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III Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG

I Salão de Extensão & I Mostra Científica

http://ojs.fsg.br/index.php/pesquisaextensao
ISSN 2318-8014

NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E VÍNCULO COM ANIMAIS DE


ESTIMAÇÃO EM UMA PERSPECTIVA DE FAMÍLIA MULTIESPÉCIE

Cristina Gazzana * a
Beatriz Schmidt b
a
Graduação em Psicologia pela Faculdade da Serra Gaúcha (FSG).
b
Psicóloga, Especialista em Saúde da Família e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Professora no Curso de Graduação em Psicologia da FSG. Endereço eletrônico:
beatriz.schmidt@fsg.br.

Informações de Submissão Resumo


*crisgazzana@gmail.com O presente estudo tem como tema central as novas
Rua Severino Generosi, 1218. Bairro Forqueta configurações familiares e a relação com animais de estimação
Caxias do Sul - RS - CEP: 95115-500 em famílias multiespécie. Em particular, busca-se investigar o
vínculo afetivo entre homem e animal de estimação no
ambiente familiar, assim como a importância dessa relação
Palavras-chave: segundo as percepções dos humanos que a vivenciam. Trata-
se de uma pesquisa com delineamento de levantamento,
Relações familiares. Animal de estimação. caráter descritivo, corte transversal e abordagem quantitativa
Vínculo. dos dados. A amostra foi composta por 40 adultos que
possuíam animais de estimação, os quais responderam dois
instrumentos: o questionário biosociodemográfico e o Pet
Attachment Survey. Dos participantes, 62,5% eram casados e
residiam junto a outras duas pessoas, em média, no domicílio
familiar. Em 70% dos casos havia um animal de estimação na
residência, sendo a maioria cachorro (80%). A maior parte dos
respondentes (80%) indicou considerar o pet um membro
familiar e nenhum deles referiu que o animal de estimação
seria um incômodo ou um aborrecimento. Ademais, 50% dos
participantes afirmaram que, dentre os membros da família, o
animal de estimação é quem parece mais gostar do
respondente. Constatou-se que os animais ganham cada vez
mais importância na relação familiar, reforçando a ideia de um
novo arranjo contemporâneo – a família multiespécie.

1 INTRODUÇÃO

A família é considerada uma organização complexa, em que seu contexto de inserção


e suas múltiplas interações influenciam a constituição da personalidade e o comportamento do
indivíduo (COSTA, 2010; PRATTA; SANTOS, 2007). Para Schmidt (2012), a família se

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caracteriza como uma rede comunicacional de influência mútua, na qual a mudança em um


dos membros afetará todos os outros membros e as relações estabelecidas entre eles.
Se no início do século passado o modelo mais prevalente era o de família extensa (ou
seja, caracterizado pela coabitação de vários membros), Costa, Cia e Bahram (2007) sinalizam
que esse modelo é cada vez menos visto na atualidade. Tal fato se deve, notadamente, ao
controle de natalidade e ao processo de urbanização. Na realidade contemporânea, constata-se
a redefinição, na prática, do conceito e das possíveis formas de ser “família”, em vista das
diferentes configurações emergentes socialmente, a saber: famílias monoparentais femininas
ou masculinas, binucleares, homoafetivas, múltiespécie, dentre outras.
A configuração denominada multiespécie, especificamente, consiste em um grupo
familiar composto por pessoas que reconhecem e legitimam seus animais de estimação como
membros da família (FARACO, 2008; KNEBEL, 2012). Cabe salientar que a definição atual
de família leva em consideração arranjos plurais, que incluem proximidade, intimidade e
vínculos afetivos, o que coloca a consanguinidade em segundo plano (MACEDO, 2008).
Diferentes pesquisas apontam para as transformações na posição ocupada, no contexto
familiar, pelo animal de estimação, o qual cada vez mais vem sendo considerado como um
amigo, um integrante da família e, até mesmo, colocado como substituto de algum membro
(DOTTI, 2005; FARACO; SEMINOTTI, 2004).
O relacionamento entre humanos e animais de estimação tem sido alvo de estudiosos
do comportamento. As investigações científicas sobre a temática se centram, notadamente, no
fato de os seres humanos terem desenvolvido, com membros de outra espécie, uma forma de
relação muito próxima a que estabelecem com membros da própria espécie. De acordo com
Santos (2008), compreende-se que essa convivência tão aproximada se dá em virtude de que
ambos acabam se beneficiando com a mesma.
Há indicativos de que as novas configurações familiares e as famílias multiespécies
vêm se fortalecendo na atualidade, o que se evidencia pelo ganho cada vez maior de espaço
por parte dos animais de estimação nos lares e na rotina familiar. Muitas vezes, tais animais
acabam por assumir o papel de um membro da família, tanto em relação a pessoas que vivem
sós (domicílios unipessoais), quanto em famílias com ou sem filhos.
Em processo de revisão não sistemática da literatura científica em bases de dados
nacionais, identificou-se escassez de estudos relacionados ao vínculo entre animais de
estimação e seres humanos. Além disso, a maioria das publicações se refere a perspectivas
biológicas ou antropológicas, sendo que quando há o olhar da psicologia, este costuma se

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limitar a relações terapêuticas. Portanto, o presente artigo almeja lançar luz a novas
compreensões sobre a relação humano-animal de estimação, bem como sobre as
características dessa nova configuração familiar, em que os animais podem ser inseridos, por
exemplo, para lidar com o “ninho vazio”1, bem como com o sentimento de solidão
experienciado por pessoas idosas ou solteiras.
Nesse contexto, o presente trabalho tem como tema central as novas configurações
familiares e a relação com animais de estimação em famílias multiespécie. Em particular,
busca-se investigar o vínculo afetivo entre homem e animal de estimação no ambiente
familiar, assim como a importância dessa relação segundo as percepções dos humanos que a
vivenciam. Com o intento de melhor compreender o contexto de inserção dos participantes,
serão analisadas também variáveis biosociodemográficas.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Comportamento de vinculação e sua importância nos processos de desenvolvimento

Zimermann (2010, p.21) menciona que todas as áreas do conhecimento e do


comportamento humano estão em um processo veloz de transformação. Por este motivo, a
valorização da noção de vínculo se torna fundamental em todos os campos:
O termo vínculo tem sua origem no étimo latino “vinculum”, o qual significa uma
união, com as características de uma ligadura, uma atadura de características
duradouras [...] este termo alude alguma forma de ligação entre as partes que estão
unidas e inseparáveis, embora elas permaneçam claramente delimitadas entre si.

Freud, Klein e Baranger referiram em seus estudos a importância que atribuíam aos
vínculos afetivos, contudo, sem fazer uso da terminologia atual. Dentre tantas contribuições,
destaca-se Bion, o qual sistematizou e aprofundou o conceito, definindo vínculo como sendo
“elos de ligação – emocional e relacional – que unem duas ou mais pessoas, ou duas ou mais
partes dentro de uma mesma pessoa” (apud ZIMERMAN, 2010, p. 23).
A partir da classificação de vínculos e dos estudos realizados por Bion, Zimmermann
(2010) elencou quatro tipos fundamentais que estarão presentes concomitantemente ou não
em toda e qualquer relação: vínculo do amor (demanda por amor, diferentes formas de amar e

1
Expressão utilizada por diversos autores para definir o desconforto emocional e/ou sofrimento dos pais com a
saída do último filho de casa.

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de ser amado, diferenciação e individualização); vínculo do ódio (relacionado à agressividade,


pulsão de vida); vínculo do conhecimento (diretamente ligado à descoberta, aceitação, ou não,
das verdades sobre si ou sobre o outro) e o vínculo do reconhecimento – a partir da premissa
de que “o ser humano constitui-se sempre a partir de um outro” (p. 31).
Os animais de companhia estabelecem fortes vínculos emocionais recíprocos com os
seres humanos. Podemos pensar que nessa relação se constitui uma ligação de segurança para
ambos os envolvidos (KNEBEL, 2012). Pois enquanto o cachorro, de certa maneira, pode
suprir alguma necessidade emocional de seus proprietários, esses realizam também a função
de proteção ao animal. De acordo com Bowlby (2002), o sujeito que exerce a função de
cuidador representa proteção, conforto e suporte, bases para uma relação saudável. Pode-se
pensar sobre isso também em termos da relação do ser humano com o animal, pois quanto
maior o afeto pelo animal, maior tende a ser o vínculo entre ele e o dono.

2.2 Os animais de estimação e o convívio doméstico

O significado de estimação, segundo o Dicionário Aurélio (1997, p.722) consiste em:


“diz-se de um bem (animal ou coisa) a que se vota especial predileção ou estima”. A palavra
estima, por sua vez, refere-se a sentimentos de afeição, afeto, apreço, consideração,
importância e respeito. Em nosso país os cachorros e os gatos são mais frequentemente tidos
como animais de estimação, embora outros animais possam também ser assim considerados
(ALMEIDA et. al., 2009).
A relação do homem com outros animais pode ser vista desde os primórdios da vida
primitiva, no processo de domesticação. O registro histórico mais antigo até hoje encontrado
sobre essa relação é a descoberta de um túmulo em Israel, datado de 12 mil anos atrás, onde
se encontrou o corpo de uma mulher idosa com sua mão segurando um filhote de cachorro
(DAVIS; VALLA apud LANTZMAN, 2004).
Há indicativos de que o Brasil, designadamente, destaca-se no cenário mundial pela
convivência com os animais de estimação. Isso porque, segundo dados de 2012 da Associação
Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (ABINPET):
Em 2012 a população de animais de estimação em todo o mundo chegou a 1,51
bilhão. Desses, 288,2 milhões estão na China, a primeira colocada. O Brasil é o
quarto país no quadro geral desde 2008, com 106,2 milhões de pets2, atrás dos

2
Pet: substantivo da língua inglesa traduzido para o português como “animal de estimação”.

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Estados Unidos (224,3 mi) e Reino Unido (148,3 mi). No entanto, está em segundo
lugar quando se trata de cães e gatos (37,1 milhões e 21,3 milhões respectivamente),
somente atrás dos Estados Unidos (ABINPET, 2013).

Esta convivência parece ir além do lazer e da companhia. Nesse sentido, diversos


estudos sugerem que a interação do homem com o animal de estimação promove mudanças
positivas no comportamento das pessoas, estimula o desenvolvimento de habilidades e o
exercício da responsabilidade em diferentes culturas e contextos. Consequentemente, tende a
melhorar a saúde física, psicológica e emocional do homem. Alguns destes benefícios são a
seguir descritos:
– Diminuição das tensões entre os membros da família, aumentando a compaixão
inclusive no convívio social; redução do tempo de recuperação das doenças e maior
sobrevida às pessoas; estimulação à prática de atividades físicas; redução da
ansiedade; diminuição significativa de distúrbios psicológicos; redução do sentimento
de solidão; aumento no sentimento de intimidade; melhora da qualidade de vida
(ALMEIDA et al., 2009);
– Redução dos níveis de triglicerídeo, colesterol e pressão sanguínea; redução da
frequência cardíaca; aumento do cuidado pessoal e da autoestima (SANTOS, 2008);
– Aumento na produção de endorfina; diminuição na percepção de dor; aumento no
número de células de defesa do organismo (CAETANO, 2010);
– Redução de sintomas de depressão; diminuição do estresse acarretado por
determinados eventos; redução do isolamento social e maior sentimento de segurança
(HEIDEN; SANTOS, 2009).

A relação de humanos-animais de estimação é definida pela Associação Americana de


Medicina Veterinária (AVMA) como “uma relação dinâmica e mutuamente benéfica entre
pessoas e outros animais, influenciada pelos comportamentos essenciais para a saúde e o bem-
estar de ambos. Isso inclui as interações emocionais, psicológicas e físicas entre pessoas,
demais animais e ambiente” (FARACO, 2008, p. 32).
Sabe-se que há características, particularidades, semelhanças e diferenças dos seres
humanos em relação a outros animais. Estudos assinalam que, por meio da sensibilidade à
linguagem corporal humana, os animais de estimação podem captar sentimentos, expectativas
e intenções. Nesse sentido, Dukes (1996) salienta que por apresentarem o olfato bastante
apurado e a capacidade de captar frequências inaudíveis para homem, percebem também as

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alterações químicas do organismo humano, possibilitando identificar humor, saúde e estado


geral.
A boa relação do homem com outros animais deve trazer benefícios para ambos.
Concebe-se que o pet, por exemplo, deve receber afeto, proteção e cuidados no que diz
respeito a sua alimentação, moradia, lazer e condições sanitárias. Contudo, há casos em que o
ser humano, por estar despreparado, ou por questões de personalidade, pode não conseguir
cuidar adequadamente de um animal de estimação. Essas situações podem ocasionar no
animal em questão agressividade, comportamentos inadequados, dentre os quais merecem
destaque certas estereotipias e desespero (DUKES, 1996).
Os animais de estimação cada vez mais são considerados também como sujeitos na
relação que estabelecem com os seres humanos. Tal processo tem sido denominado por
Pastori (2012) como “humanização” dos animais de estimação. Isso em virtude de os mesmos
acabarem representando diversos papeis na vida dos seus donos, inclusive o de membro da
família.

2.3 Novas configurações familiares: famílias multiespécies

A família é a unidade básica do relacionamento humano, influenciada pela cultura na


qual está inserida, constituindo-se em um sistema interativo, sendo mais do que a soma de
uma série de comportamentos individuais. Cada família apresentará características próprias,
peculiares, ao mesmo tempo em que precisará se adaptar a mudanças e a novas configurações
ao longo de seu desenvolvimento (MACEDO, 2008).
Rios e Gomes (2009) referem-se às transformações nos conceitos de casamento,
família, relações de gênero, maternidade e paternidade na sociedade contemporânea, em que
os novos arranjos familiares convivem lado a lado com o modelo tradicional. As autoras
contemplam os resultados que obtiveram por meio de sua pesquisa com quatro casais
heterossexuais, os quais optaram pela não filiação, com o objetivo de refletir sobre questões
como estigma, conjugalidade e motivações que os levaram a essa escolha.
De modo geral, as pessoas que optam pela não filiação alegam deficiência biológica
ou opção de uma vida na qual os filhos não teriam espaço; entretanto, os participantes do
estudo supramencionado relataram sofrer alguma forma de pressão social ou se sentirem
estigmatizados por conta disso. A conjugalidade, na totalidade dos casais entrevistados por
Rios e Gomes (2009), possui características contemporâneas, ou seja, homens e mulheres

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estão envolvidos com o desenvolvimento profissional, dividem algumas tarefas domésticas,


ligam-se a um estilo de vida essencialmente adulto, buscam a satisfação afetiva na relação
com o outro e, no geral, o projeto compartilhado associa-se ao cuidado pelo outro (o próprio
parceiro, um familiar próximo ou amigos) ou ao aprimoramento profissional e intelectual. O
espaço compartilhado é avaliado como propiciador de crescimento para todos os envolvidos
(RIOS; GOMES, 2009).
De acordo com Maldonado (apud CANANI; FARACO, 2010, p. 6) “o que antes era
visto socialmente como destino, o casamento e a maternidade, viraram uma escolha do casal”,
possibilitando também a escolha de ter ou não filhos. Essa afirmação é corroborada pelos
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), no Censo Demográfico
do ano de 2010, quando da apresentação de um comparativo da taxa de fecundidade de 1940 a
2010: nesse último período censitário houve a menor taxa de fecundidade total da história,
chegando-se à média de 1,86 filho por mulher brasileira.
Calmon de Oliveira (apud SEGATA, 2012), sugere uma transferência do papel do
filho para o animal de estimação:
[...] devido à instabilidade dos casamentos, o número de nascimentos de crianças nas
classes médias diminuiu, aparecendo o cão como mediador entre o casal, muitas
vezes no lugar da criança. A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com
que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade
sem produzir prejuízos ou riscos (p.171-172).

Os novos arranjos sociais e familiares proporcionam um ambiente mais propício ao


surgimento desse vínculo. Para Santos (2008, p. 25), “a demografia está caindo, as famílias
são menores e estão sendo modificadas, com mais pessoas morando sozinhas”. Essas pessoas,
por sua vez, demonstram maior apego aos seus animais de estimação. Cohen (2002) acredita
que, para residentes em centros urbanos, os animais de estimação são membros do núcleo
familiar e cumprem a função de conforto e companhia para os demais familiares. Ressalva
que esses ocupam um espaço diferente dos humanos e destaca o seu funcionamento
congruente ao sistema familiar (FARACO, 2008).
O animal como membro familiar sugere a existência de uma relação interespécies e de
uma família multiespécie composta por humanos e seus animais de estimação. Os mesmos
acabam tendo diferentes funções, que vão desde serem vistos como objetos para o dono
mostrar para outras pessoas, dando certo status social, cuidadores para algumas pessoas e até
integrantes da família, tendo a mesma importância dos demais membros. Nesse sentido,

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destaca-se que, muitas vezes, “animais de estimação são vistos como tão próximos quanto „o
próprio filho‟ pelos humanos” (SANTOS, 2008, p. 23).
Archer (apud CANANI; FARACO, 2010), em estudo no qual aplicou um questionário
para verificar a possível ocorrência de relações de apego com um cachorro de estimação,
constatou que há um nível de apego elevado entre os donos e seus animais de companhia,
salientando que a maioria das pessoas entrevistadas os considerava parte importante em sua
vida, pois esta convivência era responsável por promover uma sensação de conforto. Esse
mesmo autor identificou que a morte do animal de estimação por pessoas que já haviam
perdido familiares próximos se caracterizou pela dor do luto e por níveis de sofrimento
semelhantes. Outros estudos demonstram como é forte o vínculo criado nessa interação.
Santos (2008, p. 24) acrescenta que angústias, pensamentos e sentimentos estão envolvidos no
processo de luto e acompanham a despedida de uma relação estabelecida.
Ariès (1981) mencionou processo semelhante, porém fazendo referência ao papel da
criança frente à família na sociedade medieval, em que o sentimento de infância não tinha
significado expressivo. O luto pela perda de um filho pequeno, por exemplo, era sentido tão
somente como algo a lamentar, ou seja, as crianças em idades iniciais “não contavam”. Assim
que a criança adquirisse autonomia da mãe ou de sua ama ela seria vista socialmente como
adulta e tratada dessa forma. Apenas em meados do século XVI passou a ser expresso algum
tipo de afeição pela criança, que assume seu papel como tal e ganha espaço em novos
contextos e na família.
Da maneira relativamente semelhante, a “transformação” da representação do animal
para o papel de estimação parece também alterar a sua relação com o ser humano e com a
família a que passa a pertencer. Desse modo, ao longo do tempo, essa também vem se
constituindo como uma relação que ganha novas formas e valores, gerando ainda novos
sentimentos e vínculos, o que sugere a necessidade de estudos que favoreçam a sua
compreensão, tal como o ora apresentado.

3 METODOLOGIA

3.1 Desenho da pesquisa

Esse estudo se refere a um levantamento de dados que buscou investigar o vínculo


afetivo entre homem e animal de estimação no ambiente familiar, assim como a importância

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dessa relação segundo as percepções dos humanos que a vivenciam. Variáveis


biosociodemográficas também foram consideradas, na expectativa de melhor compreender o
contexto de inserção dos participantes. Gil (2007) refere que as principais vantagens do
delineamento de levantamento são o conhecimento direto da realidade, a economia e a rapidez
na obtenção dos dados.
A pesquisa pode ser definida também como descritiva, porque especifica as
características do fenômeno estudado (SAMPIERI et al., 2006), e transversal, pois os dados
foram coletados em um momento específico da trajetória de vida dos participantes
(RICHARDSON, 2009). Adotou-se abordagem quantitativa, por meio de análise estatística
descritiva, considerando a exposição, por exemplo, da distribuição de frequências e de
porcentagens para as variáveis categóricas, bem como média e desvio-padrão para as
variáveis contínuas (SAMPIERI et al., 2006).

3.2 Participantes

A amostra foi composta por 40 (quarenta) adultos (isto é, pessoas maiores de 18 anos
de idade), de ambos os sexos, que possuíam cachorros ou gatos e que fizeram uso, na
condição de clientes, de três pet shops que comercializavam produtos e serviços destinados a
animais de pequeno porte, localizadas em uma cidade da Serra Gaúcha com aproximadamente
500 mil habitantes, durante o mês de outubro de 2014. Tal amostra se caracterizou como não
probabilística, composta por conveniência (Malhotra, 2001).

3.3 Instrumentos e procedimentos para coletas dos dados

Por se tratar de uma pesquisa de levantamento, com análise quantitativa dos dados,
foram utilizados dois questionários compostos por perguntas objetivas. A aplicação ocorreu
de forma individual, garantindo o anonimato do participante. Segundo Oppenheim (apud
ROESCH, 1999), o uso de escalas apresenta a vantagem de medir várias dimensões de uma
questão, quando essa possui um caráter complexo ou multifacetado.
A pesquisadora (primeira autora do presente artigo) abordou os clientes de cada pet
shop por um dia inteiro, informando os objetivos da pesquisa, bem como questionando se
havia interesse por parte dos sujeitos em participar da mesma. Mediante o aceite e a assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi entregue em um primeiro

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momento o questionário biosociodemográfico, elaborado especificamente para fins desse


estudo. Tal instrumento, composto por 11 questões, buscou obter a descrição do perfil dos
proprietários de animais de estimação, com base em informações tais como: dados pessoais
(sexo, idade, estado civil e escolaridade), dados da família (tempo de união conjugal, número
de pessoas que residem com o participante e renda mensal familiar), dados relativos ao animal
de estimação (espécie, quantidade, sexo, há quanto tempo possui animais, tempo que este
animal está na família e a frequência com que vai a pet shops).
Em seguida, foi aplicado o questionário Pet Attachment Survey, para caracterizar
aspectos comportamentais e emocionais do vínculo com os animais de estimação
(HOLCOMB et al., 1985). Adotou-se a versão em português do instrumento, disponibilizada
por meio do estudo de Canani e Faraco (2010). Esse questionário é composto por 27
afirmações em que o participante deverá assinalar a resposta, de acordo com a veracidade: (1)
quase sempre; (2) frequentemente; (3) algumas vezes; (4) quase nunca.

3.5 Tratamento e análise dos dados

Os dados obtidos por meio da aplicação dos instrumentos foram compilados e


tabulados em uma planilha do programa informático Statistical Package for Social Sciences
(SPSS), versão 17.0. A análise foi quantitativa, considerando estatística descritiva (a saber:
média, desvio-padrão, frequência e percentil), conforme natureza de cada uma das variáveis
constantes nos questionários respondidos pelos participantes.

3.6 Considerações Éticas

O projeto foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade da


Serra Gaúcha (FSG). A coleta de dados obedeceu a Resolução 466/2012 do Conselho
Nacional de Saúde (CNS), a qual regulamenta a pesquisa com seres humanos. As informações
coletadas foram analisadas e utilizadas na construção do estudo ora apresentado, sem causar
nenhum prejuízo, sofrimento ou constrangimento às pessoas que dele participaram. Os
participantes tiveram direito, em qualquer momento, a informações e esclarecimentos sobre a
pesquisa, bem como à possibilidade de retirarem o consentimento. À pesquisadora primeira
autora desse documento, coube o papel de informar os objetivos e as finalidades do estudo,
assegurando anonimato a todos os participantes e sua assinatura ao TCLE.

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Considera-se que os riscos potenciais da realização dessa pesquisa não foram


significativos, à medida que não houve intervenção sobre o fenômeno em questão. A coleta de
dados se restringiu à aplicação de questionários. A entrevistadora foi treinada para evitar a
emergência de riscos ou de desconfortos aos participantes durante a realização da pesquisa.
Ademais, em caso de eventuais problemas que emergissem da participação na pesquisa, seria
viabilizado atendimento aos participantes junto ao Instituto Integrado de Saúde da FSG.
Entretanto, essa medida não se fez necessária.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 Caracterização biosociodemográfica dos participantes

Dos participantes, 32 eram do sexo feminino e oito do sexo masculino, o que


corresponde a 80% e a 20% da amostra, respectivamente. No que tange à idade, verificou-se
que a maioria dos participantes (55%) tinha entre 18 e 37 anos, no momento da coleta de
dados. Os participantes com idade entre 38 e 57 anos compreenderam 35% da amostra, ao
passo que somente 10% deles tinham 58 anos ou mais.
No que se refere ao estado civil, 62,5% dos participantes eram casados3, enquanto
35% eram solteiros e 2,5% viúvos. Dos participantes casados, em 72% dos casos o tempo de
duração da união conjugal era superior a 11 anos; 20% destes tinham união estável de 1 a 5
anos e 8% de 6 a 10 anos. Em relação à configuração familiar, o número médio de pessoas
residindo junto ao entrevistado foi 2,1 (DP=1,2). Em 35% dos casos as famílias se
constituíam por três pessoas residindo junto ao entrevistado, conforme dados apresentados na
figura 1. Tal resultado coaduna com os dados do último censo, em que a densidade domiciliar
apresentou média de 3,3 moradores em 2010, em contraposição aos 3,8 constatados em 2000
(IBGE, 2011).

3
“Relação de convivência estabelecida entre duas pessoas que se unem com o objetivo comum de constituir uma
família, podendo ocorrer formalmente (por meio do casamento civil e/ou religioso) ou de maneira informal
(mediante o que se denomina juridicamente no Brasil por „união estável‟)” (SCHMIDT, 2012, p. 24).

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Nº de pessoas com que


reside
40,0% 35,0%

30,0% 22,5% 20,0%


20,0% 12,5%
7,5%
10,0% 2,5%
0,0%
0 1 2 3 4 5

Figura 1: Número de pessoas com que reside o participante


Fonte: Autoras (2014)

Identificou-se que se destacaram, como graus de escolaridade mais prevalentes entre


os participantes, o ensino superior completo (40%) e o ensino superior incompleto (40%),
seguidos por ensino médio completo (12,5%), ensino médio incompleto (2,5%), ensino
fundamental completo (2,5%) e ensino fundamental incompleto (2,5%). No que tange à renda
familiar auferida mensalmente, a maioria dos participantes (52,5%) referiu o quatro a sete
salários mínimos, seguida por oito ou mais salários mínimos (35%) e até três salários mínimos
(12,5%).
No que se refere à quantidade de animais de estimação, a média foi de 1,65 (DP=1,1)
animais por respondente, em que 70% dos participantes possuíam apenas um animal. Da
totalidade das espécies de animais de estimação, a maioria dos participantes (80%) tinha
exclusivamente cachorro(s); 7,5% possuíam cachorro e gato; 7,5% cachorro e passarinho;
2,5% cachorro, gato e tartaruga; ao passo que 2,5% apenas gato(s). Estes números associam-
se a estimativas populacionais citadas por Almeida (2009), que indicaram a existência de 27
milhões de cães (60%) e 11 milhões de gatos (40%) como animais de estimação nos
domicílios brasileiros.
Em relação ao tempo que possuíam animais de estimação, 72,5% afirmaram possui-los
há cinco anos ou mais. Considerando o fato de os animais fazerem parte de sua vida desde
criança ou “desde sempre”, tal como referiram alguns participantes, pode-se pensar que ter
um animal de estimação na infância sensibiliza para continuar a tê-lo na idade adulta. Nesse
sentido, Calçada (2011) afirma que “a posse de um animal de estimação durante a infância é
uma influência extremamente importante para a construção de uma conduta adulta favorável e
para alcançar um ótimo desenvolvimento social” (p. 27).

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Compreendem 35% os participantes que referiram levar seu animal de estimação


semanalmente a pet shop. Por outro lado, 32,5% indicaram fazê-lo esporadicamente (ou seja,
menos de uma vez ao mês), 25% quinzenalmente e 7,5% mensalmente. Com relação às
práticas de cuidado com o animal de estimação, além da presente questão constante no
questionário biosociodemográfico, há também itens concernentes à temática (como dedicação
diária ao treinamento de seu animal e aos cuidados com a aparência dele) no Pet Attachment
Survey, o qual será apresentado adiante no texto.

4.2 Caracterização das percepções dos participantes sobre o vínculo afetivo com os
animais de estimação

Ao serem questionados se consideram o animal um membro da família, 80% dos


participantes afirmaram que sim. No mesmo sentido, metade da amostra (50%) respondeu
que, dentre os membros da família, o animal de estimação é quem mais gosta do respondente.
De acordo com Heiden e Santos (2009), algumas pessoas estabelecem um vínculo muito
próximo com seu animal de estimação. Ao citar Grandin e Johnson (2006), os autores referem
que os animais parecem amar de forma desinteressada e não são ambivalentes, ou seja, não
costumam demonstrar duas emoções ao mesmo tempo, transmitindo segurança ao seu dono.
Num momento em que a psicologia, a sociologia e a política tiraram a
espontaneidade das relações humanas, a simplicidade de nossa afeição pelos bichos
de estimação é um modelo para os momentos simples e íntimos que realmente nos
sustentam. Sem esses laços que nos unem – os vínculos de amor, amizade,
responsabilidade e dependência – pouco a pouco começamos a definhar. São nossos
vínculos que nos mantêm saudáveis (BECKER; MORTON apud HEIDEN;
SANTOS, 2009, p. 491).

Valores expressivos foram percebidos no que se refere à proximidade física com o


animal de estimação: 82,5% gostam de tocar e acariciar o animal; 67,5% brincam quando ele
se aproxima; 60% quase sempre gostam quando o animal se mantém por perto em atividades
como a leitura, estudos ou assistir TV; 57,5% afirmaram ainda que quase sempre o animal o
segue para ficar mais próximo, 55% gostam quando o animal dorme perto de sua cama e
32,5% quando dorme em cima de sua cama.
Calçada (2011) analisou uma pesquisa realizada em diversos países que questionou se
os respondentes trocariam a companhia do parceiro afetivo pelo animal de estimação no Dia

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dos Namorados. No que tange aos resultados desse estudo, apesar de o número de
participantes que afirmou que trocaria a companhia ser menor em comparação ao número que
referiu que não trocaria, a autora questionou se o carinho e a atenção do pet poderiam
substituir o afeto vindo de um relacionamento com outra pessoa. Em seu ponto de vista,
controlar o animal de estimação é mais fácil e confortável, vez que ele não discute e
possivelmente não trocará seu dono por outro, “mas isso basta?”4 (p. 25).
Ao questionar se o animal de estimação recebe o participante quando esse retorna ao
domicílio familiar, 87,5% informaram que quase sempre. Ademais, 62,5% dos respondentes
cumprimentam primeiramente o pet nessas situações, antes mesmo de se aproximar de
qualquer outro membro da família. Com relação ao animal de estimação prestar atenção e
obedecer rapidamente, 50% afirmou que quase sempre e apenas um (2,5%) assinalou que
quase nunca.
Dos 40 participantes, 77,5% referiram falar com seu animal de estimação, 52,5%
afirmaram quase sempre mostrar fotos do animal de estimação para amigos e 40%
mencionaram fazer confidências ao pet. Chama a atenção que de oito respondentes do sexo
masculino, seis (75%) foram os que assinalaram quase nunca trocar confidências, ao passo
que das trinta e duas mulheres foram apenas sete participantes (21%) que pontuaram nunca
trocar confidências. Para Prato-Previde et. al. (2006), as mulheres se utilizam da linguagem
como ferramenta relacional, apresentando maior interação verbal também com os animais de
estimação. Sendo assim, essa diferença encontrada entre pessoas do sexo masculino e
feminino no estudo ora apresentado parece encontrar amparo na literatura sobre a temática.
No tocante aos sentimentos despertados nessa relação, 45% dos respondentes se
sentem tristes quando separados ou distantes fisicamente de seu animal de estimação. Do
mesmo modo, 40% procura o animal para se sentir melhor nas ocasiões em que se encontram
abatidos. Esse resultado parece coadunar com o fato de 57,5% dos participantes acreditarem
que o animal de estimação é sensível as suas variações emocionais.
Com base nesses resultados, é possível refletir que estabelecer uma relação
interpessoal atualmente não se constitui em tarefa fácil, uma vez que requer investimento e
compreensão mútua das partes envolvidas, podendo gerar benefícios, mas também dor e
sofrimento. Tais sofrimentos podem ser causados por várias circunstâncias, como os términos
dos relacionamentos, a rejeição, a traição e, ainda, a dor ou a ansiedade frente à mudança, ou
seja, frente ao desenvolvimento e às transformações associadas a um relacionamento

4
Esse questionamento será retomado posteriormente no presente estudo.

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interpessoal. Para Calçada (2011), o medo do envolvimento e a ameaça do abandono são um


dos motivos para se preferir passar o Dia dos Namorados sozinho, retomando o
questionamento contemplado em sua pesquisa e apresentado anteriormente no presente
estudo. Assim, ressalta-se que esse desejo deve ser uma exceção, pois defender-se do amor
pode gerar prejuízos à percepção subjetiva de bem-estar e de felicidade (CALÇADA, 2011).
Com base nos resultados obtidos com a aplicação do Pet Attachment Survey, obteve-se
ainda que, apesar da vinculação, não há exclusividade de atenção para o animal de estimação.
Nesse sentido, 55% dos respondentes se dedicavam apenas esporadicamente aos cuidados
com a aparência de seu pet e 47,5% quase nunca se dedicavam diariamente ao treinamento do
animal. De certo modo, esse comportamento pode ser considerado saudável, uma vez que o
animal de estimação não ocupa todo o tempo da rotina de seu proprietário. Assim, essa
relação se constitui em uma das dimensões da vida, mas não a única. Esses dados voltam a se
confirmar quando 50% dos participantes se consideram muito ocupados para passar tempo
com seu animal de estimação.
No que se refere a sentimentos negativos, nenhum dos participantes considera o
animal de estimação um incômodo ou um aborrecimento; 92,5% não ignoram o pet quando
ele se aproxima e 75% quase nunca batem no animal quando esse se comporta mal. Quanto às
configurações familiares multiespécie, Faraco (2008) cita Bowen (1978), sugerindo a
existência de um sistema familiar emocional que pode ser integrado por membros da família
estendida, por pessoas sem grau de parentesco e pelos animais de estimação, trazendo como
exemplo a pesquisa de Beck e Katcher (1996), a qual identificou que:
[...] mais de 70% das pessoas que convivem em lares norte-americanos com animais
acreditam que a família pode ser constituída por animais de outra espécie. Salientam
que estes possam até mesmo ser mais significativos do que membros humanos da
família (p. 38).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo investigou o vínculo afetivo entre homem e animal de estimação no


ambiente familiar, assim como a importância dessa relação segundo as percepções dos
humanos que a vivenciam. Ademais, com a intenção de melhor compreender o contexto de
inserção dos participantes, foram consideradas também variáveis biosociodemográficas. Para
tanto, baseou-se em dados empíricos, os quais passaram por análise estatística descritiva e
foram discutidos com base na literatura referente à temática em questão.

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Diferentes autores pontuam que os animais de estimação ganham cada vez mais
espaço e importância nas famílias contemporaneamente. Nesse sentido, indicativos apontam
para o fortalecimento de uma relação em que o animal se torna um membro familiar
(FARACO, 2008). Os resultados obtidos por meio da pesquisa ora apresentada corroboram
achados de estudos anteriores, uma vez que 80% dos participantes afirmaram que consideram
o animal de estimação como um membro de sua família.
Dotti (2005) menciona a relevância de pesquisas a fim de mensurar os níveis de
vinculação entre casais sem filhos e seus animais de estimação, possibilitando uma descrição
das mudanças percebidas no mundo contemporâneo. Porém, nesse estudo não prevaleceu a
contextualização específica de casais que não possuam filhos, uma vez que na
contemporaneidade não é possível afirmar que exista um modelo dominante ou padronizado
de família. Dessa forma, torna-se importante refletir acerca do que pontuam Rios e Gomes
(2009) quanto aos novos arranjos familiares e a constituição da conjugalidade, independente
de gênero, em que pode ou não existir a parentalidade.
Segundo Faraco (2008), pesquisadores que também analisam a família multiespécie
assinalam a importância de revisar o conceito de família, uma vez que os animais demonstram
a capacidade de vivenciar emoções, de perceber e de sentir, assim como os humanos.
Considera-se importante salientar que os respondentes, de forma geral, aceitaram prontamente
e de modo bastante entusiasmado participar da presente pesquisa. Constatou-se que os
participantes se demonstraram motivados a poder expressar seu vínculo afetivo na relação
com o animal de estimação. Não houve qualquer contraponto ou questionamento negativo no
momento da coleta de dados, ou mesmo após a aplicação dos questionários.
Nesta pesquisa foi possível perceber que os animais ofertam amor e companhia sem as
mesmas exigências dos seres humanos, aceitam sem julgar; despertando características como
instinto e lealdade. Diferentes autores já apontaram para os benefícios desta relação, que vão
desde a saúde física à mental e emocional, conforme descrito anteriormente (ALMEIDA et
al., 2009; SANTOS, 2008; CAETANO, 2010; HEIDEN; SANTOS, 2009).
No atinente às limitações do presente estudo, ressalta-se dificuldade para obtenção de
produções científicas brasileiras, pois há escassez de publicações – notadamente na área da
psicologia – concernentes à família e as suas relações com os animais de estimação.
Constatou-se, por exemplo, maior quantidade de publicações em periódicos da medicina
veterinária, da antropologia e da sociologia, abordando os efeitos que o convívio com o

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animal traz, a interação multiespécie, a vinculação, a constituição familiar, dentre outros


temas afins.
Ademais, pondera-se como outra limitação a relativa similaridade dos participantes no
que diz respeito a aspectos biosociodemográficos. Nesse sentido, salienta-se que levar seus
animais de estimação a pet shops já indica disponibilidade de recursos financeiros para esses
serviços, os quais a princípio não se caracterizam como necessidades básicas das famílias.
Adicionalmente, o simples fato de se disponibilizarem a realizar esse tipo de cuidado se
associa a um bom vínculo com o animal, em face ao investimento de tempo (levar e buscar o
animal na pet shop), financeiro (custear o serviço) e emocional, considerando o desejo de
manter o bem-estar e a boa aparência física, bem como a saúde do pet.
Por ser um assunto cada vez mais presente na atualidade, sugere-se que novas
pesquisas sobre o tema sejam feitas, a fim de mensurar a vinculação entre humanos e animais
de estimação, o que pode se constituir em uma relação familiar em que não há laços
consanguíneos, mas sim, emocionais e de afetividade, considerando a crescente inserção do
animal de estimação neste contexto social. Ao ponderarmos os resultados do questionário Pet
Attachment Survey, obtiveram-se resultados congruentes com a dimensão afetiva
anteriormente abordada, uma vez que 80% dos respondentes afirmaram considerar o animal
de estimação um membro familiar.

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