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LIÇÃO: 1

TÍTULO: A Natureza do Caráter Cristão.


Leitura Bíblica em Classe: Ef 4.17-24.
Esboço:
Introdução
I. O caráter humano
II. O caráter doentio
III. Como preservar o verdadeiro caráter cristão
Conclusão

Título deste subsídio: As dimensões do Caráter


Autor: Pr. Esdras Costa Bentho

Palavras-chave:
Caráter; Temperamento; Personalidade; Vontade de Deus.

AS TRÊS DIMENSÕES DO CARÁTER CRISTÃO

Caráter, sua dimensão etimológica


O termo "caráter" procede do grego "charaktēr" e significa literalmente
"estampa", "impressão", "gravação", "sinal", "marca" ou "reprodução exata". O
vocábulo português encontra-se na Almeida Revista e Atualizada (ARA), nos texto de
Mt 10.41 e Fp 2.22. Porém não traduz o original "charaktēr", mas o grego "onoma"
(nome) nas duas ocorrências mateanas e "dokimē" (qualidade de ser aprovado) em
Filipenses. A tradução Almeida Revista e Corrigida (ARC) verte a palavra na perícope
de Mateus por "qualidade de profeta" e "qualidade de justo". A Nova Versão
Internacional (NVI), traduz por "porque ele é profeta", "porque ele é justo".
Não há qualquer contradição nas traduções, uma vez que o substantivo
"onoma" permite qualquer uma dessas versões. Em o Novo Testamento, "onoma"
significa "pessoas" em Ap 3.4, "reputação" em Mc 6.14 e possivelmente "caráter" em
Mat 6.9. O nome (onoma) no contexto hebreu corresponde "as qualidades de uma
pessoa". Logo, a tradução de "onoma" refere-se à natureza ou categoria do trabalho
realizado pelo discípulo de Cristo, e, não necessariamente ao "caráter", como virtude
moral. Já o vocábulo "dokimē", traduzido por "caráter" (ARA), "experiência" (ARC) e
"aprovado" (NVI), possui o mesmo sentido de Rm 16.10, isto é, "testado e aprovado".
O termo, nesse contexto, sanciona a qualidade moral e a experiência dos personagens
envolvidos – Apeles e Timóteo foram testados e aprovados como bons obreiros de
Cristo. Literalmente o termo significa "a qualidade de ser aprovado". Essa aprovação
somente é ratificada depois que o "caráter" foi minuciosamente testado.
A única ocorrência da palavra "charaktēr" em seu sentido verbal e imediato
encontra-se em Hebreus 1.3. No exórdio epistolar, o literato afirma que nosso Senhor
Jesus Cristo é "a expressa imagem" da pessoa de Deus. Ele é o "charaktēr" – a
"estampa", a "gravação" ou "reprodução exata" – da "hypóstasis" ("substância",
"essência" ou "natureza") do próprio Deus.
Um outro termo grego usado para definir o substantivo “caráter” é “ēthos”
(hvqoj). Porém, algumas explicações são necessárias. A ética filosófica costuma
distinguir entre ēthos e ethos. A diferença está na vogal longa “ē” (ē – thos) que,
infelizmente, não possui corresponde em língua portuguesa. Quando os gregos
falavam em ethos, com vogal breve, referiam-se à “ética” (ethiké), em latim, mores,
isto é, moral. O termo aludia aos costumes sociais que eram considerados valores
necessários à conduta do cidadão na pólis (cidade). Todavia, empregavam “ēthos”
(hvqoj) quando desejam descrever o caráter e o conjunto psicofisiológico de uma
pessoa. Por extensão, “ēthos” se refere às características peculiares de cada pessoa.
Esses traços individuais determinavam as virtudes e os vícios que um cidadão da pólis
era capaz de levar a efeito. Essas peculiaridades são explicitamente resgistradas por
Aristóteles em Ética a Nicômaco. O termo ethos diz respeito aos costumes sociais (At
6.14; 25.16), mas ēthos ao senso de moralidade e à consciência ética de cada pessoa
(1 Co 15.33). Os costumes (ethos) designam os valores éticos ou morais da
sociedade, enquanto ēthos às disposições do caráter diante de tais valores. No
entanto, enquanto na filosofia aristotélica a virtude definia a relação do sujeito com a
pólis, no Cristianismo, define, primeiramente, a relação do homem com Deus e,
somente depois com os homens. Daí as duas principais virtudes do Cristianismo
serem a fé e o amor.
Como observamos, o caráter é a "marca" pessoal de uma pessoa. O "sinal" que
a distingue dos outros e pela qual o indivíduo define o seu estilo, a sua maneira de
ser, de sentir e de reagir. Também pode ser definido como o conjunto das qualidades
boas ou más de um indivíduo que determina-lhe a conduta em relação a Deus, a si
mesmo e ao próximo. O caráter, por conseguinte, não apenas define quem o homem
é, mas também descreve o estado moral do homem (Pv 11.17; 12.2; 14.14; 20.27).

Caráter, sua dimensão distintiva


O caráter é distinto do temperamento e da personalidade, embora esteja
relacionado a eles. O temperamento refere-se ao estado de humor e às reações
emocionais de uma pessoa – o modo de ser. A personalidade envolve a emoção,
vontade e inteligência de uma pessoa – aquilo que o individuo é. O caráter,
influenciado pelo temperamento e personalidade, é o conjunto das qualidades boas ou
más de um indivíduo que determina-lhe a conduta – como a pessoa age. Observe,
porém, que uma das características que compõe o ser humano é imutável, inata
(temperamento), outra é o desenvolvimento geral dos traços personalógicos do
sujeito em determinado momento (personalidade). O caráter, por sua vez, embora
intrinsecamente relacionado ao desenvolvimento da personalidade, forma-se em
paralelo a ela. Assim como o desenvolvimento físico de uma criança nos primeiros
anos é paralelo ao desenvolvimento mental, o caráter é formado à medida que a
personalidade vai sendo construída.
Portanto, o caráter é a forma mais externa e visível da personalidade. Segundo
Aristóteles, a disposição moral (caráter) é adquirida ou formada no indivíduo pela
prática. Afirma um antigo provérbio que ao “semear um hábito, o indivíduo colhe um
caráter”. O caráter, segundo a sabedoria dos antigos, é o resultado de um hábito
interiorizado, aprendido através do exercício contínuo das virtudes ou dos vícios. Não
deve ser confundido com as paixões (ira, desejos, ódio), muito menos com as
faculdades (razão, emoção e vontade), pois essas categorias são naturais, próprias do
ser.1 Consequentemente, a experiência é o palco no qual o caráter age. De acordo
com Schopenhauer essa é uma das razões pela qual o caráter é empírico, pois
somente com a experiência é que se pode chegar ao seu conhecimento, não apenas
no que é nos outros, mas tal qual é em nós mesmos. Afirma o filósofo alemão que
“quem praticou determinado ato, tornará a praticá-lo assim que se apresentem
circunstâncias idênticas, tanto no bem como no mal”. 2
Assim sendo, a personalidade determina a forma como o indivíduo se ajusta ao
ambiente, mas o caráter o modo como a pessoa age e reage nesse contexto social.
Já o temperamento, segundo a definição histórica dos helênicos, designa o
“tempero sangüíneo” do organismo. Os sábios da Hélade sabiam muito bem que o
temperamento é profundamente influenciado pela composição bioquímica do sangue,
pela hereditariedade, constituição física e pelo sistema nervoso. Por ser biológico,
hereditário e internalizado no indivíduo pode ser controlado, mas jamais mutável. O

1
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002, p.40-55.
2
SCHOPENHAUER, Artur. O livre arbítrio. São Paulo: Editora Novo Horizonte, [s.d.] p.223-4.
caráter, no entanto, é o “sinal psíquico” do indivíduo, que determina-lhe a conduta.
Porém, é desenvolvido, educável e mutável.
Mediante o temperamento, a personalidade e o caráter, o indivíduo afirma sua
autonomia; passa a ter consciência de si mesmo como ser humano e também que tipo
de pessoa é. Essa descoberta existencial é um processo contínuo.

Caráter, sua dimensão antropo-teológica


Deus criou o homem em duas fases distintas. Na primeira o Eterno forma (hb. asah) a
parte somática, corporal e visível do homem, a partir do “pó da terra” (Gn 2.7a). Esse
primeiro estágio é chamado de criação mediata ou formativa. Na segunda fase Deus
cria (hb. bara) o homem à sua imagem e semelhança (Gn 1.26,27; 2.7b). Essa
imagem entende-se por moral e natural. A natural diz respeito àquilo que o homem é:
ser racional (intelecto), emocional e volitivo (vontade). A moral relaciona-se à
constituição do caráter, da moral e da ética. Diz respeito à constituição moral do
homem, suas disposições intrínsecas que inclui o caráter e a qualidade deste: justo e
santo. Antes da Queda, o homem era perfeito em santidade, retidão e justiça. Essas
qualidades não procediam do próprio homem, mas eram reflexos dos atributos morais
e imanentes do Senhor. Os atributo morais de Deus refletiam-se na constituição do
sujeito (Ef 4.24; Lv 20.7; 1 Jo 2.29; 3.2,3). Porém, após a Queda, a natureza moral
do homem foi corrompida pelo pecado (Rm 1.18-32; 3.23). Em lugar da justiça, o seu
antagônico; em vez da santidade o seu oposto; em oposição à virtude o vezo (Gl
5.19-22). Somente a obra salvífica de nosso Senhor Jesus Cristo, mediante a
ministração do Espírito Santo, é capaz de revestir o homem de uma nova natureza,
criada segundo Deus, “em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef 4.24; 1 Co
1.30). É o Espírito Santo que transforma o pecador à semelhança da natureza e do
caráter de Cristo (2 Co 3.18; 2 Pe 1.3-7).
Portanto, para que você se torne o homem ou a mulher que Deus deseja é
necessário que o seu temperamento, personalidade e caráter se tornem subservientes
dos projetos de Deus para a tua vida. Até que Deus prevaleça sobre nossas vidas (2
Co 2.14), alguns precisam ser jogados numa cisterna, como José (Gn 37.20); outros,
ser alimentado por corvos, como Elias (1 Rs 17.6); e, alguns, apresentar sua língua
aos serafins, como fez Isaías (Is 6.6,7).
O caminho que Deus escolhe para forjar o caráter de seus cooperadores
algumas vezes é íngreme e inóspto. Mas, quando eles saem da fornalha, é perceptível
até mesmo para os pagãos que eles andaram com o quarto Homem na fornalha (Dn
3.25-27). Deus jamais chamou alguém para uma grande missão sem que esse
escolhido passasse por uma profunda transformação moral.
Se desejas que o Deus de José, Elias e Isaías realize em você o mesmo que fez
com eles, coloque o seu caráter no altar do Espírito; apresente a sua personalidade
Àquele que a todos transforma segundo a imagem de Cristo. Só assim serás a pessoa
que Deus deseja que você seja.

Esdras Costa Bentho


Redator do Setor de Educação Cristã e autor das obras Hermenêutica Fácil e
Descomplicada e A Família no Antigo Testamento: História e Sociologia, ambos
publicados pela CPAD

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