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Direcção de Segurança da Barragem e Estruturas

Departamento de Observação da Barragem

Nota Técnica Nº01/DSB-SE/2019

Análise da influência do Funcionamento dos Descarregadores no


Comportamento Dinâmico da Barragem de Cahora Bassa

1 Contextualização

As Normas de Exploração da Barragem, Obras Subterrâneas e Albufeira, um documento interno


da HCB publicado no ano 2008, referem no tópico 7.4, página 91 (operação dos
descarregadores) que “para reduzir ao mínimo as vibrações induzidas ao muro da barragem,
devem evitar-se ao máximo as posições intermédias dos descarregadores, devendo ser utilizados
para regularização fluvial com posições intermédias os descarregadores D1 e D3, reequipados
para esse propósito” (HCB, 2008).

Revisitados os documentos com a referência HET CBS 01 HBR FE 00 002 a HET CBS 08
HBR FE 00 002 relativos ao Projecto Reabdesc, que decorreu no período de Agosto de 2010 a
Setembro de 2016, apurou-se que foram instalados e ajustados novos sistemas de selagens
(vedantes) em todos os descarregadores. Neste contexto, o manual de operação emitido após a
reabilitação dá a possibilidade de ser feita a abertura parcial dos mesmos, sendo que a abertura
mínima deve ser de 100 mm para evitar a danificação da estrutura do descarregador e vedante do
lábio

Na página 66 das referidas normas consta que “complementarmente (ao sistema de


monitoramento da acção sísmica sobre a barragem e resposta dinâmica desta) e tendo em conta a
indução de vibrações, que se podem considerar ambientes (dão-se como exemplos, a operação
dos descarregadores da barragem e a operação da central Sul) considera-se desejável que a curto
prazo seja instalado um conjunto de acelerómetros de registo permanente que permitam
monitorar os modos de vibração da barragem e, com essa medida, avaliar a sua alteração com o
tempo”. O conjunto de acelerómetros (a ser detalhado no tópico 2.2) foi instalado nos anos 2010
e 2013, para os uni-axiais e tri-axiais, respectivamente.

Portanto, a presente nota técnica pretende fazer uma avaliação das vibrações no muro da
barragem induzidas pela força da água durante a sua passagem pelos descarregadores.

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2 Breves características técnicas

2.1 Características da barragem e da albufeira

A barragem de Cahora Bassa, representada nas figuras 1 e 2 (página seguinte) é uma abóbada de
betão de dupla curvatura, com uma altura máxima de 164 m, medida a partir do nível inferior da
fundação (cota 167 m) até ao nível do coroamento (cota 331 m). O coroamento tem um
desenvolvimento de 303 m, a espessura na consola central varia desde 4 m ao nível de pleno
armazenamento da albufeira (cota 326 m) até 23 m na base (cota 167 m). Entre as cotas 326 m e
331 m a barragem tem um espessamento para comportar o tráfego rodoviário (LNEC 2017).

A albufeira gerada pela barragem de Cahora Bassa tem um comprimento de 270 Km e uma
largura de 30 Km o que lhe permite, para o nível de máxima cheia (cota 329 m), acumular um
volume máximo de 65.000 Mm3 de água e um volume útil de 52.000 Mm3, e ainda, inundar uma
área de 2900 Km2. O nível mínimo de exploração (produção hidroeléctrica) situa-se à cota 295 m
(LNEC, 2017).

A barragem é dotada de 8 descarregadores de meio fundo identificados com os números 1, 3, 5 e


7 para os do lado da margem esquerda e com os números 2, 4, 6 e 8 para os do lado da margem
direita, em que a numeração cresce do eixo para as margens. A barragem é dotada ainda de um
descarregador de superfície, do tipo “volet”, situado na zona central da barragem (LNEC 2017).

Cada um dos 8 orifícios de meio fundo está equipado por uma comporta de segmento na secção
de jusante, com uma área de 6,0 m de largura e 7,8 m de altura e um raio de 13,5 m; a
capacidade de vazão de cada orifício é de 1668 m 3/s, para o nível de máxima cheia (329 m). O
descarregador de superfície é controlado por uma comporta basculante e tem uma capacidade de
vazão de 550 m3/s, também para o nível de máxima cheia. Este conjunto de órgãos foi
dimensionado para uma vazão máxima de cerca de 14.000 m3/s (LNEC, 2017).

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Figura 1 – Barragem de Cahora Bassa vista de jusante

Figura 2 – Alçado esquemático de jusante (planificado), cortes verticais e pormenor do coroamento

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2.2 Características do sistema de medição de vibrações1 (Tecnobar, 2013)

O sistema de medição de vibrações é composto por uma unidade de aquisição de dados da marca
Granite, produzido pela empresa norte americana Kinemetrics. A unidade possui 24 canais onde
estão conectados 3 acelerómetros tri-axiais, para o monitoramento da acção sísmica, e 10
acelerómetros uni-axiais, para o monitoramento da resposta dinâmica da estrutura (figura 3)

a) b) c)

Figura 3 – Sensores que compõe o sistema de medição de vibrações


a) Unidade de aquisição de dados da marca Granite de 24 canais;
b) Acelerómetro tri-axial da marca Episensor ES-T;
c) Acelerómetro uni-axial da marca Episensor ES-U2

A escolha da localização em obra dos acelerómetros uni-axiais teve como base os resultados dos
ensaios de vibração forçada da barragem efectuados pelo LNEC ano 2008. Já a selecção do
posicionamento dos acelerómetros tri-axiais teve em atenção as recomendações usuais neste tipo
de obras, que sugerem a instalação dos sensores no maciço rochoso, ou o mais próximo possível,
em ambos encontros e na zona do fundo do vale (figura 4).

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Tecnobar, 2013

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Figura 4 – Esquema representativo da localização em obra dos componentes do
sistema de medição de vibrações na barragem de Cahora Bassa

O sistema de medição das vibrações, que recolhe permanentemente os dados à frequência de 50


Hz, encontra-se ligado a um computador localizado na sala G227 do Edifício Sede da HCB
(Subestação de Songo) recorrendo a uma ligação por fibra óptica. A transmissão de dados entre o
Granite e o computador é assegurada por protocolo de comunicação em ftp.

Os dados chegam ao computador em ficheiros do tipo *.txt, sendo necessário recorrer


posteriormente a um conjunto de procedimentos de pré-processamento e processamento, bem
como a um conjunto de tarefas de gestão e de armazenamento de dados. Finalmente, toda a
informação é apresentada ao utilizador através de interfaces do programa informático SACODA
(Safety Controlo of Dams).

3 Funcionamento dos descarregadores versus registos das vibrações

O funcionamento dos descarregadores (manobras de abertura, fecho e aumento ou redução


parcial da abertura) durante a época chuvosa 2018-2019 obedeceu ao plano de gestão da
albufeira, sob a responsabilidade do DHA-GH.

Com base nos registos das manobras fornecidos por aquele Departamento, foi identificado um
intervalo (constituído por 3 sub-intervalos) que correspondeu ao maior período de
funcionamento consecutivo de um ou mais descarregadores, neste caso D2 e D3, que foi das 11 h
do dia 16-Mar.-2019 às 23 h do dia 25-Mar.-2019.

Para melhor entendimento dos registos das vibrações naquele intervalo, foram ainda
identificados dois intervalos vizinhos que correspondem aos momentos em que nenhum
descarregador esteve em funcionamento, nomeadamente, das 0 h do dia 09-Mar.-2019 às 11 h do
dia 16-Mar.-2019 e das 7 às 23 h do dia 24-Abr.-2019.

Embora no intervalo das 0 h do dia 26-Mar. às 06 do dia 24-Abr.-2019 (cerca de 1 mês) tenham
ocorrido manobras no descarregador nº 3 (aumento da abertura, redução da abertura e fecho) os
seus registos não foram apreciados quantitativamente porque a apreciação qualitativa permitiu
conclui que se tratou da repetição (no sentido inverso) de cenários já ocorridos. Contribuiu para
esta tomada decisão o enorme volume de informação que carecia de processamento
semiautomático com recurso a pacote informático Excel, isto é, 500 valores para cada segundo,
no intervalo global de 1 mês.

Os registos de vibrações nos intervalos de tempo seleccionados, com interesse para a análise
pretendida, são os referentes aos acelerómetros uni-axiais, pois conforme se referiu no tópico

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2.2, os acelerómetros uni-axiais monitoram a resposta dinâmica da estrutura (muro da barragem).
Importa mencionar que os referidos registos de vibrações (nos pontos 1 a 10 identificados na
figura 4) são caracterizados por acelerações radiais da barragem, sentido montantejusante. Na
tabela 1 apresentam-se os resultados do tratamento estatístico para cada intervalo de registos.

Tabela 1
Tratamento estatístico das vibrações registadas nos acelerómetros uni-axia is

Cenário Intervalo de registos Aceleração média


(miligês – mg)

Cenário 1 – Descarregadores fechados 09/03/2019 (0 h) a 0.9


16/03/2019 (10 h)

Cenário 2 – Descarregador nº 2 aberto 16/03/2019 (11 h) a 4.4


a 80% 16/03/2019 (17 h)

Cenário 3 – Descarregador nº 2 aberto 16/03/2019 (18 h) a 4.3


a 100% 25/03/2019 (5 h)

Cenário 4 – Descarregador nº 2 aberto 25/03/2019 (6 h) a 4.6


a 75% e descarregador nº 3 a 75%
25/03/2019 (23 h) a

Cenário 5 – Descarregadores fechados 24/04/2019 (7 h) a 1.1


24/04/2019 (23 h)

4 Apreciação dos registos de vibrações face ao funcionamento dos descarregadores

A apreciação dos valores de aceleração média apresentados na tabela 1 permite constar que a
entrada em funcionamento de descarregador(es), isto é, a passagem do cenário de
descarregadores fechados para descarregador(es) aberto(s), aumentou a “vibração ambiente” da
barragem. No caso contrário, a passagem do cenário de descarregador(es) aberto(s) para
descarregadores fechados, reduziu a “vibração ambiente” da barragem. O referido aumento ou
redução de vibrações, situou-se entre 4 a 5 vezes em relação ao cenário anterior.

Os valores médios acima referidos permitem constatar que variações nas aberturas dos
descarregadores em funcionamento têm efeitos nos níveis de “vibração ambiente” da barragem;
as aberturas intermédias conduzem a valores de vibrações ligeiramente superiores ao valor da
vibração correspondente a abertura plena, confirmando-se o que está escrito nas normas de
exploração da barragem.

É de referir ainda que, conforme se pode constar na figura 5, após o fecho do descarregador 2,
cuja manobra terminou pelas 08:43 h do dia 24-Abri-2019, a estrutura da barragem foi reduzindo
gradualmente as vibrações causadas pelo funcionamento do descarregador, e nas horas

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subsequentes as vibrações estabilizaram no nível correspondente ao cenário de descarregadores
fechados. Esta situação indica que o betão da barragem ainda tem elasticidade para absorver as
vibrações que ocorrem no seu interior.

Figura 5 – Acelerograma do sensor nº 5 correspondente à hora 8 (hora 6 TMG) do


dia 24/04/2019. Imagem extraída do SACODA

Complementarmente ao comportamento acima constatado, apresentam-se em seguida situações


registadas em dois casos: i) no dia 28-Jan.-2019, entre as 11:24 h e as 11:40 h, foi realizada uma
manobra de redução da abertura do descarregador nº 2 de 85% para 50%; e, ii) no dia 21-Fev.-
2019, entre as 11:35 h e as 11:40 h, foi realizada uma manobra de aumento da abertura do
descarregador nº 2 de 50% para 75%. Nas figuras 6 e 7, em que são ilustrados os registos das
vibrações referentes a estes casos, constata-se (depois do tempo 1800 s, momentos em que
genericamente decorreram as manobras) que a alteração das vibrações é pouco significativa para
pequenas variações (aumento ou redução) de abertura do descarregador.

Figura 6 – Acelerograma do sensor nº 5 correspondente à hora 11 (hora 9 TMG) do


dia 28/01/2019. Imagem extraída do SACODA

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Figura 7 – Acelerograma do sensor nº 5 correspondente à hora 11 (hora 9 TMG) do
dia 21/02/2019. Imagem extraída do SACODA

Para avaliar o nível de acção imposta pelo funcionamento dos descarregadores na estrutura da
barragem, apresentam-se na tabela 2 os valores máximos das acelerações registadas no período
em análise e os valores para o sismo máximo de projecto (SMP) calculados com base no modelo
matemático desenvolvido no LNEC no ano de 2009 (LNEC, 2009a e LNEC, 2009b).

Tabela 2

Comparação dos valores máximos das acelerações registas na barragem em Março/Abril e


calculadas pelo modelo matemático desenvolvido no LNEC para o SMP

Designação Acelerações máximas (miligês - mg)

Ponto 1 (2) Ponto 5 (5A) Ponto 6 (5B) Ponto 10 (7)

Registo na barragem 5,5 9,8 8,8 6,6

SMP – (Cálculo linear) 5.022,0 9.428,0 9.178,0 4.062,0

Nota: As designações entre parenteses correspondem às referências no esquema do modelo (LNEC, 2009a); é de
referir que os pontos de medição do modelo foram seleccionados por estarem no mesmo bloco da barragem ou num
bloco próximo dos pontos referidos na figura 4.

Conforme se pode constatar na tabela acima, os valores de acelerações causadas pelas manobras
dos descarregadores são bastante inferiores (cerca de 1.000 vezes) aos valores de acelerações na
estrutura da barragem que, segundo o LNEC (2009b) podem ser causadas por uma acção dupla
do sismo máximo de projecto (SMP), portanto com uma aceleração de pico horizontal de 200 mg
e uma aceleração de pico vertical de 1/3 deste valor. Os resultados do modelo matemático
indicam que para esta aceleração podem ocorrer tracções de 5,3 MPa no paramento de montante
das consolas e uma fissuração generalizada; a jusante podem ocorrer tensões da mesma ordem de
grandeza (5,1 MPa) com fissuração significativa nas cotas superiores das consolas centrais; as
compressões máximas nos arcos podem ser da ordem de 20 MPa. (LNEC, 2009b).

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5 Considerações finais

A abordagem feita na presente nota técnica permite concluir que o funcionamento dos
descarregadores tem influência no comportamento dinâmico da barragem de Cahora Bassa, mas
sem afectar a integridade estrutural da mesma.

Conforme foi referido no tópico 1, as Normas de Exploração da Barragem, Obras Subterrâneas e


Albufeira foram publicadas no ano 2008 e a instalação do sistema de monitoramento dinâmico
da barragem foi efectuada em 2010 e reforçada em 2013; portanto, a afirmação feita na página
91 daquelas Normas foi baseada em estudos laboratoriais e modelos matemáticos. Havendo já
cerca de 9 anos de registo de vibrações na barragem, considera-se pertinente a realização de um
estudo profundo sobre o comportamento dinâmico da barragem o que poderá dar lugar a uma
actualização pontual das referidas Normas. Importa mencionar que esta actualização também
justifica-se pelo facto de existir em Moçambique desde o ano 2017 um Regulamento de
Segurança de Barragens (Decreto nº 33/2017 de 19 de Julho); em 2008 foi tomado como base o
Regulamento português.

Agradecimentos

Um agradecimento a todos os colegas da DSB que desde o ano de 2010 se têm empenhado na
manutenção e na exploração do sistema de monitoramento dinâmico on-line da barragem. Outro
agradecimento vai aos colegas de outras unidades orgânicas da HCB que directa ou
indirectamente deram o seu contributo na aquisição e instalação dos equipamentos que compõe o
mencionado sistema e têm dado o seu contributo na manutenção do mesmo.

Songo, 21 de Maio de 2019

Autoria: Visto,

_______________________ ________________________
Ezequiel F. Carvalho Ângelo Miquithaio
(DSB-SE) (DSB)

Referências bibliográficas
Alstom, 2016 HET CBS 01 HBR FE 00 002. Mid-level spillway. Historic report of

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refurbishment
Alstom, 2016 HET CBS 00 HBR DC 05 001. Operating and maintenance manual
LNEC, 2009a Aproveitamento Hidroeléctrico de Cahora Bassa. Ensaio de Vibração
Forçada Realizado na Barragem de Cahora Bassa em Julho de 2008
LNEC, 2009b Aproveitamento Hidroeléctrico de Cahora Bassa. Análise do
Comportamento Sísmico da Barragem
HCB, 2008 As Normas de Exploração da Barragem, Obras Subterrâneas e Albufeira
LNEC, 2017 Barragem de Cahora Bassa. Actualização do estudo de análise e
interpretação do comportamento observado, incluindo as estruturas
salientes dos descarregadores de meio fundo
Tecnobar, 2013 Manual dos sub-programas do programa análise dinâmica do SACODA

Pags.  5 a 8 e 16 a 20

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