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CDU 377.8
Dados empíricos
índice, não apenas entre os autores, que podem criar a norma “não estou sen-
do violento, estou brincando”, para justificar a continuação desse comporta-
mento, como também dos alvos. Nesse último grupo, essa percepção pode es-
tar influenciando uma subnotificação, bem como o não pedido de auxílio a al-
guém que possa combater essa situação.
Na literatura, há uma reflexão acerca da percepção de pais e professores,
sendo poucos os estudos que veem como essa representação influencia o com-
portamento dos alvos. Por exemplo, em estudo desenvolvido por Toro, Neves e
Rezende (2010) com docentes, foi evidenciada a falta de informação quanto ao
que seria o bullying e a naturalização das intimidações entre os pares, justifica-
das como um evento típico da idade. Desta forma, uma vez que não é com-
preendida como um problema, essa realidade não precisa ser encarada como algo
a ser modificado, contribuindo para a sua manutenção. E mesmo aqueles que re-
conheciam a problemática, apresentavam um conformismo, afirmando não haver
possibilidades de mudanças, mas sim dificuldades (TORO; NEVES; REZENDE,
2010). Essa passividade entre os adultos parece ser percebida entre os adolescentes
e confirmada no dado de que apenas 3% dos autores teriam medo de que algum
adulto os flagrassem na prática de bullying contra seus pares.
Finalmente, um grupo menos comentado, mas que também pode ser
afetado, é a testemunha. Embora não tenha sido um dado alarmante, se for
considerado somente de forma numérica, mas que merece destaque, é o fato
de 26% de os sujeitos desse grupo relatarem ter medo de se tornarem o próxi-
mo alvo. Esse resultado chama a atenção para ampliação nas pesquisas que,
por muitas vezes, se limitam à relação entre alvos e autores, esquecendo os de-
mais pares que estão em volta. Outra forma de se pensar a participação dessas
testemunhas no bullying é refletindo a sua atuação como agentes para a dimi-
nuição dessa violência. Embora o número de testemunhas que relataram soli-
citar ajuda de algum adulto tenha sido de apenas 20%, os alvos reconhecem al-
guma forma de defesa por parte destes em 63% dos casos, havendo algum re-
sultado positivo (diminuição ou extinção) em 73%. No grupo de alvos/autores,
esse comportamento foi menos percebido, mas, ainda assim, representativo,
correspondendo a 53%, e destes, 62,5% mostraram resultados positivos.
Sobre a busca de auxílio com os adultos, um aspecto que merece aten-
ção na pesquisa de Francisco e Libório (2009) é que alguns alunos, após terem
buscado auxílio profissional como forma de enfrentar o bullying e não terem
tido o apoio desses adultos, não conseguem mais ver outra forma de solucio-
nar o problema. Essa falta de habilidades, por parte dos adultos em lidar com a
temática sinaliza a necessidade de mais pesquisas e extensões com esse públi-
co, a fim de potencializar o bem-estar nas relações escolares. Essa afirmação
A formação de professores e seus desafios frente às mudanças sociais, políticas e tecnológicas 155
também pode ser sustentada a partir dos resultados apresentados por Fante
(2005), em que foi observado que, enquanto os diretores negam a existência
dessa forma de violência em sua escola, os professores justificam esse fenôme-
no como algo “normal”.
A falta de defesa relatada pelos adolescentes por parte dos adultos pode
servir de apoio para a manutenção desses comportamentos de bullying. A par-
tir do momento em que essas agressões não são combatidas pelos professores,
pode ser estabelecido um acordo tácito que a permite. Desta forma, os adultos
podem ser um fator importante no desenvolvimento de atitudes que as crian-
ças têm em direção à aceitabilidade de tais comportamentos (SWEARER;
TURNER; GIVENS; POLLACK, 2008). Nessa lógica, a falta de ação do profes-
sor pode estar reforçando o bullying. Contudo, vale sinalizar que, tal como
para a manutenção, o professor tem papel fundamental no combate dessa prá-
tica.
Desse modo, observa-se que conhecer a forma como o bullying se ma-
nifesta e buscar entender os determinantes desse comportamento traz consigo
informações que fundamentam a intervenção, sendo este o objetivo último da
produção desse conhecimento, e não apenas retratar a realidade e produzir co-
nhecimento teórico, entre as formas de manifestação. Além disso, se o conhe-
cimento de como o fenômeno ocorre é necessário para elaborar intervenções,
conhecer as consequências negativas dessa violência pode ser uma motivação
maior e relevante para se implementar tais estratégias.
Considerações finais
pode exigir maiores esforços. Por essa razão, sugerem-se programas preventi-
vos que ressaltem a importância de um convívio pacífico entre os pares e o
respeito às diferenças. Estudos vêm demonstrando outras variáveis que po-
dem ser trabalhadas com a finalidade de evitar a vitimização. Por exemplo,
alguns dados demonstram que a manifestação de comportamentos pró-so-
ciais (ser um bom líder, se importar com o bem-estar dos colegas) age como
um fator de proteção contra ser alvo de bullying, enquanto a capacidade de
manifestar esse tipo de comportamento é diminuída pelos efeitos da vitimi-
zação (CALBO, 2009). Já em outro estudo, a partir de uma análise de regres-
são logística, foi possível observar que o aumento na alienação escolar foi as-
sociado a um risco maior de bullying, enquanto o apoio de professores e pa-
res diminuiu esse risco (NATVIG; ALBREKTSEN; QVARNSTROM, 2001).
Mais recursos, como apoio social, autoestima, resiliência, habilidades sociais
e assertividade, já foram mencionados na literatura e podem ser investigados
por outras pesquisas.
De acordo com Estévez, Jiménez e Musitu (2008), com base nas motivações
e causas do bullying, recomendam estratégias para a prevenção dessas violências,
dentre as quais podem ser destacadas a maior participação do aluno nas decisões
escolares, fazendo com que este crie uma identificação e vínculo afetivo com esse
espaço; a apresentação no cotidiano escolar de um modelo positivo de conduta
por parte dos profissionais; e a inclusão do conteúdo nas aulas de educação de va-
lores, estimulando a democracia e a inclusão. Especificamente em sala de aula, po-
dem ser realizadas estratégias, como dar mais responsabilidade aos alunos na reso-
lução dos conflitos, propor atividades de cooperação, e não de competição e deba-
ter temáticas que exijam uma reflexão crítica por parte dos alunos.
Segundo Ferreira, Rowe e Oliveira (2010), uma intervenção no cenário
em que ocorra o bullying traz benefícios não apenas para os alunos, mas tam-
bém para os professores, porque os autores observaram que os docentes pos-
suem um sentimento de impotência e angústia diante das situações. Além dis-
so, os participantes dessa pesquisa demonstraram ter consciência do desgaste
emocional que esse tipo de situação pode causar, e também reconhecem que
se trata de um problema complexo, e a escola sozinha não dispõe de meios
para lidar com esse tipo de situação de maneira eficaz. Desta forma, o bullying
pode ser um agente estressor também para os professores.
No caso da pesquisa exemplificada, alguns dados são fundamentais na
hora de se planejar uma intervenção, tais como: diferenças entre os gêneros, a
compreensão da agressão verbal como uma forma de violência, a representa-
ção do bullying como uma brincadeira e a importância das testemunhas na di-
minuição deste. Portanto, considerando esses achados, intervenções mais efe-
A formação de professores e seus desafios frente às mudanças sociais, políticas e tecnológicas 157
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