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Melancolia. Edvard
Munch, 1893.
1.1 Ceticismo, pessimismo e ironia
O Realismo na obra. Foco na restrita elite brasileira: modos; conflitos;
perspectivas profissionais, morais, éticas e educacionais. Composta por homens
superficiais, medíocres, de baixa inteligência; e as mulheres vaidosas, ardilosas,
sedutoras, com objetivos frívolos. Estudo sob a perspectiva do ceticismo
(NIETZSCHE), do pessimismo (Schopenhauer) e da ironia. Descrença em dogmas:
Pátria, ideologia, religião, ciência, filosofia.
1.2 Ceticismo e pessimismo machadianos: malabarismos multissêmicos
Obs.: O ceticismo machadinao é relativo condicionado pela representação literária.
instaura a desconfiança e inscreve a ambiguidade, com multivalências de verdades,
em atmosfera de ironia: suas heroínas: Capitolina (Dom Casmurro), Virgília
(Memórias Póstumas de Brás Cubas), Sofia (Quincas Borba), Flora (Esaú e
Jacó), Conceição (“Missa do Galo”). O fato verossímil aconteceu ou não? Ironia e
ambiguidade desaguam em ceticismo.
1.3 O pessimismo machadiano:
a) é revelado na intriga ficcional a partir das relações da burguesia com as
intituiçoes: Igreja, Estado, casamento, família;
b) nas manifestações descritas de comportamentos e sentimentos humanos,
observados em personagens (egoísmo, hipocrisia, adultério, traição, mentira,
vaidade, interesses escusos, loucura/razão, desesperança, sentimento autodestrutivo,
etc.).
Conclusão: o escárnio e a ironia cedem vez à amargura e ao sofrimento, em que
o drama pessoal de Bentinho e Capitu é elevado ao fado trágico da inevitável
destruição matrimonial. Traição ou alucinação constituem matizes da crítica
pessimista do autor sobre a família e o casamento.
2. O narrador-protagonista (Bento) Dom (Santiago) Casmurro
A Consciência e a imaginação: linha obscura na psique do Bento Casmurro
Bento Santiago: sob máscaras: consciência, imaginação e alucinação se
conjugam e se conflitam, na memória – lacunas, informações incompletas, omitidas,
deturpadas ou inventadas, preenchidas por recordações emocionais.
A construção conflituosa do narrador-personagem autodiegético:
1. Ambiência doméstica: ausência do pai; luto contínuo da mãe; o amor entre mãe e
filho. Vítima da exagerada proteção materna, impede-o de crescer com
autonomia. Limitação do entendimento sobre o sentimento amoroso.
2. Os agregados da família, na construção do intelecto: diálogos entre Bento
adolescente e os agregados interesseiros José Dias e prima Justina – agiam sobre
as decisões da sua mãe.
3. Status social elevado – burguês com vida burguesa.
Consequências:
a. Narrador-personagem com perfil controlador, com vontade infanto-juvenil de
manipular tudo e todos: “O leitor deve ler o que está escrito, [...] conceitos que se
devem incutir na alma do leitor à força de repetição.” (M. A.)
b. Impressões e sensações estimulam idéias, e, nestas, a imaginação. Assim, a
narração de memória do narrador-personagem padece de plausibilidade e clareza.
Por dentro do jogo: Bentinho: um fraco de caráter – manipulado e manipulador –
José Dias é o mais importante na formação do seu caráter. Ele o induz a revelar os
seus sentimentos por Capitu. É o primeiro a definir os olhos de Capitu: de cigana
oblíqua e dissimulada.
3. O ressentimento de Bento Santiago
Ciúme e ressentimento (conclusões com apoio em NIETZSCHE)
3.1 Bento Santiago: a ideia fixa do ciúme a redundar no ressentimento
A pessoa absorvida por uma ideia fixa permanece presa dos seus próprios afetos
e dos seus pensamentos arbitrários – decide o certo e o errado.
(NIETZSCHE, Genealogia da moral).
A desconfiança (ciúme) é motor do enovelado psiquismo do narrador Bento
Santiago (CALDWELL, 2008.): O senso perturbado (do real) do sr. Casmurro
Santiago pelo ciúme e pela angústia promove o ressentimento: responsável por
julgar e condenar. E o no mundo burguês e patriarcal não perdoa a traição, por isso
o castigo.
3.2 A teia de Capitu. Com o intuito de se casar com Bentinho, Capitu manipula-o e
domina-o, em uma experiência em que se invertem os papéis tradicionais do homem
e da mulher. Esse reconhecimento das tramas da esposa provocou ressentimentos no
marido:
“[...]. Bentinho é apenas um menino mimado, habituado a que lhe façam as
vontades, e possui a incapacidade da criança mimada para compreender que os
outros têm uma existência independente da sua, de modo que quando eles afirmam
sua independência [...] essa afirmação lhe parece traição.” (GLEDSON, 1991, p.
12).
3.3 A voz da Capitu – o narrador se
apropria da voz da amada. Capitu, em que
pese receber descrição do narrador como
inteligente, empoderada em relação às
mulheres do seu tempo, não é dona da sua
voz.
3.4 A primeira cena de ciúme (cap. "Uma ponta de Iago"). Uma visita de José Dias
a Bentinho, quando estava no seminário. Dava-lhe notícias sobre Capitu:
“Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um frio pelo corpo todo. A notícia
de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-me aquele
efeito, acompanhado de um bater de coração, tão violento, que ainda agora cuido
ouvi-lo. [...]
Outra ideia, não, – um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúme, leitor das
minhas entranhas. Tal foi o que me mordeu, ao repetir comigo as palavras de José
Dias: "Algum peralta da vizinhança". (M. A.)
O ciúme materializa a certeza do adultério e a morte simbólica da família
tradicional.
3.5 O ressentimento:
Segundo Nietzsche, o ressentido procura, sem se compreender, uma causa
dominadora fora de si para o seu sofrimento, para descarregar contra si mesmo o
seu ressentimento e aliviar a dor através de uma intensa reação que julga e diminui
o sentido da vida: "O sentimento de justiça é um ressentimento, ao qual copertence
a vingança". (NIETZSCHE, Nachgelassene Fragmente 1875-1879, p. 176), de que
deriva a vontade de se fazer justiça. Bento Santiago sua faz justiça: desterra a
família e a abandona. Sente-se aliviado, distante dos culpados e seus frutos.
4. NARRADOR:
As lembranças do Bento Santiago constituem uma memória da dor. Do prazer da
dor. A satisfação de fazer sofrer, o prazer de injuriar a amada/odiada Capitu e o
finado amigo Escobar. Ele define a experiência por “Prazer das dores velhas”, título
do cap. LXXVII):
“Contando aquela crise do meu amor adolescente, sinto uma coisa que não sei se
explico bem, e é que as dores daquela quadra, a tal ponto se espiritualizaram com o
tempo, que chegam a diluir-se no prazer. Não é claro isto, mas nem tudo é claro na
vida ou nos livros. A verdade é que sinto um gosto particular em referir tal
aborrecimento, quando é certo que ele me lembra outros que não quisera lembrar
por nada.” (M. A.)
5. Bento Santiago – uma psique egocêntrica sem empatia – mente
patológica. Alguns exemplos:
5.1 Relato de um impulso relacionado a um acontecimento trágico. Uma dor
de cabeça projeta-lhe sentimento fúnebre. Aqui, cogita que o trem da Central
poderia estourar longe dos seus ouvidos e "interrompesse a linha por muitas
horas, ainda que morresse alguém". (M. A.) Ele escolhe conscientemente a
violência; é destituído de baliza ética capaz de orientar seus atos.
1.Falta de empatia – traços de psicopatia. Sobre um conhecido: “Não éramos
amigos, nem nos conhecíamos de muito. Intimidade, que intimidade podia
haver entre a doença dele e a minha saúde? Tivemos relações breves e
distantes.” ((M. A.). Aos prantos o homem conduz o protagonista para dentro
da sua loja, a fim de lhe mostrar o filho morto:
Custa-me dizer isto, mas [...] Ver um defunto ao voltar de uma namorada... Há
coisas que se não ajustam nem combinam. A simples notícia era já uma turvação
grande. [...]. Não culpo ao homem; para ele, a coisa mais importante do momento
era o filho. Mas também não me culpem a mim; para mim, a coisa mais importante
era Capitu. O mal foi que os dois casos se conjugassem na mesma tarde, e que a
morte de um viesse meter o nariz na vida do outro. Eis o mal todo. Se eu passasse
antes ou depois, ou se o Manduca esperasse algumas horas para morrer, nenhuma
nota aborrecida viria interromper as melodias da minha alma. Por que morrer
exatamente há meia hora? Toda hora é apropriada ao óbito; morre-se muito bem às
seis ou sete horas da tarde. (M. A.)
OBS.:
O narrador Bentinho exprime um discurso similar ao Humanitismo, cuja
doutrina sugere uma decomposição ética do trato social, ligando-se aos temas da
coisificação (o homem objeto do homem), do egoísmo e do sadismo. Para Bentinho
ou Bento Santiago, assim como para Quincas Borba: “Ao vencedor, as batatas”,
ou, dito de outro modo, ao vencido (Manduca), o desprezo, a repulsa; ao
vencedor (Bentinho), a namorada, a vida.
1.Ideia assassínia
a. No capítulo CXXXIV, Bento Santiago adquire um veneno para seu suicídio; no
CXXXVI, dilui a substância no café que iria tragar, mas, vacila; no capítulo
CXXXXVII, alvoroçado pela sede de vingança, oferece a bebida ao filho, julgado
por si bastardo:
“Se eu não olhasse para Ezequiel, é provável que não estivesse aqui escrevendo este
livro, porque o meu primeiro ímpeto foi correr ao café e bebê-lo. Cheguei a pegar
na xícara, mas o pequeno beijava-me a mão, como de costume, e a vista dele, como
o gesto, deu-me outro impulso que me custa dizer aqui; mas vá lá, diga-se tudo.
Chamem-me embora assassino; não serei eu que os desdiga ou contradiga; o meu
segundo impulso foi criminoso. Inclinei-me e perguntei a Ezequiel se já tomara
café.
– Já, papai; vou à missa com mamãe.
– Toma outra xícara, meia xícara só.
– E papai?
– Eu mando vir mais; anda, bebe!
Ezequiel abriu a boca. Cheguei-lhe a xícara, tão trêmulo que quase a entornei, mas
disposto a fazê-la cair pela goela abaixo, caso o sabor lhe repugnasse, ou a
temperatura, porque o café estava frio... Mas não sei que senti que me fez recuar.
Pus a xícara em cima da mesa, e dei por mim a beijar doidamente a cabeça do
menino.
– Papai! papai! – exclamava Ezequiel.
– Não, não, eu não sou teu pai!” (M. A.)
b. Anos mais tarde, Santiago lmeja mais uma vez a morte de Ezequiel, já
adulto, que, meses depois, falece, de febre tifoide – não por lepra, como
havia desejado. No dia em que recebe a notícia, farta-se em um bom
jantar e vai ao teatro:
“Não houve lepra, mas há febres por todas essas terras humanas, sejam
velhas ou novas. Onze meses depois, Ezequiel morreu de uma febre
tifoide, e foi enterrado nas imediações de Jerusalém, onde os dois amigos
da universidade lhe levantaram um túmulo com esta inscrição, tirada do
profeta Ezequiel, em grego: "Tu eras perfeito nos teus caminhos".
Mandaram-me ambos os textos, grego e latino, o desenho da sepultura, a
conta das despesas e o resto do dinheiro que ele levava; pagaria o triplo
para não tornar a vê-lo.” (M. A.)
5.3 As lembranças do Bento Santiago constituem uma memória da dor. Do
prazer da dor. A satisfação de fazer sofrer, o prazer de injuriar a amada/odiada
Capitu e o finado amigo Escobar. Ele define a experiência por “Prazer das dores
velhas”, título do cap. LXXVII):
“Contando aquela crise do meu amor adolescente, sinto uma coisa que não sei se
explico bem, e é que as dores daquela quadra, a tal ponto se espiritualizaram com
o tempo, que chegam a diluir-se no prazer. Não é claro isto, mas nem tudo é claro
na vida ou nos livros. A verdade é que sinto um gosto particular em referir tal
aborrecimento, quando é certo que ele me lembra outros que não quisera lembrar
por nada.” (M. A.)