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Formação de

Mediadores de Educação
para Patrimônio

É pau,
é pedra...
o patrimônio natural
Cristina Rodrigues Holanda
Lana Luiza M.F. Sales
SUMÁRIO
1. Apresentação.............................................................................. 35
2. Introdução................................................................................... 36
3. Geodiversidade........................................................................... 37
4. Paleontologia versus Arqueologia.............................................. 40
5. Processos de fossilização........................................................... 41
6. Legislação sobre patrimônio natural e paleontológico............ 42
7. Paleoturismo no Brasil................................................................ 45
8. Divulgação e popularização da Paleontologia.......................... 46

Referências bibliográficas................................................. 47
1.
APRESENTAÇÃO
É o pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba no campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o matita-pereira [...]
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração [...]
(“Águas de Março”, de Tom Jobim)

ocê conhece essa canção nar sobre este assunto tão fascinante. Só
de Tom Jobim? Acima quem conhece a sua importância pode
selecionamos alguns tre- sensibilizar e mobilizar os outros para sua
chos dela. Busque-a na preservação e valorização.
internet e ouça-a na ínte- Nesse sentido, serão abordados concei-
gra, lendo com atenção a tos que tratam da Geodiversidade, como
sua letra. Observe que em também da Paleontologia. No Brasil, os
alguns momentos ela faz assuntos relativos à geodiversidade estão
menção aos elementos sempre em pauta, embora os temas pale-
da natureza e em outros ontológicos costumam ser pouco divulga-
à presença humana e suas criações. Con- dos, com exceção daqueles voltados para a
seguiu perceber? Mas, afinal, o que essa história dos dinossauros. Mas outros orga-
“mistura poética” pode nos dizer acerca do nismos fossilizados (como moluscos, plan-
patrimônio natural, tema de nosso módulo? tas, insetos e animais, incluindo a espécie
Sim, neste fascículo, noções sobre o humana) também podem ser exemplares
patrimônio natural. São caminhos para importantes acerca do registro da vida pre-
quem deseja entender, aprender e ensi- térita na superfície terrestre.

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 35


2.
O PATRIMÔNIO
NATURAL
patrimônio natural é com-
-posto de diferentes ele-
mentos que interagem
constantemente entre si,
na superfície e em cama-
das subterrâneas da Terra,
promovendo transforma-
ções no planeta, como as
reservas minerais, os rele-
vos, a hidrografia, a fauna,
a flora, o clima. Tudo isso resulta numa confi-
guração maior, que é a paisagem.
Os limites entre a paisagem natural e a
paisagem cultural (entendida como resul-
tante da intervenção humana) tornam-se
cada dia menos evidentes. Paisagens tidas
como produto exclusivo da natureza, após
estudos acurados, envolvendo diferentes
áreas do conhecimento, revelaram-se con-
Ações antrópicas sequências de ações antrópicas.
são as modificações Quem não tem histórias que envolvam
realizadas pelo o patrimônio natural? Desprezar esse pa-
homem no planeta
Terra. Elas sempre
trimônio é, além de uma agressão à nossa
aconteceram, desde os memória (individual e coletiva), um proble-
tempos mais remotos ma ambiental que pode afetar seriamente a
da existência humana, qualidade de toda a vida terrestre. Preser-
até a atualidade. var o patrimônio natural, cujos recursos são
limitados, é defender quem somos e para
onde queremos ir num futuro próximo, seja
como indivíduos ou como espécie animal.

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3.
GEODIVERSIDADE
O termo geodiversida-
de começou a ser utiliza-
do na década de 1990 e
se refere à “variedade na-
tural de aspectos geoló-
gicos e geomorfológicos,
incluindo suas coleções,
relações, propriedades,
interpretações e siste-
mas” (GRAY, 2004, p.434).
O conceito de patrimônio geológico, que
Sítios Geológicos é representado pelo conjunto de sítios ge-
(geossítios) ológicos ou geossítios, está estreitamente
lugar de particular relacionado com a geodiversidade. Contu-
interesse para o do, não são sinônimos. A geodiversidade,
estudo da Geologia,
sob o ponto de vista
de forma simples, consiste em toda a varie- SE
científico, didático
ou turístico, seja pela
dade de minerais, rochas, fósseis e paisa-
gens do planeta Terra.
LIGA!
singularidade de suas A geoconservação envolve todas as
formações geológicas, ações empreendidas no sentido de pre-
da natureza mineral
servar a geodiversidade. Um marco nesse
do subsolo ou por seu A palavra grega “geo” significa
movimento foi o I Simpósio Internacional so-
valor paleontológico. Terra. Nesse sentido, a Geologia
bre a Proteção do Patrimônio Geológico, na
é a área do conhecimento
França (1991). No final, foi aprovada a Carta
que estuda a crosta terrestre
de Digne - Declaração Internacional dos Di-
(camada mais externa da Terra,
reitos à Memória da Terra.
de 5 a 70 km de espessura) e as
matérias que a compõe (minerais,
rochas e fósseis). Por outro lado,
PARA OS a Geografia estuda as características
físicas e os fenômenos da Terra, na
CURIOSOS sua interação com as sociedades
humanas. Já a Geomorfologia é um
ramo da Geografia que se dedica
Confira a íntegra especificamente às formas de relevo
da Carta de Digne em: da superfície terrestre.
www.progeo.pt/pdfs/direitos.pdf

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A partir deste simpósio, começaram a dos a reavaliar seu patrimônio e participar
se desenvolver trabalhos sobre o patrimô- ativamente da revitalização da área.
nio geológico, especialmente na Europa, De acordo com a Unesco, até hoje estão
enfocando o inventário da geodiversidade registrados 127 geoparques mundiais em
para a sua conservação e aplicação no tu- funcionamento, em 41 países. Nesta lista, o
rismo. Entre essas iniciativas, encontra-se Brasil conta apenas com o  Geopark Arari-
a organização, no Brasil, da ProGEO, uma pe, no Cariri cearense, mas há várias inicia-
empresa brasileira focada na execução de tivas em andamento para reconhecer novos
Geoturismo serviços especiais de geologia, engenharia geoparques no território nacional, como os
é um serviço de
atendimento aos
geotécnica e recuperação de estruturas, Campos Gerais (Paraná) e Bodoquena-Pan-
turistas para a cuja máxima é: “O único registro da histó- tanal, Núcleo Nioaque (Mato Grosso do Sul).
compreensão e ria de nosso planeta está nas rochas que O Geopark Araripe foi certificado e inte-
valorização da repousam sob nossos pés. Rochas e pai- grado à Rede Global de Geoparques em
Geologia e da sagens são a memória da Terra”. 2006, por uma iniciativa da Universidade
Geomorfologia de
Merece destaque também o Programa Regional do Cariri (Urca), por meio da Se-
um sítio, além da sua
beleza estética. Sua Geoparks da Unesco (Organização das cretaria de Ciência, Tecnologia e Educação
proposta é agregar Nações Unidas para Educação, Ciência e Superior do Ceará, com o apoio das várias
o conhecimento Cultura). Geopark ou Geoparque é uma área instituições regionais e prefeituras munici-
científico à visitação com um único ou vários patrimônios geoló- pais. Este esforço visava desenvolver pro-
turística, com uma gicos que tenham uma estratégia de desen- gramas de educação e de valorização da
abordagem cultural, de
conservação e busca
volvimento. Deve ter limites bem definidos Geologia e Paleontologia.
de benefícios para as e ser grande o suficiente para o desenvolvi- O Museu de Paleontologia em Santa-
populações locais, mento econômico sustentável, por meio do na do Cariri, pertencente à Urca, passou a
com sustentabilidade. Geoturismo, para o benefício de visitantes ser um dos centros das ações do Geopark,
e de pessoas que vivem dentro do parque. com diversas atividades voltadas às comuni-
Os moradores locais devem ser encoraja- dades, como oficinas de réplicas de fósseis,

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artesanato e biojoias, encenações teatrali-
zadas, cursos básicos de formação de guias
turísticos e treinamento de crianças para se PARA OS
tornarem guias-mirins (Projeto Geokids). O CURIOSOS
Programa Geopark nas Escolas procurou
ainda difundir o conhecimento geopaleon-
tológico e biótico da região, para embasar
o turismo científico (NOGUEIRA et al., 2004).
O Geopark Araripe tem sido presente
em feiras de turismo nacionais e regionais,
levando jogos e brincadeiras paleontoló-
gicas para o grande público. Propôs ainda
outros veículos de divulgação paleontológi-
ca, como livros e cartilhas paradidáticas. O
mais antigo é Viagem ao Cretáceo (1999), de
autoria de Francisco Cunha e Willian Brito
(1999), com ilustrações de Luís Karimai. De-
pois surgiu o livro infantil de Socorro Acioli,
Peixinho de Pedra (2006), ilustrado por Ro-
naldo Almeida, que ganhou em 2007 o selo
de altamente recomendável pela Fundação
Nacional de Literatura Infantojuvenil, expli-
cando o significado e o valor dos peixes fós-
O Peixinho de Pedra (EDR), de Socorro Acioli
seis do Araripe. Posteriormente, veio à lume
a cartilha Descobrindo os Tesouros do Cariri
(2010), de Lana Luiza Maia e Alexandre Sa-
les, com ilustrações de Diana Medina.

PARA OS
CURIOSOS

Para saber mais sobre Geociências e


Geoparques, acesse: www.unesco.org/new/
pt/brasilia/natural-sciences/environment/
earth-sciences-and-geoparks/
Descobrindo os Tesouros do Cariri,
de Lana Luiza Maia

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4.
PALEONTOLOGIA
SE
LIGA!

VERSUS A palavra fóssil é derivada do latim


ARQUEOLOGIA fossilis, que significa “extraído da
terra”. Os fósseis são restos de
evido à grande confusão animais (ossos, dentes etc.) ou
que existe em muitos tex- plantas (folhas, troncos, sementes
tos, inclusive títulos de re- etc.) ou ainda manifestações
portagens que lemos em das atividades desses antigos
jornais e revistas, se faz seres vivos, como excrementos
necessário explicarmos a (coprólitos), pegadas, dentadas,
diferença entre a Arqueo- formação de túneis ou galerias
logia e a Paleontologia. de habitação. Encontrar um fóssil
Embora possuam al- inteiro não é fácil. Acontece em
-guns métodos de es- casos excepcionais. Normalmente
cavação, coleta e datação parecidos, a Ar- são encontrados em rochas
queologia e a Paleontologia são áreas do sedimentares ou, com raríssimas
conhecimento completamente distintas. A exceções, em cinzas vulcânicas
Rochas
Arqueologia vem das palavras gregas arkhé e rochas metamórficas. Prestam-
sedimentares:
(antigo) e  logos (estudo). É  classificada, ge- se ao estudo da vida no planeta
formadas por meio
nericamente, como uma ciência humana ou Terra no passado. Importante:
da deposição,
social, pois seu objetivo principal é o estudo somente os restos ou vestígios de
e consequente
do homem, especialmente em sociedades organismos com mais de 13 mil
cimentação ou
antigas, a partir da coleta e da análise dos anos são considerados fósseis.
consolidação
vestígios materiais produzidos pela ação hu-
de fragmentos
mana, como artefatos e construções.
provenientes
A palavra Paleontologia vem da união de
de material
termos gregos palaios (antigo), ontos (ser) e
mineral ou material
logos (estudo). Pode ser traduzida como “o
orgânico.
estudo dos seres antigos”, ou melhor, a ci-
ência que se dedica à pesquisa dos fósseis
de seres pré-históricos. Porém, a Paleonto-
Rochas logia em si é muito mais abrangente do que
metamórficas: o limitado estudo dos seres. Ela possui sub-
formadas a partir divisões que a tornam uma ciência interme-
da transformação diária entre a Geologia, a Biologia e outras.
de rochas originais, Entre as suas subdivisões estão o estudo
chamadas do clima, da ecologia e do comportamento
de protólitos. dos seres e do ambiente antigo.
Você já viu um fóssil de perto ou
apenas em ilustrações?

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5.

ILUSTRAÇÃO KARLSON GRACIE


PROCESSOS
DE FOSSILIZAÇÃO 1. Os organismos
morrem e acomodam-se
Ao examinarmos uma peça no fundo de um rio, lago,
fossilizada é necessário pântano, mar ou oceano.
verificar se estamos diante
de um organismo inteiro ou
parte dele. A fossilização re-
sulta da ação combinada de 2. As partes moles
processos físicos, químicos desses organismos
e biológicos. Para que ela são degradadas
ocorra, ou seja, para que a (apodrecem) e suas
decomposição do ser que partes mais duras
são recobertas por
morreu seja interrompida e haja a sua preser-
sedimentos.
vação, são necessárias algumas condições fa-
voráveis, como (1) um rápido soterramento
do ser e (2) a ausência de ação bacteriana
3. O rio, lago, pântano,
no meio, que decompõe os tecidos etc. mar ou oceano sofre um
A seguir, vamos sintetizar um proces- processo de secagem
so simplificado de fossilização, com ao longo dos anos.
ilustrações. Enquanto isso, os
A natureza pode agir como uma criança sedimentos depositados
vão se acomodando e
com massa de modelar nas mãos, deixan- formando um molde
do marcado nas rochas a forma externa de dos organismos.
uma concha. Desse modo, ficamos apenas
com o molde externo e/ou interno. Se a
natureza for ainda mais caprichosa,
depois de ter deixado um espaço, ela 4. Após um tempo,
no fundo do rio, lago,
deposita outro mineral, fazendo o pântano, mar ou oceano,
que denominamos de contramolde. ocorre uma compactação
dos sedimentos,
preservando as
estruturas que restaram dos organismos, transformando os sedimentos
em rocha e fazendo com que estas estruturas se fossilizem (petrifiquem)
com o passar dos séculos (milhares ou milhões de anos).
5. Depois de fossilizados, os organismos ficam incorporados à rocha.
Quando a rocha começa a se degradar ou sofre erosão, ela expõe os
restos fossilizados dos organismos nela preservados.

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6.
LEGISLAÇÃO
Somente a partir de meados dos anos
1960, com a divulgação de dados relativos
ao aquecimento global do planeta e da ocor-
rência de catástrofes ambientais, é que a
sociedade civil, em diversos países, como o

SOBRE Brasil, começou a construir uma consciência


ambiental e a pressionar seus respectivos
PATRIMÔNIO governos a adotarem uma legislação mais
ampla, transversal e efetiva sobre o tema.
NATURAL E Um marco dessa fase é a Primeira Confe-
rência das Nações Unidas sobre o Meio Am-
PALEONTOLÓGICO biente, da ONU (Organização das Nações Uni-
das), na Suécia, em 1972, aprovando ao final
NO BRASIL a Declaração Universal do Meio Ambiente.
or conta da ênfase dada ao di- Em nossa sociedade, é a partir da déca-
reito de propriedade no Bra- da de 1980 que a legislação começou a se
sil, desde o período colonial, preocupar com o meio ambiente de uma
não existia efetivamente uma forma global e integrada, especialmente
preocupação com o meio após a promulgação da Constituição Fede-
ambiente. A metrópole portu- ral de 1988. Entretanto, como vemos atual-
guesa e depois a jovem nação mente nos meios de comunicação, a luta
brasileira buscaram apenas pela proteção do meio ambiente foi sem-
normatizar a exploração da- pre uma arena de conflitos, envolvendo
queles recursos naturais que muito atores e interesses, nem
pudessem gerar impactos econômicos sempre convergentes, tanto
para a sociedade. em âmbito nacional como in-
Com a ascensão do regime republicano, ternacional, que fazem com
começaram a ser gestadas políticas relativas que diretrizes e legislações
a cada um dos tipos de recursos ambientais, ora avancem mais e ora re-
de forma setorial, por meio de órgãos como cuem drasticamente.
o Departamento Nacional de Águas e Ener-
gia Elétrica (DNAEE), o Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF), o Departa-
mento Nacional de Produção Mineral (DNPM),
a Superintendência do Desenvolvimento da
Pesca (Sudepe) e o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Cada um desses órgãos federais passou
a desempenhar suas atribuições no territó-
rio nacional, independentemente da atua-
ção dos demais, o que os conduziu muitas
vezes a ações desconectadas e conflitantes.

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Já a construção da ideia de patrimônio co e do caráter inviolável do patrimô-
natural em nosso país ocorre com a Cons- nio natural foi consagrada não apenas no
tituição de 1934, que já afirmava ser dever Brasil, mas internacionalmente, por meio
do Estado proteger as belezas naturais e de documentos como a Convenção para
os monumentos de valor histórico ou a Proteção do Patrimônio Cultural e
artístico. Com a Constituição de 1937, sob Natural, organizada pela Unesco, em Pa-
os auspícios do Estado Novo varguista, foi ris, no ano de 1972.
cunhada, pela primeira vez, a expressão O problema dessa definição é que ela
monumento natural, substituindo o ter- criou uma separação entre a cultura e a
mo “belezas naturais”. natureza, que perdurou por alguns anos
Após a publicação do Decreto Lei nº no mundo ocidental. Somente em 1992,
25/1937, foram alçados à condição de pa- durante sua 16ª Assembleia Geral, é que a
trimônio nacional os monumentos na- Unesco tentou resolver esta contradição,
turais, sítios e paisagens por sua “feição instituindo a noção de paisagem cultural
notável com que tenham sido dotados pela e definindo-a como o resultado da obra
natureza ou agenciados pela indústria hu- combinada da natureza e do homem.
mana”. Ficaram sujeitos à proteção por No Brasil, a Constituição de 1988, em
meio do tombamento, que seria inscrito seus artigos 215 e 216, consolidou a noção
no Livro de Tombo Arqueológico, Etno- de patrimônio cultural, possibilitando a
gráfico e Paisagístico. salvaguarda de sítios de valor paisagísti-
Apesar de mencionar a “mão humana”, co, arqueológico, paleontológico, eco-
a partir de então o patrimônio natural lógico e científico. Por um lado, se ainda
foi interpretado pelos órgãos de preserva- manteve a valorização do apelo estético
ção como expressão de grandiosidade advindo do termo monumento natural,
e beleza da natureza, pressupondo uma por outro trouxe o reconhecimento de no-
ideia de intocabilidade, ou seja, de tes- vos aspectos até então não invocados – o
temunhos poupados da interven- ecológico, o paleontológico – valorizan-
ção do homem. Essa perspecti- do as relações estabelecidas na dinâmica
va de monumentalidade, da de transformação incessante da natureza.
exaltação do valor estéti- Além de avançar no debate conceitual so-
bre o patrimônio natural, abriu espaço para
outros instrumentos de sua preservação,
além do tombamento. É o caso da criação
da Chancela da Paisagem Cultural, pela
Portaria Iphan nº 127/2009, que admite as
interações do homem com o meio natural,
num dado território.
Com relação especificamente ao pa-
trimônio paleontológico, que integra o
nosso patrimônio natural, a legislação na-
cional criou vários dispositivos, desde 1942,
como o Decreto-Lei nº 4.146, que dispõe so-

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bre a proteção dos depósitos fossilíferos. riais por pessoa natural ou jurídica estran-
Essa lei já considerava os depósitos fossilí- geira, ao controle do Ministério das Ciências
feros como propriedades da nação e, assim, e Tecnologia, que deveria autorizar, super-
a extração de espécimes fósseis dependeria visionar e analisar os resultados dos traba-
de autorização do Estado. Durante muito lhos de coleta. O artigo 13, alínea V nos indi-
tempo, este Decreto-Lei foi distribuído pelo ca que: “sem prejuízo da responsabilidade
Departamento Nacional de Produção civil e penal, as infrações às normas deste
Mineral (DNPM), com a recomendação de decreto poderão importar, segundo a gravi-
que todo o particular, sem licença expres- dade do fato: (...) a apreensão e a perda do
sa, que estivesse explorando um depósito equipamento utilizado nos trabalhos, bem
de fósseis, estaria sujeito à prisão, como assim do material coletado”.
espoliador do patrimônio científico nacio- Um dos artigos da Lei nº 8.176/1991
nal. Por conseguinte, o Código Penal Bra- define como crime, na modalidade de
sileiro passou a aplicar penas no caso de usurpação, a exploração de matéria-prima
comercialização de fósseis. pertencente à União, sem autorização legal
A remessa de qualquer fóssil por com- ou em desacordo com as obrigações im-
pra ilegal de museus, universidades e cole- postas pelo título autorizado. O fóssil, como
cionadores particulares foi condenada pela bem da União, e sem a autorização legal do
Conferência de Paris, organizada pela DNPM, não pode ser explorado por par-
Unesco, em 1970. Foi nessa perspectiva ticulares, não sendo, por conseguinte, um
que o Brasil estabeleceu o Decreto-Lei n° bem negociável. Assim, todos os que fazem
72.312/1973. A seguir, a Lei nº 7.347/1985 a retirada dos fósseis ou que os adquirem,
passou a responsabilizar os agentes sociais transportam ou comercializam, incorrem
causadores de danos ao meio ambiente, em crime contra a ordem econômica.
incluindo os jazigos com fósseis. A Socie- Através do Serviço Geológico Brasilei-
dade Brasileira de Geologia e a Socieda- ro (CPRM) e do Departamento Nacional da
de Brasileira de Paleontologia poderiam Produção Mineral (DNPM), o Governo Fede-
propor uma ação civil, visando a proteção ral criou, em 1997, a Comissão Brasileira
dos sítios fossilíferos. de Sítios Geológicos e Paleobiológicos,
Embora os fósseis já fossem conside- que tem como objetivo maior a proteção
rados bens da União pelo Decreto Lei n° desses sítios. Porém, apenas proteger da
4.146/42, os artigos 20 a 23 da atual Cons- degradação não é suficiente para que se
tituição Brasileira (1988) consolidaram o obtenha sua verdadeira valorização. Um
Estado Brasileiro como um dos entes na sua patrimônio geológico ou paleontológico só
defesa, como também enquadraram os fós- será devidamente valorizado mediante
seis, em seu artigo 216, na categoria de pa- o equilíbrio de ações voltadas à inves-
trimônio cultural brasileiro, como vimos. tigação científica e à divulgação do co-
O Decreto nº 98.830/1990 sujeitou as nhecimento para o grande público, que
atividades de campo para coleta de mate- não se restrinja aos cientistas.

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7.
PALEOTURISMO
NO BRASIL
Brasil pode ser conside-
rado um país de razo-
ável patrimônio fóssil, SE
levando-se em conta que
apresenta grandes bacias
LIGA!
sedimentares, de grande
espessura, com espécies
significativas para a Pale- Existe na sua cidade ou estado algum
ontologia, como o Stauri- Paleoparque, Geoparque ou Museu
kosaurus pricei, dinossau- de Paleontologia? Caso positivo,
ro que viveu no período você já foi visitá-los? Quais os tipos
Triássico, há 220 milhões de anos, descoberto de fósseis que eles possuem?
nas vizinhanças de Santa Maria (RS). Que atividades desenvolvem
Viana e Carvalho (2019) realizaram um le- para despertar o interesse dos
vantamento de museus, parques e acervos visitantes pela Paleontologia?
com clara função de divulgação científica
da Paleontologia no Brasil. Com relação aos
museus, mapearam 35 na Região Sul; 34 no
Sudeste; 29 no Nordeste; 4 no Norte; e 3 no
Centro-Oeste. No caso de coleções em Insti-
tuições de Ensino Superior (IES), identifica-
ram 9. Mapearam ainda o Instituto Virtual de
Paleontologia do Estado do Rio de Janeiro,
vinculado à Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj), no endereço: www.ivprj.com .
Indicaram ainda a existência de seis pa-
leoparques: Geopark Araripe (CE); Sítio Ar-
queológico do Lajedo de Soledade (RN); Vale
dos Dinossauros, em Souza (PB); Geopark
Bodoquena- MS (sem o selo Unesco); Parque
Paleontológico de São José do Itaboraí (RJ) e
o Jardim Paleobotânico de Mata (RS).
Os incentivos do governo federal pode-
riam estimular a criação de Centros de Turis-
mo Paleontológico perto de museus e áreas
de escavação em sítios fossilíferos, respei-
tando as condições de preservação destes
locais, além de reservar fundos para o desen-
volvimento desta ciência. Caso isso aconte-
cesse, a Paleontologia brasileira não necessi-
taria depender apenas de verbas oficiais.

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8.
DIVULGAÇÃO
E POPULARIZAÇÃO
DA PALEONTOLOGIA
divulgação da Paleontologia É necessário oferecer ainda mais opor-
no Brasil ainda está muito tunidades de aprendizado da Paleontologia
vinculada aos museus e, so- ao público, seja por meio de vídeos, jogos,
bretudo, às universidades, oficinas e/ou visitas orientadas aos museus,
nas quais se desenvolvem sítios e coleções. Mas para que essas ativida-
pesquisas apresentadas em des venham a ser mais numerosas, efetivas
encontros científicos e publi- e eficientes, é preciso formar recursos hu-
cadas em revistas da área. manos comprometidos com a valorização
Existem ainda muitas dificul- do patrimônio natural brasileiro, o co-
dades no ensino desses co- nhecimento de técnicas de comunicação e
nhecimentos nas escolas, como a escassez de da pedagogia infantojuvenil. Só assim será
material didático e paradidático; a deficiência possível oferecer atividades lúdicas e cien-
na formação dos alunos e professores; e o tificamente corretas, que conduzam a um
distanciamento entre as universidades e a so- futuro promissor no desenvolvimento da Pa-
ciedade. Não existem indícios de uma prática leontologia e de outras ciências correlatas.
continuada ou bem estabelecida no ensino
fundamental e médio, pois esta ciência ainda
não recebe a devida importância, apesar do
grande interesse do público infantojuvenil, es- PARA OS
pecialmente por dinossauros.
Contudo, procurando, existem alguns
CURIOSOS
livros no mercado brasileiro com tramas
narrativas encantadoras e bem urdidas,
numa linguagem simples e fluente, além de
Que tal passear em bibliotecas,
bem ilustrados. Podem ser trabalhados em
feiras, livrarias, sebos físicos ou
sala de aula, com muito proveito na apren-
virtuais à procura de livros, filmes,
dizagem, as obras Na Era dos Dinossauros
jogos ou brinquedos que tenham
(1994), de Joanna Cole, com ilustrações de
a Paleontologia em seus títulos?
Bruce Degen; As Aulas do Professor Dinos-
Que atividades você poderia
saurius (2002), de Valerie Wilding, com de-
desenvolver com seus amigos
senhos de Kelly Waldek; e Os Dinossauros,
ou sua família sobre o tema?
de Philip Ardagh (2009), com ilustrações de
Mike Gordon. Sobre os fósseis brasileiros,
temos 3 obras: Manual da Pré-História do
Horácio, Dinossauros do Brasil e Dinos do
Brasil, com excelente design gráfico.

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REFERÊNCIAS AUTORAS
BIBLIOGRÁFICAS Cristina Rodrigues Holanda é
licenciada em História e mestre em
Acioli, S. O peixinho de pedra. Fortaleza: paleontológicos do Brasil. Brasília: Departa- História Social pela Universidade
Fundação Demócrito Rocha, 2006. mento Nacional de Produção Mineral; Serviço Federal do Ceará (UFC). Especialista
Geológico do Brasil, 2002, p. 121-130. em Arqueologia Social Inclusiva pela
Anelli, L.E. Dinos do Brasil. Uberaba:
Universidade Regional do Cariri (Urca).
Editora Peirópolis, 2011 MAIa, L.L. e Sales, A.M.F. Descobrindo os
Aluna do Curso de Estudos Avançados
BINA, E.B. Museu: espaços de comunicação, tesouros do Cariri. Fortaleza: Littere, 2010.
em Museologia, parceria entre a
interação e mediação cultural. In: Seminário Maisey, J.G. Predator-prey relationships and Associação Brasileira de Museologia
de investigação em museologia dos países trophic level reconstruction in a fossil fish (ABM) e a Universidade Lusófona de
de língua portuguesa e espanhola. Coimbra: comunity. In: Environmental Biology of Humanidades e Tecnologias (UHTL-
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Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 47


Este fascículo é parte integrante do projeto
Formação de Mediadores de Educação
Patrimonial, em decorrência do Termo de
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