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ENTRE A ABOLIÇÃO E O ABOLICIONISMO PENAL: INSURGÊNCIA

MARGINAL CRÍTICA POR UMA SOCIOLOGIA DO SISTEMA DE CONTROLE


RACIAL BRASILEIRO

Luciano Góes1
―Não estou aqui como Representante do Brasil, mas como sobrevivente da
República de Palmares! É Nessa qualidade que me reconheço e me afirmo.‖
(Abdias Nascimento).

1 – INTRODUÇÃO

Ser descendente direto de escravizados (e não se trata de ―licença poética‖!) é ter


clareza que a promessa de liberdade empenhada em ação ―benevolente‖ da sinhazinha jamais
objetivou ultrapassar sua essência, ou seja, ser mais do que mero ato restrito ao âmbito
jurídico, manifestado por letras mortas, pois a herança deixada por um radical sistema de
violências e violações que consolidam a política genocida simbiótica de um país racista,
vivenciada todos os dias e transmitida geracionalmente, demonstra mais que apenas a
hostilidade do ―país das maravilhas raciais‖.
Os obstáculos raciais são tantos quantos a defesa do mundo branco quase perfeito
necessite, eis que a liberdade negra esta condicionada à redução da hegemonia branca, que
somente se mantém na exata medida em que nos aprisiona, como restou explícita, e exitosa, a
estratégia política que substituiu as senzalas de um império escravagista por prisões de uma
república racista, de modo conciliatório e mantenedor de toda estrutura excludente.
Através da teorização de abolição do Direito Penal e da prisão por aparente perda de
fundamentação e legitimação, resultantes do acúmulo crítico construído pela Criminologia de
base materialista, propõem-se demonstrar a capilarização do racismo e sua natureza
ontológica desumanizante que demanda um sistema de controle racial que recebe,
constantemente, nova legitimação para manter intacta a arquitetônica racista, na qual a ―crise‖
do cárcere não é, de modo algum, esporádica ou superável, mas reflexo do alcance de seus
objetivos enquanto instrumento de dominação e extirpação da força física capaz de tensionar a
opressão racial e transpor o limite insuperável do diálogo apaziguador neutralizante.
Defender a liberdade nos exatos termos de abolicionismo penal, restrita à extinção das
prisões enquanto crítica ao controle social, ignorando a estrutura racista brasileira, é manter a

1
Trabalho publicado em: GÓES, Luciano (Org.). 130 ANOS DE (DES)ILUSÃO: A farsa abolicionista em
perspectiva desde olhares marginalizados. 1ª. ed. Belo Horizonte: Editora D'Plácido, 2018. p. 313-340.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6620359831455900
fantasia de ―redentor(a)‖, silenciando toda luta e resistência negra, vinda desde África, que
objetiva a demolição da sociedade erguida sob pilares raciais, lição fundamental para
manutenção dos grilhões e máscaras que desarmam a população negra politicamente ao não
mencionar o racismo e incutir a passividade negra como condição de sua assimilação
declarada em termos igualitários.
É nesses termos que o criticismo branco elitizado se apresenta como ―salvador da
pátria‖ no cenário criminológico/abolicionista, que, ao não conseguir ultrapassar os limites
raciais que estruturam seus lugares de falas repletos de privilégios, reforçam o racismo na
exata medida em que o ignora enquanto fonte de violência, replicando a ilusão de Thomas
Mathiesen (2003) que, ao conceber o abolicionismo escravocrata como verídico, toma-o como
exemplo perfeito para alcance do ―sonho abolicionista‖, não conseguindo entender que seu
sonho é pesadelo real para a raça negra, mantida ainda acorrentada em inúmeros cativeiros.
Pensar na permanência do cárcere é colocar o sistema punitivo brasileiro no centro da
arena anti-racista, eis que é inserido em uma sociedade racista que o punitivismo estatal se
encontra com sua real finalidade. Uma conjuntura que nos remete ao modelo de sociedade que
a população negra, desde sua ancestralidade, procura construir, mas que encontra como
obstáculo o próprio modelo eurocêntrico erguido por parâmetros coloniais e mantido pelo
enraizamento da colonialidade que interiozou sua naturalização no passado e no presente que
projeta o ―futuro que espelha a grandeza‖ de um país racista.
Assim, desde uma Criminologia2 nascida no morro, ou melhor, uma Sociologia do
Controle Racial que aflora da estratégia malandreada em disfarçar a marginalidade nata sob
terno e gravata, eternizada por aquele que nos protege e jamais dorme, despontando na
encruzilhada onde se encontram a decolonialidade e a afrocentricidade, aponta um caminho
para pensar criticamente o sistema de controle racial brasileiro em sua dualidade, que, muito
antes que um brado teórico, é uma insurgência pela (sobre)vivência da população negra, alvo
de uma política histórica de neutralização que tem na falsidade da ―guerra às drogas‖ sua

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Na margem latina, com a derrocada do paradigma etiológico pelo labelling approach, o horizonte
criminológico passou de micro à macrossociológico, marcadamente interdisciplinar, diversificando objetos e
misturando os objetivos científicos com luta social, dissolvendo, assim, as fronteiras científicas demarcadas pelo
modelo central. O objetivo principal, caracterizado pela convergência de inúmeros estudos, assim, é o sistema de
controle em sua integralidade. Lola Aniyar de Castro, em seu artigo ―El jardin de al lado”, o repondiendo a
Novoa sobre la criminologia critica, rebatendo críticas em uma discussão sobre a ―síndrome de identidade‖ que
envolveu diversos, e importantes, nomes periféricos, estabeleceu que Criminologia se refere, tão somente, a um
movimento pelo qual o Estado legitimou seu controle e dominação, e assim, a ciência produzida aqui se afasta,
em muito, dela. Entretanto, a manutenção da etiqueta é fundamental para consolidar o território crítico
conquistado e aumentá-lo, não abandonando o campo que o inimigo construiu, não deixando-o sozinho, e em
paz, na mesma tarefa de eternizar e manipular seus mitos e funções. Pelo seu injusto impacto social, o espaço
construído existe e deve ser ocupado pelo estudo sociológico do controle social, e para isso, adotar o nome de
Criminologia é uma estratégia política, mas imprescindível para a produção de epistemologias marginais.
última legitimação, que possibilita, a partir de suas ―frentes de batalha‖, a continuidade do
genocídio, em sentido amplo, e o encarceramento de quem mais tem motivos para destruir a
Casa Grande chamada Brasil.

2 – ABOLICIONISMO PENAL: CONVERSA PRA “CARA PÁLIDA” DORMIR!

―Assumimos uma luta que nos vincula aos abolicionistas que se opuseram à
escravidão. As instituições da prisão e da pena de morte são os exemplos mais
óbvios de como a escravidão continua a assombrar nossa sociedade.‖
(Angela Davis).

O aporte instrumental construído pela Criminologia de base materialista (Crítica e


Radical) desmascarou (quase) toda a legitimação do sistema de justiça criminal desde sua
concepção que, sob os auspícios iluminados filosóficos, professava a contenção do poder
punitivo lastreada por direitos e garantias (materiais e processuais) fundamentais, conferindo,
ao menos na aparência, a vitória da ―civilidade‖ sobre a ―barbárie‖, a ponto da discursividade
jurídico-dogmática, hoje, não se sustentar por seus próprios fundamentos.
Deste panorama, surge o Abolicionismo Penal propondo contração e extinção do
ordenamento jurídico penal e seu aparato punitivo, pautados pelo Direito Penal (declarado)
que tem na prisão a resposta exclusiva face à criminalização, resultado do encadeamento
sistêmico de sua programação seletiva (que expõe sua falácia e falência a partir de uma crise
genética que o torna um embuste penal3), dentro do universo criminalizante (legislação
penal), não por outro Direito Penal, mas qualquer coisa melhor, dada sua excelência em agir
desigualmente, mantendo as desigualdades nas sociedades pela exclusão (BARATTA, 2011).
A legitimação teórica do cárcere (ainda) é extraída das teorias tipo ―res‖ (BATISTA,
V., 2011), ilusórias promessas explicitadas por sua inversão funcional, característica inata de
não fazer (por impossível) o que declara e fazer (por ontologia) o que não declara
(ANDRADE, 2012), que sustenta sua manutenção com imprescindível apoio de sua (falsa)
função simbólica, da qual emerge o amparo público ao incutir no imaginário coletivo a
segurança (de quem? pra quem? e, por fim, contra quem?).
Assim, o abolicionismo penal, delineado aqui genericamente, sugestiona alternativas
político-criminais para a resolução dos conflitos de modo inclusivo, tendo em vista que o

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Utilizamos ―crise‖ no sentido que leciona Eugenio Raúl Zaffaroni, para quem o termo não indica, ou mesmo
possa indicar, o momento profético que a teorização penalista se reflita em sua operalização, um horizonte
utópico no sentido mais negativo que se possa conceber, mas sim ―o momento em que a falsidade do discurso
jurídico-penal alcança tal magnitude de evidência, que esta desaba, desconcertando o penalismo da região‖.
(ZAFFARONI, 1991, p. 15-16).
Direito Penal não resolve nenhum problema, apenas exponencializa os problemas, mantendo
os radicais e potencializando os derivados. É dizer que o Direito Penal é o problema para
maioria dominada, eis que para a minoria dominante ele é a solução, mantendo e assegurando
seus direitos e privilégios, por tratar-se de instrumento estatal de controle, através do qual
manifesta o monopólio da violência legalizada, que não significa, de modo algum, legítima.
Alteração umbilicalmente ligada à transformação da própria sociedade, visando
romper com o punitivismo capilarizado que demanda e confere expansão ao Direito Penal,
transformado em instrumento de vingança por seu populismo, restando como função das
penas, única e exclusivamente, a produção, consciente e insistente, de dor.
Como norte abolicionista, a frase de Louk Hulsman (2003), referência mundial sobre o
tema, é dogmática e, até certo ponto, acalentadora:
Se afasto do meu jardim os obstáculos que impedem o sol e a água de fertilizar a
terra, logo surgirão plantas de cuja existência eu sequer suspeitava. Da mesma
forma, o desaparecimento do sistema punitivo estatal abrirá, num convívio mais
sadio e mais dinâmico, os caminhos de uma nova justiça.

Mas, se nosso jardim estiver assentado em um solo tão sólido que ele próprio se
transforma no obstáculo para o nascimento dessas novas plantas, o que fazer? Além disso,
nem tudo que dá no jardim é flor, e nesse jardim central, ou espelhado nele, muitas plantas
que brotam, por mais viçosas e exóticas que possam aparentar, se revelam como plantas
carnívoras, ervas daninhas ou espécies predatórias.
Derivado da Criminologia de base materialista (Crítica e Radical), o abolicionismo
penal no Brasil (que se distancia de um abolicionismo penal para o Brasil) padece da mesma
síndrome, a de não conseguir ultrapassar, por diversas razões, a fronteira racial que constitui
seus/suas atores(as), que mantém a velha tradição oitocentista de ―traduzir‖ as (contra)teorias
centrais se empossando de lugares estratégicos como experts (SOZZO, 2014), demarcando o
lugar de fala (i)legítimo de intérpretes dos subalternizados que são silenciados, obrigados
apenas a ouvir (SPIVAK, 2010) enquanto seguem sufocados por vozes que se apropriam do
sentimento de dor sem jamais conseguir se aproximar dela.
Não obstante, de tal postura ―solidária e comovida‖ emerge a opressão pelo
comprometimento com a manutenção da estrutura (e dependência) colonial enquanto
guardiões e porta-vozes da ―colonialidade do saber‖: a herança epistemológica central que
impede a compreensão e construção do(s) mundo(s) marginal(is) a partir de suas próprias
raízes e epistemes (LANDER, 2005), renegando a radicalidade da questão racial e
fortalecendo nosso racismo na meticulosa proporção em que o (des)oculta.
Do enraizamento profundo nessa terra fertilizada por sangue negro, brotam
incomensuráveis manifestações racistas, naturalizadas e violentas, mesmo que repletas de
―boa vontade‖ (das quais, o inferno, para quem acredita, está superlotado!), sendo que as
contribuições críticas que não conseguem ultrapassar tais barreiras reforçam e mantêm a
ordem racial que pré-estabelece lugares, saberes e poderes, extraindo novos instrumentos a
serviço do controle, domínio e opressão racial, perpetuando a hegemonia, tal qual a farsa da
abolição escravocrata que abriu caminho para a construção do conto infantil do ―país das
maravilhas raciais‖ ao ignorar a importância fundamental da resistência vinda desde África,
(re)fortalecida com cada quilombola que ainda se levanta e desafia a Casa Grande.

3 – DELINEANDO O SISTEMA DE CONTROLE RACIAL BRASILEIRO

―O escravo libertou-se; ficou ao sol por um breve momento; e então retornou à


escravidão.‖
(W.E.B. Du Bois).

Há muito sabemos que a pena privativa de liberdade, cumprida em prisões, foi


concebida como instrumento disciplinador vinculado às fábricas no centro (Europa e EUA),
pelo trabalho obrigatório, resultando em mão de obra dócil pronta para ser explorada
(MELOSSI; PAVARINI, 2010; FOUCAULT, 2009), cuja idéia basilar se originou com a
―correção‖ dos jovens prisioneiros, forçados a rasparem Pau-Brasil para tintura de tecidos na
Rasp-huis de Amsterdã, final do século XVI da Holanda manufatureira (MELOSSI;
PAVARINI, 2010, p. 43).
No Brasil, a prisão com a função de docilizar/domesticar foi adotada na pós-abolição
da escravatura4, mas, ao contrário do sistema penal central, a idéia básica aqui não era
modelar mão de obra para a indústria, ainda incipiente, mas de manutenção da exclusão do
corpo negro perante o mundo construído branco, no qual ingressou não como parte do povo
(elemento básico do conceito jurídico de Estado), mas como coisa que não tinha condições de
competir com a mão de obra ―qualificada‖ dos imigrantes europeus, ―importados‖ com a
missão que continuar com o genocídio negro ao branqueá-lo (NASCIMENTO, A., 1978),
colocando o país nos trilhos do ―progresso civilizatório‖.

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Código Penal de 1890, art. 45: ―A pena de prisão cellular será cumprida em estabelecimento especial com
isolamento cellular e trabalho obrigatorio, observadas as seguintes regras: a) si não exceder de um anno, com
isolamento cellular pela quinta parte de sua duração; b) si exceder desse prazo, por um periodo igual a 4ª parte da
duração da pena e que não poderá exceder de dous annos; e nos periodos sucessivos, com trabalho em commum,
segregação nocturna e silencio durante o dia.‖ [sic].
A disciplina periférica sempre decorreu da manutenção da ordem racial, alcançada por
meio de violentas agressões físicas e mortes, meios indispensáveis no controle racial que tem
como objeto a domesticação do corpo e da alma, instalando a desumanização no centro
gravitacional de um sistema punitivista de viés doméstico (BATISTA, N., 2002) resultante do
paradigma objetificante fundado no sonho senhorial, incutido em cada colonizado de obter o
poder ―absoluto‖ sobre o corpo negro coisificado, tornando-se a ―quintessência do mal‖
(FANON, 1968, p. 39). Transmutado em sinhô, toda e qualquer manipulação sobre (e a partir
do) objeto negro é autorizada, sua vida, morte ou morte em vida, é um ato que prescinde de
qualquer justificativa, uma espécie de ato sacrificial cuja obrigação de dar uma resposta é
inexistente (MBEMBE, 2014, p. 70).
A inumanização, lógica basilar do racismo, ratificada pela Igreja Católica, legitimou a
invasão e escravidão com a qual inaugurou a diáspora africana coisificante, base do
colonialismo que transformou a ideologia racial em política genocida imprescindível à
inauguração e perpetuação da ordem mundial ocidental: a necro-política, pacto mortífero que
sustenta a soberania inquestionável como poder, direito e gestão paradoxal sobre a vida e a
morte dos indesejáveis na sociedade branca, pois, ao mesmo tempo em que demanda(va) a
morte, impunha a extensão da vida dos escravizados para exploração de sua força vital. Um
poder que não é unicamente estatal, se (re)legitimando e se reforçando no discurso de
urgências (potencializadas pela manipulação do medo e necessidade sempre crescente de
segurança), construção de Outros como inimigos, e criação de exceções (MBEMBE, 2011).
Assim, as margens (latina e africana) se consolidaram não apenas como ―gigantescas
instituições de sequestro‖ (ZAFFARONI, 1991, p. 75), mas onde o genocídio negro foi
condição primária de edificação e continua sendo para manutenção do mundo branco, no qual
as estruturas centrais, racialmente hierarquizadas, foram transplantadas através de técnicas
jurídico-administrativas.
Desta feita, a falsidade discursiva da prisão no Brasil resta evidenciada desde sua
concepção, eis que é impossível ressocializar quem nem ao menos foi socializado, re-educar
que nunca foi educado, reintegrar quem jamais foi integrado em uma sociedade na qual
somente foi parte enquanto objeto a ser explorado, mesmo que sem vida, quando seu corpo
era/é utilizado como símbolo do poder e supremacia transmitida, como recado bem claro, à
coletividade, desestimulando o confronto e desobediência a partir do medo e terror
(estimulando, portanto, a resignação).
O (re)aparelhamento cautelar, consubstanciado no recrudescimento punitivo, do
sistema de controle brasileiro refletiu os objetivos reais e ideais de um país racista que tinha
como problema maior a questão negra, calcada em termos genocidas como condição de
sobrevivência da branquitude (BENTO, 2002) e manutenção da branquidade, programando a
seletividade congênita do Direito Penal para o aprisionamento negro, resultando em
seletividade racial.
O projeto abolicionista foi estrategicamente traçado como um ―presente‖ embalado em
papel jurídico no qual houve mera alteração institucional, anunciando o branco como
protagonista da luta pela liberdade negra, manipulando-a de modo a menosprezar as tensões
raciais, controlando, assim, a população negra com o silenciamento e ocultação de toda forma
de resistência, expressa em rebeldias, suicídios, homicídios, abortos, envenenamentos, fugas,
quilombos, raptos, resgates, saques, guerrilha, insurreições, revoltas, etc., que foram
essenciais para a extinção do sistema escravagista brasileiro, por seu desgaste (LIMA, 1981).
Considerado como um dos principais nomes abolicionistas, Joaquim Nabuco, fiel
representante da elite branca (advogado, fazendeiro, político e diplomata), defendeu um
―abolicionismo institucional‖ que estava em plena sintonia com o branqueamento do Brasil
(DOMINGUES, 2004, p. 41) onde a liberdade não seria conquistada pelo negro, mas um ato
de ―bondade, compaixão e humanidade‖ do branco, fundamentando a abolição em termos de
anistia, conciliação e colaboração entre as raças, ou seja, opressão, violência e resignação (ou
morte!) à população negra, garantindo a manutenção da sociedade racialmente estruturada.
Do alto de sua brancura, Nabuco tinha consciência que a africanização do Brasil,
condição de sua construção, foi um altíssimo preço que teve que ser pago e que a solução para
resguardar a hegemonia branca passava, obrigatoriamente, pela política de branqueamento em
sua complexidade (extermínio físico, assimilação e obstaculização da negritude, significando
desarmamento político). Era, portanto, um abolicionismo branqueador, pois advogava:
[...] o ideal de pátria que nós, abolicionistas, sustentamos; um país onde todos sejam
livres; onde, atraída pela franqueza das nossas instituições e pela liberdade do nosso
regime, a imigração européia traga, sem cessar, para os trópicos uma corrente de
sangue caucásio vivaz, enérgico e sadio, que possamos absorver sem perigo [...].
(NABUCO, 2000, p. 170).

O abolicionismo escravagista foi assim, em verdade, um instrumento de controle racial


sob a falsa promessa de liberdade, limitando sua extensão ao mínimo possível, armando a
sociedade branca de leis protencionistas e reduzindo ao máximo os riscos da transição do
império escravagista para uma jovem república racista, na qual a extinção da escravidão
brasileira fez-se representada por um artigo, uma frase ―declamada‖ na Fala do trono da
idolatrada ―redentora‖. Empunhando a bandeira da ―cordialidade branca‖ (fincada na abolição
negociada delimitada pelo liberalismo cristão, em plena consonância com os conselhos de
Nabuco), que estampava a necessidade da continuidade da dominação branca sobre a
população negra, condição da continuidade de seus privilégios e bem estar, diz Dona Izabel:
A extinção do elemento servil pelo influxo do sentimento nacional e das
liberalidades dos particulares, em honra do Brasil, adiantou-se pacificamente de tal
modo que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admiráveis exemplos
de abnegação por parte dos proprietários. Quando o próprio interesse privado vem
espontaneamente colaborar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as
necessidades da lavoura haviam mantido, confio que não hesitareis em apagar do
direito pátrio a única exceção que nele figura, em antagonismo com o espírito cristão
e liberal das nossas instituições. (MOURA, 1995, p. 21).

Para a reorganização da arquitetura racista sob a face da legalidade, perdida com a Lei
Áurea, se fazia imperiosa a remontagem do sistema escravagista sob novos fundamentos, o
que deu início à favelização e ao encarceramento da massa negra, remontando as senzalas, em
termos distintos, mas de sucesso absoluto.
O saber que estribou a nova face do poder racista foi extraído da Criminologia
Positivista de Cesare Lombroso, inaugurada a partir do paradigma racista/etiológico
insculpido no primeiro livro do médico italiano L’uomo bianco e l’uomo do colore: letture
sull’origine e la varietà delle razze umane, de 1871, e, consolidado mundialmente em seu
L'Uomo Delinquente, onde o racismo é encontrado de forma disperso (o que não significa
ausente, muito pelo contrário).
A partir de conceitos como periculosidade, impulsividade e analgesia, Lombroso,
orientado pelo viés racista, com o qual traçou a evolução humana a partir dos primatas, na
qual o negro (verdadeiros ―ornitorrincos humanos‖) seria a ligação entre aqueles e o ápice
evolutivo humano (o branco europeu), uniu, de modo indissociável, a raça negra ao elemento
perigoso: o criminoso, pois suas características ontológicas, herdadas de sua ascendência mais
remota, eram transmitidas pelo atavismo ou pela hereditariedade.
Assim foi gestado um modelo punitivo de viés acautelatório com orientação
prognóstico (confrontando o Classicismo ao renegar princípios jurídicos de natureza filosófica
iluminista que não conseguiram resolver (e nem poderiam) a ―criminalidade‖, como igualdade
e livre arbítrio), que se moderniza pela lógica atuarial (risco e probabilidade), fomentando
discursos sobre ―impunidade‖ e insegurança, objetivando a prevenção de um (im)possível
crime: o Direito Penal do Autor, que prescrevia prisões anteriores ao delito (aliás, o quanto
antes melhor, de preferência do ―criminoso em pele de criança‖), e penas indeterminadas.
No Brasil, que vivia intensamente o medo entre a ―africanização‖ e a mestiçagem5, a
figura do também médico, Raimundo Nina Rodrigues, desponta como expert da ―nova ciência
criminal‖, endossado pelo título de ―Apóstolo da Antropologia Criminal no Novo-Mundo‖,
conferido, segundo seu discípulo Afrânio Peixoto, pelo próprio Lombroso, na dedicatória de
seu livro “L’Anthropologie Criminelle et sés récents progrèss” de 1896.
Filho de dono de escravos, sua fala não poderia ser em outro sentido que não a defesa
e manutenção da ordem racial/social, sendo, portanto, o representante legítimo do mundo
branco ameaçado em seu poder hegemônico e exclusividade. Em junho de 1888, Nina
Rodrigues publica, em um artigo na Gazeta Médica da Bahia: ―a igualdade é falsa, a
igualdade só existe na mão dos juristas, porque sem ela não existiria lei‖ (SCHWARCZ,
1996, p. 171). Mesmo não sendo seu objetivo principal (a ideia era ratificar a inferioridade
negra), Nina Rodrigues expõe a função do Direito: a preservação das desigualdades materiais
a partir da igualdade formal, sob a forma legal, mera manifestação de vontade e objetivos do
grupo que possui/detém o poder.
Apontando os erros da adoção de pressupostos metafísicos do Classicismo em ―As
raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil‖, o médico propõe a formalização do
apartheid brasileiro ao defender que deveríamos ter, no mínimo, quatro Códigos Penais,
pautados por estudos racistas/criminológicos que comprovaram que a inferioridade do negro
fulminava o livre arbítrio, podendo significar inimputabilidade, tese jurídica adotada durante a
escravidão, principalmente após 1850, quando a questão custo-benefício orientava os
senhores a contratarem serviços advocatícios para a defesa dos escravos envolvidos em
crimes (tendo em vista que era mais barato libertá-los do que comprar novos escravos).6
Nesse sentido, se não conseguiu influenciar as políticas públicas para a
desafricanização nacional, Nina Rodrigues nos mostra como o racismo atravess(a)ou ileso
toda a história do Brasil, tangenciando todas as transições políticas, sociais e ordens
constitucionais, pois é exatamente na prática que a ordem racial é mantida,
independentemente dos discursos teóricos adotados, todos simples fachada.
O parâmetro de controle racial para o médico era o ordenamento criminal
estadunidense, não apenas pela estrutura do Judiciário, mas em relação à autonomia dos

5
Vivenciada de forma ambígua, pois na idéia da ―boa miscigenação‖ encerrava-se a política eugênica do
branqueamento, resultado incontestável apontado por muitos cientistas, arraigado na teoria darwinista (evolução
e sobrevivência do mais forte), vista como a saída controlada (SCHWARCZ, 2012, p. 161).
6
Em um processo criminal de 1872, sustenta um advogado: ―Milita em seu favor mais de uma circunstância, e
especialmente o embrutecimento de seus espíritos e falta absoluta de educação; – males que são provenientes de
sua forçada condição de escravos, e que, embotando-lhes a consciência do mérito e do demérito, lhes diminui
consideravelmente a responsabilidade moral e a imputabilidade.‖ (CHALHOUB, 2011, p. 38).
Estados na questão. Tal desalinho não permitiu que Nina Rodrigues observasse que, mesmo
tendo apenas um Código Penal, tínhamos um Jim Crow à brasileira, estabelecido dentro do
nosso Código que continha leis penais especificamente para os negros.
O medo, esboçado antes na questão dogmática-jurídica que se expressava na
(im)possibilidade da irresponsabilidade penal, e sempre presente de uma nova revolta negra, é
explicitado por Nina Rodrigues ao justificar sua defesa de um Direito penal específico à
população negra, por óbvio, muito mais rigoroso, dada sua periculosidade nata. Em sua obra
―Os africanos no Brasil‖, o Quilombo de Palmares é identificado como ―Tróia Negra‖,
enquanto que, ao falar sobre o problema do Brasil, ou seja, o negro, é esclarecedor como este
é representado. Incorporando uma esfinge (refletindo o aterrorizado cenário nacional), lança
seu enigma: ―decifra-me ou devoro-te!‖.
Desamparado da instituição legal, o secular sistema de controle racial brasileiro
ultrapassou os limites fazendários seguindo os passos dos ex-escravos (tática dos capitães do
mato), com fins de manter a ordem em meio à desordem racial provocada pelo colapso do
sistema de controle escravagista, quando a questão social, estabelecida em conflitos de classe,
enfim, encontra o problema racial. A reformulação do sistema punitivo transformou o
branqueamento em política de Estado, logo integrado ao texto constitucional.7
Outrossim, as características desumanizantes de caráter privado, foram escamoteadas
pelas políticas públicas, mantendo intacto nosso modelo de disciplinamento: a inscrição da
violência sobre o corpo coisificado de uma ―quase gente‖, cujo único ―direito‖ é (ainda) ser
violentada.
Contexto que impôs uma cisão em nosso Direito penal: ao lado do Direito penal
declarado para os cidadãos, alicerçado no Direito Penal do fato construído sob as luzes
filosóficas do Classicismo, o Direito penal paralelo para os ―sub-cidadãos‖, legitimado no
Direito Penal do autor consolidado pela tradução marginal do paradigma racial-etiológico,
que por sua vez, situa seu fundamento na periculosidade que exala dos corpos negros, um
sistema outrora identificado por Lola Aniyar de Castro (2005, p. 96) como ―subterrâneo‖ que
aqui jamais se ocultou, sendo operacionado sob os olhos de quem quiser enxergar.

4 – O ATUAL SISTEMA DE CONTROLE RACIAL/SOCIAL BRASILEIRO

7
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1934, em seu artigo 138, estabelecia: ―Incumbe à União,
aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: [...] b) estimular a educação eugênica.‖
―Não se tem uma revolução quando se ama o inimigo; não se tem uma revolução
quando se está implorando ao sistema de exploração para que ele te integre.
Revoluções derrubam sistemas, revoluções destroem sistemas.‖
(Malcolm X)

Países estruturados no racismo demandam um sistema de controle racial como


condição da sua manutenção e existência, programando racialmente seus instrumentos de
domínio, opressão e violência. Um complexo relacional simbiótico que delimitou a
democracia no interior da escravidão transvestida de abolição, na qual seus ―detritos‖ foram
destinados à destruição (MBEMBE, 2014, p. 149).
No Brasil, enquanto a ordem racial brasileira se vê ruir no pós-abolição, e com ela a
hegemonia e exclusividades da raça branca, a ―tradução‖ do paradigma racista-etiológico foi a
legitimação que mantive o status quo intacto durante a transição, senão em termos de políticas
públicas para a formalização do sistema segregacionista, em concretização prática de um
apartheid à brasileira, no qual a ―democracia‖ não só permitiu como exigiu a
ininterruptabilidade do contínuo do genocídio negro, modernizando velhos instrumentos de
controle racial, mantendo, além da segurança pública para os brancos, sua ―supremacia‖ e
domínio absoluto (GÓES, 2016).
Atualmente, a programação racista de nosso sistema de controle racial é demonstrada,
no Direito penal declarado, pelos dados oficiais do que expõem a ―clientela‖ da 3ª maior
população em situação de cárcere do mundo: pretos e pardos representam 64% da população
encarcerada8, o que significa que dois em cada três presos são negros, porcentagem que se
mantém no encarceramento feminino, no qual o Brasil ocupa a 4ª colocação mundial, com
imprescindível ―auxílio‖ de uma esquerda que fez do encarceramento negro massivo a
compensação pela instituição mínima de ações afirmativas.
O aprisionamento massivo de corpos desvalidos é resultado positivo da política
histórica nacional da exclusão negra que modernizou as senzalas e transformou o cárcere no
segundo lugar do negro. Essa massificação antecipa a privatização do sistema carcerário
brasileiro9 (já explorado por empresas que constroem e administram prisões como forma de
―retribuição‖ ao financiamento de campanhas eleitorais de inúmeros parlamentares),
projetando um aumento exponencial, em breve período, da população em situação de cárcere,
8
Considerando a política histórica brasileira de manipular dados para montar um quadro ―mais claro‖ do país, ou
seja, mais branco, aliada ao problema do não preenchimento completo/correto dos dados cadastrais, ou da não
identificação do negro pelos agentes responsáveis pelo cadastro dos presos, os dados reais são bem maiores.
9
Nesse sentido, citamos o Projeto de Lei do Senado, nº 580, de autoria do senador Waldemir Moka (MDB,
antigo PMDB), que pretende alterar a Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), para estabelecer a obrigação de o
preso ressarcir o Estado das despesas com a sua manutenção, mediante recursos próprios ou por meio de
trabalho.
com imprescindível auxílio do populismo penal que fundamenta projetos que visam reduzir,
sistematicamente, a maioridade penal, recrudescer penas, ampliar o rol dos crimes hediondos,
etc., alterações que maximizam o punitivismo sob a batuta da política de ―tolerância zero‖, e
destinadas à ―clientela‖ racial.
Em nosso Direito penal paralelo, limitado apenas em termos territoriais favelizados,
construídos com o primeiro lugar do negro (SANTOS, 2010), as práticas desumanizantes
recortam todo e qualquer quadro teórico, com estribo constitucional, tornando-o um dos mais
mortíferos do mundo. Assim ―legitimado‖, o Estado brasileiro extermina os jovens negros
antes que estes representem qualquer risco à estrutura estatal, manipulando o genocídio com
viés neutralizante/acautelatório de quem mais tem motivos para desconstruí-lo, culminando
com o assassinato de um jovem negro a cada 23 minutos10, muitos alvejados pelas balas
(nunca) perdidas que sempre acertam seu alvo (quase) exclusivo.
Engendrando nesse ―Direito Penal‖, e escamoteado nos discursos de um ―Ornitorrinco
punitivo‖ (ANDRADE, 2012, p. 111), a continuidade da política pública de desnegrecimento
do país foi assegurada pela declaração de ―guerra às drogas‖, pré-anunciada no Brasil em
1830, ―o primeiro país do mundo a editar uma lei contra a maconha‖, quando a prisão se
destinava aos escravos e usuários do ―pito de pango‖, enquanto o vendedor, o boticário, era
multado, demonstrando a seletividade racial (BARROS; PERES, 2011).11
A declaração de guerra veio após a abolição (ao contrário do que induz a ideia de
―coligação‖ à política de guerra estadunidense), com o combate ao ―comércio‖ e uso do ―fumo
de negro‖ (maconha) na década de 1930, que reprogramou o sistema de controle racial sob o
discurso de ―saúde pública‖ unindo, novamente, nossos Direitos penais para manter o controle
da população negra, atualizando o genocídio negro, intra ou extramuros, pelo qual o Brasil
continua aumentar sua cifra negra. Uma estratégia política que ganha cores vivas do nosso
racismo ao colocarmos luz na construção dos ―campos de batalha‖, dos inimigos de sempre e
no fundamento real explicitado pela guerra racial chancelada pelo Estado.

10
Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Assassinato de Jovens do Senado Federal
(2016).
11
Merece destaque que nas fazendas, o uso da maconha não era só permitido como motivado, por alguns
senhores, que se beneficiavam dos efeitos estimulantes da droga, aumentando, assim, a produção de seus/suas
escravo(a)s, amenizando o langor da exploração. Nesse sentido, a passagem de Gilberto Freyre (2013, p. 36) ao
mencionar culturas ancilares à da cana-de-açúcar, dentre elas: ―[...] as que se podem chamar de entorpecentes, de
gozo, quase de evasão, favoráveis àquele ócio e àquela volutuosidade: o tabaco, para os senhores; a maconha –
plantada, nem sempre clandestinamente perto dos canaviais – para os trabalhadores, para os negros, para a gente
de cor [...]. Não parece simples coincidência que se surpreendam tantas manchas escuras de tabaco ou de
maconha entre o verde-claro dos canaviais. Houve evidente tolerância – quando não mais que tolerância – para a
cultura dessas plantas volutuosas [...]‖. Não se pode esquecer, também, seu uso ―anestésico‖ sobre o sofrimento
provocado pelas chibatas, que dilaceravam a carne, como ato de ―benevolência‖ quase santa.
Se o projeto de embranquecimento (pelo extermínio direto, ou indireto pela
mestiçagem ou assimilação), possibilitou a redenção de Cam, o Estado brasileiro substituiu
aquela maldição pela do Conde Drácula, sob a qual a ―saúde pública‖ necessita, diariamente,
de sangue negro, não importando de ―qual lado‖ do conflito ele jorre! A lógica
(in)constitucional exterminante de nossa ―guerra contra às drogas‖ é endossada pelo
Judiciário, que autoriza, desde a priori, a ignorância do bem jurídico mais valioso (?),
legitimada pelo discurso do ―inimigo‖ construído racialmente, demonstrando que nossa
―justiça‖ não possui qualquer obstáculo em seu olhar apurado, deslocando o fiel da sua
balança, bem como sua espada, de acordo com a melaninocracia.12
Essa guerra resta, irrefutavelmente, perdida, se, e apenas se, correlacionarmos seu
fundamento declarado à estratégia adotada, porém, em seu objetivo latente (?) o sucesso é
absoluto: o extermínio do ―traficante‖, demônio incorporado por corpos facilmente
encontrados em toda e qualquer esquina marginal(izada). De outra face, o Judiciário é o
responsável pela seletividade racial secundária através da manipulação que define a figura do
usuário de drogas como privilégio do branco, para quem a dúvida é garantia fundamental.
Nosso sistema de controle racial se embasa na periculosidade que fundamenta o
encarceramento massivo13, a partir da presunção que exala pelos poros dos corpos negros, e a
pena de morte paralela, avalizada constitucionalmente. Regras de um Estado de exceção
permanente nas margens da margem, fantasiado pelo conto infantil ―Brasil: o país das
maravilhas raciais‖ que seduz grande parte de nossa ―elite crítica‖. Uma posição que
fortalece nosso racismo pelo não enfrentamento, a estratégia política que se reflete em nossos
―Direitos Penais‖, expondo os efeitos sem causa ―aparente‖ ao escamotear sua programação
racista, enquanto possibilita o fácil reconhecimento de sua ―clientela‖, profecia marcada a
ferro em uma população condenada, quase totalmente, à subsistência e à miserabilidade.
Toda a construção teórica abolicionista que não considere o racismo como fonte
(inesgotável) de violências e opressões, não é apenas irrealizável em nossa margem, mas
mantém o ―mascaramento‖ (MBEMBE, 2014, p. 95) que oculta, nega e dissimula sua real

12
O Colorismo nos fornece uma chave importante de entendimento da questão, ao problematizar os efeitos da
mestiçagem relacionada ao branco, situado como ponto de referência. Nesse sentido, quanto mais melanina, mais
distante de direitos e acessos aos mesmos, características da branquitude. Ou seja, quanto mais afastado do
branco, do que se acha branco, ou dos que podem se passar por branco (afroconveniência), menos direitos,
acessos ou possibilidades, isso inclui a total ausência de melanina (albinismo), se a descendência negra for
manifestada no fenótipo.
13
A periculosidade é extraída do permissivo legal de nosso Direito penal do autor, estabelecido em critérios
subjetivos elencados no art. 59, do Código Penal, como ―antecedentes‖, ―conduta social‖, e, ―personalidade do
agente‖, pelos quais, juíza(e)s estabelecem os parâmetros da pena em caso de condenação.
face: a própria natureza racista, eis que, raça, no Brasil, é fator criminógeno e exterminante,
mantenedores da nossa (sempre viva) gênese escravocrata.
Através de conjecturas que enredam sistemas de controle, central (EUA) e marginal,
nos remetendo à velha política mimética dependente, com Angela Davis fica demonstrado
como ocorreu a alteração automática da prisão da escravidão em escravidão da prisão no sul
estadunidense, que desfez a ilusão da liberdade democrática para os negros ―[...] no mesmo
momento em que fora prometida: na abolição da escravidão. Com a abolição da escravidão,
os negros deixaram de ser escravos, mas imediatamente se tornaram criminosos – e, como
criminosos, tornaram-se escravos do Estado‖ (DAVIS, 2009, p. 13).
Ao citar W. E. B. Du Bois (―Black Reconstruction‖, 1935), fica exposta a
programação conservadora da opressão branca através da vinculação visceral entre o sistema
penal e racismo, com imprescindível ―tradução‖ do paradigma racista/etiológico que
estabeleceu o marco fundacional para o Jim Crow e, com ele, o encarceramento negro em
massa, iniciado em 1876 com a criminalização por sentenças desproporcionais, sem o
cometimento de crimes violentos, contendo a animalidade negra presa ao trabalho forçado ou
locada aos seus ex-senhores para pagamento das multas.
Michelle Alexander destaca como a ―guerra contra as drogas‖, com um discurso
racialmente ―neutro‖, manteve o sistema segregacionista estadunidense intacto após o colapso
do antigo Jim Crow, alteração padronizada nos sistemas racistas como aconteceu com a
escravidão e os linchamentos, devendo ser considerado o principal alvo do movimento negro,
enfraquecido pela capilarização do rompimento nas redes de apoio através do etiquetamento
criminal, salientando que: ―o encarceramento em massa – e não os ataques às ações
afirmativas ou os problemas na aplicação dos direitos civis – é a manifestação reacionária
mais prejudicial contra o Movimento dos Direitos Civis‖ (ALEXANDER, 2017, p. 55).
As prisões cumprem, com louvor, suas funções enquanto fábricas de desumanização,
perfeitamente integradas às sociedades estratificadas nas quais, o sempre sedutor, mercado de
segurança recebe olhares atentos do capitalismo (simbiótico ao racismo) que menosprezou o
viés (in)correcional para dar origem à ―complexos industriais prisionais‖ sob o qual brotam
vozes acaloradas em sua defesa, que atrelam a questão criminal à responsabilidade individual,
não correlacionando-a com a construção de lugares pré-determinados de existência, como a
racialização naturalizada do crime e do cárcere que, para a população negra, se transformou
em ―fato inevitável da vida, como nascimento e morte‖ (DAVIS, 2018, p. 174).
É no interior de políticas racistas que a ―crise do sistema carcerário‖ (violações dos
direitos humanos, encarceramento em massa, superlotação, etc.), sentenças (i)legais,
execuções (extra)judiciais14, chacinas e massacres (intra e extramuros) que expõem a morte
anunciada dos indesejados, que a desumanização, manipulada por todas as agências que
compõem o sistema de controle racial/social, deve ser alocada.
Um ideário que não pode ser compelido pelos Direitos Humanos que resta repelido
pela animalidade tornada signo negro, imiscuída em sua construção e sinônimo de risco à
humanidade, eis que: ―o direito é [...] uma maneira de fundar juridicamente uma certa ideia de
Humanidade enquanto estiver dividida entre uma raça de conquistadores e uma raça de
servos. Só a raça de conquistadores é legítima para ter a qualidade humana‖ (MBEMBE,
2014, p. 111).
A racionalidade objetificante do sistema punitivo ―democrático‖ brasileiro é
legitimada e legalizada com objetivos de (re)afirmação da humanidade branca. Assim, a
desumanização não é apenas característica inafastável, mas sua própria razão de existir!
Uma proposta abolicionista desde, e para, o realismo marginal racial brasileiro, antes
de suscitar alternativas para o cárcere, revela-se como luta por sobrevivência em solo,
historicamente, hostil, que concebeu a questão racial como política de guerra, fazendo da
morte negra sua essência. A resistência e re-existência negra, portanto, ao preconizar o fim de
um sistema racista, invoca a desconstrução de estruturas, instituições e conceitos concebidos
centralmente, a emancipação somente é possível, e viável, pela decolonialidade, a começar
pelos saberes.

5 - A DECOLONIALIDADE COMO BASE FUNDANTE DE UM ABOLICIONISMO


PENAL MARGINAL

―Quando não souberes para onde ir, olha para trás e saiba pelo menos de onde vens.‖
(Provérbio africano)

A ordem em sociedades racistas pressupõe a paz racial conseguida somente com o


controle e domínio completo do mundo negro. A passividade dos corpos negros, sua
resiliência face às violências vivenciadas todos os dias (sobre o passado, presente e futuro),
suporta, estrutura e mantém a branquitude em seu mundo monocromático (quase) perfeito.
A liberdade negra pressupõe, assim, a constrição da liberdade branca, ruptura dos seus
meios de controle e, por fim, demolição do seu mundo que apenas se mantém pela

14
No Brasil, entre 2014 a 2017, houve mais de quatro mortes por dia dentro do sistema carcerário. Disponível
em: https://oglobo.globo.com/brasil/mais-de-quatro-detentos-morrem-por-dia-em-prisoes-do-pais-
22815782#ixzz5JSSnnTzX.
subjugação, resignação e o embranquecimento, em sentido lato, como instrumento de
docilização/domestificação. Arquitetura mantida ao longo dos séculos pela colonialidade,
através da qual a colonização mantém o controle, influência e dependência das margens
mesmo sem o pacto fundacional imposto pelas metrópoles.
Relação assegurada pela subordinação, submissão e comprometimento do grupo
minoritário/dominante de colonos em relação aos colonizadores, e controle, opressão e
violência de ambos em relação ao grupo majoritário/dominado, uma sistemática assegurada
pela ―colonialidade do saber‖ (cuja ―crise‖ é idêntica ao do direito penal), legado central que
impede o conhecimento, compreensão e (re)construção do(s) mundo(s) a partir de suas
próprias raízes e epistemes.
Instalada assim, em seio marginal, a derrubada das muralhas e artimanhas da
colonialidade depende da instrumentalização de aportes decoloniais capazes de superar a
―colonialidade do poder‖ que, com seus reflexos globalizados, limitou a descolonização à
independência jurídica-política, obstruindo fortemente a decolonialidade, a qual ―[...] tendrá
que dirigirse a la heterarquía de las múltiples relaciones raciales, étnicas, sexuales,
epistémicas, económicas y de gênero que la primera descolonialización dejó intacta”
(GROSFOGUEL, 2010, p. 17).
Tendo a decolonialidade como fim, a descolonização é meio e Frantz Fanon sublinha a
violência do processo, dada a violência estrutural colonial, manipulada de inúmeras formas,
iniciando pela desconstrução do próprio ser colonizado que introjetou, além do uso da
violência como meio de resolução de conflitos, o sonho de obter o poder absoluto do
colonizador sobre tudo apropriável, a lógica objetificante como condição de reconhecimento
nas margens desfiguradas.
Esse processo pressupõe a desordem mundial para reconstruí-lo a partir da
transformação dos coadjuvantes em protagonistas de sua própria história, uma substituição da
categoria de homem que modifica sua natureza, e assim:
A descolonização jamais passa despercebida porque atinge o ser, modifica
fundamentalmente o ser, transforma espectadores sobrecarregados de
inessencialidade em atores privilegiados, colhidos de modo quase grandioso pela
roda viva da história. Introduz no ser um ritmo próprio, transmitidos por homens
novos, uma nova linguagem, uma nova humanidade. A descolonização é, em
verdade, criação de homens novos. Mas esta criação não recebe sua legitimidade de
nenhum poder sobrenatural; a ―coisa‖ colonizada se faz no processo mesmo pelo
qual se liberta (FANON, 1968, p. 26-27).

Conforme leciona Catherine Walsh (2009, p. 14-15), pensar decolonialmente não se


trata apenas de um joguete silábico, mas, pensar para muito além da impossível regressão
rumo à desconstrução e reversão da colonização, pois ―la intención, más bien, es señalar y
provocar un posicionamiento — una postura y actitud continua — de transgredir, intervenir,
in-surgir e incidir. Lo decolonial denota, entonces, un camino de lucha continuo en el cual
podemos identificar, visibilizar y alentar “lugares” de exterioridad y construcciones
alternativas.”
A luta por resistência, insurgência, re-existência e subversão da ordem colonial(ista)
pelos povos marginais escravizados, se mantêm pela ―memória coletiva‖, transmitida pela
ancestralidade através de tudo que restou de suas identidades, uma estratégia de
(sobre)vivência existencial, chamada por Catherine Walsh de ―pedagogia decolonial‖, pela
qual se une, e se complementa, os mundos e os seres, de modo não excludente, uma vez que:
Es a partir de este horizonte histórico de larga duración, que lo pedagógico y lo
decolonial adquieren su razón y sentido político, social, cultural y existencial, como
apuestas accionales fuertemente arraigadas a la vida misma y, por ende, a las
memorias colectivas que los pueblos indígenas y afrodescendientes han venido
manteniendo como parte de su existencia y ser ( WALSH, 2013, p. 25).

O processo decolonial, assim, não é nenhuma novidade (e jamais será!), uma vez que é
o continuum da luta pelo resgate da humanidade anulada pela abstrativação consolidada pelos
saberes/poderes centrais e coloniais, modelados por uma ―racionalidade‖ exclusiva extraída
de uma sub-humanidade encarcerada em sua própria existência.
Nestas condições, a decolonialidade da margem brasileira precisa destruir, antes, as
barreiras raciais fortificadas pela política de não enfrentamento do racismo, é dizer que
precisamos de uma perspectiva marginal afrocentrada como postura de confronto, tendo em
vista que a Afrocentricidade procura retomar o protagonismo negro roubado pelo racismo,
para recuperar o controle do pensamento histórico e social de matriz africana, instrumento de
dominação monopolizado durante séculos, por pesquisadores brancos, sabedores que ―a
melhor forma de controlar um povo é controlar o que ele pensa sobre si mesmo‖
(NASCIMENTO, E., 2009, p. 60).
Para Molefi Kete Asante (2016, p. 06), a Afrocentricidade é um posicionamento
crítico em relação à violência colonial da África e seus descendentes, além de corretiva da(s)
sua(s) história(s), no sentido de ideologia contra-hegemônica, deslocando o lugar de
enunciação e chegada da fala, representando, ―[...] uma possibilidade de maturidade
intelectual, uma forma de ver a realidade que abre novas e mais excitantes portas para a
comunicação humana. É uma forma de consciência histórica, porém mais do que isso, é uma
atitude, uma localização e orientação. Portanto, estar centrado é ficar em algum lugar e vir de
algum lugar.‖
A decolonialidade, assim, deve iniciar pela desconstrução do próprio colonizado, do
negro brasileiro que não se reconhece enquanto tal, bem como desconhece (ou não identifica),
o racismo brasileiro em suas nuances, sua política de assimilação, e que, ao não ter o direito
mínimo de saber suas origens e raízes, se projeta no impossível espelhamento da brancura
desfigurante (FANON, 2008). A libertação de todo o modelo central somente é alcançável por
suas próprias mãos, pois ―tudo começa portanto por um acto de identificação: ‗Eu sou um
negro‘‖ (MBEMBE, 2015, p. 255).
Nessa perspectiva, a conscientização da negritude coletiva brasileira irá reclamar suas
origens e, a partir delas, outros aspectos que não aqueles formulados pelo centro. O Estado,
assim, perderia o viés monista e hegemonia em relação à resolução de conflito, vindo
resguardar a autoregulação, decorrente do direito à identidade originária15, que não se atrela à
questão de ser, ou não, institucionalizada, mas ―[...] na capacidade de romperem com a
padronização opressora e de construírem nova identidade coletiva, de base participativa, apta
a responder às necessidades humanas fundamentais‖ (WOLKMER, 2001, p. 143).
A violência desse projeto é ínsita ao processo de liberdade negra, uma vez que os
mundos, negro e branco, construídos e consolidados nas entranhas do colonialismo, são
incompatíveis enquanto essa conjuntura excludente persistir. As respostas e resultados de
todas as insurreições pretas dão conta dessa relação diametralmente oposta.
A construção da negritude, e seu reconhecimento, deságuam em um projeto político
coletivo que se projeta ao futuro, enunciando a ancestralidade (re)negada. Todos os objetivos
desse constructo dependem, invariavelmente, da desconstrução da branquidade e
branquitude, determinando redução de direitos naturalizados pelo histórico racista, e nesses
termos, a democracia é obstáculo ao processo decolonial, pois, conforme destaca Achille
Mbembe (2014, p. 149):
Em democracia, a liberdade dos brancos só é viável se acompanhada pela
segregação dos Negros e pelo isolamento dos Brancos na companhia dos seus
semelhantes. Ou seja, se a democracia é verdadeiramente incapaz de resolver o
problema racial, a questão é desde logo perceber como poderá a América livrar-se
dos Negros.

Deste modo, o reconhecimento e reclame do direito à identidade orienta o resgate dos


aspectos raciais, culturais, étnicos, filosóficos e religiosos, anunciando posturas
revolucionárias no modo como fomos caracterizados e constituídos, questionando toda
estrutura estatal e defendendo sua desconstrução como fruto do eurocentrismo genocida.

15
O Estado Plurinacional boliviano, que consolidou o ―novo constitucionalismo‖, é exemplo a ser seguido
pelo(s) Movimento(s) Negro brasileiro.
A viabilidade deste programa resta indissociável de uma epistemologia pela qual
outros olhares projetem instrumentos que rompam com os estreitos limites do próprio Estado
Democrático de Direito racializado, onde não encontraremos nenhuma resposta que não
aquela barbárie travestida de civilização que impõe a construção do ―Outro‖ e sua imediata
inferiorização, mantendo a antiga tradição transplantada de colocar o Estado sempre como
protagonista, atitude análoga daquele ―marinheiro bêbado‖ que procura sua carteira perdida
somente sob a luz de um poste, mesmo consciente de que ali ela não esta, com o fundamento
de que somente ali, ele consegue ―ver‖ alguma coisa (FLORES, 2009, p. 47).
A derrubada de barreiras consolidadas por epistemes refratárias às cosmovisões
periféricas é questão de sobrevivência para a população negra. A importância da
decolonialidade epistêmica é estabelecida por Ramón Grosfoguel (2010, p. 457) ao apontar
para exigência de se ―[...] levar a sério a perspectiva/cosmologias/visões de pensadores
críticos do Sul Global, que pensam com e a partir de corpos e lugares étnico-raciais/sexuais
subalternizados.‖
Diante da radicalidade do racismo em nossa sociedade, e no sistema punitivo
demandado e programado por ela, se faz imperioso ultrapassar a limitadíssima fronteira do
eurocentrismo para pensarmos um abolicionismo racial, sem o qual, o controle racial será
remontado com o título de ―abolicionismo penal‖.

6 - A GUISÁ DE CONCLUSÃO

―Nossa fala estilhaça a máscara do silêncio.‖


(Conceição Evaristo)

A partir do marco criminológico crítico, que deságua, aqui, em uma sociologia do


controle racial marginal, extrai-se que o modelo punitivista centrado na prisão, desconexo de
qualquer legitimidade discursiva, se mantém, única e exclusivamente, por sua própria razão
de existir: sua funcionalidade, programada dentro dos limites estabelecidos por sociedades
racistas como instrumento ―legítimo‖ de controle racial ao substituir as senzalas, mantendo a
desumanidade negra intacta dentro de contextos ―democráticos‖, nos quais o ―exercício
especulativo‖, proposto por Angela Davis (2018, p. 528), se mostra bem produtivo, afinal,
imaginar um presente escravocrata fornece importantes parâmetros para traçarmos a relação,
em muitos aspectos, da (i)modificação apresentada.
Cenários distintos e realidades (pouco) inalteradas evidenciam que quando a barreira
jurídica da desigualdade foi ultrapassada com a abolição da escravatura, projetando novas
esperanças para a população negra, o Estado foi congregando novos saberes e posturas
(i)legais, com os quais fincou, em solo firme, as bases de novos, mais sólidos e profundos
obstáculos, que mantiveram a ordem racial intacta, demonstrando que a igualdade racial é
impossível nos termos colonialistas. Assim, na imperatividade de conservar a arquitetônica
racista durante a transição, a Criminologia positivista fundamentou a animalidade negra, já
reconhecida pelo catolicismo, petrificada como dogma(ática) penal sob o viés da
―periculosidade‖ que estrutura nossos ―Direitos penais‖, programados pelo racismo e
orientados pela melaninocracia.
Aquela abolição conciliatória, condicionada pelo genocídio negro, em termos de
branqueamento, ―modernizou‖ o velho sistema legal, fundando o ―país das maravilhas
raciais‖ com o silenciamento sobre o racismo, alocado nas entranhas da igualdade formal e da
―cordialidade‖ que fortaleceram a hegemonia branca ao manterem incólume nosso apartheid,
assegurando sua supremacia através da exclusão e morte dos indesejados.
Se o abolicionismo penal certifica que a prisão desprezou toda e qualquer função
teorética, o discurso abolicionista marginal demonstra sua real face, arrancando suas
máscaras. A luta da população negra, portanto, não pode ser por aprisionamento ou por
reformas no sistema prisional, sob pena de reforçar sua autossuficiência assegurada por sua
funcionalidade mais básica, que não podem ser ignorada quando do clamor por ―justiça‖
diante dos crimes raciais, que, sob a lógica desvelada pelo ―labelling approach” e pelo
―second code” racista, transforma a ―imunização‖ (BARATTA, 2011; 1995) em direito
basilar decorrente da branquitude, enquanto mantém a velha ―dualidade perversa‖: o negro só
é reconhecido no âmbito de nossos Direitos Penais (BATISTA, N., 2002, p. 152).
O confronto, assim, deve ser direcionado à estrutura racista em sua integralidade, na
qual a interrupção do genocídio negro é primordial, visceralmente ligada ao encarceramento
em massa, eis que é a partir desses instrumentos que a edificação racista se solidifica e se
projeta para além do nosso horizonte. Nessa mirada, sua demolição passa, necessariamente a
primeiro plano, pela alteração profunda da nossa política criminal de drogas, pois, o percurso
histórico de criminalização das drogas revela seus fundamentos e funções racistas,
acompanhando, passo a passo, a evolução do sistema de controle racial brasileiro, mas não se
finda com a mesma, tendo em vista a demanda por ordem que programa os instrumentos
desumanizantes, substituindo, de modo sistêmico e cíclico, legitimações com fins de
perpetuação da hierarquia e hegemonia racial.
Os problemas ocasionados pelas drogas, rotuladas de ilícitas, jamais seriam assuntos
para os “Direitos penais” se a questão não fosse de controle racial, uma vez que saúde
pública só pode ser tutelada com políticas públicas de saúde, e os brancos, através de ―pactos
narcísicos‖ (BENTO, 2002, p. 43) que os garante como ―usuários‖, sabem muito bem disso!
Carl Hart (2014) já demonstrou, e comprovou cientificamente, que existem muitos meios
eficazes para o tratamento dos efeitos nocivos das drogas em dependentes químicos, passando
pela política de redução de danos, jamais pela criminalização do uso de drogas (i)lícitas que,
ao serem meios de alcance de um bem-estar, individual e subjetivo, decorrem de direito
fundamental que demarca o limite intransponível da reserva legal ao Estado.
A discussão sobre drogas, então, precisa ser séria, responsável e capilarizada, de modo
que alcance, em mesma intensidade, o senso comum que garante o apoio fundamental para o
populismo penal e sucesso da política exterminante, a partir da mobilização e modulação
massiva por programas midiáticos policialescos, rechaçando, obrigatoriamente, o falso
moralismo que o sustenta, tendo em vista que o maior problema em relação às drogas é seu
proibicionismo, pautado na sua construção, e manipulação, social.
Da farsa abolicionista oitocentista ao abolicionismo penal ―utópico‖, notamos, além da
resistência e permanência da luta negra por liberdade, a insistência branca (nada ingênua) em
ignorar o racismo enquanto fonte de violências que (pré)estabelece lugares em nossa
sociedade. Nem todo abolicionismo é, de fato, abolicionista, e todo discurso ―racialmente
neutro‖ é racista na medida em que o mantém intacto e ainda o (re)fortalece!
Uma proposta abolicionista brasileira somente pode ser esboçada a partir de outras
epistemes que combatam e objetivem a extinção do racismo enquanto estrutura vital, cuja
efetivação se dirige a uma mudança substancial na concepção da própria sociedade, concebida
em termos coloniais que sistematiza políticas racistas. O próprio modelo social eurocêntrico,
assim, é obstáculo ao abolicionismo penal próprio, somente alcançável com uma postura
verdadeiramente democrática, que, lastreada pelo viés racial, retome e irrompa o caráter
puramente negativo da abolição escravagista e solucione os problemas decorrentes e inerentes
à complexidade de questões raciais radicais.
Se a retomada do processo abolicionista oitocentista é premissa básica para um
abolicionismo penal brasileiro, faz-se imprescindível que o trajeto seja pautado pelo
rompimento com a colonialidade em sua magnitude, a partir da política de resistência
decolonial e afirmação de raízes diaspóricas, elo que vincula as gerações passadas, presentes e
futuras, para resgatar e firmar o protagonismo negro, evitando que a ―síndrome da redentora‖
contamine e monopolize a pauta, diminuindo o poder mobilizador do processo de libertação
que invoca a ancestralidade na busca por saberes que sustentam modelos que não se insiram
na perspectiva Outrificante.
Em nossa margem, constituída de mundos inconciliáveis, característica do racismo,
enquanto a violência e violação cotidianas sobre a população negra é explícita, os privilégios,
artimanhas, hegemonia e dominação, resultantes da branquitude e branquidade, se
apresentam de modo óbvio e inegável, na mesma proporção. A luta anti-racista impõe a
população branca, como condição basilar, o reconhecimento desses presentes, conscientes de
que muitos privilégios não podem (por mais que se queira), ser renunciados, como a vida, o
maior deles, já que seus corpos ―alvos e belos‖ jamais serão confundidos com o do
―perigoso‖, incorporado e manifestado pelo fenótipo negro inferiorizado.
Somente uma decolonialidade afrocentrada é capaz de pensar em um modelo social, e,
por consequência, métodos de resoluções de conflitos, pautado na coletividade integral nos
termos determinados pela filosofia ancestral Ubuntu, uma das heranças mais preciosas
deixadas pela mãe - África, mas que também teve parte em sua maldição, eis que, ao não
outrificar o branco, em determinados momentos, decretou sua colonização e escravização.
Entretanto, Ubuntu não pode (continuar a) ser utilizado como mera ―palavra de
efeito‖, para dotar de beleza discursos falsos, esvaziando o conceito em seu comprometimento
com a existência coletiva, incluindo sua belicosidade, muito distinta da passividade e
domesticação cristã-ocidental. A essência filosófica africana é indispensável para substituir
conceitos como solidariedade e tolerância que, ao manter a hierarquização das relações, são
falsos instrumentos de combate ao individualismo central.
Como matriz civilizatória que marca a imperatividade da coletividade, o modo
relacional se baseia no sentimento de pertencimento social a um todo (que exclui a
estigmatização e criação do ―outro‖, a individualidade e a meritocracia), e de
responsabilidade da sociedade perante seus integrantes, fator indispensável para entender o
erro individual como falha coletiva16, propagando o ―sou apenas por que somos, e somos
somente enquanto coletividade‖, característica básica do Quilombismo que se apresenta,
inclusive, como alternativa política à (falsa) escolha partidária polarizada entre direita versus
esquerda, que se sustentam sobre a questão racial e não objetivando, de fato, o fim do
racismo, da branquidade e branquitude.

16
Em Babemba, tribo da África do Sul, acredita-se que cada indivíduo vem ao mundo como um ser bom,
desejando segurança, amor, paz e felicidade para si e para seu grupo. Mas às vezes, na busca por essas coisas,
cometem erros que são vistos pela tribo como um grito de socorro. Assim, quando um de seus integrantes
comete um erro ou faz algo prejudicial a outrem, este é cercado por toda a tribo que, durante dois dias, vai dizer
àquele integrante todas as coisas boas que ele já fez, se unindo para erguê-lo e reconectá-lo à sua verdadeira
natureza, para (re)lembrá-lo de quem ele realmente é, de sua essência, até que ele se lembre da verdade da qual
tinha se desconectado temporariamente.
Práxis afro-brasileira que fundou nossa única tentativa de construção de uma
sociedade verdadeiramente democrática, livre e de comunhão existencial (Palmares), cujo
reconhecimento e legalização estatal é irrelevante, eis que, um de seus pressupostos, é o
associativismo que mobiliza a coletividade em prol da consolidação da unidade social e bem-
viver de todos, em todos os níveis e âmbitos.
Abdias do Nascimento (2002, p. 271), apontando o protagonismo negro para a
reconstrução do Brasil, refere-se às inúmeras lições que servem como norte para outro tipo de
sociedade, processo projetado por sua própria experiência histórico-social:
Os negros têm como projeto coletivo a ereção de uma sociedade fundada na justiça,
na igualdade e no respeito a todos os seres humanos, na liberdade; uma sociedade
cuja natureza intrínseca torne impossível a exploração econômica e o racismo. Uma
democracia autêntica, fundada pelos destituídos e os deserdados deste país, aos quais
não interessa a simples restauração de tipos e formas calcadas de instituições
políticas, sociais e econômicas as quais serviam unicamente para procrastinar (adiar)
o advento de nossa emancipação total e definitiva que somente pode vir com a
transformação radical das estruturas vigentes. Cabe mais uma vez insistir: não nos
interessa uma proposta de adaptação aos moldes de sociedades capitalistas e de
classes. Esta não é a solução que devemos aceitar como se fora mandamento
inelutável. Reinvenção de um caminho afro-brasileiro de vida fundado em sua
experiência histórica na utilização do conhecimento crítico e inventivo de suas
instituições golpeados pelo colonialismo e o racismo.

É preciso, então, confrontar o Estado, modelado em pilares centrais, com vistas à sua
extinção, conferindo resistência compatível com o sistema de controle racial que oprime e
neutraliza, a ponto de menosprezo, uma das maiores populações negras do mundo, que não
representa qualquer ameaça à pátria exterminadora que continua a perseguir o sonho
encantado de seu branqueamento, invejando a ―hermana‖ Argentina.
A diferença racial como pequeno detalhe conferido por inúmeros fatores, e não como
ethos hierarquizante, é condição ontológica para o abolicionismo pleno e para uma sociedade
que se projete, e se comprometa, com a coletividade, redefinindo a utopia, tomada aqui como
resgate de práticas reais que se afastam, em muito, de um sonho inocente. Para tanto, é
preciso reafirmar as identidades racializadas para explicitar as desigualdades criadas e
consolidadas por essa política desumanizante, visando suas extinções, só assim será possível
restaurar aquele olhar aracial curioso, perante o qual o pertencimento é a lei natural que une
mundos.

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LUCIANO GÓES
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2015) e graduado em
Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL (2012). Professor do Centro
Universitário Estácio de Santa Catarina e Coordenador Geral dos Projetos de Extensão
―Flores da Clô‖ e ―Vicente do Espírito Santo - S.O.S Racismo‖. Professor de Direitos
Humanos e Direito Penal do curso Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal e Processual
Penal, do Centro Universitário Católica de Santa Catarina. Vice-presidente da Comissão de
Igualdade Racial, Subseção de São José/SC, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional
Santa Catarina (OAB/SC) e secretário da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no
Brasil da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Santa Catarina (OAB/SC).
Pesquisador/membro do projeto de Pesquisa e Extensão ―Universidade Sem Muros‖ (UFSC),
do Grupo de Pesquisa Brasilidade Criminológica (UFSC/CNPq), e do Núcleo de Estudos
Afro-Brasileiros do Centro Universitário Estácio de Santa Catarina (NEAB - Estácio).
Advogado Criminal. 2º lugar, na categoria ―Direito‖, do 59º Prêmio Jabuti (2017).
E-mail: lucianogoesadvs@gmail.com

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