nem exaustiva, por quanto, para alem destes direitos e deveres, existem outros igualmente
importantes para o regime jurídico do arguido em processo penal.

Ninguém contesta hoje a existência do dever de colaboração para com as autoridades


judiciárias como condição de realização da justiça e do direito ao respeito pela integridade
física e moral (al. c) do n.º 3 do artigo.º 36.º e n.º 1 do artigo 31.º, n.º 1 do artigo 32.º, n.º1 dos
artigos 33.º e 34.º, n.º 3 do artigo.º 40.º da CRA. Trata-se de direitos e deveres constitucionais
usufruídos independentemente da sua posição de arguido.

O artigo 67.º do CPPA faz alusão a direitos de presença, de audiência, de informação


de silêncio, de defensor, de intervenção de recurso. Estes direitos reconduzem-se ao direito de
defesa.

Assim, constituem direitos de defesa os seguintes:

a) PRESENÇA: O arguido tem o direito de estar presente nos actos processuais que
directamente lhe digam respeito, nomeadamente no debate instrutório e na audiência
de julgamento. (art.º 379.º, 342.º e 343 do CPPA). Salvo as excepções admitidas por
lei, o arguido tem o direito de estar presente nos actos processuais que directamente
lhe disserem respeito. (art.º 67.º do CPPA).
b) AUDIÊNCIA: na instrução preparatória, nos termos dos artigos 169.º, 171.º, 172.º,
165.º, 166.º, al. a) no n.º 2 do artigo 312.º, al. c) do n.º 1 do artigo 313.º e artigo 446.º.
Na instrução contraditória, nos termos do n.º 2 do artigo 338.º.
No julgamento, à luz dos arts. 390.º e 406.º do CPPA.
O direito de audiência mostra-se mais limitado durante a instrução preparatória,
manifestando-se através dos interrogatórios do arguido.
Na fase de julgamento é obrigatória a audiência do arguido.
O direito de audiência não se resume ao facto de o arguido se pronunciar sobre os
factos que lhe são imputados, mas também tem a ver com o facto de se poder
pronunciar sempre que o tribunal tenha de tomar uma decisão que o possa afectar
pessoalmente.
c) INFORMAÇÃO: O arguido deve ser informado, pelas autoridades judiciárias ou pelo
Órgão de Polícia Criminal perante quem seja obrigado a comparecer, dos direitos que
a lei lhe concede.
O n.º 2 do artigo 390.º, n.º 3 do artigo 64.º, n.º 3 do artigo 166.º, n.º 2 do artigo 170.º e
al. b) do n.º 2 do artigo 84.º
d) AO SILÊNCIO: o arguido tem direito a não responder às perguntas que lhe forem
formuladas, quer sobre os factos que lhe forem imputados quer sobre o conteúdo das
declarações que acerca deles prestar. O n.º 3 do artigo 390.º e n.º 3 do artigo 166.º do
CPPA.
O arguido deve ser informado que goza do direito ao silêncio antes do interrogatório,
com a explicação que se mostre necessária.
O silêncio do arguido não pode ser interpretado como presunção de culpa. Por
desconhecermos as razões que conduzem à opção pelo silêncio, não pode o arguido
ser prejudicado por esta razão, mantendo-se a presunção de inocência. A lei não
estabelece punição para o arguido que fale à verdade. Não se trata de um direito de
mentir, mas simplesmente a não punição da mentira.
e) DEFENSOR: O arguido tem o direito de escolher defensor ou pedir ao magistrado
competente que lho nomeie. Este direito está consagrado na constituição (n.º 3 do art.º
67.º da CRA e alíneas e) e f) do artigo 67.º do CPPA).
O arguido tem o direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos
do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado
é obrigatória.
O arguido tem o direito de escolher defensor que o acompanhe nas diligências
policiais e judiciais (al. d) do art.º 67.º 63.º da CRA e art.º 67.º 71.º do CPPA.
f) INTERVENÇÃO: O arguido tem o direito a intervir nas fases de instrução
preparatória e contraditória, oferecendo provas e requerendo as diligências que
reputar necessárias. Tem também o direito de requerer a abertura da instrução
contraditória, quando acusado (al. g) do art.º 67.º 67.º e n.º 4.º do art.º 332.º
O arguido pode, em qualquer fase, apresentar memoriais, exposições ou
requerimentos, desde que eles se mantenham no âmbito do objecto do processo ou
tenham por finalidade salvaguardar os seus direitos fundamentais (art.º 111.º do
CPPA)
A al. g) do art.º 67.º do CPPA faz menção à intervenção do arguido unicamente na
instrução preparatória e contraditória, mas ele também tem direito de intervir na
audiência de julgamento, onde a sua presença e consequente interrogatório são, em
princípio, obrigatórios.
g) RECURSO: o arguido tem direito a imputar, mediante reclamação ou recurso, nos
termos da lei, as decisões que lhe forem desfavoráveis (al. h) do artigo 67.º
À luz do artigo 460.º do CPPA, é permitido recorrer de todas as decisões judicias que
não forem excluídas por lei. O estatuto do arguido integra também deveres
processuais.

Nos termos do artigo 68.º do CPPA, os deveres processuais são os seguintes:

a) DE COMPETÊNCIA: comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os Órgãos


de Policia Criminal quando, para tanto, tiver sido convocado nos termos legais (al. a)
do artigo 68.º do CPPA.

O dever de comparência é imposto por lei, devendo o arguido ser devidamente


convocado. A ordem de comparência terá de lhe ser comunicada, nos termos do n.º 1 do
artigo 126.º do CPPA.

A falta de comparência e a justificação da ausência estão reguladas respectivamente nos


artigos 135.º e 136.º.

b) RESPONDER COM VERDADE SOBRE A SUA IDENTIDADE: Responder com


verdade às perguntas sobre a sua identidade ou sobre os seus antecedentes criminais
(sob pena de responsabilidade criminal) constitui um importante dever do arguido (n.º
2 do art.º 166.º e n.º 2 do art.º 390.º do CPPA).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LEGISLAÇÕES

 AAVV Constituição da República de Angola de 2021


 AAVV Código de Processo Penal Angolano de 2020
 AAVV Lei Constitucional Angolana, de 11 de Novembro de 1975

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