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Coimbra prepara-se para celebrar as festas da Rainha Santa

Isabel, uma tradição secular no mês de julho, marcada pelas


procissões que percorrem a cidade banhada pelo Mondego.
E1883, a Mesa da Confraria da Rainha Santa Isabel decidiu que
as procissões se realizassem ordinariamente apenas nos anos
pares. Em 2016, a celebração é marcada por um acontecimento
especial, o Jubileu do V centenário da beatificação de D. Isabel
de Aragão, rainha de Portugal. Por esse motivo, a imagem da
Rainha Santa subirá à Sé Nova, e por especial anuência de D.
Virgílio Antunes, bispo de Coimbra, será aberto o túmulo de
Santa Isabel, de 1 a 13 de julho.
O Semanário ECCLESIA apresenta, por isso, um dossier
dedicado a estas celebrações, com a colaboração da Confraria
da Rainha Santa Isabel, e recorda a vida e obra da santa a que
os portugueses chamam rainha.

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Celebrar a Rainha Santa
em ano de duplo jubileu
António Rebelo, Presidente da Confraria da Rainha Santa Isabel, fala à
Agência ECCLESIA da celebração do 500.º aniversário da beatificação desta
figura de referência da Igreja Católica no nosso país, num ano que o Papa
Francisco quis dedicar à Misericórdia. Um duplo jubileu que vai levar muitos
peregrinos até ao túmulo da Rainha Santa, de 1 a 13 de julho.
Entrevista conduzia por Luís Filipe Santos

Agência ECCLESIA (AE) – A cidade santa para a tribuna-mor, onde


de Coimbra tem uma devoção neste momento repousa. Esta igreja
especial à rainha Santa Isabel. é barroca com belíssimos retábulos
Neste local (Igreja do Mosteiro de que espelham um pouco a devoção
Santa Clara-a-Nova) estamos no da rainha santa e cenas da vida
centro devocional e de romagem ao dela com o seu marido, o rei D.
túmulo da rainha santa. Dinis. Nestes retábulos encontramos
António Rebelo (AR) – Esta igreja também outras cenas relacionadas
acolhe a mais preciosa relíquia que com os santos franciscanos porque
possuímos, o corpo incorrupto de estamos num espaço habitado por
Santa Isabel que repousa naquele clarissas.
túmulo de prata, mandado construir,
a expensas suas, pelo bispo de AE – A espiritualidade franciscana e,
Coimbra, D. Afonso de Castelo mais concretamente das clarissas,
Branco. sempre foi um exemplo e esteve
Esta igreja, terminada em 1696, foi bem patente na vida da rainha
dedicada à rainha Santa Isabel. Já o Santa Isabel.
próprio mosteiro, quando D. João IV AR – O ideal franciscano sempre
o mandou construir, era dedicado à entusiasmou a rainha santa e, ao
rainha Santa Isabel. A Igreja só ficou qual, ela aderiu. Quando ela, nas
concluída cerca de 21 anos depois margens do Mondego, concluiu a
da parte norte, onde estão situadas construção do Mosteiro de Santa
a celas e o refeitório. Clara (na altura tinha como oragos
A primeira trasladação foi em 1677 Santa Clara e Santa Isabel da
e, em 1696, após a conclusão Hungria) foi buscar uma comunidade
da Igreja, transferiu-se o túmulo da de clarissas para aqui se
rainha estabelecer.

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túmulo. É uma imagem mogno
maciça (extremamente pesada) mas
que tem uma graciosidade enorme e
cativou logo os devotos. Antes de vir
para Coimbra, esteve exposta em
Lisboa, e foi muito admirada por
todos. Está cravejada de pedras
preciosas: esmeraldas, rubis,
AE – A talha dourada é abundante. rainha D. Amélia para as procissões. pérolas e diamantes. Teixeira Lopes
Uma obra do entalhador Domingos Uma peça que se encontra junto ao procurou que a imagem tivesse
Lopes. túmulo (sarcófago de prata e cristal) dignidade e graciosidade que o
AR – Esta igreja é muito rica em da rainha santa em lugar de povo via na sua padroeira. Quando
talha dourada. Neste mosteiro régio destaque. Uma belíssima imagem a imagem é levada na procissão, a
professavam clarissas da mais que apaixona e inspira os devotos. sua disposição parece que está a
nobre estirpe de Portugal. Merecia caminhar por entre a multidão.
ser contemplada com aquilo que, na AE – Uma peça com beleza estética.
época, do ponto de vista artístico, AR – A imagem da rainha santa foi AE – Antes da imagem atual, na
mais enobrecia o espaço onde esculpida pelo Teixeira Lopes e sacristia da Igreja está exposta a
estava o corpo da rainha santa. pintada pelo seu cunhado. Esta sua antecessora.
imagem teve por modelo uma jovem AR - Sim. Ali está exposta a imagem
AE – Ao centro, a imagem da rainha aragonesa. Costuma dizer-se que antiga que era levada
Santa Isabel esculpida por António ele próprio também procurou, junto processionalmente a um dos
Teixeira Lopes. da confraria, ter acesso à templos da cidade, como ditam as
AR – Esta imagem foi oferecida visualização da própria face da regras antigas, porque a confraria,
pela rainha santa que está no entre as suas obrigações, uma
delas, era a de promover duas
procissões em honra da rainha
santa. E, até 1896, era esta a O andor, a imagem, e os milhares
imagem que era transportada. É de rosas… A sensação que os
uma peça feita de roca e, homens do andor têm, desde os
atualmente, está na sacristia porque tempos antigos, é que pesa muito.
alguns devotos ainda a admiram. As Os talhantes, que outrora levavam o
vestes e as coroas desta imagem andor, por estimativa falam em cerca
eram oferecidas. de 800 quilos.

AE – A imagem, juntamente com o AE – Quem costuma levar o andor


andar, pesam umas boas centenas na procissão?
de quilos. AR – São os irmãos da confraria.
AR – A totalidade nunca foi pesada.

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santa. Por feliz coincidência, no dia obrigou a universidade a celebrar,
20 de janeiro de 1554, estava a festivamente, todos os anos a
AE – É frequente os habitantes de um homem culto, um trovador, um realizar-se uma procissão, pelo bom rainha santa com orações públicas,
Coimbra, e não só, visitarem a poeta, na constituição dos Estudos êxito do nascimento de D. laudatórias e certames poéticos, no
imagem? Gerais em Portugal. Sebastião, aqui junto ao convento colégio das artes. D. João III faleceu
AR – Temos devotos que visitam, Depois da sua beatificação (1516) e de Santa Clara, junto do túmulo da 1557 e a rainha D. Catarina,
diariamente, a Igreja da rainha do estabelecimento definitivo da rainha santa, e nesse mesmo enquanto regente do neto, teve
Santa. Muitas vezes, antes de irem universidade em Coimbra (1537), momento estava a nascer o D. também uma grande influência na
para o seu trabalho, passam por pelo rei D. João III, criou-se uma Sebastião em Lisboa. D. João III fundação da Confraria da Rainha
aqui e fazem as suas orações. maior empatia com a universidade. atribuiu este êxito à intercessão da Santa, em 1560. Desde essa altura
D. João III teve 10 filhos (assistiu ao rainha santa. Tornou-se ainda mais que existe uma grande ligação da
AE – A universidade coimbrã falecimento de todos eles) e o último devoto, a ponto de pedir a extensão universidade a este culto. Ainda
também está ligada a esta devoção? deixou a esposa grávida. Toda a do culto a todo o país. hoje, na procissão solene é o único
AR – A Universidade de Coimbra esperança do reino estava ato litúrgico fora do espaço
está ligada à rainha santa a vários centralizada no bom êxito do AE – Nessa altura, o culto estava universitário em que os doutores da
níveis. Desde logo porque ela nascimento. Todo o reino se moveu apenas circunscrito à Diocese de Universidade de Coimbra participam
acompanhou a fundação da em preces à rainha Coimbra. com as suas insígnias.
universidade. Tendo em conta que AR – Na sequência desta graça,
ela era uma mulher muito culta, terá
estado ao lado do seu marido (D.
Dinis), também ele

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que estavam perante uma pessoa AE – Faleceu em Estremoz
que tinha acabado de falecer. Junto (Alentejo) a 04 de julho de 1336 e
do corpo encontraram o bordão de foi transportada para Coimbra
AE – No coro baixo da Igreja está Este túmulo foi aberto, pela primeira peregrina e a escarcela que lhe debaixo de um sol abrasador.
exposto o túmulo antigo da rainha vez, em 1612, por ocasião do tinha sido oferecida pelo arcebispo Mesmo assim, a pele não sofreu as
santa. processo de canonização. Fazia
AR – É verdade. Este belíssimo de Santiago de Compostela. Ela consequências das altas
parte dos processos de canonização deslocou-se a Santiago, em 1325, temperaturas…
espaço do coro baixo contém muitos a abertura do túmulo e a verificação depois da morte do marido para AR – Quando faleceu, algumas
altares trazidos do convento antigo do estado do corpo.
e o túmulo original da rainha Santa depositar a sua coroa real e muitos vozes pediram ao seu filho (Afonso
Isabel. É um túmulo de pedra que AE – Quando abriram o túmulo dos objetos preciosos. IV) para que fosse sepultada em
ela própria mandou esculpir ainda receberam uma grande surpresa… Esse bordão foi partido ao meio, Estremoz. O rei seguiu à letra o
em vida. Tudo o que ali está AR – Para grande estupefação dos metade e a escarcela foram testamento da rainha santa. O
representado foi feito segundo as presentes, entre eles estavam enviados para Madrid, e a parte receio das pessoas era que o corpo
suas indicações. O túmulo foi trazido vários bispos e o reitor da superior conservou-se aqui e faz produzisse um cheio insuportável.
para aqui em 1677 por ocasião da universidade e médicos, o corpo da parte do espólio da confraria. Pelo contrário, ao longo do percurso
transferência do corpo da rainha rainha santa estava em bom estado o ataúde deixou escorrer alguns
santa e da comunidade clarissa do de conservação. Eles apalparam as líquidos corporais que tinham um
convento antigo para o mosteiro carnes, fizeram o diagnóstico suave perfume. Foi o primeiro
novo. e ficaram com a impressão indício de santidade e está
registado nas crónicas.

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AE – As rosas sempre estiveram surpreendida pelo marido (rei D.
associadas a esta rainha. Dinis) nas suas ações caritativas
AR – Verdade. Existem alguns aos mais carenciados. Eram as da rua (meninas que andavam na podem apreciar alguns objetos do
milagres associados às rosas. Um rosas oferecidas aos pobres… Esta rua) tal como a rainha santa o fez. O nosso precioso espólio. Algumas
deles foi em Alenquer porque ela lenda espelha a dedicação aos mais primeiro assistente espiritual dessa destas peças já estiveram em
sempre teve uma grande devoção frágeis da sociedade. É preciso não casa «Refúgio da rainha Santa» foi exposições internacionais. Temos
ao divino Espírito Santo. Quando esquecer que numa época de o famoso padre Américo. Foi o aqui relíquias que podem ser
estava exilada naquela localidade, grande fome (1331-33), ela vendeu padre Américo, depois de ter visto apreciadas pelo público: o bordão,
mandou fazer uma igreja dedicada muitas das suas joias para mandar aquela realidade, que mais tarde as mortalhas originais da rainha
ao divino Espírito Santo. No âmbito vir trigo do estrangeiro. criou a Obra do Gaiato para fazer o santa e as bulas do cardeal
das guerras entre o marido e o filho mesmo com os moços da rua. Rainúncio e do Papa Gregório XIII
foi exilada e não tinha grandes AE – Os confrades e as confreiras Seguramente terá sido inspirado que autorizam o culto religioso da
proventos. E chegou a pagar aos também distribuem «rosas» nos nesta ideia…. beata a todo o território de Portugal
operários com rosas. Quando estes tempos atuais? e a conceder indulgências
iam a caminho de casa, AR - Procuramos, tanto quanto AE – A rainha Santa Isabel deixou perpétuas aos irmãos da rainha
encontraram um dobrão de ouro possível, ajudar. A confraria, dentro uma mensagem para a humanidade, Santa Isabel.
que pagava, largamente, os seus das suas posses que são diminutas, mas também deixou um espólio que
trabalhos. procura fazer a manutenção destes pode ser apreciado pelos devotos.
Esse foi um deles, mas o mais espaços que exigem muitos AR – No espaço «Tesouros
conhecido é quando ela é cuidados, mas noutros tempos, espirituais da rainha Santa Isabel»,
quando existiam mais recursos, os visitantes
auxiliar as mais diversas
coletividades de apoio aos doentes
e mais carenciados. A confraria até
criou uma casa de acolhimento de
jovens

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D. Isabel - Uma Rainha que foi Santa recebido por arras ou por doações peregrina até Santiago de
A casa de Aragão de onde provinha reais, em que se incluíam vilas, Compostela e depois vivendo junto
D. Isabel – filha de D. Pedro III de castelos e reguengos, soube dirigi- do Mosteiro de Santa Clara,
Aragão e D. Constança lo e controlá-lo na justiça, na continuou a sua missão piedosa,
Hohenstaufen e nascida em 1270 - administração e na fiscalidade. moral e caritativa mas também a sua
firmava-se por alianças D. Isabel desenvolveu ainda uma função de gestora de bens, obras e
matrimoniais com os mais notáveis significativa diplomacia de paz, no homens.
governantes do tempo, desde o reino de Portugal e fora dele, e Foi justamente o comprometimento
imperador alemão aos reis da porque, por nascimento ou enlaces desta Rainha e desta Mulher com a
Hungria e Sicília, que a matrimoniais, estava relacionada vida e com a ação, pautado pelos
redimensionavam, muito para além com todos o reinos peninsulares, ao valores evangélicos e pela fé e
da espacialidade ibérica, num amplo procurar o entendimento entre os devoção cristãs, que colocaram D.
contexto de relações internacionais, membros da família envolvia-se Isabel no coração do povo como
no continente e no Mediterrâneo. numa estratégia de conciliação santa, logo após a sua morte em
Esta prestigiada infanta casou, em política. 1336 e a elevaram aos altares pela
1282, com o rei de Portugal, D. Procurou apaziguar os conflitos e beatificação em 1516 e pela
Dinis, e tal união matrimonial guerras internas entre D. Dinis e canonização em 1625.
traduzir-se-á num projeto real de seu irmão e sobretudo entre o rei e
grande alcance, tanto a nível seu filho Afonso. Por intermédio do Maria Helena da Cruz Coelho
interno da composição política, seu marido, D. Dinis, harmonizou o Professora da Faculdade de Letras
social, cultural e religiosa do reino seu irmão D. Jaime II de Aragão com da Universidade de Coimbra
de Portugal como no plano o seu genro D. Fernando IV de
internacional no concerto e Castela, e marcou mesmo presença
pacificação das monarquias da na sentença arbitral entre eles
Península Ibérica. assinada, em 1304.
educando e cuidando dos seus A rainha D. Isabel soube, assim,
Se a sua função primeira como filhos, mas também de alguns dos
mulher casada era a de assegurar a acompanhar o rei D. Dinis no
bastardos reais. governo do reino de Portugal,
linhagem real, cumpriu-a com o Dedicou-se igualmente ao governo
nascimento de D. Constança, em deixando marcas indeléveis na
da sua casa, composta por um diplomacia, na assistência, no
1290, e depois, em 1291, do corpo próprio de oficiais e por um
herdeiro da coroa, D. Afonso. E apoio à Igreja, na espiritualidade, na
séquito de donas e donzelas da sua cultura e na vida de corte.
durante toda a sua vida criação, que educava e dotava para
desempenhou o seu papel de E após a morte do seu rei e senhor,
o casamento. Possuidora de um D. Isabel, em luto e recolhimento,
esposa e mãe, acompanhando D. amplo património
Dinis, na sua vida privada e pública, mas sem nunca professar, primeiro
até à morte deste, em 1325, e

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V Centenário da Beatificação de Deus misericordioso. Como
Jesus, Santa Isabel comoveu-se
Santa Isabel de Portugal diante dos pobres e dos
famintos, assumiu como suas as
4 de julho 2016 alegrias e as esperanças, as
Ocorre neste ano de 2016 o V dores e sofrimentos dos seus
Centenário da Beatificação de irmãos. Como Jesus, ela incarnou
Santa Isabel de Portugal, o modo de ser de Deus Pai e
popularmente conhecida como a pelas suas ações muitos
rainha Santa Isabel. É uma data a puderam encontrar a paz, o pão,
todos os títulos memorável, tanto a esperança e o amor que tanto
para a cidade e a diocese de desejavam e a que tinham direito.
Coimbra como para a Nação Que o perfume das suas rosas
Portuguesa, que a conta entre as continue a ser o bálsamo para as
suas mais insignes figuras de dores de todos os que sofrem,
mulher, de cristã e de santa. A que o seu pão continue a ser o
celebração desta grandíssima alimento delicioso para os
efeméride encherá de júbilo todos famintos no corpo ou no espírito,
os seus inúmeros admiradores e que a sua mão benfazeja e
devotos, pois o seu testemunho construtora de paz continue a
atravessou os séculos e chegou até unir a todos na comunhão de
nós com a frescura perene de uma Deus e dos homens.
vida verdadeiramente evangélica, Convido a todos a celebrar com
cheia de significado para o tempo seus filhos com um coração rico de devoção, fé e amor estas
presente e portadora de uma misericórdia. A Rainha Santa festividades da Rainha Santa e
mensagem que não morre. continua a manifestar aos homens e invoco a bênção de Deus para
A feliz coincidência da mulheres do séc. XXI que a Coimbra e para Portugal, a fim de
comemoração do V Centenário da misericórdia de Deus é infinita e que que tenham sempre, em
Beatificação de Santa Isabel de ninguém é excluído dela, bastando abundância, rosas, pão e paz.
Portugal com a celebração do Ano apresentar-se de coração simples e
Santo da Misericórdia proclamado humilde para acolhê-la. D. Virgílio do Nascimento
pelo Papa Francisco torna mais viva Santa Isabel captou admiravelmente Antunes,
a fé no amor de Deus, que acolhe e o núcleo central da revelação do Pai Bispo de Coimbra
abraça todos os que, em Jesus, se apresentou como
o

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Primeira abertura uma vez que os reis espanhóis eram
os grandes promotores da causa de
de conservação e não aparentava
quaisquer sinais de corrupção.
do túmulo da Rainha Santa Isabel canonização de D. Isabel de Aragão.
A parte superior do bordão
O auto de abertura que se conserva
na Biblioteca Nacional de Lisboa
No dia 26 de março de 1612, à uma peregrina foram entregues à encontra-se ainda hoje guardada descreve todos os pormenores: “[…]
hora da tarde de uma segunda feira abadessa do mosteiro. Tinha o num estojo de prata, no tesouro da e sem corrupção, antes muito alvo e
da Quaresma, foi aberto, pela bordão seis palmos e meio de Confraria da Rainha Santa Isabel. cheiroso e coberto de carne, de
primeira vez, o túmulo de Santa comprimento. Foi repartido em dois, Abriu-se o ataúde, despregou-se a maneira que a cabeça estava com
Isabel. tendo ficado no mosteiro a parte pele de boi e, depois de cortados os os cabelos inteiros, louros e sãos,
Este ato fazia parte do processo de superior. invólucros e as mortalhas, ficou a que pegando por eles estavam fixos;
canonização. Presidiram ao ato os A outra parte foi enviada à Rainha descoberto a parte superior do a testa e todo o rosto coberto da
juízes comissários de Sua de Espanha, juntamente com a corpo de Santa Isabel. Perante o mesma carne muito alva e bem
Santidade, D. Afonso de Castelo escarcela, espanto geral, o corpo estava em proporcionada, com nariz, orelhas e
Branco, Bispo-Conde de Coimbra, perfeito estado boca sem corrupção, pegada a dita
D. Martim Afonso Mexia, Bispo de cabeça ao corpo com seu pescoço
Leiria (de cuja diocese Santa Isabel muito alvo e inteiro…”
é também padroeira), e o Doutor Também as carnes estavam secas
Francisco Vaz Pinto. Entre os mas resistentes ao toque: “e pondo-
assistentes, além do famoso Doutor lhes a mão com muita força, [o peito]
Francisco Suárez, enquanto estava firme sem se quebrar nem
procurador, estiveram também desfazer e o braço direito posto
presentes 3 médicos, o Reitor e sobre o peito, inteiro e consolidado
Doutores da Universidade, nobres, com o corpo coberto de carne,
clérigos, religiosas e vários devotos descobrindo-se as veias e os nervos
e curiosos que perfaziam, no total, na mão, a qual estava com seus
meia centena de assistentes. dedos e unhas muito inteira e
A tampa do sepulcro foi retirada, consolidada, do que tudo os
deixando ver o caixão de madeira circunstantes se moveram a grande
envolto em pele de boi, tal como devoção e veneração”.
tinha vindo de Estremoz, em 1336. O secretário do Bispo de Coimbra
Nele encontraram o bordão de havia ainda de escrever que “a
peregrina e a escarcela que o feição do rosto de Santa Isabel se
arcebispo de Santiago tinha assemelhava muito com o da figura
oferecido à Rainha Santa quando que vemos sobre a sua sepultura”.
ela aí se deslocou em peregrinação,
logo após a morte do marido. O
bordão e a bolsa de

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Posto isto, mandaram recobrir o padroeira de Coimbra pudessem ser
corpo com um pano de Holanda expostas, o que só muito raramente
novo e o ataúde com um pano de era permitido antes da canonização,
veludo carmesim. que, no caso da Rainha Santa, só
Mal refeito do assombro causado teria lugar em 1625. Entretanto a
pelo corpo incorrupto de Santa morte surpreendeu o devoto Bispo-
Isabel, o Bispo-Conde promete Conde antes da trasladação, que só
fazer-lhe um sepulcro de prata e viria a acontecer em 1677. Desde
cristal, em que a Rainha Santa “se então, o venerando corpo incorrupto
possa ver sem ser tocada”. de Santa Isabel repousa nesse
O novo túmulo foi construído mas, magnífico túmulo de prata.
faltava a autorização pontifícia para
que as relíquias da veneranda

Cronologia da rainha Santa Isabel


1270 – Nascimento de Isabel de Aragão (Espanha).
1282 – Casamento com o rei D. Dinis.
1336 – Morte da rainha Isabel, em Estremoz (Alentejo)
1516 – Beatificação da rainha Isabel
1625 – Canonização pelo Papa Urbano VIII.
1677 - Primeira trasladação do corpo da rainha santa Isabel.
1696 - Após a conclusão da Igreja de Santa Clara-a-Nova transferiu-se o
túmulo da rainha santa para a tribuna-mor, onde neste momento
repousa.
1896 – Versão final da imagem da rainha Santa Isabel da autoria de
António Teixeira Lopes.

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Programa
Igreja da rainha santa 10 de Julho
À chegada da Procissão Solene, no
1 a 13 de Julho adro da igreja da Rainha Santa
Exposição da mão da Rainha Isabel, terá lugar a bênção com o
Santa: Santo Lenho, seguida de uma breve
8.30h às 20.00h alocução pelo Senhor Bispo de
(excepto durante os actos litúrgicos) Coimbra.
1, 2 e 3 de Julho IgreJa da Santa Cruz
Tríduo preparatório 7 de Julho
21.30h - com a Santa Missa ou 23.00h - chegada da Imagem
Vésperas e pregação pelo Senhor
D. Manuel Linda, Bispo das Forças 8 de Julho
Armadas. 08.00h | 09.00h | 10.00h | 11.00h |
17.30h Celebração da santa
4 de Julho - dia da festa missa. 08.00h às 21.00h
08.00h -Laudes e Missa. Exposição da Imagem da Rainha
11.00h - Missa solene. Santa
16.30h - Missa da Real Ordem de
Santa Isabel, com a presença de 9 de Julho
SS.AA.RR. os Senhores Duques de 08.00h | 09.00h | 10.00h | 11.00h |
Bragança. 17.30h Celebração da santa
18.00h - II Vésperas. missa. 08.00h às 17.30h
Exposição da Imagem da Rainha
7 de Julho Santa
18.00h - Missa, seguida da
Procissão Penitencial. Sé Nova
22.00h - Chegada à Portagem,
onde haverá saudação pelo Senhor 9 de Julho
D. Manuel Pelino Domingues, Bispo 21.00h - Chegada da Imagem
de Santarém. Cântico pelo Coro dos
Antigos Orfeonistas da Universidade 10 de Julho
de Coimbra. 09.00h | 11.00h | 15.00h
Espectáculo de pirotecnia. Celebração da santa missa.

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Procissões

Procissão solene
É uma procissão solene de louvor e
nela podem tomar parte todas as
Penitencial Procissão Procissão da misericórdia associações da Igreja, em
Realiza-se no dia 7 de Julho É uma procissão jubilar da manifestação da sua vitalidade
(Quinta-feira), logo a seguir à missa misericórdia que conduzirá a cristã.
das 18H no adro da Igreja da imagem da Rainha Santa da igreja Organiza-se depois da Missa Solene
Rainha Santa Isabel. de Santa Cruz para a Sé Nova, na Sé Nova,que terá lugar no
É uma procissão penitencial e tem ligando estes dois templos jubilares, Domingo dia 10 de Julho às 15H e
como finalidade proporcionar às e nela podem tomar parte todas as será presidida pelo Senhor Bispo de
pessoas oportunidade de instituições de apoio e solidariedade Coimbra.
cumprirem as suas promessas. social da Diocese de Coimbra. Terminará no adro da igreja da
Tem um espírito profundo de oração Organiza-se depois da Missa na Rainha Santa Isabel com bênção do
e penitência. Guarda silêncio, Igreja de Santa Cruz, que terá lugar Santo Lenho e uma breve alocução
medita e reza. no Sábado dia 9 de Julho às 18H. pelo Senhor Bispo.
Neste Ano Santo, agradece a Não deixes de dar um testemunho
No Largo da Portagem haverá uma Deus a Sua infinita misericórdia, da tua Fé de Cristão através do teu
Saudação à Rainha Santa, que se manifesta também, silêncio e recolhimento,
proferida pelo Senhor D. Manuel ao longo da História, no amor do teu comportamento e atitude.
Pelino Domingues, Bispo de promovido por homens
Santarém. de boa vontade em favor
dos seus irmãos
necessitados.

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O culto a Santa Isabel
defuntos, comprometia-se a realizar trasladação do corpo incorrupto de
Santa Isabel era uma Rainha muito das Artes, com a presença de toda a duas procissões solenes em cada Santa Isabel para o novo mosteiro, a
querida pelo povo, muito comunidade universitária. ano: uma solene, na véspera da 29 de Outubro de 1677, passaria a
particularmente junto dos mais Em 1559, Dona Catarina festa, e outra no dia seguinte, a 4 centrar-se no Monte da Esperança.
desfavorecidos. determinava à Universidade a de Julho. Em 1771 D. José estatuiu que a
E foi o povo que começou a venerar realização de um préstito anual, com Dava-se início a uma das mais procissão solene se realizasse entre
os restos mortais de D. Isabel de missa e solene pregação. Terá sido solenes tradições que ainda hoje se uma das igrejas de Coimbra e a
Aragão imediatamente depois da também por influência da Rainha mantém. igreja monástica. A imagem era
sua morte, crente na santidade da Regente que a abadessa de Santa Alargada, pois, a prática cultual a transportada na véspera do dia da
sua Rainha, confirmada por Clara, D. Ana de Meneses, com o todo o reino, a Beata Isabel era procissão. Em 1862, a cada vez
inúmeros milagres. O culto em torno apoio de outras religiosas e leigos, canonizada pelo Papa Urbano VIII, a maior afluência de peregrinos impôs
da figura de Santa Isabel, apoiado fundou a “Confraria de Santa Isabel, 25 de Maio de 1625, e proclamada a necessidade de a imagem ser
nessa forte devoção popular, seria Rainha de Portugal”, em 1560. por Filipe III Padroeira de Portugal, transportada na antevéspera para a
legitimado com a sua beatificação, Desde logo, esta nova corporação em 14 de Julho desse mesmo ano. A Igreja de Santa Cruz. O afluxo
concedida por Breve do Papa Leão agregou a si vários membros da canonização conferiu renovada intenso de devotos de
X, no dia 15 de Abril de 1516. comunidade universitária, lentes e vitalidade ao culto à Rainha Santa,
O culto religioso à Beata D. Isabel, estudantes, principiando aí uma que, a partir da
circunscrito inicialmente a todas as íntima e profícua ligação
igrejas, mosteiros e lugares da multissecular da Alma Mater com a
cidade e diocese de Coimbra, Confraria. Nos seus primeiros
obteve autorização pontifícia, para estatutos, há a preocupação em
ser celebrado em todo o Reino, a reunir na instituição os interesses de
pedido de D. João III em sequência organismos civis e universitários
do feliz êxito do nascimento do neto, sem distinção: “E porque este corpo
o futuro rei D. Sebastião. A pedido da universidade & cidade com ygoal
do Rei Piedoso, todas as dioceses devaçam & charidade sem divisam,
festejavam o dia 4 de Julho procure ho bem desta sancta
celebrando a missa e ofício da confraria & seu augmento: hum dos
beata Isabel de Portugal. Idêntico mordomos seraa dos mais
pedido foi manifestado por D. João honrrados da cidade & ho outro dos
III à Universidade, no sentido de, estudantes confrades”.
nesse dia, se fazer uma oração Segundo o compromisso da nova
pública em louvor da Rainha Santa Confraria, além da oração pelos
no Colégio irmãos e benfeitores, vivos e

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proporcionar às pessoas talar e insígnias, fora do espaço
Aveiro, Viseu e Leiria obrigou, no Além de inúmeros membros da oportunidade de cumprirem as suas universitário.
ano seguinte, a Mesa da Confraria a família real, desde os tempos de D. promessas. São muitos os romeiros
transportar processionalmente a João IV, e de alguns membros do que, vindos a pé de longe, se Nestas festas, podemos verificar
imagem para Santa Cruz na Quinta- episcopado português, como os integram nesta procissão. A quão diversa e abrangente é a
feira, onde permanecia à veneração bispos-condes D. Francisco de procissão do Domingo seguinte, a devoção à Rainha Santa Isabel, que
dos fiéis até à procissão solene de Lemos e D. António Antunes, e de de regresso, é já uma procissão congrega a sociedade coimbrã, em
Domingo. Os caminhos de ferro futuros arcebispos, como D. António solene de louvor e nela participam toda a sua diversidade social e
aumentaram a afluência de devotos José de Freitas Honorato, D. Manuel todas as associações e movimentos cultural, e une num único espírito
e consequentemente a pompa das Trindade Salgueiro, e até o da Igreja, congregando em invulgar fraterno, na mesma prece de amor e
solenidades e festas religiosas. Patriarca de Lisboa D. Manuel simbiose todas as classes e ternura à excelsa padroeira de
Dificuldades de natureza económica Gonçalves Cerejeira – tendo vários instituições da sociedade, sendo Coimbra todos os seres humanos,
tanto para a Confraria como para os deles exercido a presidência da ainda a única em que os Doutores na mais pura singeleza da sua
particulares e comerciantes, que Confraria – contam-se entre os seus da Universidade de Coimbra tomam humilde condição de filhos de Deus.
tinham a obrigação de enfeitar as confrades algumas das pessoas parte com hábito
ruas, bem como o trabalho que mais importantes da vida
dava a própria organização das académica, política e religiosa que
festas, levaram a Mesa a decidir, a têm como denominador comum o
17 de Janeiro de 1883, que a facto de serem professores da O “milagre das rosas”
procissão e a respectiva festa se Universidade de Coimbra.
realizasse apenas de dois em dois Nas grandes festas dos anos pares, Saía a Rainha dos seus Paços, apressada, para levar algumas moedas a
anos, tal como ainda hoje acontece. além do habitual tríduo de vários pobres e gafados, que aguardavam a graça da sua esmola. Em
A Rainha D. Amélia, Grã-Mestra da preparação e da celebração da uma dobra do seu manto conduzia a importância destinada a distribuir,
Real Ordem de Santa Isabel e que solenidade de Santa Isabel, no dia 4 quando D. Diniz lhe surgiu ao caminho, increpando-a — diz a lenda —
nutria uma profunda devoção pela de Julho, feriado municipal da por continuar gastando demasiado com a pobreza, enquanto os
Rainha Santa, fez questão de cidade de Coimbra, de que ela é mendigos, de joelhos, mãos erguidas e o olhar de gratidão preso na
oferecer à Confraria da Rainha padroeira, realizam-se duas figura da Rainha, se dispunham para receber o dinheiro e o pão que ela
Santa Isabel uma imagem que procissões que atraem à cidade trazia.
encomendou ao escultor Teixeira milhares de devotos de todo o país Perante a súbita aparição de El-Rei e as suas palavras de áspera
Lopes. O mais famoso ícone e do estrangeiro. censura, dona Isabel pôs o olhar no céu, dirigiu uma súplica a Deus e
escultórico da Rainha Santa Isabel A procissão nocturna da primeira respondeu a El-Rei:
que, desde então, passou a ser Quinta-feira que se segue ao dia 4 — Olhai as minhas pobres esmolas. Não achais, meu Rei e Senhor, que
transportado em todas as de Julho e que transporta a imagem a Rainha de Portugal pode suavizar as misérias e as dores dos
procissões, foi inaugurado do templo da Rainha Santa para desgraçados, com perfume das suas flores?
solenemente nas festas de 1896. uma das igrejas da cidade é uma E pronunciando essas palavras, insensivelmente deixou cair a requebra
procissão penitencial e tem como do manto, donde se desprenderam as mais lindas rosas, que então
finalidade poderiam ser colhidas.

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O andor e a Imagem da Rainha
Santa Isabel Para não correr o risco de ferir as
susceptibilidades do povo, Sousa
mesmo necessidade, de lhe dizer. É
a respeito da Imagem da Rainha
Gomes introduz alterações de forma Santa, que prometi dar, já vão dois
gradual. Primeiro manda esculpir e anos. Sabe o Bispo-Conde que não
dourar no Porto um belo andor de foi por falta de vontade, mas sim um
O andor da Rainha Santa foi iregurgitando de pessoas talha, projectado e desenhado por pouco por falta doutra cousa que
inaugurado nas festas de 1894. Era vindas de todo o país, António Augusto Gonçalves. Nas ainda não cumpri esta promessa.
presidente da Confraria o Doutor pensou em mandar procissões de 1894, é colocada a Vi num jornal que a Irmandade da
Francisco José de Sousa Gomes. O esculpir uma Imagem imagem antiga sobre o novo andor, Rainha Santa quer mandar fazer
Doutor António de Vasconcelos, e um andor que mas retirada a do pobre. A beleza uma Imagem. Pedia ao Bispo-Conde
outro presidente da Confraria, substituíssem do novo andor logo fez esquecer a o favor de dizer àquela Irmandade
relata-nos o seguinte: os actuais. ausência do pobre. qual a minha promessa e intenção,
A Imagem da Rainha-Santa, que era Entretanto, transpira para os jornais para evitarlhe esta despesa e
levada nas procissões por ocasião a verdadeira intenção do Presidente deixar-me a honra de mostrar um
das solenidades, não estava à altura da Mesa: a de substituir a imagem pouco a minha devoção à Rainha-
da função religiosa que da Rainha Santa por outra mais Santa”.
desempenhava. Escultura grosseira digna. A notícia chega ao A Rainha Dona Amélia encarregou
e tosca, exibia-se numa inestética conhecimento da Rainha D. Amélia, Teixeira Lopes da execução da
padiola, que servia de andor, e na que, numa carta ao BispoConde, em estátua que viria a ser benzida pelo
qual ia também uma figura de pobre Junho de 1894, faz saber o Bispo-
ajoelhado, de costas para a frente, seguinte: Conde e inaugurada nas festas
num ridículo movimento de recúo, Reverendíssimo Bispo-Conde. de 1896.
quando o andor avançava. Ontem, quando lhe escrevi, esqueci-
Sousa Gomes, envergonhado e me duma cousa, que tinha vontade,
vexado com o indecoroso e
espectáculo de tal exibição pelas
ruas de Coimbra,

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