INTRODUÇÃO: O presente trabalho busca realizar uma resenha crítica sobre os
textos: “A volta do terceiro mundo ao direito internacional”, de George Rodrigo
Bandeira Galindo; “Third World Approaches to International Law - A Manifesto” de B. S. Chimni; “What is TWAIL” de Makau Mutua e “International Law from Below - Development, Social Movements and Third World Resistance” de Balakrishnan Rajagopal, a fim de formular, a partir das reflexões dos autores, um panorama geral sobre as Abordagens Terceiro-Mundistas do Direito Internacional (TWAIL), estabelecendo suas principais características em comum, evolução histórica e possíveis caminhos de pesquisa no campo.
As abordagens terceiro-mundistas do direito internacional (TWAIL) fazem
parte do campo das abordagens críticas do direito internacional e tem suas origens principalmente a partir do final da guerra fria EXPLICAR MELHOR AQUI. Segundo Mutua (2000), as TWAIL surgem como uma oposição dialética ao direito internacional e a sua estrutura de dominação, que coloca o terceiro mundo em uma posição de subordinação em relação ao ocidente. A forma de organização dominante no direito internacional tem suas origens na época da colonização europeia, e foi utilizada como um instrumento para legitimar a expansão imperial na época. Portanto, para Mutua, o direito internacional dominante tem como premissa “a Europa no centro, o cristianismo como base da civilização, o capitalismo como inato aos humanos e o imperialismo como uma necessidade” (MUTUA, 2000, p. 33, tradução nossa). A herança de um direito internacional nascido como um instrumento de legitimação da colonização são as estruturas de dominação que permanecem latentes na sociedade contemporânea. De acordo com Mutua, a estrutura colonial se perpetua ainda no direito internacional contemporâneo, visto que, mesmo possuindo direitos no cenário internacional, os Estados do terceiro-mundo ainda estão submetidos a uma marginalização, visto que segundo o autor, o estabelecimento do sistema ONUsiano perpetuou o poder das grandes potências, e “simplesmente mudou a forma da hegemonia europeia, e não sua substância.” (MUTUA, 2000, p. 35, tradução nossa). De acordo com Chimni (2000), o direito internacional é utilizado na era da globalização como um instrumento de dominação, principalmente através da imposição de uma agenda neoliberal pautada pelo regime do comércio internacional, que coloca o direito internacional econômico como prioridade no sistema internacional perpetuando a desigualdade social nos países do terceiro-mundo. A categoria “terceiro-mundo” é bastante controversa e gera discussões amplas dentre os autores que se ocupam do tema. Para Galindo (2013), apesar da dificuldade em conceituar e justificar o uso do termo, tal uso pode ser visto como uma ferramenta discursiva contra-hegemônica, que estabelece aos países que se enquadram na categoria uma experiência histórica comum e uma possível “união” nesses termos. Mutua (2000) coloca o terceiro mundo como uma realidade política, e, nas palavras do autor. o termo: Descreve uma série de realidades geográficas, oposicionais e políticas que as distinguem do ocidente. É um fenômeno histórico que possui uma relação dialética com a Europa em particular e o ocidente em geral. O terceiro mundo é mais um conjunto de experiências históricas similares dentre as sociedades não-europeias que deu origem a uma voz particular, uma forma de consciência intelectual e política. (MUTUA, 2000, p. 35, tradução nossa).
Para Chimni (2000) a categoria terceiro mundo reflete uma unidade
imaginada e construída que pode ser a força motriz de movimentos de resistência que realizem uma oposição à ordem sistemática estabelecida pelo discurso dominante do direito internacional que perpetua os países que se encaixam nessa categoria como subalternos no sistema internacional. Rajagopal (2003) aponta para a necessidade de incorporar a categoria “desenvolvimento” nas discussões terceiro-mundistas do direito internacional, visto que esta seria “a lógica governante da vida política, econômica e social no terceiro mundo” (RAJAGOPAL, 2003, p. 1, tradução nossa), e destaca o papel dos movimentos sociais na resistência terceiro-mundista ao discurso dominante do direito internacional. Para ele, o aspecto central para compreender a abordagem terceiro mundista é a resistência empreendida nela e como esta se relaciona com o direito internacional. As origens das abordagens de TWAIL são objeto de divergência entre os teóricos do campo. Galindo (2013) parte da teorização de Anghie e Chimni (2003) sobre as divisões históricas de TWAIL para tentar definir a origem do campo de estudo. Nessa divisão, as TWAIL teriam dois momentos históricos: TWAIL I e II. O momento I é marcado pelos movimentos de descolonização ocorridos após a Segunda Guerra Mundial, que suscitaram em uma abordagem que criticava as estruturas de dominação perpetuadas pelo direito internacional, que resultaram na opressão dos povos do terceiro mundo. O TWAIL II tem sua base a partir do evento da Universidade de Harvard em 1997 chamado “Novas Abordagens aos Estudos Jurídicos do Terceiro Mundo” e está menos ligado a questões de soberania e centralidade do Estado, visto que busca focar na colonialidade existente dentro da fronteira estatal relacionada com atores internos. Nessa perspectiva histórica, busca-se investigar a ligação entre o colonialismo e a própria formação do direito internacional. A partir dessa análise, Galindo afirma que a origem mais “prudente” das TWAIL seria a partir dos acontecimentos de 1997, mas reconhece que as origens do campo datam de uma longa tradição histórica e acadêmica. Para Mutua (2000) a origem histórica das TWAIL são os movimentos de descolonização após a segunda guerra e os movimentos de oposição à dominação na América Latina. Para ele, “Bandung foi o local simbólico de nascimento das TWAIL”. (MUTUA, 2000, p. 31, tradução nossa). As TWAIL são um movimento que possui não homogeneidade interna, mas que engloba diversas abordagens as quais são sensíveis a diversos temas que interessam ao terceiro-mundo. Porém, algumas características centrais unem essas abordagens dentro da categoria TWAIL, essas teorizadas principalmente por Mutua (2000). Segundo Mutua, as TWAIL são guiadas por três objetivos principais: (1) “entender, desconstruir e desfazer os usos do direito internacional como meio para a criação e perpetuação de uma hierarquia racializada de normas e instituições que subordinam não-europeus aos europeus”; (2) “construir e apresentar uma alternativa legal normativa para o exercício da governança global” e 3 “procura, através da academia e da política. erradicar as condições de subdesenvolvimento no Terceiro Mundo.” (MUTUA, 2000, p. 31, tradução nossa). Além disso, o autor ainda identifica que, o que aproxima os autores filiados a essa abordagem, é uma oposição à ordem global injusta e afirma que os estudos alocados em TWAIL são: anti hierárquicos, pois buscam questionar a ideia de um direito internacional “ideal” que importa o modo de pensar europeu; contra-hegemônicos por pressuporem uma oposição à hegemonia ocidental; “desconfiados” das crenças universalistas, pois estas impõem uma hierarquia de valores e direitos e também coalizacionários, visto que para se opor às injustiças globais, a coalizão pode ser vista como uma estratégia fundamental para comunidades marginalizadas. De acordo com Galindo (2013) as TWAIL estão situadas dentro de uma abordagem pós-colonialista, ou seja, uma abordagem que dá ênfase às estruturas geradas pelo colonialismo europeu que moldam a realidade de nações consideradas emergentes. Tal visão oferece uma maneira de pensar as estruturas do direito internacional, o seu presente, passado e futuro. Além disso, o autor afirma que “De pronto se percebe, pois, que a história e a crítica são duas peças fundamentais para um discurso propriamente terceiro-mundista no direito internacional.” (GALINDO, 2013, p. 75). As abordagens terceiro-mundistas do direito internacional abrem caminho para uma gama de pesquisas que tratem de temas relevantes aos povos que assumem essa posição no sistema internacional, que possam questionar a ordem estabelecida e pensar num direito internacional que se distancie da pretensão universalista do direito ocidental e passe a incorporar demandas e princípios oriundos do sul-global e para o sul-global. Tais estudos também podem incorporar recortes de análise que interessem a grupos de indivíduos terceiro-mundistas com demandas específicas, como as abordagens feministas, abordagens que incorporam a categoria raça, dentre outras. Mutua (2000) aponta que “O desafio de TWAIL hoje é levar essa luta adiante e perceber que o script de resistência e libertação é um continuum histórico, realizado por vezes em passos pequenos, localizados e dolorosos” (MUTUA, 2000, p. 31, tradução nossa). Chimni (2000) instiga algumas categorias que podem ser usadas para a análise dentro das abordagens de TWAIL, como pesquisas que envolvam instituições e responsabilização internacional, além da responsabilização de organizações transnacionais, pesquisas que discutam a conceituação de soberania e a ordem de Estados soberanos, a questão da garantia do desenvolvimento sustentável e da mobilidade de indivíduos no sistema internacional.
REFERÊNCIAS
CHIMNI, B. S. Third World Approaches to International Law - A Manifesto.
International Community Law Review. V. 08, 2000, p. 03-27.
GALINDO, George Rodrigo Bandeira. A volta do terceiro mundo ao direito
internacional. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Belo Horizonte, v. 1, n. 119-124, p. 46-68, 2013. MUTUA, Makau. What is TWAIL. International Society of International Law. V. 94, 2000.
RAJAGOPAL, Balakrishnan. International Law from Below - Development, Social
Movements and Third World Resistance, 2003. Introduction.