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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra

Tradução de ROGER ABRAHIM

ARQUITETURA E CLIMAS (ARQUITECTURA Y CLIMAS). Rafael Serra.

Quando comprei o exemplar do livro ARQUITECTURAS Y CLIMAS, de Rafael


Serra, eu o fiz por causa da capa, modesta, mas atraente. Ao ler o livro me
deparei com uma pequena obra prima no que diz respeito à adaptação da
arquitetura ao entorno, seja ele construído ou natural.
Atraiu-me, sobretudo, a maneira como Rafael Serra trata o assunto. Neste livro,
os problemas relacionados à temperatura, umidade, iluminação e acústica, entre
outros abordados no livro, são tratados quase que exclusivamente de forma
conceitual; o autor não tenta ensinar, em nenhum momento, como se quantifica
o calor que precisa ser dispersado por uma pessoa em determinadas condições
de temperatura e umidade, ou qual é o ângulo adequado para que a construção
receba esta ou aquela quantidade de energia solar, por exemplo.
Percebi, de imediato, que este pequeno livro poderia ajudar a eliminar uma
lacuna que eu já havia percebido, na metodologia e conteúdo das disciplinas
Conforto Ambiental 1 e 2, do curso de arquitetura.
Acredito que este texto irá complementar de forma bastante satisfatória os
conteúdos das citadas disciplinas, voltadas quase que exclusivamente para as
quantificações e dimensionamentos técnicos das intervenções tão bem
conceituadas pelo autor.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra
Tradução de ROGER ABRAHIM

ARQUITETURA E CLIMAS (ARQUITECTURA Y CLIMAS). Rafael Serra.

Capítulo I.
O entorno da arquitetura.

Os edifícios são barreiras contra a chuva, o vento e, às vezes, filtros sutis de luz e
calor. Com entornos variáveis, que mudam conforme o dia e a noite, o calor e o
frio, o vento e a calmaria, a chuva e o sol; as construções se transformam em
refúgios de condições artificiais, como ilhas de tranqüilidade num mundo
incômodo.
Se a arquitetura é clima, também é verdade que existem muitos climas que nela
intervém: climas de inverno e de verão, climas de luz e calor, climas de transição
entre interior e exterior, climas de arquitetura popular e de arquitetura mais
representativa, climas naturais e artificiais e por último, os climas que não são
climas; climas sonoros, psicológicos, espirituais e mágicos, com o que se gera a
infinita variedade dos espaços arquitetônicos.
Estudar os climas da arquitetura pode apresentar certa dificuldade devido à
complexidade de cada um dos diferentes climas. Simplificando uma abordagem
inicial do problema, considerando somente o sentido térmico da palavra “clima”,
temos que, determinado clima depende de somente quatro parâmetros: da
radiação solar e da temperatura do ar, da umidade do ar e da velocidade do
movimento do ar. Esta simplicidade resume a enorme variedade climática do
planeta a estes quatro valores.
Neste livro, entenderemos o clima ou, melhor dizendo, os climas, da arquitetura
num sentido mais amplo, incluindo todos aqueles fenômenos ambientais que
atuam sobre os ocupantes de um edifício, influindo sobre seu bem estar e sobre
sua percepção do mesmo no que diz respeito a sensações térmicas, táteis,
visuais, auditivas, entre outras.
Falando num sentido mais convencional do termo, os climas sobre a superfície
do nosso planeta também são muito variados: quentes ou frios, secos ou úmidos.
Mudam segundo a época do ano, com a variação do movimento aparente do Sol
no céu ou segundo o regime de ventos. De toda esta variedade de climas
existentes, quando os analisamos com relação à arquitetura, os simplificamos em
casos-tipo representativos conforme as imposições do entorno.
Nas regiões quentes e secas, as temperaturas são muito altas durante o dia,
mas baixam consideravelmente durante as horas noturnas. A insolação intensa e
as precipitações e nebulosidade escassas, fazem com que a radiação solar direta
seja preponderante e que a distinção entre sol e sombra seja muito importante.
Eventualmente podem ocorrer ventos carregados de poeira e areia, compatíveis
com a aridez e a pouca vegetação normais neste tipo de região.
É um tipo de clima típico de zonas continentais e próximas do equador, e a
arquitetura popular característica destas zonas tende a ser compacta, com
poucas aberturas, muitas vezes com paredes grossas, ou subterrânea, para obter

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Tradução de ROGER ABRAHIM

a máxima inércia térmica contra as variações do clima exterior e, por último, com
o magnífico recurso do pátio, que gera um espaço interno abrigado do Sol,
umedecido e refrescado com a presença d’água, que permite uma conciliação da
arquitetura interior com o exterior.
Ilustração 01: arquitetura árabe.
Nas zonas quentes e úmidas, as temperaturas, ainda que altas, são mais
moderadas e constantes do que nas regiões desérticas. As nuvens e a chuva são
freqüentes, sobretudo durante certa época do ano, fazendo com que a radiação
solar, sempre intensa, se apresenta muito mais difusa que no caso anterior e a
umidade se apresenta constantemente alta. A arquitetura popular característica
destes climas, próprios das zonas subtropicais marítimas, é uma arquitetura
leve, muito ventilada, protegidas contra as radiações solares em todas as
direções e sem inércia térmica de nenhum tipo. Os edifícios são abertos, largos e
separados entre si e do chão para melhor se expor às brisas. As paredes quase
que desaparecem, ao ponto de comprometer a privacidade para melhorar a
ventilação. As coberturas são elevadas e com largos beirais, para proteger os
fechamentos verticais dos edifícios da radiação solar e das chuvas.
Ilustração 02: arquitetura tropical.
Nas regiões frias as temperaturas são baixas o ano todo, em especial durante o
inverno; a radiação solar é pouca e as precipitações são, freqüentemente, sólidas.
Nestas condições, as considerações sobre a umidade do clima ficam em segundo
plano1 e, por causa disso, não se costuma fazer diferença entre climas frios secos
e úmidos, mesmo considerando que a maior ou menor distancia da região com
relação ao mar pode ter repercussões sobre as oscilações térmicas e, em último
caso, sobre a dureza das condições térmicas.
Este clima é próprio de regiões de latitude elevada, próximas das zonas polares.
Nestas regiões a arquitetura autóctone tem como principal dificuldade a ser
vencida a conservação do calor em seu interior. Por isso as construções são
compactas, isolados, com pequenas aberturas para o exterior e com formas que
minimizam a ação dos ventos frios2. Em certo sentido as formas arquitetônicas

1Com temperaturas abaixo de 0º C toda a água existente no ar congela, levando a


umidade relativa do ar para 0 %.

2 Os iglus são construídos com blocos de neve (que é um excelente isolante térmico e fácil
de cortar), o bloco superior da cúpula, a pedra angular da estrutura, é, frequentemente,
talhada em gelo que, por ser transparente fornece uma desejável iluminação ao interior.
Quando a cúpula do iglu está pronta, a dona da casa entra e, numa cerimônia ritual,
acende uma lamparina e fecha a abertura de saída, causando a elevação da temperatura
interior; com a elevação da temperatura a parede começa a derreter, a dona da casa
então abre a abertura novamente causando o congelamento da água que escorre pela
parede, impermeabilizando-a. Em seguida, uma cortina de peles de animais é estendida
ao longo da parede, criando um colchão de ar entre as duas, melhorando ainda mais o
isolamento térmico que, mesmo com temperaturas externas na casa do 40º C negativos,
pode apresentar temperaturas internas superiores a 14º C acima de zero.

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nestes climas apresentam similitudes com as dos climas quente e secos, que
coincidem em sua atitude primordial de defesa contra as condições do ambiente
exterior.
Ilustração 03: arquitetura ártica.
Ainda que não seja propriamente um tipo de clima, também vale a pena
considerar a ação específica dos ventos como condicionante da arquitetura. O
movimento do ar está relacionado com a sensação térmica e, por isso, pode ser
um fator positivo no caso dos climas quentes e úmidos, às vezes negativo nos
quentes e secos, e sempre negativos nos frios. Além do que, os ventos intensos
são desagradáveis e podem afetar outros aspectos do conforto além do térmico,
por causa deles, muitas vezes se convertem numa imposição da forma
arquitetônica.
Na arquitetura popular de muitas regiões do globo, o vento se mostra com
clareza como condicionante de soluções e sistemas especiais, que têm como
função específica atenuar sua ação. Por este motivo, ao considerar os diversos
tipos de climáticos, incluímos entre eles os do clima ventoso.
Outro tipo climático a considerar é o dos climas temperados, onde se registram
consideráveis modificações das condições climáticas ao longo do ano, como é o
caso do clima mediterrâneo. Paradoxalmente, é neste tipo de clima que a
arquitetura se faz mais complexa, ao ter que ser adaptável, ainda que por curtos
períodos de tempo, a todo o espectro dos tipos básicos de clima comentados até
aqui. Assim, o problema básico destes climas não é sua dureza, mas o fato de
que, em qualquer dia do ano e hora do dia as condições do clima, eventualmente,
podem mudar radicalmente. Registram-se problemas de frio no inverno, que pode
ser seco ou úmido (diferença que, neste caso, é importante); problemas de calor
no verão, que também podem ser seco ou úmido e tão intensos como em regiões
mais extremas, ainda que os períodos de tempo sejam sempre mais curtos, e,
finalmente, o problema do clima variável que, nas estações intermediárias,
podem gerar problemas de frio ou de calor separados por curto espaço de tempo.
Ainda que cada uma destas características, consideradas em separado, não seja
realmente crítica, em conjunto fazem com que a arquitetura dos climas
temperados tenha que apresentar um maior grau de complexidade, o que a torna
mais difícil do ponto de vista do desenho.
Ilustração 04: casa mediterrânea.

Pelo exposto, neste caso, a arquitetura popular sempre se viu obrigada a


incorporar soluções e sistemas flexíveis, ou seja, componentes que podem mudar
com facilidade sua ação segundo as circunstâncias climáticas, tais como:
sistemas de sombreamento móveis, que podem impedir o acesso da radiação
solar no verão (quando as temperaturas são mais elevadas), ou deixá-la entrar
por completo caso seja conveniente (com temperaturas mais baixas); isolamentos

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móveis nas aberturas, para permitir o isolamento noturno; as mesmas aberturas


devem ser praticáveis para uma total ventilação; espaços intermediários entre o
exterior e o interior, para criar micro climas favoráveis e ser ocupado somente em
determinados períodos do dia; etc.
A partir do conhecimento e da caracterização destes climas básicos, é possível
planejar em linhas gerais as soluções arquitetônicas mais convenientes para
cada caso, deve-se considerar, no entanto, que existem outros fatores que podem
modificar em grande medida este planejamento.
Tão ou mais importante que o clima geral da região é o entorno próximo à
arquitetura, o ambiente vizinho que gera o que chamamos “micro clima de um
lugar”. Nele as condições podem ser muito diferentes das gerais da região. Uma
parede localizada a sul ou a norte pode significar mais de 3º C de diferença de
temperatura; algumas árvores que impedem a ventilação ou um chafariz que
umedece o ar podem gerar micro climas muito deferentes do existente a poucos
metros de distância.
Na arquitetura tradicional o micro clima era um fator que se tinha muito em
conta, tanto para escolher a localização de um edifício como para corrigir as
condições do seu entorno imediato com elementos vegetais ou construídos. Desta
forma, com intervenções sutis na paisagem, os edifícios se inserem num meio
ambiente climaticamente melhorado com relação ao geral da zona.
A disposição das ruas e das praças, inclusive em assentamentos rurais, junto
com a vegetação e os edifícios geram rincões e zonas onde condições climáticas
sensivelmente melhores do que as próprias do lugar.
Para entender realmente como funcionam os climas da arquitetura de que trata
este texto, deveríamos começar por compreender muito bem o micro clima.
Muitas vezes, a escolher um lugar adequado para sentar-se e descansar no
campo, é um ato muito mais arquitetônico do que construir um grande edifício;
ou, pelo menos, assim o queremos considerar, em nossa visão particular da
arquitetura e seus climas.
No entorno próximo da arquitetura existem duas ações que são fundamentais
para definir as condições resultantes. Trata-se, como não poderia deixar de ser,
das ações do sol e do vento.
O sol atravessa o ar e esquenta a terra, que cede parte deste calor ao ar que está
em contato com ela. Assim, aonde o sol incide livremente, o ar é mais quente e,
além disso, recebemos radiação do terreno aquecido. Esta simples diferença pode
gerar distinções térmicas de vários graus entre lugares muito próximos entre si.
O vento, por sua vez, pode modificar por completo as condições anteriores.
Conforme sua procedência poderá ser mais quente ou mais frio, mais seco ou
mais úmido. Desta forma o ar, aquecido ou não pela ação solar, se move e, desta
maneira, modifica as condições geradas pela radiação. O terreno pode continuar
quente ou frio, mas o ar sobre ele se move e somente a radiação solar mantém a
diferença entre lugares ensolarados e sombreados. Considerando ainda que o ar
se desvia dos obstáculos, naturais ou artificiais, impedindo seu livre movimento,

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resultando numa maior ou menor ação do vento, cria-se a possibilidade de


variações infinitas no micro clima.
A ação conjunta do sol e do vento provoca a variação micro climática dos quatro
parâmetros já comentados: a temperatura do ar, a radiação, a umidade e a
velocidade do ar. É a conjugação de todos esses fatores que define a sensação de
conforto das pessoas, além de influir sobre as condições e desempenho de
edifícios situados em cada micro clima específico. Em qualquer análise micro
climáticas será imprescindível considerar a inter relação de todos eles.
Para realizar este tipo de análise, é especialmente útil preparar esquemas
gráficos que resumam as condições micro climáticas da zona ou lugar onde se
deve intervir arquitetonicamente.
Estes esquemas podem se realizar para distintas épocas do ano, para diferentes
tipos de ventos predominantes ou tipo de dia (ensolarado, nublado, etc.).
Ainda que o esquema básico possa ser desenvolvido em planta, pode ser útil
incluir esquemas em corte, que é onde as ações do sol e do vento podem melhor
ser expostas.
Entre os parâmetros a serem considerados no esquema, convém incluir, além do
sol e do vento, outros importantes fatores ambientais, como são as incidências
acústicas ou as visões da paisagem do lugar que se está analisando. Deve-se,
sempre, levar em consideração que os fatores ambientais que não são puramente
climáticos influem de maneira decisiva no bem estar e conforto do usuário.
A consideração final implícita do presente texto é que acontecem coisas
importantes no entorno da arquitetura. O clima e a paisagem, assim como os
sons e os habitantes do núcleo urbano, são todos parte deste entorno que é a
razão de ser da arquitetura, ao mesmo tempo a obrigam a se defender, se unir e
se fazer uso das circunstâncias ambientais que a rodeiam.

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Capítulo II.
O difícil bem estar.

O conforto percebido pelo ser humano num determinado lugar, é o resultado de


um fenômeno muito mais complexo do que os especialistas, muitas vezes,
querem nos fazer crer. A causa disso é que parâmetros e fatores diversos
intervêm simultaneamente no processo, o que normalmente se esquece e é
decisivo para o tema.
Os parâmetros ambientais ou de conforto, são aquelas características objetivas
de um determinado espaço, que se pode avaliar em termos energéticos, e que
resume as ações que, no dito espaço, recebem as pessoas que o ocupam. Como
tais, os ditos parâmetros podem ser analisados de forma independente dos
usuários e são objeto direto do desenho ambiental na arquitetura.
Alguns dos ditos parâmetros são específicos para cada sentido (térmicos,
acústicos, visuais, etc.), o que permitirá que, em muitos casos, se possa calcular
com unidades físicas já conhecidas (graus centígrados, decibéis, lux, etc.), uma
vez que se trata de unidades de medida das condições energéticas que se
produzem num determinado ambiente. Mas existem, também, os parâmetros
gerais que afetam todos os sentidos simultaneamente, que é o caso das
dimensões do espaço e o fator temporal e as mudanças que este pode produzir.
Os fatores de conforto, por sua vez, são aquelas características que se
relacionam com os usuários do espaço. São, portanto, condições exteriores ao
ambiente, mas que influem na apreciação do dito ambiente por parte deste
mesmo usuário. Estas condições pessoais são de diferentes tipos, segundo as
condições: biológico-fisiológico (como idade, sexo, herança genética, etc.),
condições sociológicas (como o tipo de atividade, a educação, o ambiente
familiar, a moda, o tipo de alimentação ou aclimatação cultural, etc.), e
psicológicas, conforme as características individuais de cada um dos usuários.
O conforto que um determinado ambiente possa oferecer dependerá. Em cada
caso, da combinação entre os parâmetros objetivos e fatores do usuário. A
função básica da arquitetura no desenho de ambientes habitáveis, se realizará
sobre os parâmetros de conforto, mas se precisará, sempre, de um
conhecimento da influência dos fatores de conforto para avaliar a repercussão
real das decisões a serem tomadas.
Como uma aproximação do problema, reproduzimos a seguir uma relação dos
parâmetros ambientais mais comuns, como elementos a serem considerados no
desenho de projetos arquitetônicos.
Ainda que o empenho de muitos especialistas das diferentes técnicas ambientais
tenha sido, durante muitos anos, avaliar com precisão os parâmetros e fatores
de conforto; as conclusão inevitável de nossa experiência é que a variação que
induzem os fatores sobre os requerimentos faz com que, na prática, estes
sistemas de avaliação resultem inexatos.

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Acostumados a definir a arquitetura como forma geométrica, o espaço como


proporção e o edifício como função e uso com um adicional valor estético;
esquecemos com freqüência a possibilidade de valorizá-la também em termos de
energia, como uma soma complexa de luz e cor, som, temperatura e qualidade do
ar.
Quando falamos, no mais amplo sentido, dos “climas da arquitetura”,
entendemos que deve-se trabalhar o espaço a partir dos parâmetros de conforto
entendido como objeto do desenho, aplicando-os em dois níveis sucessivos:
Num primeiro nível se desenham os ditos parâmetros para conseguir o
adequado bem estar no espaço ocupado e, para tanto, se deve conhecer todos os
fatores envolvidos para, tendo em conta todos eles, conformar o ambiente mais
adequado.
Num segundo nível, o objeto do desenho ambiental seria a conformação do
ambiente em termos perceptivos e estéticos. Neste caso se trata de entender o
ambiente da arquitetura com seus parâmetros de luz, calor, som, etc., como
transmissores de informação. Esta informação que nos oferecem os parâmetros,
permite o reconhecimento, consciente ou inconsciente, das qualidades do espaço,
no qual tem especial importância a capacidade perceptiva humana para os
diferentes sentidos e das diferentes formas de energia.
No caso da percepção espacial, os dois sentidos básicos envolvidos são a visão e
a audição. Normalmente, esses dois sentidos se complementam muito mais do
que imaginamos. A percepção visual é mais precisa, mas a percepção acústica
nos permite avaliar características do espaço imperceptíveis à visão. O exemplo
mais claro desta complementaridade se apresenta quando comparamos ambos
os campos perceptivos em planta e em seção transversal, demonstrando como a
audição complementa a visão ao cobrir a percepção da direção posterior, que a
primeira não percebe.
Uma parte importante da percepção espacial é a “locação da direção” de onde
procede o estímulo. No caso da visão, esta localização se realiza complementando
a direção da cabeça com a orientação dos olhos, informando o cérebro através
dos músculos que controlam a dita orientação, dependendo a interpretação final,
em grande medida, a experiência prévia. No caso da audição, por sua vez, a
informação sobre a direção se produz graças a dualidade dos órgãos sensíveis
(biauricolaridade), que em conjunto com a experiência nos informa a direção de
procedência do som, com a limitação de que, estando ambos os ouvidos na
mesma altura, não existe praticamente distinção de altura da fonte sonora.
Outro fator importante da percepção espacial é a “avaliação da distância”. No
caso da visão se combinam diferentes mecanismos, desde a deformação do
cristalino do alho para focar a imagem, o que permite a avaliação de distâncias
curtas; passando pela visão binocular que, ao diferenciar a imagem de um olho
em relação ao outro permite saber a situação relativa dos objetos dentro do
campo visual, em conjunto com o mesmo efeito de convergência dos olhos em
distâncias próximas; até chegar ao mais importante, o aprendizado da medida

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aparente dos objetos conhecidos, que é o sistema que mais utilizamos, ainda que
possa nos enganar facilmente se são de entorno desconhecidos ou em escala
diferente da normal.
No caso da audição, ao contrário, a avaliação da distância se apóia quase que
exclusivamente na experiência, ligada à intensidade do som que percebemos, o
que representa uma fraca precisão do sentido na dita avaliação da distância.
Mas além de ser percepção, a transmissão de informação é também estética. Os
parâmetros ambientais, que são energias que interagem livremente com os seres
humanos, geram impulsos de informação com uma ordenação própria, da qual
resulta uma mensagem estética capaz de produzir as emoções que normalmente
associamos com as expressões artísticas mais convencionais, da música, da
literatura e das artes plásticas.
Este papel estético dos parâmetros ambientais se torna mais claro se analisamos
sua capacidade de gerar as sensações que associamos ao conceito de beleza.
Para isso deveremos ter em consideração como os diferentes tipos de expressão
artística utilizam os mesmos recursos básicos de composição. Estes recursos
(“ferramentas artísticas”), são, entre outros, o ritmo (no tempo e no espaço), o
ênfase ou acento (positivo ou negativo) e o contraste (de intensidade, de cor, de
tom, de volume, etc.).
O mesmo se dá quando tratamos de pintura, cinema, musica ou literatura; em
todos se faz uso destas ferramentas básicas, que se transformam em obra
artística através de outras ferramentas materiais de expressão concreta, que são
as que produzem o resultado aparente e a conseguinte transmissão da
mensagem ao receptor.
Como é evidente, o fato de se utilizar estas ferramentas artísticas não tem nada a
ver com a qualidade do resultado obtido. Usando ritmos, acentos e contrastes
pode-se gerar péssimas obras; o valor estético depende de algo mais que isto.
Mas também é certo que, sem estas ferramentas, não existe mensagem coerente
e faltará expressão artística e, portanto, beleza.
Admitindo o que expressamos nos parágrafos anteriores, podemos agora julgar a
capacidade das energias ambientais para gerar este tipo de expressão artística.
Em maior ou menor medida vemos que, tanto os parâmetros de luz como de som,
os térmicos e os do ar, têm a capacidade de estabelecer no interior dos edifícios,
no tampo e no espaço, ritmos, ênfases ou contrastes, com todas as suas
possíveis variantes. Em conseqüência, defendemos aqui que os parâmetros
ambientais são também portadores de informação estética. Em última instância,
o bem estar dos ocupantes da arquitetura também está condicionado por estes
mesmos parâmetros.
Portanto, seja considerando os parâmetros ambientais como meros agentes de
conforto fisiológico, ou valorizando-os como transmissores de informação,
simplesmente perceptiva ou estética, seu papel na arquitetura é de agente
principal. Por esta razão, o desenho ambiental não deve ser relegado à uma área
técnica de apoio ou correção, mas deve ser entendida como objeto direto do

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projeto, capazes não só de conformar o espaço, mas de ser o protagonista


principal do mesmo.
Outro fato que freqüentemente passa despercebido é a influência que os fatores
culturais têm na avaliação destes parâmetros. Tanto nos aspectos mais
perceptivos como nos da comodidade fisiológica, a evolução histórica, assim
como o tipo de sociedade de que se trata, geram respostas diferentes para
estímulos similares.
Considerando como exemplo o caso térmico, se comprova que, em distintos
períodos históricos, tem havido sensibilidade muito diferente ao frio e ao calor.
Além do que, está comprovado experimentalmente que a dita sensibilidade é um
fator cultural apreendido, desenvolvido ao longo dos anos pelas crianças, AM
estrita associação com o aprendizado da linguagem.
Podem-se fazer considerações similares sobre a percepção luminosa e acústica,
com suas importantes repercussões sobre a comodidade, a percepção e sensação
estética. È ilustrativo refletir, do ponto de vista da nossa cultura, sobre a estética
dos espaços com baixo nível de luz, própria de outras culturas nas quais o brilho
e o reflexo cobram seu preço, do que carecem nossos espaços modernos
inundados de luz, nos quais até as pedras preciosas perdem seu brilho.
Estas reflexões sobre a importância do fator cultural são as que nos fazem
avaliar muitos dos componentes psicológicos do ambiente. As respostas
humanas aos parâmetros ambientais, sejam de conforto, de percepção ou
estética, são dependentes dos usuários do ambiente.
Neste contexto, admitindo que existam marcantes diferenças de caráter nas
pessoas, que vão de introversão à extroversão, da neofilia à neofobia, da
claustrofobia à ágora fobia, etc., a resposta dos ocupantes de um ambiente aos
parâmetros ambientais pode ser muito mais díspar do que os estudos
convencionais de conforto nos fazem crer.
Entre os componentes psicológicos a considerar no desenho ambiental, é muito
importante a variação dos parâmetros de luz, som, temperatura e do ar, no
tempo. Embora os estudos de conforto em geral considerem que no caso de
ambientes estáticos, está demonstrado que a variabilidade no tempo dos
parâmetros é uma qualidade positiva no conforto das pessoas. Seja por
necessidade psicológica de mudança em nossa percepção, ou por fatores
fisiológicos envolvidos na dita percepção, os ambientes dinâmicos, normalmente
associados com o uso de energias naturais, admitem margens de conforto muito
mais amplas que os ambientes estáticos.
Outro fator psicológico, talvez o mais relevante na prática, é a possibilidade de
controle das características do próprio ambiente por parte do usuário. Ele está
ligado com a sensação de claustrofobia em ambientes fechados, que se torna
aguda com parâmetros como cores quentes, temperaturas altas, sons graves e
altos níveis de ruído e iluminação.
Em diversos estudos de campo se tem demonstrado que no caso de ambientes
manipuláveis pelo usuário as margens de conforto se ampliam em até duas vezes

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das registradas em ambientes rígidos. Um exemplo típico deste fenômeno é o


caso de edifícios com fechamentos fixos, janelas que não se abrem ou parede-
cortina sem aberturas. Neles aparecem com maior freqüência as sensações de
incômodo e os usuários se mostram mais exigentes – em conseqüência protestam
mais – a propósito dos parâmetros ambientais.
As considerações finais que se pode fazer sobre o bem estar é que, em qualquer
espaço arquitetônico se pode atuar, desde o início de desenho, sobre os
parâmetros ambientais que resultarão no prédio construído.
Desta forma seremos capazes de atuar sobre o conforto dos ocupantes do espaço,
mas sem pretender, em nenhum momento, obter resultados seguros. A interação
entre os distintos parâmetros, a repercussão dos diferentes fatores do usuário, a
influência dos fatores psicológicos, a variabilidade e, sobretudo, a possibilidade
de ação e controle dos parâmetros por parte do mesmo usuário, são decisivos no
resultado final.
Em resumo, nada é solução única, rígida e estática; o controle do ambiente exige
um certo descontrole e não se pode fazer simplesmente “engenharia do
ambiente”, e que qualquer aproximação técnico-numérica deve ser entendida
como um complemento do chamaríamos de “arquitetura do ambiente”, enfoque
global do desenho, em que a pessoa receptora do mesmo passa a ser o primeiro e
principal fator a ser considerado.
A partir deste ponto, comentado o edifício e sua relação com o entorno e seus
climas, reconhecido brevemente os fatores e parâmetros de um difícil bem estar,
iniciamos a viagem por alguns dos climas que existem na arquitetura, entendida
como conhecimento e poesia, comodidade e utilidade, evidencia e engano,
afirmação e negação, relato e silêncio. Os ambientes e os climas da arquitetura,
não fazem mais do que refletir, outra vez, todas as dualidades da vida humana.

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Capítulo III.
O clima do ar e da umidade.

Quando imaginamos quais e como são as condições ambientais de um


determinado espaço, é inevitável que comecemos pensando no ar contido no dito
espaço. Realmente este ar resume por si só, além de outros valores ambientais,
três dos quatro parâmetros que condicionam a sensação térmica: sua própria
temperatura, seu conteúdo de vapor d’água (umidade) e, por último, seu
movimento (velocidade do ar).
As duas primeiras características podem ser estudadas conjunta ou de maneira
independente da do movimento, e sua repercussão na comodidade procede, como
é lógico, da influência que têm sobre as perdas e ganhos de calor do corpo
humano.
Assim, enquanto a temperatura do ar influi na sensação de calor do corpo
através da pele e do ar que respiramos, a umidade do ar, se é baixa, permite uma
maior evaporação da umidade de nossa pele (suor), ao mesmo tempo uma maior
seção de vapor d’água ao respirarmos. Desta forma nos resfriamos, cedendo calor
e umidade ao ar, de forma conjunta e paralela em sua ação.
Também é certo que o terceiro parâmetro do ar, seu movimento, atua sobre os
dois primeiros, já que o ar que se move sobre o corpo humano aumenta de
maneira simultânea a cessão de calor e umidade da pele para o ar. Por tudo isto,
podemos resumir as ações dos três parâmetros dizendo que, em linhas gerais,
maior temperatura e maior umidade do ar produzem mais sensação de calor,
enquanto que seu movimento produz sensação de frio.
Mais complicado é quantificar estas ações, ainda que no caso do movimento do
ar seja bastante simples fazer uma avaliação aproximada. Cada 0,3 m/s de
velocidade do ar equivalem a um decréscimo de 1º C na sensação térmica da
pessoa submetida a esta corrente de ar.
No caso da influência conjunta da temperatura e umidade, a quantificação é algo
mais complexo. Para realizá-la, utilizamos um gráfico relativamente simples,
colocando nas abscissas temperaturas do ar e nas ordenadas as quantidades de
vapor d’água presentes no ar (umidade).
Quanto mais para a direita ou mais para cima no gráfico significa maior
sensação de calor. Por outro lado, como existe um limite na quantidade de vapor
d’água que o ar pode conter para cada temperatura, existe um setor do gráfico
onde as condições não são fisicamente possíveis (a água presente no ar passa à
forma líqüida, condensando-se).
Definido assim o gráfico, podemos desenhar nele as linhas que correspondem a
iguais sensações de umidade ou secura (curvas de umidade relativa) e, mais
importante, as linhas de igual quantidade de energia no ar, ar retas de entalpia
constante.
Estas linhas de entalpia constante correspondem, com relativa precisão, com as
sensações térmicas das pessoas. Assim, as linhas mais à direita (e mais altas) no

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gráfico correspondem com sensações de mais calor, e as situadas mais a


esquerda, com sensações de mais frio.
Mas esta regra geral deixa de ser válida em certas condições especiais, quando se
unem o ar frio (não é preciso que seja muito frio), com altas taxas de umidade.
Neste caso, a maior umidade não significa maior sensação de calor, como
ocorrem nos outros casos, mas maior sensação de frio. Este fato se aplica no
caso de pessoas vestidas, nas quais o umedecimento da roupa aumenta a
condutividade e pioram indiretamente as condições, em especial em situações
estáticas de permanência prolongada. Este fenômeno, apesar de muito conhecido
pelas pessoas que vivem em climas litorais, curiosamente tende a ser esquecido
nos tratados clássicos de bem estar térmico.
De qualquer maneira, o que está reconhecido é que em condições de alta
umidade, a comodidade térmica é muito mais difícil. Inclusive em condições
próximas a do ar saturado, as pessoas passam diretamente de experimentar a
situação de calor, ao incômodo do frio, sem pontos confortáveis intermediários
em toda a gama de variações da temperatura do ar.
No extremo oposto, em condições de muito baixa umidade, também se chega a
um ponto de incômodo fisiológico, ainda que não seja térmico, na qual a secura
do ar resseca as mucosas nasais e dificulta em grande medida a respiração.
Entre estes limites, pois, se movimentam as condições de comodidade térmica.
Como sempre, esta comodidade dependerá dos fatores do usuário já comentados:
tipo de atividade, vestimenta, aclimatação, etc., sendo ingenuidade tentar fixar
valores concretos ou limites estritos para a comodidade, ainda que se consiga
muitas vezes fazê-lo desta maneira. Em geral, há que se considerar temperaturas
do ar entre 15 e 30º C, com umidades entre 40 e 80% da saturação para cada
temperatura.
Dentro destes valores o bem estar será possível, dependendo sempre dos já
mencionados fatores, mas, o mais provável é que, para determinadas condições,
a imensa maioria dos usuários se mostra insatisfeita ou pelo menos incomodada,
coisa que costuma acontecer nos edifícios que habitamos.
O problema do conforto térmico é de difícil solução, si é que ela existe, e talvez a
única atuação razoável seja oferecer ao usuário as máximas possibilidades de
controle sobre as condições de seu ambiente e, em quaisquer circunstâncias,
procurar que este entorno tenha certa “variabilidade natural” no tempo, que,
como já foi comentado, sempre facilitará uma melhor adaptação às condições
ambientais.
É de sua natureza que o interior dos edifícios apresentem condições ambientais
particulares, diferentes das do ambiente exterior e, teoricamente, mais
adequadas à ocupação humana. Entre estas condições, as temperatura e
umidade do ar merecem um comentário particular.
Os espaços interiores da arquitetura apresentam, no geral, temperaturas menos
variáveis que o exterior, e isso acontece simplesmente pelo efeito de barreira e
acumulação de energia que os fechamentos produzem por si só. Por outro lado,

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nos interiores as temperaturas e umidades são sempre ligeiramente superiores


as do exterior, devido ao efeito da ocupação e da imobilidade do ar no interior
Segundo este raciocínio, o normal e lógico é que as condições térmicas interiores
sejam mais agradáveis que as exteriores, mas, por desgraça, em alguns países,
em especial em tempo quente, sucede com freqüência o contrário e no interior se
dão condições piores que as que se apresentam no exterior. Em certo sentido se
poderia afirmar que muitos edifícios “funcionam pior que o clima”.
A causa direta deste desconforto costuma ser o simples excesso de umidade. Em
condições de calor e com o ar mais ou menos imóvel, a sensação de desconforto
produz um grande incomodo só mitigável se si consegue gerar um movimento do
ar capaz de reduzir a sensação de calor ao incrementar as perdas por convecção
e evaporação da transpiração do corpo.
Menos conhecido, mas igualmente grave, é o caso, já comentado, em que
coincide uma temperatura algo baixa com umidade elevada. Neste caso, o
umedecimento da roupa produz, em exposições prolongadas, uma nítida
sensação de frio interior, muito difícil de combater. Ainda que neste caso a
solução óbvia seja aumentar a temperatura (com o que também se diminui a
umidade relativa do ar), esta não é a única solução possível.
A solução alternativa ou, melhor dizendo, complementar, consiste em produzir
uma ventilação adequada. Embora inicialmente isto esfrie mais ainda o ar
interior, se produz também um acentuado decréscimo de umidade, as roupas
secam e, em última instância, aumenta a sensação de bem estar.
Poucas vezes este princípio é totalmente entendido e, desgraçadamente, no
inverno, é freqüente encontrar interiores tão carregados de umidade que chega a
produzir-se névoa no mesmo, além das condensações que acontecem em todas
as superfícies frias. Nestas condições é praticamente impossível obter um bem
estar térmico, por mais que atuemos sobre a temperatura do ar.
Como todas as atividades humanas que acontecem no interior de um edifício na
prática geram umidade, uma vez que seus ocupantes a desprendem em suas
respiração e evaporação, a solução para combater seu excesso do ponto de vista
do desenho arquitetônico consiste em facilitar a ventilação.
Por outro lado, a arquitetura moderna, com tetos baixos, ocupações elevadas e
fechamentos com freqüência impenetráveis à passagem do vapor d’água, esta
necessidade de ventilação se faz de maneira mais marcante ainda.
Em conseqüência, no caso de climas úmidos e tanto no inverno como no verão,
as estratégias de ventilação têm uma importância básica nos edifícios. O clima
do ar e da umidade, complexo por natureza, pede da arquitetura soluções
igualmente complexas.
Supondo então que pretendemos otimizar o funcionamento natural dos edifícios
de climas temperados, devemos distinguir numa primeira aproximação os
regimes de inverno o de verão, tendo em mente que, as situações que se

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apresentam em épocas intermediárias serão assimiladas por um dos dois


anteriores.
Em situação de frio, no inverno, a estratégia principal consistirá em conservar o
ar quente do interior. Será conveniente isolar ao máximo os fechamentos,
dificultando a perda de calor por transmissão através dos mesmos. Ao planejar
este isolamento é proveitoso ter em conta as características térmicas do espaço
exterior, diferenciando e reforçando o isolamento nas zonas mais frias ou
expostas ao vento, mesmo que em detrimento dos fechamentos que se conectam
com zonas mais protegidas (fachadas orientadas para o sul ou que dão para
pátios internos).
Além do isolamento, é também importante limitar as penetrações do ar exterior
frio e as conseqüentes perdas de ar quente do interior. Isto significa conferir
estanquidade aos fechamentos e aberturas praticáveis, como portas e janelas. No
entanto, esta redução de perda de calor por ventilação tem seus limites e muitas
vezes não é prudente exagerar na dita estanquidade.
Para efeitos higiênicos, sempre é necessária uma renovação do ar interior que se
supõe viciado. Entre 15 a 20 m³ de ar por hora e pessoa são os parâmetros
mínimos aconselháveis a este respeito. Além do que, em climas úmidos no
inverno a renovação do ar é necessária para combater os já mencionados efeitos
perniciosos da alta umidade interior. Neste caso, o limite inferior a considerar é o
de renovar, no mínimo, a metade do volume do ar interior.
Com estas limitações, nestes climas, não é muito útil melhorar excessivamente a
estanquidade e, mesmo as melhoras no isolamento resultam irrelevantes
comparadas com as perdas de calor pela renovação do ar.
De qualquer forma, o comportamento térmico do edifício será, nos climas
tratados aqui, suficientemente eficiente na busca de condições térmicas
interiores adequadas, tendo em consideração também o aporte de calor que
provocado pela radiação solar (ver O clima da luz e do sol).
Outro tipo de abordagem deve ser usado no caso do verão. Nele a estratégia
principal será o aproveitamento máximo dos benefícios da ventilação. Considera-
se, de maneira geral, que a dita ventilação pode contribuir para a comodidade de
diversas formas, tais como:
a) A ação contra a umidade. O ar exterior, embora seja úmido, em valores
absolutos sempre os será menos que o ar interior estagnado. Neste caso se
deve favorecer a ventilação contínua, de dia e de noite, embora o volume de ar
não precise ser muito elevado (2 ou 3 volumes/h serão suficientes para
conseguir boas condições).
b) A ação direta da corrente de ar sobre o corpo humano que, como já sabemos,
melhorará (conforme a velocidade do vento) a sensação térmica em alguns
graus. Aqui o perigo será permitir a introdução do ar exterior mais quente que
o interior, com o que se perderiam as vantagens desta ação.

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Por outro lado, existem limites de comodidade para a velocidade do ar, que
não convém que ultrapasse um metro por segundo (1 m/s). Com esta tática, a
ventilação contínua e de fluxo alto supõe, para ser efetiva, um intercambio de
ar interior-exterior superior aos 30 volumes/hora.
c) A renovação do ar interior com o ar exterior à temperatura mais baixa (e
também de menor umidade, se possível), se pode conseguir mediante
ventilação noturna ou ventilação procedente de zonas especiais, onde o ar é
mais fresco (pátios arborizados, subterrâneos, etc.).
Nestes casos não é necessário que a renovação seja muito alta e, mesmo quando
se toma ar das chamadas zonas especiais, convém limitar o fluxo para evitar o
rápido esgotamento da reserva de ar fresco.
A aplicação destas diferentes táticas nos edifícios implicará na existência de uma
disposição de aberturas tal que permita dispor com simplicidade os diferentes
tipos de ventilação. Em geral, serão imprescindíveis aberturas para a saída do ar
na parte alta dos locais, outras dispostas nas paredes verticais de fachadas
opostas, para permitir a ventilação cruzada no caso de existir vento e, por último,
como solução de desenho básico, a disposição de zonas exteriores ou semi-
interiores frescas, subterrâneos, pátios ou jardins, com reserva de ar fresco.
No caso mais complicado da ventilação cruzada, usada para refrigeração direta
sobre o corpo, existe a necessidade de um fluxo de ar muito maior, que pode ser
mitigada com a escolha de zonas interiores preferenciais para a passagem da
corrente de ar, em detrimento de outras zonas de menor ocupação, onde se
permite um ar mais estático.
As soluções arquitetônicas necessárias para conseguir um clima e umidade
adequados do ar, são mais complexas do que em outros climas da arquitetura, já
que significam solucionar os casos de inverno, crítico em qualquer clima frio
temperado, mas sem comprometer o comportamento do mesmo edifício no verão,
quando algumas das soluções de inverno atuam negativamente sobre as
condições térmicas anteriores.
Para o inverno, deve-se considerar no projeto os seguintes resultados:
1) “Forma geral do edifico compacta”, que evita entradas e saídas que
aumentam as superfícies de perda e favorece o desenvolvimento de fachadas
orientadas entre sudeste e sudoeste, em detrimento das outras.
2) “Isolamento dos fechamentos”, reforçado na orientação norte e na cobertura
do edifício (10 centímetros de material isolante e vidro duplo com câmera nas
aberturas) e, mesmo que em menor medida, isolar também os contatos com
locais auxiliares e com o terreno.
3) “Fechamentos praticáveis” com estanquidade relativamente alta, mas, em
casos de climas úmidos, conservando as possibilidades de ventilação que
renovem o ar dos locais sem que as correntes incidam sobre os ocupantes. Na
distribuição das aberturas devem-se levar em consideração os ventos frios e

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intensos, que devem ser evitados, sendo mais adequadas as orientações nas
direções de brisas suaves e freqüentes.
4) “Isolamento móvel nas janelas”, mediante uma segunda janela com material
isolante na sua composição, ou cortinas que criem barreira à passagem do ar.
Para o caso do verão, as soluções adequadas serão:
1) Assegurar uma “saída de ar permanente” na parte mais alta de cada local e
do edifício em seu conjunto. A área de passagem deste ar a ser eliminado, em
metros quadrados, deve ser proporcional ao volume a ser ventilado dividido
por 40 (quarenta).
2) Assegurar uma ou várias “entradas de ar” na parte inferior dos locais, se
possível dando para zonas ou espaços onde o ar esteja em boas condições de
temperatura e umidade. Estas aberturas devem ter uma área de passagem
total da ordem de uma vez e meia as mencionadas no item anterior.
3) Além das soluções anteriores, será conveniente prever “aberturas
praticáveis” que se comuniquem, pelo menos, com zonas exteriores em
condições de temperatura e vento diferentes. A área de passagem destas
aberturas devem ser proporcionais ao volume do local dividido por 20, tanto
para a entrada como para a saída do ar.
Reunindo estas soluções, estará assegurado, em condições normais, o
funcionamento das estratégias de ventilação mencionadas anteriormente (anti
umidade, ação sobre o corpo e refrigeração noturna). No entanto, as áreas de
passagem mencionadas podem representar pontos fracos no isolamento de
inverno, embora as aberturas praticáveis estejam fechadas. Por este motivo pode-
se reduzir as ditas aberturas a menos da metade do aconselhado, sempre que
isso signifique o favorecimento da eficiência dos diferentes tipos de ventilação
com um desenho adequado. Uma escolha precisa da localização das aberturas e
da colocação de dispositivos ou sistemas especiais que favoreçam a circulação e,
no caso, o tratamento do ar de ventilação, veremos ao tratar do “clima do vento e
da brisa”.
Como resumo geral, seja através do desenho arquitetônico ou utilizando alguns
dos sistemas especiais tratados mais adiante, o “clima do ar e da umidade”
implica, tanto uma boa abordagem arquitetônica, como um correto uso do
edifício por parte de seus ocupantes, contemplando conjuntamente os casos de
inverno e verão.
Deste modo pode se assegurar um funcionamento ambiental da arquitetura
muito superior ao que normalmente acontece; no entanto existem outros
aspectos, que ainda não tratamos e que atual de forma importante no conforto
ambiental dos usuários, em especial o “clima da luz e do sol”, que não deverá ser
desconectado nunca do que foi tratado no presente capítulo.

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Capítulo IV.
O clima da luz e do sol.

A radiação eletromagnética é, talvez, a principal fonte de energia presente no


nosso entorno. Partículas sem massa, o fótons, atravessam o universo à
velocidades inacessíveis. O padrão de comportamento destas radiações são as de
um movimento ondulatório, com ondas longitudinais, portanto, que neste caso
pode variar desde valores muito pequenos até quilômetros.
De toda esta ampla gama de radiações, existe uma pequena faixa, entre 380 e
760 nanômetros e comprimento de onda, que são radiações perceptíveis pelo
olho humano. Estas radiações formam a luz visível e nela se baseia grande parte
da percepção humana e, com ela, do conhecimento que temos de nosso entorno.
Mas esta importância da luz não deve nos fazer esquecer que existem muitas
outras radiações no espaço que nos rodeia. Todo corpo que esteja a uma
temperatura acima do zero absoluto (- 273º C) emite algum tipo de radiação e,
esta radiação é emitida em maior quantidade quanto mais alta for sua
temperatura. Quando a temperatura superficial do corpo muito alta o suficiente,
parte desta radiação é visível na forma de luz.
A superfície do sol, muito quente, emite uma grande quantidade de radiação na
faixa visível do espectro. Isto não é acidental, o sistema visual dos animais que
povoam a Terra se adaptou, logicamente, à radiação presente em maior
quantidade no seu entorno, e seus órgãos de visão têm a máxima sensibilidade
onde há mais radiação. Por isso, a luz solar é a base mais importante de nossa
percepção e a mais cômoda para a nossa visão, coisa que, freqüentemente,
parece que esquecemos.
Mas, afinal, a luz não é mais que uma radiação particular e as radiações são
uma forma de energia que atravessa o espaço, indo de um a outro lugar de forma
praticamente instantânea.
Como todas as formas de energia acabam sempre se transformando em energia
térmica, as radiações se transformam em calor ao ser absorvida pela superfície
dos corpos a ela expostas. Por esta razão, pode-se dizer que, no final, a luz
também é calor, tanto na natureza como na arquitetura. Daí que iluminar um
espaço significa aquecê-lo, tanto mais quanto mais luz penetre no mesmo. De
todas as formas, antes de voltar a considerar este aspecto térmico, vamos
analisar um pouco mais o aspecto luminoso.
Entre as diferentes fontes de luz de que dispõe o ser humano, a natural do sol é
a que oferece os mais elevados rendimentos luminosos. Em outras palavras,
iluminando um determinado espaço com luz natural e com um determinado nível
de luz, a quantidade de calor resultante no espaço iluminado é menor do que a
que o calor gerado com sistemas de iluminação artificial. Além do que, se
levarmos em consideração que a luz solar reproduz as cores da melhor forma
possível, nos parece absurdo que iluminemos artificialmente nossos edifícios
durante o dia.

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A iluminação artificial, primeiro com gás e depois com eletricidade, nos permitiu
conquistar a noite, não só para o trabalho mas, sobretudo, para recreação. Mas
esta conquista nos levou, infantilmente, a supervalorizar as possibilidades desta
luz artificial e com isso a projetar arquiteturas só habitáveis, de dia e de noite,
com a ajuda deste tipo de iluminação. O moderno paradoxo arquitetônico de
edifícios totalmente revestidos de vidro e com a iluminação artificial interior em
funcionamento durante todo o dia, não é mais do que a conseqüência desta
ingênua fé na artificialidade.
O clima da luz e do sol é, em grande parte, um tema relacionado com a
visibilidade. Dos diferentes parâmetros relacionados com o bem estar, os
luminosos se resumem, muitas vezes de forma equivocadas, em um nível ou
96quantidade de luz (iluminação), mas o que o olho humano vê não são as
quantidades de luz que chegam às superfícies, mas a luz que está sendo refletida
até o olho (luminância).
O que resume a comodidade visual (e a percepção) com maior fidelidade, é o
conceito de visibilidade, que depende das relações entre as claridades
(luminâncias) presentes no campo visual e muito pouco do valor absoluto destas
luminâncias.
A visibilidade inclui os efeitos de deslumbramento3, que é a capacidade de ver
com o mínimo esforço aquilo que o ser humano quer observar; mas considera
este efeito um caso particular de um conceito mais global. Este conceito pode ser
exemplificado perfeitamente com um caso concreto.
Nos países mediterrâneos, onde os dias de inverno são curtos e os de verão mais
longos, como nas costas e ilhas temperadas pelas brisas, a arquitetura se veste
de branco, refletindo descaradamente toda luz visível para evitar seu calor. Mas,
surpreendentemente, as janelas são cobertas por persianas escuras,
normalmente verdes ou marrons, que se destacam sobre as brancas paredes dos
edifícios.
Terá, talvez, a saudade da cor da vegetação, se perdido sob o sol cruel?
Inconstância estética de uma arquitetura tão escassa em recursos? Ou, talvez a
técnica protetora da madeira, própria dos pescadores, tenha sido transferida
para a arquitetura? Em qualquer caso, o fenômeno nos surpreende, a cor escura
absorverá a radiação e a transformará numa maior quantidade de calor presente
no ar e os espaços interiores ficarão inutilizados por falta de iluminação.
Por trás destas considerações, uma vez mais se esconde uma sábia técnica da
arquitetura popular. Porque com o uso da persiana mediterrânea se consegue
uma adequada visibilidade no interior, reduzindo ao mínimo imprescindível a
quantidade de luz que penetra no ambiente e, portanto, também a quantidade de
calor.
A única luz que entra nos locais é a luz refletida pelas superfícies exteriores
(normalmente brancas ou de cor clara) que, também, o faz numa única direção, a

3 Que causa ofuscamento e/ou cegueira.

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das lâminas das persianas, que absorve a radiação que não segue esta direção
ascendente.
Como resultado os raios vão incidir diretamente sobre o teto do local, sempre de
cor branca, e daí se distribui de forma difusa pelo dito local. Desta forma, o
resultado é um espaço interior escuro, com uma mancha clara no teto, sobre a
janela, para onde normalmente a visão humana não está orientada.
Em conseqüência, no campo visual dos ocupantes do local não existe nenhuma
superfície de grande claridade, que obrigue a visão a reduzir sua sensibilidade. A
cor escura da persiana reduz a claridade do interior e as áreas mais claras
estarão sobre a mesa, o livro ou o trabalho a ser realizado, iluminado pela
mancha de luz no teto, que fica fora de nossa visão principal.
Se mudássemos as condições, abrindo a persiana, teríamos muito maior
quantidade de luz no espaço, mas a visão do exterior através da persiana, com as
altíssimas claridades de fora, propiciaria uma visibilidade muito pior.
Secundariamente, neste caso, teríamos um aporte muito maior de calor.
Por último, podemos dizer que a luz num espaço é, sobretudo, um problema de
equilíbrio entre as claridades do mesmo. Se também considerarmos como a
direção da luz que incide sobre os objetos (luz dirigida ou luz difusa), produz
sombras que acentuam ou mascaram sua forma, o que é também um jogo de
claridades, obteremos com ela a maior parte dos efeitos visuais da arquitetura.
O efeito da luz que nos permite observar as cores é resultado da reflexão desta
nas superfícies dos objetos observados. Ainda que a legibilidade do espaço
dependa mais do jogo de claridades do que de suas cores, a influência consciente
ou inconsciente da cor da luz e das superfícies que a refletem, têm uma
importância decisiva no bem estar de seus usuários.
Quando consideramos a cor, de modo geral, é quando mais se acentua a
diferença de qualidade entre a iluminação natural da artificial. A entrada de
radiação solar direta tem uma distribuição espectral que consideramos “perfeito”
e as cores dos objetos, refletindo esta luz, são as únicas que consideramos
verdadeiras. Esta qualidade da luz natural, unida a sua economia energética,
justifica qualquer esforço de desenho arquitetônico que contribua para que os
edifícios só utilizem este tipo de luz durante as horas diurnas.
Porque, além disso, existe uma correlação demonstrada entre o tipo de luz e o
ciclo dia-noite, que influi sobre as reações humanas, inclusive sobre sua saúde
fisiológica. O organismo humano, preparado para um ciclo luz-escuridão
determinado, se ajusta com certa dificuldade a estas condições artificiais de
nossa cultura, com excesso de luz em horas noturnas e escassez e pouca
adequação nas diurnas.
Mas o clima da luz e do sol não termina com os efeitos visuais e seria um erro
limitar as análises a esta parte. Como dizíamos no início, as radiações são uma
forma de energia que, como todas, acaba se transformando em calor. A parte
mais importante da influência do clima da luz e do sol sobre o bem estar térmico,
é conseqüência direta disto.

20
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O bem estar térmico se relaciona com quatro parâmetros: temperatura do ar,


radiação, umidade e movimento do ar. Dos quatro, o único que não está
relacionado com o ar é a radiação, que depende do clima da luz e do sol que
estamos comentando.
A importância da radiação sobre a comodidade térmica é muito maior do que
nossos inseguros sentidos parecem explicar-nos. Enganados pela materialidade
do ar, freqüentemente lhe atribuímos a responsabilidade de sensações térmicas
que na realidade provêm de efeitos radiantes.
Quase a metade dos intercâmbios de energia do corpo humano com o ambiente
se realiza por radiação. A pele emite radiação e recebe a radiação emitida pelos
corpos que a rodeiam. Todo o processo é independente do contato com o meio
natural (o ar); o resultado é uma sensação térmica, agradável ou não conforme o
equilíbrio resultante e que, com baixas velocidades do ar depende deste
parâmetro em aproximadamente 50%.
Partindo deste princípio, qualquer estudo do funcionamento térmico da
arquitetura deveria começar pela radiação, e não pela temperatura do ar, como
se faz normalmente. Para entender melhor o processo, analisemos brevemente
como se produzem os fenômenos radiantes nos edifícios.
Sobre os fechamentos de qualquer edifício, constantemente estão incidindo
radiações procedentes do entorno, ao mesmo tempo em que suas próprias
superfícies estão emitindo radiação. No caso em que se dêem aportes diretos de
energia solar, seus valores superam em uma ou duas vezes as do resto dos
intercâmbios radiantes.
Nestas circunstâncias, parte da radiação solar penetra diretamente no interior
das aberturas e outra parte é absorvida pelas paredes e coberturas, esquentando
estes elementos construtivos. A energia que se acumula nos fechamentos acaba
penetrando em grande parte no interior, com um atraso e uma amortização que
dependem, fundamentalmente, do peso (a inércia térmica) destes fechamentos.
A repercussão no ambiente interior é conseqüência do fato de que as superfícies
dos fechamentos, aquecidos conforme processo descrito acima, cede calor para o
ar interior, mas, sobretudo, se transformas em superfícies radiantes que influem
diretamente no bem estar térmico dos ocupantes do espaço. No entanto, e ao
mesmo tempo, os mesmos fechamentos podem se esfriar na sua superfície
exterior, por emissão de radiação ou contato com o ar em horas noturnas ou em
tempo frio. O resultado é uma temperatura radiante para o interior, que influi na
comodidade, com uma importância muito maior do que se acredita normalmente.
Em última instância, o estado energético de um ambiente depende basicamente
da radiação que penetra: diretamente pelas aberturas ou indiretamente pelos
fechamentos opacos em forma de calor. Assim se cria um entorno radiante, no
qual a temperatura do ar é um subproduto e as pessoas experimentam suas
sensações térmicas.
Em situação de frio, no inverno, qualquer aporte de energia é conveniente, Mas
em geral esta situação coincide com baixos níveis de radiação exterior, onde

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somente o aporte direto de energia solar que penetra pelas aberturas, permite
aquecer um interior no qual se deve evitar a perda de calor, isolando os
fechamentos opacos e colocando elementos transparentes nas aberturas, o que
permite a entrada do sol e evita a perda do ar aquecido do interior.
Na verdade, esta situação é relativamente simples. Só é preciso orientar as
aberturas na direção do sol no inverno (entre sudeste e sudoeste) e isolar
convenientemente o ar interior com relação ao exterior. Nos casos mais extremos
pode ser conveniente reforçar a captação de energia, convertendo algumas
superfícies opacas orientadas para o sul em superfícies captoras, simplesmente
pintando-as de cor escura e revestindo-as de material transparente, o que
permite o acesso do sol e dificulta seu esfriamento por contato com o ar exterior
ou por radiação própria.
Com estas estratégias aplicadas de uma maneira coerente é relativamente
simples solucionar, ou pelo menos melhorar, a situação em caso de tempo frio.
Outra coisa será a situação de calor, no verão, na qual os fenômenos são mais
complexos e, embora as conseqüências sejam menos críticas, a solução
arquitetônica é mais difícil.
Na dita situação de calor o fator de maior gravidade é a penetração de radiação
solar direta, que procederá basicamente das direções leste, oeste e zenital. Mas, o
que não se considera normal é que, embora o sol não incida de forma direta, nos
prédios podem penetrar importantes quantidades de energia radiante e sua
prevenção é também obrigatória se queremos evitar sobreaquecimentos
interiores.
O sol refletido no exterior, em outros edifícios ou em terrenos claros, é outro
importante aporte de energia quando penetra por aberturas sem incidência de
radiação solar direta. Neste caso, as aberturas para o norte ou as que se oriental
para o sul protegida por protegidas por beirais, pode significar forte aquecimento
não previsto.
Sempre, quer se trate de aporte direto ou refletido, a entrada de energia está
associada, e é proporcional, à entrada de luz. Por isso existe uma tática fácil de
utilizar em tempos quentes, escurecer os espaços durante o dia, o que é
adequado tanto para climas secos como para climas úmidos.
Mais prejudicial é a entrada de radiação reemitida, que ocorre quando as
superfícies, aquecidas previamente pelo sol, emitem sua própria radiação. Neste
caso se trata de radiação não visível, ou seja, não denuncia sua presença com a
luz, mas que também pode representar importante fonte de aquecimento nos
interiores que a recebem. Além do que, como já comentamos, esta reemissão
pode ser o resultado do aquecimento por radiação solar dos próprios
fechamentos opacos do edifício, que vem a se somar à radiação reemitida pelas
superfícies exteriores e que penetram através das aberturas.
Para solucionar o problema, a tática do escurecimento já não é suficiente e, se
queremos evitar seus efeitos perniciosos, será preciso utilizar recursos mais
sofisticados e menos aparentes.

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Evitar o sobreaquecimento por radiação em tempo quente exige uma estratégia


global que deve ser desenvolvida no projeto de arquitetura e que pode-se resumir
em três etapas e uma regra geral, a seguir:
Como primeira etapa, evitar ao máximo a incidência da radiação solar sobre o
edifício e a entrada da mesma nos espaços interiores. Isso pode ser conseguido
com barreiras vegetais ao leste e oeste, orientando o edifício no sentido sul e
norte, evitando as aberturas ao nascente, poente e zenital, protegendo com
beirais ou saliências as fachadas ao sul e colocando persianas nas aberturas
onde incide o sol.
Como segunda etapa e resolvida a etapa anterior, deve evitar-se a entrada de
radiação refletida, que pode proceder de qualquer direção. Para isso é necessário
prever sistemas de escurecimento em todas as aberturas, procurando permitir a
sua ventilação e uma entrada de luz que seja facilmente controlável (ver
comentários sobre a persiana mediterrânea).
Como terceira etapa, e última, resolvida as duas anteriores, reduzir ao máximo a
penetração no interior de radiações reemitidas de qualquer tipo. Para isso, além
de criar proteções nas aberturas para que as mesmas cumpram esta finalidade,
se deve proteger com câmaras de ar e acabamentos exteriores claros as massas
construídas dos fechamentos do edifício, paredes e cobertura. É especialmente
crítica o caso da penetração de calor pela cobertura, que só pode evitar-se
eficientemente criando uma câmara ventilada que impeça o aquecimento da dita
cobertura.
Por último, a regra geral, que pode ser aplicada em todas as etapas e a qualquer
edifício em tempo quente, que deter a radiação “o quanto antes”. Se a barreira é
uma árvore o resultado será melhor do que uma trepadeira; uma parede dupla
com uma câmara de ar ventilada será melhor do que caiar a superfície da
parede, mas, uma superfície branca será mais útil que uma isolamento interno,
melhor uma persiana exterior do que uma interior, etc. Cumprida esta regra, as
condições térmicas dos interiores no verão apresentam uma considerável
melhora.
Em resumo, o clima da luz e do sol na arquitetura é o clima da luz e da sensação
térmica. Trata-se de um clima de difícil avaliação, que freqüentemente engana as
pessoas com respeito às causas de nossas sensações. As soluções são, na
maioria das vezes, relativamente complexas e condicionam o desenvolvimento do
projeto de arquitetura, uma vez que, tendo em mente as etapas e regra
anteriores, pode-se afirmar que soluções acrescentadas posteriormente não
funcionam quase nunca.

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Capítulo V.
O clima das paredes.

Quando imaginamos conceitualmente um edifício, são suas paredes que, talvez,


identificamos com sua forma, e mesmo com sua função. Embora, numa análise
mais rigorosa, deveria ser a cobertura a assumir o verdadeiro protagonismo da
forma do espaço interior, mas, na visão tendenciosa do usuário, e, inclusive, na
mais especializada dos arquitetos, é dada a máxima importância a estas paredes
que tão aparente são à nossa vista. Mesmo quando nelas existem aberturas, nós
as entendemos melhor como vazios nas superfícies que são a aparência positiva
da arquitetura e falamos em termos de “cheios e vazios” de uma fachada.
Quando a moderna arquitetura pretende romper com fictícias continuidades, e a
separação interior-exterior substitui suas paredes opacas por painéis totalmente
envidraçados, na verdade está se introduzindo a desmistificação de uma longa
tradição construtiva que, logicamente, produz no usuário e observadores certa
tensão. Mas esta resposta de tipo psicológico não é a única, e existem, como
veremos, repercussões de ordem funcional talvez mais importantes e, entre elas,
se destacam as do tipo ambiental.
As paredes não são só imagem ou suporte estrutural, nelas e com elas se atua de
forma decisiva sobre o ambiente interior dos edifícios, ao ponto de podermos falar
de “clima das paredes”; entendendo por “parede”, no sentido amplo, a todos os
fechamentos opacos que separam o espaço interior do exterior.
Conceitualmente, as paredes são barreiras, separação entre um ambiente
controlado e outro que não o é. Desta forma, si se entende arquitetura como
abrigo e proteção contra as agressões do mundo exterior, a denominação de
barreira para os elementos que cumprem este papel é a que melhor define esta
maneira de ver a arquitetura.
Mas, quando se pensa numa barreira, se assume uma separação total, prefeita,
algo que nunca acontece totalmente com as paredes que construímos. Para
certos agentes exteriores, como é o caso da radiação visível (a luz) e do vento (o
ar), esta ação de barreira é perfeita, ou quase perfeita. No entanto, outros
agentes, como o calor, o som e a umidade, não são totalmente detidos pelas
paredes, mesmo que assim desejem, quase sempre, o arquiteto e o usuário.
Por outro lado, o efeito barreira deve ser considerado em ambos os sentidos e,
por isso, convém analisar não só os efeitos que entram, mas também os que
saem. Às vezes interessa uma barreira a um agente exterior, no caso a água,
mas, ao mesmo tempo, seria conveniente que a mesma matéria, a umidade do ar
interior, pudesse sair. Deste tipo de contradição nasce a sutil variedade das
ações desempenhadas pelas paredes e seus efeitos sobre o ambiente.
Mas, também, as paredes interagem com o ambiente, não só detendo ou
deixando passar as energias em tempo real, mas, também, influindo sobre as
qualidades deste ambiente. Ao refletir a luz ou ressaltar o som, o espaço interior
muda suas características e, por causa disso, um acabamento interior (cor,

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textura, porosidade, etc.), pode, às vezes, influir mais sobre o ambiente


resultante do que as dimensões ou a forma do espaço.
Por último, se nos centramos no tema climático, entendido como comportamento
térmico da arquitetura, as paredes têm um papel importantíssimo sobre as
condições interiores, não só porque atuam como parreira à passagem do calor,
mas porque, também, são capazes de acumular energia térmica, e este efeito
pode ser decisivo sobre as condições de habitabilidade de um edifício.
O que vem a ser o motivo expresso que transforma o clima das paredes em
característica fundamental da arquitetura, a seguir, com maior detalhe,
comentaremos a ação deste clima sobre os espaços interiores.
As paredes e a radiação são o primeiro tema a ser abordado dada sua dupla
influência, térmica e luminosa, e a importância do tema radiação já tratado
anteriormente. As paredes, como já vimos, são obstáculos á radiação, de modo
geral e barreira à luz. Na verdade, o processo de funcionamento pode ser
analisado da seguinte forma:
Os fechamentos de um edifício recebem a radiação solar incidente, seja direta,
difusa ou refletida. Desta radiação, e conforme o acabamento superficial da
parede, uma parte é refletida e outra absorvida, sem que nenhuma parte desta
radiação seja transmitida diretamente até o interior. Segundo esta análise, não
existe penetração direta de radiação através das paredes e, portanto, tampouco
penetração de luz.
A parte absorvida da radiação, menor quanto mais clara for a cor do fechamento,
se transforma em energia térmica que aquece a parede. Esta transmite parte do
calor até o interior, que é cedido aquecendo diretamente o ar e emitindo radiação
(sem luz) para o interior, o que é chamado reemissão. Neste sentido
consideramos que, ainda que as paredes se comportem como uma barreira quase
total à radiação, ela não o é para a energia térmica que esta radiação comporta, o
que pode representar um problema crítico para o seu funcionamento no verão.
Além do seu comportamento a respeito da radiação solar que recebem, os
fechamentos opacos dos edifícios, também estão envolvidos em outros fenômenos
radiantes. Como qualquer superfície com temperatura acima do zero (-273º C),
emitem radiação de onda larga, que se contrapõe à radiação que recebem do
entorno.
Normalmente estes intercâmbios são pouco significativos, mas quando o entorno
está muito frio e, portanto, envia pouca radiação até a parede, esta se esfria de
forma notável. Este é o caso das condições noturnas em climas secos, onde o céu
escuro envia pouquíssima radiação em troca da que recebe dos edifícios e, por
isso, as superfícies expostas chegam a se esfriar abaixo das temperaturas do ar.
O resultado final dos processos radiantes sobre as paredes é que estas se
convertem em bancos térmicos onde as perdas e ganhos de calor ao longo do
tempo repercute em seu estado térmico, com óbvias conseqüências nas
condições ambientais interiores.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra
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As paredes e o calor seria o segundo tema a ser tratado, que em parte é


conseqüência do anterior, já que a radiação, como já vimos, acaba se refletindo
no estado térmico das paredes. Mas, além deste efeito da radiação,
simultaneamente e em paralelo a ele, existe o da transmissão de calor entre o ar
interior e o exterior.
Ainda que os efeitos se sobreponham, é, fisicamente correto tratá-los com total
independência e compensar em seguida seus resultados, o que faz sentido do
ponto de vista do projeto arquitetônico.
Na transmissão de calor ar-ar através das paredes, costuma-se considerar o caso
teórico uniforme e infinito, onde o calor passa de um ambiente a outro em
sentido perpendicular ao fechamento e na forma de fluxo constante de energia,
correspondente à condições estáveis do ar interior e exterior.
Com esta abordagem, o desempenho das paredes é dada pelo seu isolamento
que, como sabemos, será maior quanto maior for a espessura do material
isolante incluído entre suas camadas (isolante: material leve que contenha
bolhas de ar imóvel, que isolam a passagem do calor).
Mas, na prática, a realidade é muito diferente. As paredes não são infinitas e
apresentam acidentes, aberturas e outras irregularidades que alteram o fluxo de
calor e, sobretudo, as condições não são estáveis em nenhum lado da parede,
onde as temperaturas mudam com o tempo, em especial as exteriores. Nestas
circunstâncias é de singular importância a capacidade acumuladora de calor da
própria parede.
A transmissão de calor através da parede em condições variáveis é afetada pela
inércia térmica da própria parede, que é função direta de seu peso. A inércia
térmica amortiza no tempo os efeitos das modificações da temperatura, dando
lugar a fluxos de energia mais regulares do que se produziriam através de
fechamentos com menor inércia, e reduzindo as oscilações de temperatura na
superfície interior com relação às da superfície exterior de parede.
Como, na prática, as temperaturas exteriores oscilam em três ciclos diferentes (o
dia-noite, o de dias sucessivos com a mudança do clima, e o anual), convém ver a
repercussão desta inércia das paredes sobre as ditas mudanças. Os efeitos são
pouco apreciáveis no ciclo anual, já que o retardamento da passagem do que as
paredes podem produzir, faz com que muitos dos períodos, frios ou quentes, só
se notem no interior do edifício horas ou até dias mais tarde, sendo estas
variações pouco relevantes no curso de um ano.
No ciclo de dias sucessivos, a inércia das paredes tem bastante importância. Os
atrasos de horas ou dias e as amortizações de vários graus na oscilação da
temperatura, são suficientes para que os interiores assim protegidos tenham
condições térmicas muito mais estáveis (em geral mais favoráveis) que o exterior.
Por último, no ciclo dia-noite, a inércia é decisiva, representando os atrasos
(mais de 6 horas em paredes normais) e a amortização (reduzindo a menos de
10%) um feito crucial sobre a resposta térmica interior, Na prática, esta inércia

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dos fechamentos são relativamente fáceis de conseguir e os resultados fazem com


que em seu interior não se note as oscilações exteriores.
Mas os efeitos da inércia da parede não terminam aqui. Sobreposto com o que
tem sobre a transmissão do calor, existe o da sua ação direta no interior
capturando e cedendo o dito calor. Neste caso, os fechamentos são ajudados
pelos elementos construtivos interiores (paredes, divisórias, metais, etc.) e pelo
próprio mobiliário ou outro conteúdo do interior do edifício. Sempre em função
direta de seu peso, todos os materiais situados num interior acumulam energia
térmica quando a temperatura sobe, cedendo o calor acumulado quando a
temperatura baixa, contribuindo para a estabilidade da temperatura interior.
Entre os materiais pesados do interior, a água, que pode estar contida em
qualquer tipo de recipiente, apresenta especial interesse. Em se tratando de um
material com capacidade calorífica cinco vezes superior a dos materiais de
construção normais, para um mesmo volume, e assim, mesmo pesando metade
dos outros materiais, é o melhor acumulador de calor possível para um interior.
Resumindo a relação entre as paredes e o comportamento radiante e térmico, em
termos gerais, a construção pesada é favorável atenuadora das variações
climáticas exteriores. Por isso, em todo tipo de climas, exceto nos quentes e
úmidos, é aconselhável que os edifícios disponham de elementos construtivos
pesados e mais ainda se forem edifícios de ocupação permanente.
O único inconveniente poderia ser o maior custo construtivo deste tipo de
arquitetura, em especial por sua repercussão no dimensionamento dos
componentes da estrutura do edifício.
Mas ainda resta um terceiro tema a ser considerado; as paredes e o som, que
podem reafirmar a conveniência dos fechamentos e separações pesados na
arquitetura. Como é sabido e desenvolveremos mais adiante no “clima do
silencio”, os problemas acústicos básicos na nossa sociedade moderna são os
causados por penetração fora de controle de sons não desejados (ruídos) nos
ambientes habitados.
Nesta entrada de ruídos, sejam procedentes do exterior ou de locais vizinhos, os
fechamentos de separação desempenham um papel fundamental. Además,
resulta que o isolamento acústico de um painel de separação (parede, forjado,
etc.) é função quase direta de seu peso, crescendo este isolamento em
aproximadamente seis decibéis cada vez que se dobra o dito valor.
Segundo esta premissa supondo que não existam descontinuidades na
separação, quanto maior for a massa em quilograma por metro quadrado, melhor
será seu isolamento acústico. Este princípio será importante para melhorar as
separações leves, onde um incremento de 6 dB no isolamento será notável; mas
no caso de paredes que já tenham um certo peso, os custos elevados de dobrar
sua espessura não se justifica pelo pouco ganho relativo no isolamento.
Por causa disto, para isolar ruídos incidentes intensos (maiores que 80 dB), ou
para conseguir níveis de ruído interior muito baixo (menores que 20 dB), o
aumento de peso será insuficiente e será necessário fazer uso de soluções mais

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sofisticadas (paredes duplas independentes e com câmara separadora


absorvente).
De qualquer maneira, o peso é positivo acusticamente e, contrariamente à uma
crença erroneamente difundida, os materiais absorventes de som (poroso e leve)
não servem como isolante, exceto para melhorar as câmaras de ar. Da mesma
maneira, devemos insistir que, numa separação acústica dada, o ruído passa
pelo setor mais fraco, pelo que de nada adianta melhorar uma parede se existe
uma janela por onde o ruído possa passar.
O resultado é que, normalmente as paredes são úteis na arquitetura e melhoram
seu funcionamento térmico e acústico. Apesar disso, um objetivo perseguido
duramente pela arquitetura do século XX, tem sido a arquitetura sem paredes.
Em primeiro lugar pelo desenvolvimento de técnicas estruturais que permitem a
independência entre a sustentação e o fechamento de um edifício, e depois as
técnicas de trabalhos com novos materiais, que permitem uma arquitetura na
qual os fechamentos pesados praticamente deixaram de existir.
Pode-se pensar em motivações econômicas como justificativa para que estes
edifícios sejam revestidos de vidro, mas, acontece que estes revestimentos ainda
são mais caros do que os fechamentos convencionais, de tijolos cerâmicos ou de
blocos de cimento. É evidente, por outro lado, que existe uma motivação estética
e cultural muito forte por trás destas formas arquitetônicas. A estética
geométrica do vidro, com sua pureza e frigidez, é um fator, muitas vezes
inconsciente, que conduz o arquiteto e o promotor a desejar este tipo de
arquitetura, paradigma da modernidade.
Mas existe outra razão oculta por trás da moderna pretensão da arquitetura sem
paredes, que é a da comunicação do interior com o exterior ou, melhor dizendo,
certa necessidade de eliminar a separação com a natureza. Obviamente isso
acontece a nível psicológico coletivo. Numa sociedade que domina o entorno
natural, este já não se apresenta desagradável mas idealizado e transformado em
paisagem, quanto mais amplo e conectado às pessoas, melhor.
Esta é a explicação da ânsia latente em ampliar as janelas, para ter mais “vista”,
justificando o desejo formal que, desde o início do século, levou os arquitetos à
estética diamantina do vidro. Material que existe somente no reflexo, negando a
realidade que reflete e, ao não envelhecer, permite a ilusória união do espaço
interior com a paisagem.
Os ambiciosos arquitetos modernos são aprendizes da alquimia dos construtores
de catedrais que souberam converter as paredes em luz divina, mas hoje, o seu
empenho conseguiu que estas paredes desaparecessem; convertidas
exteriormente nas imagens que refletem e, do interior, substituídas pela
paisagem, que não é arquitetura.
Em última análise, a arquitetura moderna do vidro é a arquitetura do poder,
como o foram as catedrais há oito séculos. Uma vez mais o símbolo é mais
importante que o resultado e isso explica certos paradoxos no seu
funcionamento:

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a) A arquitetura sem paredes necessita de luz artificial acesa durante o dia. A


luz, a partir de valores relativamente baixos, não é um problema de
quantidade, mas de distribuição. Donde se pode concluir que as condições de
iluminação destes edifícios são deficientes, o que se agrava com vidros
especiais que evitam ou filtram a radiação (termicamente considerada), mas
que sempre perdem mais luz que calor na filtragem.
b) A arquitetura sem paredes favorece o contato visual com o exterior, mas
paradoxalmente fecha os usuários com painéis fixos que não se pode abrir
para ventilar ou colocar a cabeça ou a mão no exterior. Esta arquitetura,
artificialmente acondicionada do ponto de vista térmico, não permite que seus
ocupantes alcancem a nível físico o tentador exterior que se vê uma vez ou
outra.
c) O acondicionamento artificial, teórica garantia de comodidade interior, na
prática não pode resolver os problemas que o conceito de arquitetura sem
paredes apresenta. Os fechamentos leves de vidro não apresentam inércia, e
qualquer variação no conteúdo térmico no interior se transformam em
marcantes oscilações de temperatura, que a refrigeração do ar não chega a
resolver. Além do que, tudo isso esta unido aos aportes de radiação que o
vidro não chega nunca a filtrar suficientemente. Muitas vezes se ignora que
com cargas térmicas excessivas, o sistema de acondicionamento de ar será
sempre insuficiente, pois deveria insuflar ar demasiado frio ou demasiado
quente para ser útil, ou deveria mover um volume de ar tão alto (maior que
vinte volumes por hora), que o vento criado seria, por si só, desagradável.
O resultado de tudo isso é, no caminho em direção a um novo século, nostalgia
das paredes e de seu clima, das sábias proporções entre maciço e oco de
arquiteturas pretéritas, capazes de se adaptar sutilmente a todas as variações
climáticas. Como última contradição, orgulho, do que sabemos e alegremente
depreciamos.

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Capítulo VI.
O clima do vento e da brisa.

Ao tratar sobre “O clima do ar e da umidade” comentamos os efeitos sobre o


conforto, a comodidade e as estratégias gerais relacionadas à ventilação e ao
movimento do ar no interior dos edifícios. Para que possamos avaliar a
importância que tem esse movimento do ar sobre o desenho arquitetônico,
devemos complementar o capítulo anterior com algumas explicações sobre a
relação entre o vento e a arquitetura.
Como já vimos, a ação do vento sobre os edifícios têm repercussões diretas e
indiretas sobre as condições do ambiente interior. Por um lado, o vento influi no
micro-clima que envolve as construções; por outro, atua nos fechamentos do
edifício aumentando as perdas de calor para o exterior das superfícies sobre as
quais incide e, por último, penetrando por aberturas e fendas, gera movimento e
renovação do ar interior. Não só mudando as condições do interior mas, também,
afetando o bem estar térmico dos ocupantes, que notam em seus corpos os
efeitos do ar em movimento.
A origem da presença do vento é, uma vez mais, a radiação solar. O aquecimento
não uniforme das diferentes superfícies do planeta sob a ação do sol unido à sua
rotação, estabelece os padrões dos ventos em escala global. Em menor escala, as
características geográficas e topográficas são as que determinam os ventos
presentes num determinado micro-clima. Desta forma, em cada lugar da
geografia existe um regime de ventos irregular, no qual é muito difícil prever as
condições possíveis de intensidade e direção do vento num determinado
momento.
Apesar disso, existem fatores próprios de cada lugar que nos informam sobre a
probabilidade, maior ou menor, de que apareça um vento em concreto. Assim,
sabemos que em regiões próximas à costa, se origina um regime de brisas (mar-
terra de dia e terra-mar de noite), perpendiculares à costa, devido às diferentes
capacidades térmicas da água e da terra.
Igualmente, em regiões montanhosas ou próximas às florestas ou cidades, pode-
se supor quais serão os tipos de vento mais freqüentes, seja levando em
consideração como se geram as brisas nestas zonas limítrofes, onde a floresta
tem sempre mais inércia térmica do que o campo, e este mais do que as zonas
urbanizadas, ou considerando como as barreiras fixas do relevo, da vegetação ou
dos edifícios desviam os ventos predominantes do local.
As características do vento numa região determinada podem ser expressas
graficamente em diagramas que resumem, para cada mês ou estação do ano, a
direção dos ventos com sua freqüência e intensidade.
A partir do conhecimento dos registros meteorológicos dos ventos de uma
determinada zona segundo as diferentes épocas do ano e das modificações
geradas pelos fatores locais, tais como a topografia e outras características do

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entorno, se pode começar a pensar no vento com relação ao desenho e sua ação
sobre a arquitetura.
Esta ação representará proteger os edifícios dos ventos frios e impedir a geração
de correntes de ar indesejáveis no interior dos locais mas, por outro lado, em
caso de calor, será necessário favorecer a passagem do vento nos edifícios e
permitir a adequada ventilação interior dos mesmos com as pressões e
depressões que o originam.
Em todos estes casos será importante conhecer e controlar as ações dos
elementos construídos sobre o vento, e como se comporta o movimento e as
pressões do ar no entorno dos e no interior dos edifícios.
A primeira ação a ser considerada é a das barreiras que o vento pode encontrar
na sua circulação, sejam eles elementos naturais, construídos ou vegetais.
Como regra geral e para um vento típico e com qualquer um destes tipos de
barreira, a intensidade do vento será reduzida à metade até uma distância de dez
a quinze vezes a altura da barreira, sempre dependendo da forma da mesma.
Uma redução maior, de até um quarto da intensidade, se conseguirá com
barreiras contínuas (não vegetais), até a uma distância de dez vezes a altura da
barreira.
A proteção que as barreiras oferecem ao vento, como é lógico, não têm sua
aplicação restrita aos elementos construídos num determinado prédio mas
também influenciam a ação que este prédio exerce sobre seu entorno imediato e
sobre outras construções próximas.
Um caso que merece especial atenção, com relação à incidência do vento sobre os
edifícios, é o das árvores situadas em suas proximidades. A presença de áreas
arborizadas, em relação ao edifício, deve sinalizar a criação de zonas
diferenciadas no seu entorno, mais ou menos protegidas, ou que aumentem a
ação do vento, conforme sua disposição.
É importante estudar cada caso em planta e em corte, à nível de aproximação
gráfica ou, caso seja possível, em túnel de vento, já que as ações concretas em
um caso particular podem apresentar drasticamente modificadas com ligeira
modificação das proporções das barreiras utilizadas.
O passo seguinte consiste em analisar o efeito sobre os fechamentos do edifício e
dos fluxos de ar. Este efeito se pode resumir, na prática, nas pressões e
depressões que se criam sobre as diferentes superfícies que, em última instância,
geram as correntes de ar, desejadas ou não, através dos espaços interiores.
Sob uma forma básica simples, paralelepípeda, quando o vento incide
perpendicularmente a uma de suas faces, é gerada uma acentuada pressão na
dita face, uma depressão menor na face oposta e uma ligeira depressão nas faces
laterais, na zona mais próxima à face submetida à depressão.
Em outros casos, ao modificar a direção do vento ou a forma do edifício que o
recebe, modifica-se a partição das pressões sobre seus fechamentos.

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Logicamente, sempre se conserva a pressão nas superfícies que recebem o vento


e a pressão negativas nas superfícies situadas no sentido contrário mas, muitas
vezes, não é fácil conhecer o estado das superfícies restantes.
Por outro lado, a presença de irregularidades sobre as fachadas dos edifícios,
pode modificar a partição das pressões do vento, acentuando-as ou diminuindo-
as conforme o caso. Como já comentamos, o repertório de casos possíveis é
muito grande mas, apesar disso, aplicando-se a lógica e o senso comum aos
casos concretos, pode-se deduzir com bastante precisão a situação real.
Uma vez conhecida as pressões que o vento exerce sobre as superfícies de
fechamento do edifício, o passo seguinte é determinar os fluxos de ar através do
mesmo.
A primeira distinção a ser feita é entre os casos de infiltrações, por fendas e
pequenas aberturas no inverno, e de passagem livre da ventilação no verão.
No primeiro caso, a partição das pressões se conserva tal e qual como já vimos
anteriormente, mas no segundo caso, as mesmas aberturas podem aumentar, ou
diminuir, as pressões (ou depressões) na zona considerada. Este fato pode ser
importante No planejamento das aberturas de uma fachada, por exemplo.
Como a corrente de ar se estabelece sempre entre duas aberturas em situações
de pressão diferentes, será conveniente estudar as diferentes possibilidades de
passagem do ar no interior do prédio. Como regra geral, o fluxo de ar seguirá a
trajetória mais fácil, ou seja, aquela na qual exista uma diferença de pressão
mais alta e uma resistência à sua passagem mais baixa. Segundo este princípio,
podem ficar quase sem ventilação zonas que, teoricamente varridas pelo ar.
Outra recomendação geral, no caso de se querer favorecer a ventilação, seria a de
super dimensionar a superfície das saídas em relação as de entrada. Como a
ação das pressões negativas costuma se menor do que as positivas, o ar de saída
circula em velocidade mais baixa do que o de entrada, para um mesmo caudal
total.
Analisando a disposição das aberturas, sempre será conveniente situar as de
saída em posição mais alta e as de entrada em situação mais baixa. Ainda que
esta solução não apresente vantagens significativas nos casos em que exista um
vento de mínima intensidade, é útil em situações de calmaria, na qual o ar mais
quente sobe até as partes mais altas dos espaços, e tende a sair pelas aberturas
disponíveis e é substituído pelo ar mais fresco, que penetra pelas aberturas
inferiores.
Como é lógico, todas estas recomendações, destinadas a favorecer a passagem do
ar pelo interior de um edifício, não são desejáveis com o tempo frio, no qual não
interessa a ventilação. Um projeto para climas variáveis, como é o caso do
mediterrâneo, deve prever soluções flexíveis que possam se adaptar a diferentes
circunstâncias.
Supondo a existência de determinadas aberturas destinadas a favorecer a
passagem do ar pelo interior de um edifício, permanece de grande importância

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considerar como se realiza a trajetória do ar pelo interior do local, ou locais, que


este movimento afeta.
Como já mencionado anteriormente, o ar tenderá a seguir p caminho mais fácil (e
mais curto) entre a entrada e a sida; em conseqüência, não existirá uniformidade
na ventilação dos espaços interiores, podendo haver zonas com o ar praticamente
estático ao lado de outras com uma considerável corrente.
Se isso acontece na ausência de paredes e móveis que afetem as correntes de ar,
quando estes existem a determinação das zonas afetadas ou não é muito mais
complexa. Da mesma maneira que ocorre com o vento exterior, a casuística é
inatacável e, por sorte, na maioria dos casos a lógica e o bom senso permite
estimar o comportamento real da ventilação de um determinado espaço.
A partir do conhecimento geral dos princípios que regem “o clima do vento e da
brisa” na arquitetura, o objetivo do projeto será otimizá-lo, também de acordo
com o que se comentava ao tratar sobre “o clima do ar e da umidade”.
Em primeiro lugar, deve-se considerar a orientação e a correlação do entorno
do projeto, procurando-se favorecer ou dificultar, conforme cada caso, a
passagem do vento. Para isso convém conhecer as direções dos ventos
predominantes conforme as diferentes épocas do ano, diferenciá-los entre os
favoráveis e não favoráveis, e atuar em conseqüência destas informações. A
atuação pode consistir em proteger-se com uma diminuição ou procurar uma
situação mais ventilada, em criar barreiras vegetais ou painéis que direcionem o
vento e, se for o caso, criar barreiras construídas com paredes.
O passo seguinte deveria ser a escolha da forma mais adequada para o edifício,
aerodinâmica se o vento é um problema e o contrário e ele é desejável. As formas
alongadas devem se situar transversalmente às direções do vento desejáveis
(brisas no verão, por exemplo) e paralelas às do vento inconveniente. Na
orientação da forma o ponto crítico é a combinação da ação do vento com a
orientação solar adequada.
Além da orientação geral da planta, também é muito importante a orientação do
edifício em corte, principalmente da cobertura. A arquitetura popular nos mostra
inúmeros exemplos de adaptação das formas arquitetônicas ao vento.
O terceiro ponto a considerar no projeto será a disposição das aberturas em
relação às pressões previsíveis sobre os fechamentos e sobre a distribuição dos
espaços interiores. Convém que os dois aspectos da questão sejam analisados
conjuntamente, já que estão inter-relacionados. O resultado final da circulação
dependerá de ambos, sempre segundo a dificuldade, ou facilidade, que passagem
do vento possa encontrar no seu caminho.
Por último, para as aberturas, será importante escolher adequadamente os
dispositivos de regulação do fluxo do ar. As janelas do tipo “tudo ou nada” são
pouco flexíveis na prática e, por isto, especialmente em locais com climas
variáveis, como é o caso do mediterrâneo, é importante escolhes sistemas que
permitam diferentes posições que regulem o fluxo, desde a abertura total até o
hermetismo quase absoluto.

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Com este conjunto de medidas, bem aplicadas, torna possível assegurar um


controle natural dos efeitos do vento na arquitetura sem necessidade de recorrer
a complexos sistemas artificiais, sempre sujeitos a avarias e que tem, por
definição, uma ação psicológica negativa sobre o conforto dos ocupantes.
Mas, além destes recursos gerais, analisados até aqui como parte do projeto do
conjunto do edifício, existe outro tipo de análise especializada que convém
conhecer. Trata-se da análise do problema da ventilação do ponto de vista do
controle natural do ambiente como um problema de geração de movimento do
ar e do controle das características do mesmo, criando, á vontade, brisas aonde
não existe e dando-lhe, deste modo, uma nova dimensão ao clima do interior de
um edifício.
Os sistemas de ventilação e tratamento do ar são componentes ou conjuntos de
componentes de um edifício que têm como missão, por um lado, facilitar a
passagem do ar por seu interior, mas, além disso, também podem tratar o ar da
ventilação, melhorando suas condições de temperatura e umidade.
Normalmente estes sistemas se estudam caso a caso, mas deve-se ter em conta
que, na prática, deve-se dispor de dois ou mais sistemas diferentes; classificadas
por nós em:
a) Sistemas geradores de movimento de ar; e
b) Sistemas de tratamento do ar.
Os sistemas geradores de movimento de ar são aqueles componentes que
forçam a passagem do ar em conseqüência dos efeitos das pressões e depressões
geradas por seu movimento. Seus efeitos são avaliados a partir da renovação
forçada do ar por hora (Rh). A renovação do ar se calcula em metros cúbicos por
hora ou em metros cúbicos por volume do cômodo. Mas, alem disso,
representam, em cada caso concreto, uma determinada velocidade do ar no
interior (vi), medido em metros por segundo.
O primeiro e mais simples dos sistemas para movimentar ar é a ventilação
cruzada, já mencionada anteriormente. Aconselhável a todos os climas quentes e
úmidos assim com temperados no verão, as aberturas devem situar-se nas
fachadas que se comuniquem com espaços exteriores em condições de radiação e
de exposição aos ventos diferentes. Este tipo de ventilação pode gerar de 8 a 20
Rh, com ventos relativamente fracos.
Outro sistema, também já comentado, é o efeito chaminé, produzido pela
criação de uma saída de ar criada por aberturas situadas na parte superior do
espaço, conectado, se possível, a um duto de exaustão vertical. A própria
diferença de densidade do ar, em função da temperatura, faz com que o ar
aquecido saia por estas aberturas.
Este sistema se completa com a presença de aberturas inferiores para a entrada
de ar mais frio, que asseguram seu funcionamento. A ventilação gerada não é
muito alta, da ordem de 4 a 8 vezes o volume do ambiente, em renovações por
hora, suficiente para evitar a estratificação do ar aquecido na parte superior dos

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ambientes interiores, mas que não funciona muito bem no caso de as


temperaturas exteriores serem altas.
Outro sistema é a câmara ou chaminé solar, que funciona captando a radiação
solar dentro de uma câmara com uma superfície de cor escura protegida por
uma lâmina de vidro. O ar, ao esquentar, diminui de densidade e produz um
efeito de sucção na abertura inferior em contato com o ar interior. Estas câmaras
solares devem ser orientadas para aproveitar a máxima intensidade da radiação
solar direta e não criam uma ventilação muito alta, com renovação entre 5 a 10
volumes por hora, mas apresentam algumas vantagens interessantes, como o
fato de poder ser facilmente combinada com sistemas de tratamento do ar e que
seu rendimento aumenta com a intensidade da radiação, paralelamente ao
aumento de calor que esta radiação produz.
Outros sistemas para extrair o ar do interior são os aspiradores estáticos, que
produzem uma depressão interior no edifício devido à sucção gerada pelo efeito
Venturi num dispositivo estático situado na cobertura. Existe uma grande
variedade de tipos de aspiradores estáticos, tanto no tamanho quanto na forma
em que são fabricados.
Estes sistemas de ventilação são úteis em climas temperados e quentes, mas
devem ser zonas com ventos constantes se queremos que tenham utilidade real.
Os caudais de extração são muito variáveis, dependendo tanto do tipo de
dispositivo escolhido como da intensidade do vento. No caso de ventos de certa
intensidade é relativamente fácil gerar renovações superiores a 10 volumes por
hora.
Também se pode criar movimento de ar até o interior do edifício, no sentido
contrário aos sistemas tratados até agora, como é o caso das torres de vento.
Nelas se utiliza uma torre, que se eleva até a uma altura suficiente para localizá-
la acima da cobertura do edifício que capta o vento onde ele é mais intenso. Este
ar captado é conduzido para o interior do edifício através de dutos.
É um sistema válido para climas quentes e com ventos freqüentes e intensos,
mas a ventilação gerada não é muito grande, com renovação entre 3 a 6 volumes
por hora. A vantagem destas torres é que se pode combinar com diversos
sistemas de tratamento do ar bem como com os sistemas de exaustão já
mencionados.
Os sistemas de tratamento do ar são componentes que permitem que um
determinado caudal de ar da ventilação possa melhorar suas condições iniciais.
Estes sistemas se caracterizam pela modificação nas condições do ar que entra
no ambiente interior que, normalmente, são a temperatura e a umidade do
mesmo.
Os mais usuais são os que favorecem a evaporação de água na corrente de ar. O
efeito da refrigeração evaporativa se baseia no princípio de que um líquido, ao
evaporar, rouba energia térmica do ar no qual está em contato esfriando-o,
mesmo que aumentando seu conteúdo de vapor d’água. Por este motivo, no caso
de um ambiente muito úmido, o ar terá pouca capacidade de evaporação. São

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sistemas apropriados para climas quentes e secos ou situações similares em


climas temperados no verão, e seu funcionamento depende basicamente da
relação existente entre a superfície de água e o volume de ar tratado.
Um sistema de tratamento de ar deste tipo são as torres evaporativas, que têm
paredes umedecidas em contato com o ar. A evaporação produz um impulso para
o interior resfriado, mas, considerando que este efeito é muito reduzido ele só
apresentará resultados satisfatórios se combinados com sistemas de exaustão
que forcem a passagem do ar pelas paredes da torre. Se a torre for projetada
como torre de vento para captar a entrada de ar, estará cumprindo esta dupla
função.
Trata-se de sistemas úteis para tratar pequenos espaços, já que em outro caso a
relação entre a superfície úmida de contato e o volume de ar a ser tratado será
demasiado pequena e seu efeito no ambiente interior, insignificante.
O pátio é outra solução de ventilação e tratamento, aparentemente simples é, na
verdade, muito complexa, uma vez que, no mesmo, muitos fenômenos agem
simultaneamente, sendo difícil isolar os efeitos de cada um dos elementos do
conjunto. Seu efeito ambiental consiste em criar um espaço aberto dentro do
volume construído, que gera um micro-clima específico relativamente controlado
e atua como filtro entre as condições exteriores e as interiores.
Como outros espaços intermediários o pátio não atua somente sobre as
condições térmicas, mas, também, sob os efeitos luminosos e acústicos. Como
tratamento do ar, que é o caso analisado aqui, a vegetação atua sobre sua
temperatura e umidade, sempre por efeito evaporativo, mais efetivamente se
existe um chafariz ou um tanque d’água dentro deste micro-clima.
Também atua de outras formas, protegendo sua esfera de influência da radiação
solar direta, mantendo, desta maneira, as temperaturas do ar mais baixas.
Agindo de forma complexa o pátio se adapta a climas muito diversos, mas em
geral sua atuação é recomendada para climas quentes e secos ou temperados.
A ventilação subterrânea consiste em favorecer a entrada de o ar proveniente do
exterior por um conjunto de dutos enterrados. Neste caso se aproveita a inércia
do terreno refrigerar o ar mediante contato direto do ar com o terreno.
É um sistema adequado para climas com grande oscilação térmica, já que os
dutos situados a grandes profundidades (de 6 a 12 metros conforme o tipo de
terreno), apresentam temperaturas praticamente constantes durante todo o ano.
Se o ar a ser tratado for seco, o rendimento do sistema pode melhorar com
terrenos úmidos, já que aumenta sua transmissão térmica ao mesmo tempo em
que pode resfriar o ar por evaporação. Como a transmissão de calor do ar para a
terra é muito lenta, deve-se utilizar dutos com longos percursos para obter
efeitos apreciáveis e, por este mesmo motivo, o sistema apresentará melhores
efeitos em construções descontínuas.
Resumindo todas as estratégias comentadas no “clima do vento e da brisa”, sua
aplicação em projetos arquitetônicos não é simples e apresenta um alto grau de

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imprecisão no seu uso. A regra geral deve consistir em prever sistemas flexíveis e
confiar que os usuários saibam utilizá-los com a máxima eficiência.

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Capítulo VII
O Clima do silêncio

Pode parecer insólito que, ao falar dos climas da arquitetura nos refiramos ao
“clima do silêncio”, entendemos, porém, que faz todo o sentido se estamos
analisando o ambiente interior e sua ação sobre o ser humano que o habita. Os
ocupantes de um edifício recebem, constantemente, uma série de estímulos
energéticos que são percebidos, conscientemente ou não, através de seus
diversos sentidos naturais. Ao contrário do que muitas vezes parece, estes
estímulos não são independentes entre si e o bem estar dos usuários depende de
sua ação conjunta, com efeitos que não podem ser avaliados como uma simples
soma das ações individuais sobre cada um dos sentidos.
No caso do som, que percebemos com nosso sentido auditivo, está demonstrado
que as sensações sonoras atuam sobre nosso bem estar, não só diretamente,
mas também modificando, e com freqüência para pior, nossas sensações
térmicas, luminosas ou de outro tipo qualquer. Por isso, neste capítulo
comentaremos o comportamento acústico da arquitetura porque, também, as
resoluções de projeto para melhorar o desempenho térmico ou a iluminação de
um determinado espaço, terão sempre conseqüências acústicas que convém
conhecer.
Ainda o som, como todos os outros fenômenos ambientais, é portador de uma
determinada quantidade de energia que é transferido ao ambiente (neste caso,
energia mecânica), devemos ter em conta, porém, que as potências energéticas
envolvidas na produção do fenômeno sonoro são muito pequenas em comparação
com os outros casos. Por este motivo, a presença do som dificilmente terá
repercussões sobre o estado térmico de um interior ainda que, inversamente, é
fácil que qualquer perda de energia de sistemas ou máquinas existentes no
interior considerado repercuta, se existem vibrações, na geração de sons de alta
intensidade relativa.
Talvez por este motivo, na nossa moderna sociedade a acústica arquitetônica
tomou um sentido muito diferente do tinha, historicamente. O que antes era um
problema de reprodução do som nos interiores, quando havia interesse que estes
sons de difundissem no ambiente de maneira adequada (palavra ou musica, por
exemplo), na atualidade se transformou basicamente num problema de proteção
contra ruído.
A “escória sonora” que rodeia os espaços onde habitamos faz com que o problema
acústico se converta numa questão de proteção, de criação de barreiras
separadoras. Por isso, da mesma maneira que acontece nosso sentido do olfato,
nosso sentido acústico é, sobretudo, de defesa e, somente em pequena monta, de
comunicação, esta sim, cada vez mais individualizada.
Mas, antes de prosseguirmos, devemos distinguir de maneira clara o que
significa, conceitualmente, som e ruído. Ainda que do ponto de vista físico um
som (vibração mecânica no ar captada por nossos sentidos) se transforma em
ruído quando deixa de ser som puro (uma única freqüência) ou um som musical

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(divisão de energia pra diferentes freqüências seguindo uma ordem matemática),


mas, para nós, a classificação se baseia em outros critérios, do tipo psicológico.
Qualquer som que percebemos se transforma em ruído desde que se trate de um
“som não desejado”. Neste sentido tanto pode tratar-se da mais maravilhosa
sinfonia, como o matraquear intenso de um motor; o que o converte em ruído é
sua inutilidade. Neste caso, também, si se trata de um som que carrega alta
carga de informação (como a palavra) e não é o som que se deseja ouvir, o mal
estar será maior ainda.
Nossa atenção inconsciente, excitada pela carga informativa de um som que não
nos interessa, transforma este som em um incômodo maior ainda, mesmo que
seu nível de intensidade seja baixo.
Ainda que não tomemos consciência deles, nossa vida transcorre em ambientes
sempre repletos de sons, alguns informativos, outros agradáveis, em grande
parte agressivos (ruídos), mas a maioria dos sons estão presentes sem que
tomemos consciência deles.
São sons muitas vezes irrelevantes ou pouco significativos, com freqüência
monótonos ou rítmicos, que se converteram numa parte tão conhecida do nosso
entorno que não merecem a atenção de nosso registro cerebral consciente. Os
ouvimos, mas não os registramos, o que não significa que não influem
inconscientemente sobre nosso estado de ânimo e sobre outras sensações e
reações ambientais.
A conclusão mais importante destas considerações é que o silêncio só existe
como a negação de um som que estávamos escutando e que desapareceu, ou
como a prazerosa sensação de descanso quando se apaga o som que ouvíamos,
mas nos incomodava inconscientemente. Sobre estes fictícios silêncios
construímos uma parte importante de nossas vidas. Inclusive, uma das mais
impactantes sensações estéticas que uma pessoa possa apreciar, a musica, é
construída em grande parte com estes silêncios inexistentes.
No inapreensível mundo do som, que, como vive no ar reparte com ele a
evanescente qualidade de estar sem ser, de enchê-lo sem que possamos sujeita-
lo, o som também “enche” a arquitetura. Não só está presente na arquitetura,
mas com ela interage, se reforça, se corrige e se enriquece. Na verdade, os
edifícios são como grandes instrumentos musicais, que às vezes soam de
maneira muito agradável, mas que, por desgraça, cumprem pessimamente sua
missão com muita freqüência.
Esta capacidade de ter sua acústica própria deveria ser considerada o elemento
positivo do som na arquitetura, entender os espaços como ressonadores dos sons
que nela se produzem, palavras, musica, mas também passos, golpes, cliques de
interruptores, “repiqueteo” da chuva, pulsações de teclados ou o “murmulho” de
fontes.
Em todos os casos, estes sons podem melhorar ou piorar com os acabamentos e
formas dos fechamentos ou mesmo com as proporções do espaço considerado. É
interessante constatar como, nos estudos de acústica arquitetônica, se pôde

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comprovar que os espaços que cumpriam as leis de estética mais conhecidas das
proporções geométricas, de base matemática e visual, resultaram em
compartimentos acústicos mais nobres que outros espaços desproporcionados,
segundo estas mesmas leis.
Esta aproximação positiva do som na arquitetura deixou, nos dias de hoje, ainda
mais mascarado pelo mencionado problema da “escória sonora” onipresente na
nossa moderna sociedade e, também, pelo mesmo desenvolvimento tecnológico
que, com os modernos sistemas de gravação, transporte, armazenamento e
reprodução do som, tenta nos fazer acreditar que a ação da arquitetura sobre a
acústica já não é importante.
Talvez, com a acústica estejamos cometendo o mesmo tipo de erro que caímos
com as técnicas climáticas propriamente ditas. Como já mencionamos, falando
do clima da arquitetura, existem situações nas quais as instalações artificiais de
refrigeração não conseguem compensar as deficiências do edifício, e não é por
limites econômicos ou capacidade das máquinas, mas pelos limites fisiológicos
de conforto do usuário que não suporta caudais excessivos ou temperaturas
muito baixas do ar insuflado. Da mesma forma, nos espaços acústicos
claramente desproporcionados e com uma ressonância excessiva, as melhores
técnicas eletroacústicas fracassarão se tentarem conseguir um som agradável.
Uma vez mais, as muletas que para a arquitetura representam muitas vezes os
sistemas artificiais de controle ambiental, se mostrarão insuficientes para tornar
um ambiente adequado se não existe uma base apropriada no corpo desta
mesma arquitetura.
Retornando ao princípio, para trabalhar o som na arquitetura, o primeiro que
temos que saber é conquistar o silêncio. Se trata de um silêncio relativo,
inexistente, o silêncio do som que nos permite atuar sonoramente sobre ele, sem
ferir com ele a fisiologia humana.
Para isso se fazem necessárias barreiras, quanto mais perto da fonte do ruído
melhor. De nada nos serve uma grossa parede como barreira acústica se nela
houver um pequeno buraco pelo qual se infiltrará todo o ruído. Mais vale reduzir
o ruído na sala de máquinas do que isolar acusticamente o dormitório com
soluções sofisticadas e caras.
Se levarmos esta abordagem ao limite, os edifícios deveriam ser um ajuntamento
de caixas estanques, elasticamente independentes. Cada espaço seria um recinto
claustrofobicamente isolado com pesadas paredes, não só dos outros espaços,
mas, sobretudo, do espaço externo; silenciosos ataúdes enfim. Mas, por sorte,
existem outros recursos, o som pode ser atenuado no seu caminho, várias
barreiras leves podem dar mais resultado que uma pesada. Sobretudo, pode-se
obter surpreendentes resultados isolantes com uma adequada distribuição
espacial dos recintos.
Poderemos obter recintos que talvez não sejam tão silenciosos, mas que podem
ser trabalhados de maneira positiva com relação ao som, conservando o valor

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informativo que têm, inclusive, os sons não desejados e que nos mantêm
conectados psicologicamente como nosso entorno.
Se a arquitetura pertence a um determinado lugar, deve estar conectada
sonoramente, mas não agressivamente, com ele; como deveria estar, também,
térmica e luminosamente e com sua ventilação. O recurso supremo não é
separar-se do lugar e construir anônimos edifícios transplantáveis a qualquer
lugar do mundo, sem utilizar com critério e sabedoria nossa tecnologia para
aproveitar o muito de positivo que o entorno pode nos oferecer, eliminando de
forma adequada suas agressões indesejadas.
Repassando os processos de desenho que afetam o “clima do silêncio”, podemos
definir as estratégias mais adequadas para cada aspecto do projeto arquitetônico.
Em primeiro lugar deve-se considerar a orientação do prédio, onde, se possível,
deve-se procurar proteção topográfica ou da vegetação existente para qualquer
ruído existente, apesar de sabermos que os sons mais graves se difratarão e
chegarão até nós, mesmo que estejamos visualmente protegidos. Apesar de a
arborização representar uma barreira relativa e de que é necessário mais de 30
metros de largura para que uma área arborizada para se conseguir isolamentos
acústicos importantes, qualquer barreira é boa, mesmo que seja somente pela
proteção visual, que nos impede de ver o elemento disturbante (vias, indústria,
discoteca, etc.).
O ruído é um fenômeno físico, mas sua ação perniciosa tem um importante
componente psicológico. Acomodando-se com facilidade aos estímulos
persistentes, nossas mentes podem não registrar alguns ruídos, sobretudo se os
estímulos visuais não ajudam a recordá-los. Por isso, ruídos amortizados podem
ser uma parte do silêncio relativo mencionado, que conserva nossa conexão com
o mundo.
Uma segunda ação de projeto possível é a correção do entorno, tratando-se
aqui da proteção de nosso espaço arquitetônico contra o espaço que o rodeia. As
barreiras, neste caso poderão ser relevos artificiais, muros ou cercas, vegetação
de vários tipos, etc. A regra geral é a mesma: a barreira visual não significa
barreira acústica, mas ajuda psicologicamente. Se não podemos aproximar a
barreira do ruído, podemos a aproximar do espaço protegido, procurando evitar
que estas se localizem no meio onde a difração as tornará inúteis.
Uma correção adequada pode criar uma área protegida no entorno ou, no
mínimo, perto da entrada do edifício. Este tipo de consideração pode ser
interessante porque procura diminuir a sensação desagradável na mudança do
ambiente externo, barulhento, para o interior, onde parece que a arquitetura nos
protege e acolhe antes de nela penetrarmos.
Um espaço deste tipo, eventualmente complementado com proteção contra o
vento ou chuva e referenciado mediante uma gradação luminosa (sombreamento
diurno, iluminação quente à noite), pode configurar um agradável preâmbulo
ambiental à experiência de refugiar-se num edifício da agressividade do mundo
exterior.

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A terceira ação de projeto a ser considerada é a própria forma do edifício, que


tem em sua resolução muitos pontos em comum com os outros fenômenos
ambientais. No caso de existir uma direção do ruído predominante, o edifício
deve expor a menor superfície possível a esta direção, como sucede com o vento e
inversamente ao que convém fazer com o sol no inverno.
Sem dúvidas, como no caso do vento, existe outra estratégia de sentido contrário,
consistente em expor uma ampla dimensão do edifício ao ruído (ou ao vento),
para que o próprio edifício seja o elemento protetor contra o agente incômodo aos
espaços interiores e, também, à parte do espaço exterior. Neste caso, como é
lógico, a função de defesa da superfície exposta será a mesma da pele.
De qualquer maneira, seja qual for a estratégia usada com a forma do edifício,
sempre será necessário considerar conjuntamente as orientações da mesma com
relação ao sol, ao vento e ao ruído. A melhor circunstância se dará quando as
duas últimas coincidem em ser perpendiculares ou em paralelas ao sol. Se não,
em última instância, devemos escolher entre as diversas opções, como sempre
ocorre no desenho arquitetônico.
Outros recursos relacionados com a forma do edifício, consistem no princípio da
auto proteção, com a criação de espaços rodeando a própria construção: pátio,
átrio, claustro, peristilos ou jardins internos. Uma vez mais aqui se combinam os
recursos válidos para o controle do clima propriamente dito com os do “clima do
silêncio”.
O espaço do pátio protegido do ruído e do vento, refrescado e, ao mesmo tempo,
acusticamente tranqüilo com a presença de um chafariz, sombreado e perfumado
com vegetação, resulta na mais perfeita integração que se pode imaginar em
recursos ambientais.
O quarto nível é o dos fechamentos (paredes, coberturas e aberturas), que
caracterizam o que chamaremos de pele do edifício, última estratégia para
controlar a penetração do som exterior. Como já adiantamos, o peso é o primeiro
recurso para deter o ruído, mas ele é somente parte de um esquema mais
abrangente de proteção. Os fechamentos opacos pesados precisam
complementar-se com aberturas estanques ao ruído; de outra maneira seriam
inúteis como barreira acústica.
Por esta razão, o principal esforço de desenho, pelo menos no que se refere aos
fechamentos com aberturas ou os que são totalmente abertos, como é o caso das
fachadas com “cortinas de vidro”, será o de melhorar o desempenho destes
fechamentos leves no enfrentamento ao ruído.
Mas estes fechamentos são passíveis de serem abertos, e os são, precisamente,
para que haja uma comunicação do interior com o exterior. Desta forma, quando
estiverem abertos desaparecerá todo seu efeito como barreira acústica e, neste
caso, deve-se proteger de maneira indireta e reduzir o ruído com sistemas
especiais, como se verá adiante.
O último nível é o do interior do edifício, sem dúvidas, o mais complexo. Nos
interiores as ações acústicas a considerar são muito diversas. Por um lado estão

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os ruídos que procedem do exterior, mais ou menos controlados segundo os


parâmetros anteriores e, por outro lado, estão os sons interiores que deverão ser
amortizados e contidos mas, se são sons desejados, deverão ser reproduzidos e
enriquecidos pelos espaços nos quais se propagam.
A primeira estratégia a ser considerada é a já mencionada da distribuição
espacial dos diferentes locais. Consideraremos os ambientes interiores, tanto do
ponto de vista de sua relação com as orientações geográficas e das ações
referentes ao clima exterior, como da relação que possa existir entre os
ambientes entre si.
Com este objetivo analisamos as funções que os edifícios desempenham segundo
sua importância relativa e seu relacionamento “topológico” que tenham com o
exterior e com outras funções.
Classificamos ambientalmente os diferentes espaços interiores de um edifício em
três tipos gerais:
a) Espaços principais. Pedem condições ambientais de comodidade mais
estritas. Em geral destinados a um uso que exige uma permanência
contínua do mesmo. No caso de residências, se trataria da sala de estar e
de refeições e dormitórios, por exemplo. No caso de edifícios comerciais
seriam os escritórios, sala de reuniões, etc.
b) Espaços secundários. Permitem certa flexibilidade das condições
ambientais. Trata-se de espaços de uso contínuo, tanto no tempo como no
espaço. Em quase todos os tipos de edifícios podem ser espaços de
circulação, de armazenagem, etc.
c) Espaços independentes. Têm características ambientais próprias que,
conforme a função do espaço, podem ter exigências próprias ou ser muito
diferentes dos outros espaços do edifício. Trata-se pois de espaços que não
podem ou não devem se integrar ambientalmente com os outros
ambientes. Um exemplo disto são as cozinhas em edifícios residenciais e
salas de reuniões em edifícios de escritórios.
Do ponto de vista acústico, deverá relacionar-se a posição dos espaços com a
existência de ruídos exteriores. Para tanto se deverá evitar a percepção dos
ruídos irritantes nos espaços principais. Neste caso pode-se usar os espaços
secundários como barreira com relação às direções de onde venha o ruído.
Devemos ter em consideração tanto a orientação geográfica como a direção de
onde provêm outras ações exteriores, tanto climáticas (o sol e o vento, por
exemplo), como urbanas (poluição e ruídos). Em seguida devemos tentar proteger
ao máximo os espaços principais, mas sem que percam totalmente o contato com
o exterior.
Sobre a distribuição dos espaços no interior do edifício, consideramos as relações
entre os diferentes tipos de espaço possíveis. As relações que se estabelecem
entre eles dependem de suas características ambientais, tendo em mente que
cada um dos espaços pode gerar ou requerer determinadas condições ambientais

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que, por sua vez, podem influir as condições dos espaços contíguos. Numa
primeira análise classificamos os tipos de espaço conforme o tipo de função que
se desenvolvem nos mesmos.
Podem ser: Tipo 1) funções complexas (produzem energia e requerem controle);
tipo 2) funções geradoras (produzem energia e não requerem controle); tipo 3)
funções receptoras (não produzem energia e requerem controle) e tipo 4) funções
passivas (não produzem energia e não requerem controle).
Do ponto de vista acústico, como exemplo de produtores de som que requerem
controle acústico temos: salas de música, salas de estar com TV ou HI-FI, salas
de reuniões, etc. Como exemplo do tipo 2, ruidosos mas que não requerem
controle temos os sanitários, cozinhas, elevadores e sala de máquinas. Como
exemplo do tipo 3 temos dormitórios, bibliotecas e salas de estudo, por exemplo.
Por último, como exemplo do tipo 4, silenciosos e que não requerem controle,
temos armários, arquivos, vestiários, etc.
Assim podemos estabelecer um quadro de compatibilidade que pode ser aplicado
a qualquer espaço, incluindo-se os exteriores.
Como regra geral, duas funções incompatíveis devem estar junto de uma função
compatível com as duas. Os espaços passivos do tipo 4 podem servir de
protetores aos do tipo 3 contra os de tipo 1 e 2; estes últimos podem agrupar-se
sem problemas mas os de tipo 1 devem ser localizados em separado, o que
dificulta muito qualquer distribuição espacial.
Tendo em conta todas as considerações funcionais, juntamente com as diferentes
implicações ambientais, ao desenhar uma distribuição espacial interior,
acabamos por fazer prevalecer uns efeitos sobre outros. Para realizar esta
escolha não existe uma regra geral, porque cada edifício e cada um de seus
espaços internos é, em si mesmo, um complexo mundo de relações que se
estabelecem em diferentes níveis. Em cada caso, a decisão final pode e deve ser
diferente, ao ponto de que, em um caso similar ao que se já tenha projetado uma
vez, uma pequena variação de qualquer condicionante pode fazer com que o
resultado final seja totalmente diferente.
Outro aspecto a considerar é a simultaneidade temporal que pode existir entre as
diferentes funções ou atividades que acontecem nos espaços do edifício. Este
fator pode fazer com sejam irrelevantes incompatibilidades que poderiam existir
em outro caso. Como exemplo mais imediato temos o caso da relação entre um
dormitório individual e seu espaço sanitário. Por este motivo pode ser
aconselhável em certos casos fazer um diagrama temporal do desenvolvimento
das atividades.
Acusticamente também é importante prever as conexões indiretas entre espaços,
que se podem produzir por portas que se abrem de frente para uma calçada.
Neste caso, se si quer evitar esta comunicação acústica indireta, além de evitar o
confronto direto entre as portas, o espaço entre elas deve ser especialmente
absorvente.

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Além das regras mencionadas anteriormente e da mesma forma que temos feito
com outros climas da arquitetura, pode-se estudar soluções específicas para os
problemas acústicos, mediante “sistemas de controle acústico”.
Estes sistemas são caracterizados pelo conjunto de componentes de um edifício
que tem como função a melhora de seu comportamento acústico, atuando sobre
os sons externos ou internos sem requerer nenhum tipo de energia artificial para
seu funcionamento.
Ao considerar os sistemas que se incorporam ao projeto com uma finalidade
exclusivamente acústica devem-se analisar dois tipos principais de ação: por um
lado, a correção de deficiências em aspectos genéricos do desenho segundo a
função acústica, e por outro, a incorporação, menos freqüente, de sistemas
unicamente acústicos para conseguir um efeito particular.
Os sistemas de controle acústico podem ser classificados em quatro categorias,
conforme o tipo de ação que emprestam à correção sonora dos ambientes: se
proporcionam proteção acústica aos ambientes interiores contra os ruídos
externos, se corrige a acústica dos locais, se geram algum tipo de som ou se
transmitem o som.
A aplicação destes sistemas acústicos especiais na arquitetura, muitas vezes não
é necessária nos casos de espaços de uso corrente, mas serão imprescindíveis
para espaços que tenham uso prioritariamente acústico, como salas de concerto
ou estúdios de gravação.
Os sistemas de proteção acústica são conjuntos de componentes que se
incorporam aos edifícios com a intenção de deter sons não desejados antes que
penetrem nos espaços que queremos controlar. Ao considerar as características
da “pele” dos edifícios, isto é, dos fechamentos externos do prédio, é importante
levar em conta seu peso relativo, a continuidade e uniformidade de suas
qualidades como barreira acústica, assim como a hermeticidade dos fechamentos
que podem abris e fechar. Considerações muito parecidas pode-se fazer sobre o
desenho de interiores.
Vamos considerar aqui o caso em que o leiaute do projeto não pode separar os
espaços acusticamente incompatíveis. Neste caso, os sistemas possíveis, que
podem representar um incremento do isolamento em decibéis, são: as barreiras
acústicas e os espaços acústicos intermediários.
Os painéis acústicos especiais são sistemas de proteção acústica que reforçam
o efeito de barreira dos componentes construtivos de separação entre espaços
acústicos interiores diferentes, mas contíguos. Sua função é a de reduzir a
emissão de som de um local que produz ruído a outro espaço interior.
Os elementos salientes de uma fachada, sejam marquises, beirais, balcões ou
outros, podem refletir as ondas acústicas provenientes de uma determinada
direção, que normalmente é de baixo para cima, e assim proteger as janelas ou
outros pontos frágeis do ponto de vista acústico. Deve-se evitar que estes
mesmos elementos não se transformem em refletores sonoros que incrementem a
incidência do som sobre as aberturas. Para evitar este efeito convém transformar

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as superfícies potencialmente refletoras em absorventes. O incremento que este


tipo de sistema pode chegar, facilmente, a uma redução entre 6 e 12 dB.
Outra maneira de criar barreiras de proteção acústico são os fechamentos duplos
em torno de espaços que tenham isolamento acústico insuficiente. Para tal deve-
se deixar uma câmara de ar entre as duas superfícies da separação e procurar
reduzir a reverberação que pode ser produzida no interior da câmara, o que pode
ser conseguido com o uso de materiais com altos índices de absorção no interior
da mesma.
Este efeito de dobrar os fechamentos pode ser feito com janelas e portas duplas,
rebaixos de teto e paredes duplas, por exemplo. Os incrementos no isolamento
proporcionados por este tipo de solução pode ir de 10 a 20 dB em janelas duplas,
até 20 ou 30 dB de uma parede dupla, passando por 15 a 25 dB de um rebaixo
de teto especial.
Nos casos de janelas é muito importante considerar que o vidro, por suas
qualidades vibráteis, é responsável por considerável ressonância no interior da
câmara. Para melhorar o isolamento pode-se recorrer a vidros duplos de
diferentes espessuras, que apresentam significativas vantagens se as lâminas
não são paralelas, se as juntas são elásticas e se as câmaras forem revestidas
lateralmente por materiais absorventes.
Da mesma maneira, em janelas que possam ser abertas, é muito importante
controlar o isolamento da união entre a folha que se abre e o marco com juntas
de borracha ou ressaltos duplos, por exemplo. Em qualquer dos casos a melhor
solução será sempre dobrar todo o conjunto da janela e guarnecer suas laterais
com materiais absorventes.
Outro caso especial é os das portas, importante, sobretudo em separações entre
locais interiores. Deve-se favorecer o incremento de seu peso, inclusive
recheando-as com areia se possível, e controlar as juntas com cuidado
redobrado, em especial a solução do umbral, que costuma ser uma ponte
acústica entre locais.
Um caso especial de reforço de barreiras acústica é o dos pisos flutuantes; neste
caso se reforça o isolamento de sons que possam ser transmitidos através do
chão, de um pavimento para outro, com a superposição do piso sobre o
pavimento, separado elasticamente.
Esta solução representa uma substancial melhora no isolamento dos ruídos de
impacto e pode chegar a um incremento de isolamento da ordem de até 20 a 30
dB, além de representar uma melhora de 25 a 45 dB dos ruídos aéreos.
Seu único inconveniente, além do sobre custo, é que representa um incremento
de carga sobre a estrutura do edifício que, se não for considerada, pode vir a
representar consideráveis riscos à segurança da construção.
Os espaços intermediários representam um segundo tipo de sistema de
proteção acústica, onde estes espaços funcionam como câmaras de absorção,
permitindo isolamentos de mais de 40 dB.

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Outra categoria de sistemas acústicos são os de correção acústica dos locais,


que são componentes que têm como missão corrigir o comportamento acústico
de um espaço interior. Sua função não é isolar o espaço interior contra sons que
provêm do exterior, mas procurar uma boa divisão espacial e temporal da energia
acústica, ou seja, proporcionar uma boa audibilidade dos sons desejados.
Ter um local com divisão da energia acústica correta significa melhorar a
reverberação, evitar ecos e eventuais concentrações locais de som assim como
reforçar as ondas acústicas quando necessário e nas direções mais convenientes.
Como os materiais de revestimento e acabamento dos espaços interiores dos
edifícios costumam ser muito refletores de som, na maioria das vezes a correção
acústica dos locais significa dispor materiais especialmente absorventes,
situados nos locais mais adequados. A escolha do melhor tipo de material de
revestimento e acabamento, com absorção seletiva segundo as condições e
necessidades do local que queremos corrigir, assim como o uso de sistemas de
absorção variável, permitirá um controle ajustado das qualidades acústicas
resultantes.
Existem diferentes tipos de sistemas de absorventes, que podemos classificar
segundo o processo e mecanismo de degradação da energia mecânica do som.
Este processo determina e localiza seu rendimento máximo e, portanto, que sons
absorverão com preferência.
Basicamente se dividem em “sistemas porosos” e “sistemas ressonadores”.
Os primeiros baseiam seu funcionamento na degradação da energia que produz a
fricção no interior de seus poros. Pode-se agrupá-los em dois tipos: os de
esqueleto rígido e os de esqueleto flexível, com um funcionamento acústico muito
similar, mas com mecanismos de aplicação na obra muito diferentes.
Os materiais porosos que atuam como absorvente acústico são materiais com
células abertas e em contato direto com o ar exterior. Absorvem a energia
acústica por fricção das moléculas de um fluido, que é o ar, ao entrar no interior
destas cavidades tortuosas e tentar passar através dela. Sua capacidade de
absorção aumenta para freqüências mais altas e, portanto, absorve muito mais
os sons agudos do que os graves.
São típicos os filtros sintéticos, as peças de cortiça aglomerada e os tecidos
similares a veludo sintéticos, que se utilizam habitualmente como sistemas
corretores da acústica dos locais.
Os sistemas de ressonadores baseiam seu funcionamento de degradação da
energia que se produz ao transformar a energia sonora incidente em energia
mecânica. Podem ser agrupadas em ressonadores simples e ressonadores
acoplados, que apresentam comportamento acústico muito diferente. Os
ressonadores simples, sobretudo os do tipo Helmholtz, mas também os de
membrana têm um comportamento absorvente muito pontual para determinadas
freqüências, enquanto que os acoplados ampliam o campo de freqüências
absorvidas.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra
Tradução de ROGER ABRAHIM

Nestes sistemas a absorção da energia acústica se produz por um fenômeno


ressonante, onde uma parte móvel transmite a vibração a uma parte posterior
elástica que, com uma freqüência de ressonância própria, converte a energia
sonora em energia mecânica. Os painéis ressonadores são mais indicados para
absorver sons graves que os sistemas absorventes com materiais porosos.
Como caso particular destes sistemas, temos os ressonadores de Helmholtz, onde
o elemento móvel e o elástico estão formados pelo ar contido numa cavidade com
uma abertura que se comunica com o exterior. Estes ressonadores podem
acoplar-se em paralelo, formando uma placa perfurada a certa distância da
parede de suporte.
Em qualquer dos casos os diferentes tipos de absorventes podem trabalhar
conjuntamente e oferecer gráficos de absorção mais contínuos nas diferentes
freqüências e obter, assim, um comportamento global mais favorável dos
sistemas.
Outro tipo de sistemas acústicos são os sistemas geradores de som, que atuam
produzindo um som no ambiente que se pretende controlar e com ele melhorar
suas características. Em geral pode tratar-se de qualquer som natural que seja
agradável ou de sons mais ou menos artificiais, como é o caso de cortinas que
através do movimento do ar podem gerar um som agradável e eventualmente
informativo (presença de visitantes, por exemplo).
Em outros casos este som agradável cumpre uma função de mascarar e esconder
outros sons que não se queira ouvir, ou que não queiramos que sejam ouvidos;
que é o caso de pequenas cascatas, que num interior podem ser especialmente
adequadas como mascaradoras, pois produzem um som agradável, que cobre as
mesmas freqüências da voz humana e como não é um som informativo nem
rítmico, não fica desagradável com o passar do tempo.
Por último, existem também os sistemas transmissores de sons. Ainda que
historicamente tenham tido especial importância, estes sistemas na arquitetura,
desde a aparição dos sistemas eletroacústicos perderam parte de sua utilidade,
deixando como curiosidade os efeitos especiais das “salas dos segredos” e os
condutores acústicos de outros tempos.
Apesar de tudo não se pode menosprezar totalmente a possibilidade de recuperar
em nossos edifícios os sistemas de condução acústica, para recuperar sons
agradáveis, interiores ou exteriores ao edifício e transmiti-los mediante
condutores de interior reflexivo, concentrá-los com sistemas côncavos, etc.
Unidos todos os recursos de desenho nos cinco níveis considerados (orientação,
entorno, forme, fechamentos e interior) e acrescentando os sistemas especiais
quando necessário, talvez faça sentido recuperar hoje, na nossa arquitetura, este
“clima do som e do silêncio” que acompanha os climas menos espirituais: do ar,
do sol, da umidade e da luz. Se formos capazes de projetar arquitetura
considerando as diretrizes ambientais, talvez possamos nos reconciliar com
nossos sentidos, transformados atualmente em janelas do corpo por onde
penetram estímulos agressivos que atacam, sobretudo, nossa mente.

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra
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Capítulo VIII.
Controlando os Climas.

Até aqui descrevemos diversos climas que encontramos na arquitetura, desde os


mais perceptivos até os mais inconscientes. Acreditamos, também, que existem
procedimentos de projeto que podem melhorar o desempenho de um edifício.
Mas, em todos os casos estudados existe um problema comum, mesmo que não
tenha sido assinalado no capítulo correspondente, que é o problema da
variabilidade. Os climas mudam, no exterior e no interior das construções e estas
mudanças, desejadas às vezes, nocivas outras, exigem da arquitetura
possibilidades de regulação, de adaptação às diferentes condições exteriores e às
distintas necessidades dos usuários.
Desde o início, os seres humanos têm buscado elementos de seu entorno que
pudessem servir de complemento às capacidades de seu próprio corpo. Neste
sentido, a arquitetura (da mesma maneira que as vestimentas) pode ser
entendida como um complemento da ação de adaptação do corpo humano ao
meio ambiente, assim como qualquer instrumento que, por mais primitivo que
possa parecer, significa um passo na ação de domínio do entorno por meio de
elementos artificiais.
Sempre existiu uma atitude ambígua na relação do homem com a natureza. Por
um lado a natureza é agressão e perigo, as chuvas, o vento, o frio e o calor, as
tempestades, terremotos e erupções vulcânicas, animais predadores e bactérias.
Inúmeros perigos ameaçam o ser humano num entorno natural e proteger-se
destes perigos tem sido, desde sempre, a principal preocupação do estranho
animal bípede que se destacava de maneira singular das outras espécies. Na
natureza ele encontra não só seu alimento e bebida, mas também os recursos
necessários para, pouco a pouco, melhorar as condições de sua permanência no
planeta.
Na mesma natureza que nos agride encontramos os meios necessários para nos
proteger. Os quatro elementos de Empédocles de Agrigento: água, ar, terra e fogo;
ou os elementos da tradição chinesa: madeira, fogo, terra, metal e água, são ao
mesmo tempo ameaça e recurso que, com suas inter-relações, se reforçam,
permitindo ao ser humano passar de uma situação defensiva, a uma de
aproveitamento, desfrute e, modernamente, de agressão à natureza, um
problema típico dos nossos dias.
São inúmeros os exemplos de apropriação de elementos da natureza pelo
homem para sua própria defesa, para melhorar seu bem estar ou ambos ao
mesmo tempo.
Com a terra o ser humano constrói seu abrigo, rompendo sua horizontalidade
básica, levanta paredes, as apóia entre si para sustentar tetos que protegem do
vento, da chuva e do frio. Com a madeira reforça suas construções, aproveitando
suas qualidades específicas não só para melhorar suas estruturas, mas também
para introduzir elementos móveis nos seus abrigos, que serão os primeiros

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra
Tradução de ROGER ABRAHIM

sistemas de controle na arquitetura. Com a água, temida em torrentes e


inundações, o ser humano primitivo se aproxima, a detém, a desvia, a controla e,
finalmente, a introduz em suas construções, para comodidade ou prazer, quando
adorna um ambiente com fontes e tanques. Com o mais dinâmico dos elementos,
o fogo, transmuta os outros elementos mudando suas propriedades e seus
efeitos. Endurece a terra e obtém tijolos, destila minerais e obtém metais, aquece
ambientes e cozinha os alimentos e, por último, convertido em luz, eletricidade
ou energia mecânica, muda o futuro de toda a humanidade.
Ao incorporar a natureza à sua ação, o ser humano faz da arquitetura,
sobretudo, abrigo, defesa contra a própria natureza, mas às vezes cumpre outra
função primordial ao ser humano, a afirmação de sua própria existência. O
menir, o dólmen ou uma simples cruz gravada na casca de uma árvore, são
exemplos desta necessidade. Logo, quando seu abrigo se converte em
arquitetura, este componente psicológico é fator importante na materialização de
suas realizações. Os elementos da natureza fazem parte da arquitetura
cumprindo um duplo papel, por um lado assegurar defesa e bem estar físico de
seus ocupantes e, por outro, afirmação de propriedade, caracterização e marca
no território, ou seja, bem estar psicológico para estes mesmos ocupantes.
Mas, desde as primeiras arquiteturas, as ações em defesa, apropriação ou
desfrute dos elementos da natureza, sempre apresentaram necessidade de
controle. A variabilidade das condições exteriores, climáticas ou de outro tipo, e
as mudanças nas necessidades ou desejos dos ocupantes, obrigou que a
arquitetura não seja unicamente um conjunto de sistemas estáticos, fixos,
atuando como barreiras, mas apresentando sistemas dinâmicos e flexíveis,
capazes de se adaptar a diferentes necessidades e condições, para melhor
controlar-las.
Portas e janelas, toldos, venezianas e persianas, válvulas e registros, são
sistemas de controle na arquitetura. Todos eles atuam modificando, regulando e
filtrando componentes do ambiente arquitetônico e, entre eles, os mais
importantes, os componentes e elementos de controle do que chamamos de
“clima da arquitetura”.
Os sistemas de controle foram desenvolvidos ao longo da história em etapas
sucessivas. Ainda hoje em dia, se entende que “o edifício começou sendo
estrutura, à qual, posteriormente se acrescentaram instalações que melhoravam
sua funcionalidade”. Sem dúvidas, esta seria uma definição superficial da
arquitetura atual, que não considera o longo processo seguido pelo ser humano
em busca tanto de novas formas construtivas como de novas funções para a
arquitetura.
Porque a forma não é imediata, durante séculos e mediante um processo de
tentativa e erro, a observação da natureza e suas leis e o conhecimento dos
materiais, tem levado o ser humano a construir o que hoje são nossos edifícios.
Se bem que a forma tenha mudado substancialmente em alguns aspectos, a
função não deixa de ser quase igual, de proteger o homem das agressões da
natureza e a de afirmar a si mesmo.

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A busca incessante do que chamamos “conforto”, seja físico ou psicológico, é a


razão subjacente da evolução das exigências com relação a todas as construções.
Este processo começou a se acelerar no século XVIII com o surgimento e do
iluminismo, quando os sistemas de controle deixaram de ser singularidades
engenhosas criadas para proporcionar algum benefício imediato, e passaram a
desempenhar um papel predominante na arquitetura.
Da arquitetura antiga sobraram as partes mais resistentes, os elementos fixos.
No entanto, pouco desses engenhos históricos chegaram aos nossos dias, senão
os mais recentes. Da mesma forma, a fotografia de um edifício atual não dá a
mínima idéia dos mecanismos que esconde. As instalações de serviço e de
condicionamento estão presentes na arquitetura atual de forma cada vez mais
patente e a ajudam a funcionar melhor, mas a maioria das vezes estão ocultos
aos olhos profanos.
O volume que estes mecanismos necessitam ocupa uma percentagem cada vez
maior da superfície construída, mas não é só espaço que estão ocupando no
edifício. O poder de decisão sobre estes mecanismos está cada vez mais longe do
ser humano, delegados a centrais que gerenciam e controlam o edifício.
Invertendo os termos originais do que se entendia por arquitetura, parece que
agora o conceito de edifício se pode formular como “estrutura de suporte e casca
envolvente de um conjunto de instalações
Esta definição desvincula a arquitetura de todo um conceito histórico que a liga
com a forma material e geométrica de seus elementos de sustentação, tanto
quanto incorporamos o conceito de espaço arquitetônico como ambiente regulado
por sistemas, maturais ou artificiais, que configuram o espaço que é percebido
por seus usuários.
O conceito de artificialidade aparece, com mais ou menos intensidade, através
das diversas culturas da história. Desde a antiguidade, onde os escravos eram a
base da energia mecânica, já encontramos no Egito, Grécia e Roma, os primeiros
modelos do que hoje chamamos máquinas. No caso da nossa cultura ocidental,
existem precedentes interessantes da cultura mecânica moderna. A tradição dos
primeiros relojoeiros gerou o desenvolvimento da construção de autômatos,
considerados como sistemas artificiais que imitavam a vida animal. Em muitos
sentidos a herança dos primeiros autômatos, relógios e caixas de música, por
exemplo, provém de uma cultura subjacente de um mundo onde a magia se
sobrepunha a razão.
Existia, naquele tempo, um desafio presente na mente das pessoas fortemente
dominadas pelo poder da igreja, que era o de tentar reproduzir a vida anima (e
humana) com suas características mais explicitas, o movimento. Em certo
sentido, a heresia latente naqueles pioneiros antecipava, ingenuamente, o longo
caminho do pensamento humano que levou ao conceito moderno do robô.
A partir do século XVIII e sobretudo no século XIX, se desenvolve uma nova
filosofia da relação do ser humano com a natureza, que conduz à revolução
industrial e ao desenvolvimento da cultura da máquina, entendida, neste caso,

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como uma imitação da natureza, inicialmente como complemento, e depois como


substituto, da força mecânica dos seres vivos.
Com o tempo, paralelamente ao processo de industrialização, durante o século
XIX e com especial crescimento no século XX, surge o conceito de sistemas auto
controláveis (cibernética). Nestes sistemas aparecem circuitos de detecção-
interpretação-resposta, que atuam retroativamente sobre as causas, para se
produzir o efeito desejado. Com este avanço foram superados os mecanismos
programados para executar uma determinada tarefa (máquinas) e se chega a
sistemas que controlam o efeito do mecanismo (cibernéticos), numa trajetória
que levaria aos sistemas que apreendem coisas, com os quais nos
aproximaríamos um pouco mais dos sistemas vivos.
Estudando os sistemas vivos, vemos que as relações do homem com o entorno
são fundamentalmente trocas energéticas, nas quais se faz necessário um
controle permanente devido ao fato de ser necessário manter condições interiores
estáveis num entorno cambiante. Este fenômeno, que se denomina
“homeostase”, implica a existência de órgãos específicos que atuam como
equilibradores da relação interior-exterior. A missão destes organismos é regular
a resposta do corpo às cargas ambientais: climáticas, luminosas, acústicas, etc.
Seria o caso, por exemplo, da regulação térmica do corpo humano, onde a
sudorese, a irrigação sanguínea, entre outros recursos fisiológicos, não fazem
mais do que manter a temperatura interior constante frente às mudanças
térmicas do ambiente.
Estes mecanismos funcionam sempre de forma retroativa e conseguem uma
estabilidade térmica interna mediante a detecção dos efeitos sobre o corpo das
mudanças exteriores, atuando em sobre os elementos que podem regular os
fluxos energéticos entre o corpo e o entorno.
Avançando em nossa análise, podemos entender da mesma forma as reações de
um edifício com seu entorno, mesmo que tenhamos que nos referir a sistemas
mecânicos artificiais, em ver de sistemas biológicos.
Na arquitetura, entendida como espaço estável e protegido, existem muitos
fenômenos, energéticos ou não, que são cambiantes com o tempo, mas esta
variabilidade no tempo é, muito freqüentemente, esquecida durante o processo
de desenho e cálculo.
Assim, sabemos que a radiação solar não apresenta as mesmas características
durante a manhã, ao meio-dia e à tarde, nem no verão e no inverno, nem num
dia nublado ou com céu limpo, da mesma maneira que uma música de câmara,
rock ou uma conferência não têm as mesmas qualidades e necessidades sonoras.
Da mesma forma, uma sala imaginada para um número determinado de pessoas
nem sempre estará 100% ocupada, a ação do vento e das temperaturas sobre
uma fachada mudará de um momento para outro do dia sem um ritmo
conhecido previsível, etc.
As variáveis são tantas e tão diferentes que sua combinação chega a ser
incontrolável; por isso seria absurdo pensar no desenho de espaços apropriados

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ARQUITECTURA Y CLIMA - Rafael Serra
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para cada uma das possíveis combinações, mas que devemos fazê-lo de forma
que sejam capazes da adaptar-se com facilidade à variabilidade lógica dos
fenômenos energéticos.
Considerando o caso do controle ambiental como uma parte importante do
problema, veremos que esta adaptação às variáveis pode ser conseguida
mediante diversos mecanismos de controle e regulação, que classificaremos
globalmente nas categorias: passivos e ativos.
Os sistemas de controle passivo são os que atuam sem intervenção de
mecanismos ou energia artificiais, se trata, portanto, de modificações que são
produzidas na superfície externa do edifício (controle ambiental natural) ou em
seu interior (outros tipos de ação), para controlar dinamicamente os efeitos sobre
o ambiente e seus usuários. Este controle ambiental passivo implica, em muitos
casos, a ação humana, transformando os usuários em elementos controladores
do sistema (abrindo e fechando portas, janelas, persianas, etc.
Existem, no entanto, certos dispositivos de sistemas passivos de controle sem
intervenção direta de pessoas e sem energia artificial para seu funcionamento.
Este é o caso de aberturas para ventilação que regulam automaticamente o
caudal de ar que passa, fechando-se quando a pressão do vento sobe, ou lâminas
de persianas chamadas skylids por seu inventor Steve Baer, que têm um sistema
com depósitos conectados com tubos e cheios de freon; este, quando o sol
esquenta o sistema, se gaseifica e desequilibra o peso, fechando e protegendo as
aberturas, que voltam a abrir-se quando se esfria e o gás se condensa quando o
sol deixa de incidir sobre o aparato.
O controle ativo acontece quando a detecção ou medida de um efeito, as
decisões sobre este efeito e as ações correspondentes, se realizam através de um
sistema artificial, com os componentes destinados à cada uma destas três partes
do controle ativo, que se chama retroativo ou realimentado, ao influenciar a
saída ou efeito do sistema sobre a entrada ou causa do processo. Apesar de que
cada ação que a central decida fazer tem que estar pré-programada e, portanto,
prevista a priori, a capacidade de um sistema de controle ativo pode ser muito
superior a de sistemas passivos. Apesar disso, todavia, a flexibilidade e
capacidade de adaptação dos sistemas passivos ainda não foram superadas pelos
sistemas ativos.
Para chegar ao conceito de controle integral na arquitetura é necessário superar
a vigente consideração individual de cada tipo de instalação, substituindo-a por
um conceito global, que estaria relacionado com denominações que já estão em
uso, como edifício inteligente, por exemplo. Mas, da mesma maneira que
acontece com o corpo humano, onde os órgãos dos sentidos funcionam isolados
uns dos outros e a verdadeira sinestesia se produz no cérebro, as instalações de
um edifício continuam funcionando isoladamente, com apenas alguns processos
parcialmente integrados.
A verdadeira integração global se realiza em nível do sistema de controle, que
cumpre um papel equivalente, ainda que nunca igual, ao do cérebro humano. De

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acordo com este conceito, poderíamos esquematizar os sistemas de controle na


arquitetura, em suas diferentes etapas, como um conjunto de sensores, redes,
centrais de gestão e atuadores atuando em conjunto para fazer do espaço
arquitetônico um lugar mais confortável.
Para entender melhor o conjunto do edifício, veremos estas etapas
sucessivamente, tendo sempre em conta que em realidade devem funcionar como
um todo para que se consiga o efeito desejado:
a) Em primeiro lugar, o edifício se informa com sensores. Para este fim se
utilizam diversos tipos de dispositivos que atuam como os sentidos do
edifício: termômetros, antenas, fotômetros, ultra-som, circuitos de
televisão, relógios, enemõmetros, higrômetros, etc., receptores de
diferentes tipos de informação.
Estes “órgãos sensoriais” do edifício exploram o mundo exterior e o espaço
interior da arquitetura e suas mudanças, desmembrando analiticamente a
informação em fatores simples como: temperatura, umidade, velocidade do
vento, iluminação, presenças estranhas, fluxos de matéria, fluxos de
energia, tempo, mensagens, etc. Em seguida todos estes fatores se
convertem em um sinal.
b) Em segundo lugar, com as redes o edifício se comunica. Os sinais gerados
no processo anterior procuram um receptor para descarregar a informação
recebida e, para tal, necessitam de um meio adequado (cabos, ondas
sonoras e luminosas são os mais comuns). Como seria impensável uma
conexão independente para cada sensor, se estrutura o sistema de
comunicação de forma que ele possa atender diferentes possibilidades de
conexão, que podem ser: em malha (cada componente de conecta com
todos os outros), estrela (cada componente se conecta unicamente com
um nódulo central) e em linha (cada componente descarrega sua
informação em uma linha comum).
c) Em terceiro lugar, com a central de processamento o edifício analisa e
decide. O “cérebro” do edifício recebe da rede os diferentes sinais e os
decodifica. Num primeiro momento esta informação é tão somente um
“conjunto de dados” que carecem de significado, a menos que estejam
relacionadas com “expectativas” e uma “intencionalidade”.
A informação se estrutura através de um programa, o que implica: valores
de consigna (que pré determinam, para cada variável, os valores
expectativa), leis de inter-relação (que expressam a influência mútua dos
diversos parâmetros individuais), leis de ação (tipo e assinatura da
resposta adequada a cada desvio detectado), leis de reação (quantificação
de resultados, consumos e custos previsíveis em cada ação) e informações
externas ao sistema (custo de recursos, ponderação de critérios,
estruturas temporais de uso e estatísticas). Considerando todos estes
elementos a central de processamento decide sua resposta.

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d) Em seguida, utilizando de novo as redes, o edifício responde. As


mensagens transitam em sentido inverso. Para tal utilizam a mesma rede
de comunicações e a mesma estrutura de protocolo mencionada no item
b).
e) Os destinatários serão, agora, os atuadores com os quais o edifício se
relaciona. Trata-se de outro tipo de dispositivo: comportas, alavancas,
campainhas, ferrolhos, motores, lâmpadas, interruptores e válvulas. Estes
“órgão motrizes” do edifício transformarão a resposta em ação: cresce o
consumo de combustível, se apaga a luz, a janela se abre, a campainha
soa, etc.
O usuário poderá, então, ignorar...
Para melhor entender o papel do controle na nossa arquitetura, é importante
entender e considerar a tecnologia das instalações: o uso de combustíveis
fluidos, a motorização dos esforços mecânicos, a integração da ventilação,
aquecimento e refrigeração no conceito de “acondicionamento ambiental”,
podem, eventualmente, se renovar, ampliando as possibilidades das instalações
consideradas.
Além dos edifícios de uso público, pode-se constatar que, mesmo as mais simples
residências da atualidade abrigam todo um conjunto de funções (porteiro
automático, telefone, televisão, equipamentos de iluminação e climatização, etc.),
de uma complexidade incomparável aos maiores e mais ambiciosos edifícios da
antiguidade.
O desenvolvimento da tecnologia elétrica foi outro fator fundamental nesta
evolução. Primeiro por que se trata de uma “energia fluida”, facilmente
transportável a qualquer lugar, limpa na zona de uso, e capaz de ser
transformada em muitas outras formas de energia mais apropriadas ao uso
concreto: mecânica, luminosa, química, térmica, etc. Além do que, com a
descoberta do eletroímã criou-se a possibilidade de atuar instantaneamente e à
distância sobre outros tipos de energia (ignição de combustíveis, regulação de
fluidos por eletro válvulas, modulação telefônica de ondas sonoras, etc.), que é o
que permite dominar a última parte dos sistemas de controle, a da AÇÃO.
A eletrônica tem tido também um papel importante nesta evolução permitindo o
desenvolvimento de novas aplicações tais como o rádio, a televisão e uma incrível
variedade de sensores e atuadores, além do que, tem ampliado em volume,
velocidade e complexidade a transmissão de informação de um ponto a outro do
edifício.
Voltando ao conceito geral de controle na arquitetura, a integração e
interatividade dos múltiplos fatores independentes são os fatores básicos nesta
concepção.
Entendendo uma construção desta maneira, começa a fazer sentido falar de certa
“inteligência” no mesmo. Apesar disso, esta denominação pode ser equivocada e
induzir a erros sobre o sentido real do controle na arquitetura. A inteligência
básica na arquitetura será, sempre, a aplicada no projeto do edifício, com seus

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sistemas de controle incorporados, não sendo lícito qualificar de inteligente uma


parte do complexo que forma o espaço no qual vivemos, ou padecemos.
EDIFÍCIO INTELIGENTE é a tradução – talvez um tanto equivocada – do inglês
smart building. Desta denominação genérica se origina um novo conceito,
AUTOMAÇÃO, que se refere concretamente ao âmbito destes sistemas nos
edifícios.
Os anglo-saxões chamam estes edifícios de smart buildings e não intelligent
buildings. Intelligent teria uma conotação mais próxima da inteligência
especulativa. Smart se traduz também como “inteligente”, mas com um sentido
mais próximo de inteligência prática. No nosso idioma talvez fosse mais correto
traduzi-lo como edifício “engenhoso”, “habilidoso” ou “talentoso”, ainda que estas
denominações possam parecer um tanto ridículas.
Em todo caso, não devemos nunca esquecer que os SISTEMAS DE CONTROLE,
da maneira que os consideramos atualmente, se baseiam num hard
(computadores, sensores, redes, etc.) e num soft (programa) próprios, além de
levar em conta que estes meios de controle atuam sobre um edifício de maneira
tangencial ao sistema.
Um fool building (edifício burro) dotado de stupid installations (instalações idiotas)
só poderão prestar serviços limitados e a um custo muito elevado, por mais
smart que sejam seus órgão e programas de controle.
A função clássica da arquitetura como “manejo dos elementos naturais” não
deixou de ser necessário. Não podemos separar estes elementos e talvez nunca
devamos fazê-lo por completo. Os controles dos climas na arquitetura, hoje como
sempre, depende muito mais de suas formas do que da complexidade tecnológica
adicionada.
Mas os objetivos do controle na arquitetura podem ser muito diversos. Estes
sistemas desempenham diferentes funções que substituem ações dos seres
humanos, e estas substituições acontecem em níveis sucessivos. Neste sentido,
um sistema mecânico unicamente economiza esforço físico dos usuários
(elevadores que evitam a subida por escadas, o sistema hidráulico que nos
transporta água, etc.). Os sistemas automáticos (sistemas de controle aberto)
também economizam esforço físico além de esforço mental (tomada de decisão),
como no caso de portas, janelas ou lâmpadas que se abrem ou fecham em
determinadas situações. Finalmente os sistemas cibernéticos que, além de
economizar esforço físico (normalmente pouco) e mental (muito mais), exercem
funções que poderíamos denominar como secretaria permanente. Nestes
sistemas os efeitos são detectados com sensores, as ações mais convenientes e
apropriadas são decididas numa central, que atua sobre os processos com os
componentes de comendo.
No caso que mais nos interessa, dos sistemas ambientais (luz, som, clima,
ventilação, etc.), são controlados as condições de energia dos ambientes
interiores relacionadas com o conforto de seus ocupantes. Por ser um processo
complexo, com inúmeras variáveis que atuam sobre os resultados, o controle

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acontece a partir de um efeito detectado, com informação adicional de outras


variáveis para a tomada de decisão. Por exemplo, um processo de aquecimento
pode ser controlado com um sensor térmico no local, mas normalmente se utiliza
também outro sensor de temperatura exterior, para melhor prever as
necessidades futuras, além de um sensor de presença humana para economizar
energia em locais vazios.
Em geral, estes processos seguem um ritmo de variação lento, o que permite uma
resposta cômoda do sistema de controle, mas, por outro lado, a falta de
uniformidade ambiental nos espaços arquitetônicos faz com que,
freqüentemente, o grau de satisfação dos usuários seja baixo. Deve-se levar em
consideração que a comodidade ambiental em geral, e a térmica em particular,
dependem em grande parte de condições particulares e fisiológicas dos usuários.
Sobre determinadas condições ambientais, por mais controladas que sejam,
sempre pode acontecer o caso de que parte dos ocupante do espaço se sintam
desconfortáveis.
Voltando a considerar o controle na arquitetura em termos gerais, podemos
enunciar alguns princípios básicos de controle, aplicáveis em qualquer sistema
que estejamos tratando. Como já vimos, qualquer sistema de controle na
arquitetura pressupõe a existência de um sistema cibernético com um circuito de
retroalimentação (feed-back) que, com a detecção dos resultados de um
determinado processo, atua sobre as causas para mantendo-as dentro de
determinados limites.
Os sistemas controlados apresentam, sempre, uma resposta temporal. O que
significa que, si se aplica um sinal qualquer na entrada do sistema, variável em
função do tempo, este vai apresentar um sinal de resposta relacionada com o
sinal de entrada que seguirá as variações deste de uma forma diferente e,
geralmente, com certo atraso.
Na verdade, nos edifícios existem muitos sistemas de laço aberto (automáticos),
nos quais as ações são executadas a partir de um processo pré-estabelecido (pré-
programado), sem circuito de retorno que modifique a ação em função dos
resultados. De qualquer maneira, os sistemas aqui comentados são, na prática,
todos de cadeia fechada, passivos ou ativos, com controle humano ou não,
seguindo, todos, princípios básicos similares.
A ação física ou trabalho realizado por um sistema de controle pode ser
representado com um modelo matemático, que informa a relação entre a ação e
seu resultado. Embora muitas vezes o responsável pelo projeto arquitetônico de
um edifício não conheça os aspectos técnicos de um determinado sistema de
controle, seria necessário que compreender os princípios básicos de cada caso.
Em relação temática indireta com o modelo de um sistema de controle pode-se
enunciar o seguinte:
Princípio da transparência: num sistema de controle, os componentes de
interação com os usuários e responsáveis pelas ações têm que apresentar a
máxima transparência na reprodução do modelo de funcionamento e na

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comunicação com o usuário, visando assegurar que um excesso ou desordem de


informação não reduza a capacidade e a precisão do mesmo.
Este é o caso de muitos sistemas de controle, nos quais o excesso de dados que
se deve considerar e entender acaba por ocasionar a inoperância da sofisticação
do sistema. Em arquitetura, onde freqüentemente o preparo específico dos
usuários é baixa, este princípio é particularmente importante.
Considerando a seguir a sensibilidade do sistema de controle, entendendo
como tal a relação entre a variação de uma magnitude do sistema e a variação do
parâmetro que induz esta variação, esta sensibilidade depende da sensibilidade
que os diferentes componentes de sua cadeia de retorno.
Tanto o grau de sensibilidade na detecção do efeito como a capacidade do sinal
de resposta para modificar o processo condicionam conjuntamente a
sensibilidade global do sistema. Em geral deve-se tentar otimizar as respostas
transitórias para conseguir o retorno a um regime permanente no menor tempo
possível, evitando repostas instáveis que podem amplificar indefinidamente o
descontrole do sistema si estes entram em ressonância.
Como principio geral a respeito da sensibilidade de um sistema de controle,
podemos considerar:
O princípio da estabilidade: num sistema de controle retroativo, os parâmetros
básicos que devem ser otimizados para assegurar seu bom funcionamento são os
que relacionam a ação sobre as causas mediante a detecção dos resultados, ou
seja, basicamente a proporção e o atraso da resposta.
A proporção da resposta está relacionada com a magnitude do efeito que se
introduz ao atuar sobre as causas, sendo crítico que não seja excessiva ou fraca
em demasia.
O atraso da resposta é o parâmetro que condiciona as possibilidades de
estabilização rápida no caso de ser produzida uma alteração e que evita também
que um atraso excessivo amplifique a oscilação, coisa que acontece quando a
ação em um sentido é produzida em um momento em que já seria necessária
uma ação no sentido contrário.
Outro aspecto a considerar é a estrutura dos sistemas de controle, que nos
expressa a relação entre seus componentes. Esta relação é relativamente simples
em um sistema realimentado, com detecção do efeito>análise e decisão>ação
sobre a causa. No caso de sistemas complexos, com componentes que atuam em
série ou em paralelo, conectados com diversas causas e efeitos de processos que
podem ser múltiplos, a relação entre os componentes do sistema são muito mais
difícil de compreender e analisar. Nestes casos devem ser considerados alguns
princípios ou leis, como as que se referem à confiabilidade do sistema.
Relacionado com a confiabilidade (f) do sistema está o risco de ação incorreta;
donde: r = 1/f-1. Segundo esta definição o risco pode variar entre o valor 0
(sistema com confiabilidade máxima = 1) e valores muito grandes (sistemas de

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baixa confiabilidade). Estes conceitos nos permitem formular as leis de cadeias


em sistemas complexos:
A primeira lei é que: num sistema de controle, com seus componentes
conectados em série, a confiabilidade nunca pode ser superior a do
componente de menor confiabilidade.
É o caso de sistemas nos quais os diferentes componentes (de detecção, remeça
do sinal, processamento, interpretação e ação), têm um dado grau de
flexibilidade onde o ponto mais fraco da cadeia é o que determina a qualidade
global do sistema. Neste caso a confiabilidade em sistemas complexos
apresentará possíveis melhoras com o funcionamento de seus componentes em
paralelo.
A segunda lei da cadeia nos diz que: num sistema de controle com
componentes re-interativos conectados em paralelo, o risco final de ação
incorreta diminui ao se aumentar o número de componentes, mas em
menor proporção do que o previsto, ao diminuir também a segurança por
excesso de confiança dos usuários.
No caso em que os usuários não sejam capazes de perceber a eficiência do
sistema, a diminuição da confiabilidade não acontecerá.
Como conclusão geral a respeito da estrutura dos sistemas, pode-se afirmar que,
ao aumentar a complexidade dos mesmos, deve-se assegurar a redução dos
riscos com a manutenção homogênea da confiabilidade dos componentes e com o
uso de componentes em paralelo nos quais o fator de excesso de confiança não
aumente o risco total.
Outro aspecto a ser considerado será a tipologia segundo a técnica utilizada.
Como se trata de uma tecnologia em crescimento, pode-se prever evoluções
rápidas num futuro próximo, possivelmente com graus de automação e
globalização cada vez maiores, até ao ponto de integrar todos os tipos de controle
possível na arquitetura. Este caminho sugere a necessidade de planejamento, já
neste momento, o controle global. Um sistema global de controle na arquitetura
consiste num sistema único que governa simultaneamente todos os componentes
e sistemas do edifício suscetíveis de ação, detecção e comunicação.
A agrupação de equipamentos automatizados submetidos a um controle central é
a base de um sistema global de gestão. Normalmente se tende a classificar
diferentes âmbitos do conjunto do sistema de controle, associando componentes
e subsistemas de cada um entre si, que podem ser: gestão técnica (ambiental, de
serviços, de segurança, etc.), gestão administrativa (comunicação, finanças,
saúde, etc.) e gestão cultural e de ócio (educação assistida, banco de dados,
jogos, etc.).
A aplicação na arquitetura destes sistemas com integração interativa de todos os
controles possíveis do edifício, pode ter conseqüências positivas tanto do tipo
sociológico como do tipo ecológico. No entanto, os sistemas de alta tecnologia
utilizados podem promover o uso de sistemas de controle ambiental e de serviço
com alto consumo de energia artificial, o mesmo acontecendo com relação a

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usuários pouco preparados para utilizá-los, aspectos que podem apresentar


conseqüências contrárias às que deveriam favorecer. No outro estremo da
questão, um controle manual de um sistema de persianas pode ser muito mais
eficiente, energeticamente falando, do que um complicado sistema de
climatização.
Além do que, apesar dos sistemas de controle apresentar baixo consumo de
energia, por sua própria estrutura técnica, esta vantagem não deve se perder
com o uso irreflexivo de sistemas artificiais de controle ambiental e de serviços.
Neste caso, paradoxalmente, o controle ativo deveria favorecer o uso de sistemas
passivos de controle ambiental.
Outro ponto para reflexão é o do papel que estes sistemas podem representar no
desenho arquitetônico. A introdução das máquinas na arquitetura, já há mais de
dois séculos, não significou uma mudança consciente na aparência formal dos
edifícios, apesar das implicações referentes à ocupação dos espaços e dos
elementos presentes nos ambientes interiores do mesmo.
Da mesma forma hoje, com a incorporação de novos sistemas de controle, apesar
de estes poderem modificar radicalmente a forma de viver em todos os edifícios,
não se considera que eles possam causar grandes mudanças nos projetos dos
arquitetos. Deve-se considerar que o controle global praticamente não ocupa
espaço, podendo ser escondido com facilidade.
Historicamente, a técnica na arquitetura, como em outros campos da cultura,
tem seguido a tendência à estagnação produzida quando, por princípio, se
rechaça qualquer inovação radical. A arquitetura de hoje, em essência, é a
mesma que se constrói há muitos séculos e, ainda que se tenham incorporado
novas técnicas nos edifícios, quase sempre se faz escondendo-as, dissimulando
os novos sistemas com elementos de aparência convencional.
Infelizmente, os exemplos que se apresentam adjetivados como edifícios
inteligentes não são mais que reproduções miméticas de estilos, ou pseudo
estilos, arquitetônicos já existentes, com o acréscimo de alguns controles
limitados. Continua-se escondendo, pode-se dizer que vergonhosamente, a
existência dos sistemas técnicos de controle bem como seus componentes. Os
edifícios continuam aparentando que funcionam como os construídos no século
XVIII, ainda que estejam recheados de tubos e instalações especiais.
Por outro lado, os enfoques atuais do desenho arquitetônico, em especial em
edifícios tecnicamente mais avançados, tratam a relação com o entorno como
uma relação de oposição. Criam-se assim barreiras aos agentes climáticos
naturais (sol, vento, etc.) para evitar qualquer perturbação do ambiente artificial
e as novas técnicas eletrônicas se limitam, erroneamente, a controlar sofisticados
sistemas que geram estes ambientes artificiais. Ainda que seja uma forma mais
cômoda, as conseqüências são péssimas, tanto do ponto de vista ambiental,
como para o conforto dos usuários e para a estética arquitetônica.
Contra esta tendência sugerimos uma arquitetura que desde o início de sua
concepção incorpore todas as possibilidades técnicas da atualidade. Deveria ser

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uma arquitetura que aproveitasse a existência dos agentes ambientais naturais


para seu melhor funcionamento, tanto quanto os relacionasse com os mais
complexos sistemas de controle, para assim regular suas condições ambientais
interiores de acordo com as necessidades e desejos dos usuários. Devendo-se
evitar as condições artificiais estáticas para introduzir uma variedade temporal
mais confortável, visando obter um baixo consumo de energia bem como uma
utilização dos elementos climáticos naturais mais sábia. Seria uma arquitetura
que poderia “aprender” e reproduzir, posteriormente, certos padrões de atuação
para melhorar seu desempenho.
A eletrônica de hoje em dia permite desenvolver dispositivos, componentes e
circuitos que controlem funções de alto grau de complexidade, o que não tem
sido explorado para aplicações que visem à economia de energia com o
aproveitamento dos agentes ambientais naturais.
Uma vez mais devemos nos lembrar que, como qualquer avanço em nossa
civilização que vise economizar esforços humanos, este pode ser transformado
num elemento coercitivo do grau de liberdade dos indivíduos. Neste caso existe
assim um claro perigo que já se evidencia em muitos edifícios modernos.
A aplicação de tecnologias sofisticadas resulta em sistemas de controle de
decisões sobre as condições, ambientais e não ambientais, dos espaços interiores
da arquitetura. Assim, o indivíduo se encontra imerso num entorno que não
descontrolado, mas que não é controlado por ele. As janelas que não se abrem,
comuns em qualquer edifício de escritórios moderno, são um exemplo
paradigmático desta situação.
Analisando estes casos, por desgraça cada vez mais freqüentes, é certamente
impossível de se evitar que, no caso de uma possível avaria do sistema de
controle das instalações associadas, esta falta de liberdade do usuário se
transforma num problema crítico e de impossível solução.
Não podemos deixar de lembrar que o verdadeiro controle não é o que priva os
usuários do poder de decisão, mas que os permite decidir melhor e com mais
comodidade, o que está muito longe da realidade de muitos edifícios atuais.
O grande desafio que a arquitetura deste início de século tem é o de conceber e
formalizar um novo conceito de edifício, além da pura forma da matéria, ainda
que carregado de significados. Considerando este conceito a arquitetura deveria
se apresentar como um delicado jogo de energias ambientais em estreita relação
com seus usuários, livre da sujeição dos sistemas fechados em si mesmos que
não permitem a iniciativa individual, e em harmonia com o meio ambiente,
caracterizando uma evolução, esperemos que positiva, de um entrono natural
que já não é o que era.
Por isso, se os arquitetos não querem se encontrar uma vez mais fora do jogo da
própria cultura na qual vivemos, deveriam aceitar o papel ativo que as técnicas
atuais podem desempenhar na arquitetura. Deveríamos repensar o conceito de
forma construída e incorporar o espaço energético ao vocabulário arquitetônico,
aproveitar as possibilidades dos sistemas de controle com uma definição

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dinâmica dos ambientes e, sobretudo, livrarmo-nos do fechamento ideológico que


só nos permite trabalhar com a geometria da matéria.

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Capítulo IX.
Outras culturas, outros climas.

Até aqui analisamos os climas da arquitetura segundo uma visão particular, a da


cultura ocidental industrializada na qual estamos imersos. Nesta trilha demos
ênfase especial aos temas relacionados com a sensação térmica, que através dos
fenômenos radiantes, são estreitamente ligados com os fenômenos visuais; no
primeiro caso predominam os aspectos de conforto e bem estar, enquanto que no
segundo predominam os perceptivos. Também incluímos, como se fosse outro
fenômeno climático, o eterno campo da acústica, sobretudo perceptivo, mas que
está ligado intimamente ao bem estar pela importância que o som tem nos
aspectos inconscientes da dita percepção.
Por último, depois de comentar todos estes climas, tentamos analisar os
princípios de seu controle na arquitetura, conectando as técnicas que desde
sempre caracterizaram a flexibilidade dos edifícios, com a modernidade
tecnológica do chip e do controle artificial da luz, do calor e do som.
Alem do mais, considerados separadamente ou em conjunto, luz, calor e som são
fenômenos cuja existência e importância são aceitas por nossa sociedade. Seus
valores são mesuráveis, ainda que freqüentemente muito mal. Suas tecnologias
são conhecidas e temos certa fé em seu funcionamento, ainda que com
freqüência o resultado das técnicas utilizadas nos decepcione.
Existem, no entanto, casos de fenômenos ambientais que são totalmente
diferentes, classificados de imensuráveis e com componentes de mistério, magia
ou engano, importantes em outras culturas e que, ainda hoje, se discutem e se
aplicam em algumas zonas do mundo e em alguns setores contra-culturais de
nossa própria sociedade.
Um dos exemplos mais interessantes e que possui estreita relação com a
arquitetura é a ciência chinesa do Feng Shui, palavras que significam
literalmente “vento e água”. Nesta antiga ciência se estuda a relação das
características de um lugar com o habitat humano, apoiando-se em sua
topografia e sua hidrologia, além de outras considerações muito menos
perceptíveis.
As explicações do Feng Shui na avaliação de um lugar partem de conceitos
espirituais que tratam da harmonia com o universo e da “energia” latente de
todas as coisas presentes. À partir deste ponto trabalha-se com analogias que, se
belas dificilmente são traduzíveis, de dragões, tigres e serpentes, pontos
harmônicos onde a “energia” é positiva e correntes nefastas que, transformadas
em perigosas “flechas secretas”, agridem os prédios e os seres humanos que nele
habitam.
A sabedoria do Feng Shui reside na escolha de uma boa localização e de uma
adequada disposição dos espaços da arquitetura em um determinado sítio, que
ignora outras considerações que, na nossa cultura ocidental achamos mais
importantes para a arquitetura. Neste sentido é interessante e estimulante

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observar como se prioriza a escolha do lugar sobre a forma e materiais utilizados


no edifício, como uma “contraproposta” do fazemos em nosso entorno cultural.
Todas estas teorias do Feng Shui, bem como outras aproximações similares não
convencionais que relacionam o ambiente à arquitetura, podem nos parecer
elucubrações sem sentido, crenças pagãs de civilizações primitivas ou, até,
invenções delirantes de viajantes entediados. Contudo, podemos nos surpreender
quando analisamos as soluções propostas pelos entendidos sobre o assunto,
simplesmente valorizando essas soluções, indiferentes de teorias que as
justifiquem.
Com relação à orientação do habitat, por exemplo, as recomendações
relacionadas à topografia e cursos d’água costumam ser as melhores,
climaticamente, sobretudo, mas também com relação a outros aspectos
funcionais. O mesmo ocorre com as recomendações sobre seu posicionamento
sobre o perfil dos terrenos, sendo escolhidos quase sempre os locais que melhor
se inserem esteticamente na paisagem, em detrimento de sítios que a
prejudiquem.
Em escalas mais próximas, as recomendações podem parecer mais triviais ou
anedóticas, mas continuam supondo uma alta dose de praticidade e são
favoráveis para o funcionamento ambiental. A disposição das aberturas em um
local, por exemplo, ou o acesso das residências, são soluções eficazes do ponto
de vista térmico e permitem um controle adequado da ventilação seja no inverno
e no verão.
Da mesma forma, as estratégias propostas para o uso de luz natural, assim como
a técnica de uso de vidro e espelhos, água e vegetação, concordam, não só com o
senso comum, mas também com algumas das mais modernas teorias e
descobertas feitas pela nossa cultura técnica ocidental.
Outras culturas, diferentes da nossa, também têm outras formas de conceber e
avaliar os ambientes da arquitetura, coincidindo em muitos casos com o Feng
Shui na valorização de um espaço através de ações e fluxos energéticos que se
estabelecem na terra e no céu. Segundo estas formas de pensamento, sobre a
superfície da terra existem lugares positivos e lugares negativos, receptores ou
emissores destas energias que não se podem medir e que fazem um determinado
sítio agradável ou desagradável.
Segundo esta forma de pensar, o ser humano perdeu a sensibilidade consciente
sobre estas influências, que era conhecida pelos homens primitivos e usada
quando levantavam seus monumentos megalíticos, situados em pontos
estratégicos como conexões entre o céu e a terra. Estes pontos singulares têm
sido utilizados, ao longo da história da humanidade, para a edificação de
monumentos de todo tipo que, às vezes, sobrepõem seus cimentos através de
raças e culturas sucessivas.
É possível que destas técnicas só tenham chegadas até nós a radioestesia, com a
qual os especialistas encontram depósitos minerais ou caudais subterrâneos de
água. De qualquer maneira, existem sugestivas analogias entre as técnicas da

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acupuntura e as teorias que entendem o planeta como um ser vivo (Gaia), no


qual os menires seriam sutis agulhas situadas nos pontos críticos de sua pele.
Pode-se argumentar que todas estas teorias não são mais que uma roupagem
que adorna um “saber fazer arquitetura” apreendida através dos séculos, e que
talvez seja verdade.
Contudo, são soluções que funcionam segundo os princípios que nós
conhecemos; se também funcionam para outros parâmetros ambientais que não
temos como medir mas tão somente reconhecer sua existência, pois tanto
melhor. Uma vez mais, o importante não deve ser deter a verdade absoluta, mas
dispor de sistemas coerentes que permitam desenhar uma arquitetura bela e
mais cômoda.
Neste contexto e na falta de instrumentos e métodos científicos que permitam
constatar a realidade destes fenômenos, o mais fácil é considerá-los como
inexistentes e prescindir deles no processo de concepção da arquitetura. Mas,
com isso, estaríamos repetindo uma atitude que adotamos muito freqüentemente
diante de qualquer problema: ignorar aquilo que não sabemos medir, o que é
uma atitude muito perigosa. Devemos ter em conta que, até em fenômenos muito
conhecidos, nos deixamos levar por essa atitude que, com certeza, nos conduz ao
fracasso. Recordemos, por exemplo, que, como avaliamos a iluminação de um
espaço com um só parâmetro, a luminosidade em luxes, o que não é suficiente e
caracteriza um equívoco freqüente, nós só o fazemos porque é muito mais difícil
medir a luminosidade que nossos olhos vêm num determinado espaço (ver
capítulo XX, Clima da Luz e do Sol).
A recomendação geral para estes casos é a de que, todos os fenômenos que
influenciam no ambiente arquitetônico devem ser valorizados, mesmo quando
não podem ser medidos. Em muitos casos bastará um conhecimento aproximado
de como opera o fenômeno e sua ordem de magnitude, sem a necessidade de
uma parametrização exata. Acreditamos que com essa atitude, os resultados
serão sempre mais apropriados do que os obtidos ignorando simplesmente o
fenômeno.
Contudo, aplicar este tipo de valorização dos fenômenos que estamos tratando,
continua sendo difícil. Trata-se de manifestações que não registramos
conscientemente, muitas vezes são impressões vagas, um mal estar que
atribuímos a outras causas, ou uma euforia que recebemos sem perguntarmos
por que. Tudo isso são sensações que notamos na arquitetura, como se fossem
fenômenos naturais que a arquitetura mesmo corrige e matiza. Quem não
sentiu, ao visitar Ronchamp, encravado numa paisagem ancestralmente mágica,
sensações que vão além da escultura de forma e luz que Le Corbusier provoca?
De qualquer maneira, intuímos algumas tendências gerais: a opressão das
montanhas, o dinamismo da água corrente, as tensões dos campos
eletromagnéticos que geram linhas elétricas de alta tensão, a pressão psicológica
dos aglomerados urbanos, o reconhecimento da vegetação frondosa, etc. Todas
elas são unicamente tendências, mas contra ou a favor das mesmas, podemos

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atuar com os recursos arquitetônicos de sempre: barreiras, conectores ou filtros,


acrescidos da escolha da localização, orientação bem como a eventual correção
do entorno imediato tratado para outros fenômenos. A ação das barreiras poderá
canalizar ou rechaçar estas influências, numa ação parecida com a que
realizamos com o som ou com a radiação solar.
A partir deste ponto, temos também outra ferramenta para a avaliação da
arquitetura ante estas energias imensuráveis que, embora um tanto ou quanto
ingênuo, funciona ao cabo de qualquer avaliação relacionada à arquitetura, que é
a estética. Paradoxalmente, em muitas destas culturas se nega o conceito de
“bonito ou feio”, entendendo que só existe o favorável e o desfavorável, mas nós
acreditamos que com a estética temos uma ferramenta com a qual se pode
avaliar, até certo ponto, este tipo de fenômeno na arquitetura
A harmonia é um conceito sutil, relacionado à modas, costumes e outras
variáveis das diferentes culturas, mas, apesar de tudo, existem reações ao
entorno que podem ser generalizadas e que compartilhamos com nossos
semelhantes quando deixamos de lado avaliações realizadas segundo nossos
preconceitos culturais. Se contemplarmos a arquitetura de um ponto de vista
estético e tratamos de identificar sua harmonia, tanto interna como com relação
ao entorno, talvez tenhamos esta ferramenta que pode nos permitir integrar os
“outros climas” com os já conhecidos.
Partindo deste pressuposto, podemos incorporar o juízo estético no exercício do
desenho ambiental com a intenção de que a luz, o calor e o som, vibrem
harmonicamente no interior de todos os nossos edifícios, objetivando que, desde
sua implantação no local desejado até seu acabamento, exista harmonia com seu
entorno e no seu próprio funcionamento. Isto não implica na utilização forçada
de adaptações a materiais ou formas construtivas locais, muitas vezes
remanescentes de características sociais e técnicas construtivas hoje
inexistentes, mas algo mais delicado, recuperando a atitude e sensibilidade com
respeito ao lugar onde a arquitetura de situa, em vez de concebê-la como algo
abstrato, que começa e acaba no papel no qual se projeta e que se reproduz como
uma fotografia.
Como a estética é e será sempre um conceito de difícil precisão, fica impossível
transformas esta regra geral, que faz referência aos “outros climas” da
arquitetura, em recomendações concretas ou soluções práticas, tal como se faz
com outros aspectos ambientais. O exercício da arquitetura não é nem nunca foi
totalmente parametrizável; e talvez aí resida sua transcendência que supera o
passar do tempo.

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