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MÁSCARAS E DIÁLOGOS

Corremos o risco de nos tornar como os pequenos caracóis de nossa infância. Tomados pelo
receio, não compartilhamos com o outro o que vivemos, sentimos ou pensamos. Simplesmente
encapsulados, o silêncio, inúmeras vezes, é o companheiro permanente de nossas relações.
Ausência de palavras, símbolos, significados e significação para o que desejamos construir e ser
como pessoas, família e comunidade. Assim, acalentamos nossos segredos e, cada dia mais,
prosseguimos nesta dura e penosa caminhada - nossa interiorização.

Quem sabe você esteja imaginando: se pelo menos tivéssemos a oportunidade de compartilhar o
que sentimos e dizer às pessoas quem realmente somos e o que vivemos, as relações teriam
mais sentido, sabor e vitalidade. Por que, então, não falamos? E por que não escutamos o que o
outro tem a dizer? O que acontece? Por que nos fechamos e enclausuramos o que deveria seguir
com liberdade e força?

Todos nós encaramos com simpatia a palavra comunicação. É parte da vida da gente falar e
ouvir. Quem nunca precisou compartilhar sua vida com alguém? Há algo comum entre nós e
precisamos dizer ao outro. Necessitamos ouvir o que o outro tem realmente a expor. Num
processo gradual de aproximação, buscamos alguém para estar ao nosso lado; e ainda que
saibamos que tal condição não seja eternamente indolor e tranqüila, agimos nesta direção.

Possivelmente, é verdade que o primeiro obstáculo à comunicação esteja dentro de nós mesmos.
Quem sabe, gostaríamos de compartilhar, falar, desabafar e contar o que estamos vivenciando,
mas ainda não sabemos exatamente como proceder. Medos de arriscar.

Ao assumirmos o compromisso com as palavras e o cuidado recíproco, escolhemos cultivar com o


outro a intimidade. E a intimidade nos causa medo. Temos medo da verdade, pois abrimos
portas para aceitar aquilo que o outro diz; e muita vezes o que o outro diz é verdade ao nosso
respeito. Dificuldades para olhar no espelho.

Temos medo do apego. À medida que abrimos nosso interior e desvendamos o coração do outro,
numa rica e inédita aventura de companhia, nos apegamos gradativamente mais. E não
desejamos muito apego, pois o outro poderá nos deixar um dia. Acreditamos que é mais seguro
não amar do que perder as pessoas a quem amamos.

Medo da con-fusão. Ao compartilhar com o outro o que vivemos, nos perguntamos: "será que não
nos misturaremos? Como massinhas de modelar utilizadas pelas crianças, não saberemos mais
onde eu termino e onde começa você?" Medo de não se pertencer.

Insistimos em não compreender que as relações pressupõem o risco. Aconteceu dessa maneira
com o próprio Jesus, expressão do amor encarnado, que amou a Pedro, Tiago, João, Maria,
Marta, Judas...optando em permanecer com eles e tê-los ao seu lado. Sem subterfúgios e
disfarces, Jesus construía oportunidades simples para falar e para ouvir, revelando-se e
arriscando-se.

Se não tivermos dispostos a correr os riscos envolvidos nessa troca de conhecer o outro e deixar
ser conhecido, não estaremos trocando nada. Nossos relacionamentos estarão baseados na
necessidade, não no amor. Conhecer e deixar ser conhecido é arriscar-se.

E Deus se arriscou entre nós!

Sérgio Andrade – Deão da Catedral Anglicana da SS Trindade e integrante da ONG Diaconia

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