contemporânea das Américas: Brasil, Argentina, Quebec. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2013.
No Brasil, desde o Modernismo de Oswald e Mário de Andrade, a literatura apropriou-
se do conceito de canibalismo, revertendo o sentido histórico atribuído pelos europeus, para transformá-lo numa metáfora que subverte o caráter hierárquico das trocas culturais, apontando para a possibilidade de reapropriação e reelaboração criativa dos elementos estrangeiros (p. 9). Nesse projeto de afirmação identitária e cultural, a criação artística e sua circulação poderiam significar uma arma eficaz contra o isolamento dos povos indígenas (p. 13). Do ponto de vista do imaginário literário de fundação da nação brasileira, a figura mítica do índio está presente nos textos românticos que reivindicam a emancipação da literatura nacional. A literatura brasileira interroga de maneira sistemática a problemática da identidade nacional, com projetos literários específicos [...] (p. 17). O questionamento em torno da problemática das culturas em contato nas sociedades pós-modernas termina por conduzir a uma revisão da memória historiográfica das diferentes nações, entrelaçando história e mito para denunciar estereótipos construídos ao longo dos conflitos entre formações culturais diversas e projetar outras modalidades possíveis de inter-relações culturais (p. 42). Nessa dialética do “selvagem” e do “civilizado” que percorre o processo de construção das identidades plurais e problemáticas das Américas, a representação do ameríndio ocupa um lugar central. A poética da alteridade inaugura uma dupla perspectiva entre o intra e o extracultural em seu questionamento do Outro, esse “estranho estrangeiro” inassimilável e invisível (p. 45). A alteridade desloca-se para a diferença e põe em cena as relações exclusão/inclusão. O ameríndio surge como um estrangeiro de dentro: decadente e marginalizado ou rebelde e digno, mas sempre estrangeiro (p. 46). O diálogo entre literatura e antropologia sempre fez parte da tradição literária das Américas. Os textos fundadores da imaginação sobre as Américas foram elaborados a partir de uma visada etnográfica em seu esforço para “traduzir” e “explicar” o Outro – os povos ameríndios deste continente (p. 63) Nos romances que representam o índio na temporalidade contemporânea, é comum encontrar a crítica ao exotismo do olhar endereçado à cultura ameríndia, reduzindo-a a um objeto de consumo, uma espécie de simulacro de cultura (p. 86). O interesse da produção literária recente pela noção de fronteira inaugura um procedimento de ressemantização que vai além de sua conotação geográfica para explorar metaforicamente o constante deslocamento de estratégias geradas pelas inter- relações culturais, linguísticas e discursivas (p. 93). Projetar fronteiras fluidas, entre complexos culturais ocidentais e indígenas, conduz a imaginar um espaço aberto a uma dinâmica de contato que possibilite a coexistência democrática de identidades culturais heterogêneas (p. 127).