precisa ser reinventado. Consumimos conteúdo juntos, mas cada um em sua própria tela. Mas escolher uma TV dentre centenas de modelos bastante similares, comprar produtos complementares como set-top-boxes para superar suas deficiências, escolher entre pacotes caros de TV a cabo e contratar um que pouco se adequa a nossas necessidades (além de futuramente ainda ser incentivado a também assinar um serviço de streaming) são alguns dos problemas mais comuns que enfrentamos. As atuais fabricantes de Smart TVs se desviam da responsabilidade de entregar elas mesmas um serviço próprio de conteúdo, que poderia oferecer uma boa experiência do começo ao fim. O sistema de “múltiplas entradas” que elas adotam é um meio de terceirizar essa entrega, lançando sobre outros produtos e serviços a obrigação de oferecer conteúdo de qualidade de forma atraente. Isso é péssimo do ponto de vista de experiência do usuário, pois não permite que novas soluções se integrem perfeitamente à TV, criando a realidade do que parecem ser diversos universos diferentes coexistindo isoladamente dentro de um mesmo produto, cada um com sua própria lógica de funcionamento, controle, interface e modelo de interação, o que torna a experiência de uso do produto mais complexa e confusa. Ao longo do tempo, esse processo já era esperado. Logo, a nova geração é uma geração mais digital, que está procurando produtos mais interativos, não sendo mais aquela geração que vai ficar sentada no sofá esperando chegar o capítulo da novela, pois o streaming dá esse poder: você faz o seu horário que você quiser e assiste da forma como quiser”. Evidentemente não é só a TV aberta que vêm perdendo público nos últimos anos. A TV fechada, que há quase 20 anos era considerada um produto destinado a pessoas com mais condições financeiras, e se popularizou no decorrer do tempo, está seguindo o mesmo caminho. Não é por acaso que o Grupo Globo criou o seu canal exclusivo de streaming, visando fortalecer a sua marca e estar sempre presente no mercado publicitário. O Globoplay está cada vez mais forte, explorando a programação atual da TV Globo e, sobretudo, criando conteúdos exclusivos e disponibilizando programas, novelas e séries que fizeram o maior sucesso na época em que só existia a possibilidade de ver somente uma vez na televisão, ou, para os mais antigos, gravar em fita cassete para assistir depois. É notório que assistir televisão tradicionalmente é um hábito do brasileiro que vai perdurar por muito tempo ainda, apesar de muitos já possuírem em suas smart’s e celulares filmes e séries que os fazem maratonar em finais de semana. Entretanto, ainda existe o fator “atraso tecnológico” no Brasil. No futuro, sua experiência diante da TV será diferente da de qualquer outra pessoa. Será uma aventura exclusiva, com uma mistura de TV tradicional e conteúdo em vídeo digital, feita especialmente para você, com recomendações personalizadas por machine learning e opção de adicionar pitadas da sua rotina neste mix. Como observamos nos EUA, as pessoas podem até estar cancelando suas assinaturas de TV a cabo, mas isso não significa a morte desse tipo de tela. Na verdade, a TV é o aparelho que mais se fortalece quando analisamos as execuções de vídeo no YouTube, com um crescimento de 70% no ano passado1. O mobile ainda representa 60% do tempo total de exibição do YouTube 2, mas apesar de toda a conveniência e flexibilidade que o celular trouxe para as nossas vidas, no fim das contas, as pessoas adoram uma tela grande. Por este motivo, não é nenhuma surpresa que o volume de conteúdo assistido no YouTube em TVs aumente durante o horário nobre e nos finais de semana. TV 2.0 Ao mesmo tempo, o consumidor de hoje espera que a TV seja muito mais que uma simples tela, isso porque as pessoas ainda gostam do conteúdo televisivo tradicional. Elas amam assistir a esportes ao vivo, telejornais, seriados e novelas. O que elas não gostam são as limitações impostas pelas TVs aberta e a cabo. Hoje em dia, as pessoas querem acesso ao conteúdo que adoram (seja a novela das oito ou um vídeo criado por um YouTuber) de um jeito personalizado, interativo e flexível. Em outras palavras, elas querem o melhor da TV combinado com o melhor da internet. Um futuro a ser celebrado pelas marcas Esses dois novos modos de assistir à TV antecipam que o futuro da televisão como entretenimento será excepcional para os consumidores, com mais controle, flexibilidade e interatividade (coisas que o vídeo digital já oferece). Mas o futuro também parece promissor para os anunciantes, já que com uma TV mais personalizada, eles conseguirão melhor alcance, segmentação e medição de resultados. Melhor alcance: combinando e fracionando o alcance publicitário da TV e do vídeo online, a televisão do futuro vai proporcionar às marcas uma cobertura maior e mais ágil do que é possível ter hoje. Você poderá ter melhores resultados usando a personalização para impactar audiências, antes difíceis de alcançar, e não terá que se preocupar se vai impactar acidentalmente a mesma pessoa com a mesma mensagem em diversas plataformas. Melhor segmentação: junto a essa TV mais personalizada, veremos também uma melhoria na capacidade de segmentação das campanhas. As marcas poderão fazer com que cada anúncio seja relevante para quem estiver assistindo e esteja alinhado com o conteúdo exibido. Os anunciantes não precisarão mais bombardear toda a família com o mesmo anúncio, na esperança que em algum momento a "dona de casa" assista. Você poderá falar com ela individualmente (os dados de login serão os dela) e veicular um anúncio perfeitamente adaptado ao que ela estiver assistindo. Melhor medição de resultados: por último, a TV do futuro permitirá às marcas medir o impacto de seus anúncios com uma riqueza e precisão que vai muito além das antigas classificações de lares atingidos. Nesse novo modelo, a TV ganha a mesma capacidade de mensuração da web, dando fim à adivinhação. Você saberá quem viu cada conteúdo, e qual foi a ação que tomaram a partir disso. Há vinte anos, existiam muitas restrições para que a TV pela internet desse certo. Agora, a promessa está sendo cumprida. Eu não sei exatamente o que vai significar "assistir à TV" em 2038, mas posso apostar que será uma experiência melhor e que a publicidade ficará bem mais eficiente do que hoje podemos imaginar. Esqueça a televisão holográfica. A TV em 3D. Ou a TV com cheiro. Isso até pode acontecer, mas a televisão forçosamente passará por uma modificação inevitável. Não no hardware, mas no modo de fazer televisão. A TV de hoje é diametralmente diferente da feita nos anos 1990, ou mesmo nos anos 2000. A televisão aberta sofreu um baque no período com o surgimento e crescimento de canais por assinatura e segmentados, por sua vez sofrendo um impacto ainda maior com os serviços de streaming, popularizados entre os anos 2010 e 2020. Filmes e séries perderam relevância na grade da TV aberta, primeiro pela segmentação, depois pela praticidade do streaming, onde reinam absolutos. A possibilidade do binge watching, ou maratonar temporadas inteiras, agravou a situação. A teledramaturgia chegou num nível de especialização que reduziu o mercado nacional de produção própria para três players: Globo, produzindo tramas diárias, séries, macro séries e minisséries, sobre temas gerais; Record, especializando-se em produções de cunho bíblico, onde tem público cativo; e o SBT, dedicado a produções infanto-juvenis, predominantemente musicais. O esporte, com exceção dos mega-eventos mundiais como Olimpíadas, Copa do Mundo de Futebol e Fórmula 1, vem perdendo espaço paulatinamente na TV aberta. Essa última estava praticamente condenada a sair das telas, não fosse a mudança de emissora em 2021. Por coincidência, numa das temporadas mais vibrantes dos últimos tempos. A audiência e as transmissões esportivas têm ficado mais restritas aos canais segmentados, e mais recentemente a serviços via internet e streaming. O jornalismo, entretanto, tornou-se a maior peça de resistência da TV aberta. Talvez a base da nova indústria da televisão popular. Em um período onde o custo-benefício impede que emissoras produzam a totalidade de uma programação generalista, como nos velhos tempos, é lógico que se adquiram atrações prontas, num modelo aproximado ao que a televisão norte-americana adota há anos. Não faz tanto tempo, para entrar no ar e falar de trânsito, só para dar um exemplo, era necessário um pequeno caminhão de externas, com um transmissor de microondas, antena, uma ou duas câmeras, técnicos, motoristas, auxiliares… com muita sorte – ou azar – o enlace de microondas era substituído por um uplink de satélite. O mundo na palma da mão Hoje, na opção mais básica, você precisa de apenas UM smartphone, além de uma conexão 4G disponível, e pronto, já está no ar. Se quiser sofisticar, nada além de repórter, câmera e microfone com comunicação wireless, e um prosaico carro com um link celular multioperadora: uma engenhoca também conhecida como “mochilink”, que seleciona automaticamente a banda da operadora de telefonia móvel com sinal mais consistente na região. Pronto, o sinal de áudio e vídeo já estará disponível no switcher da emissora. Coberturas com apoio aéreo, que necessitavam o uso de caríssimos e sofisticados helicópteros, custando milhares de reais para um simples sobrevoo, hoje são substituídos ou complementados por drones, capazes de gerar imagens em alta definição e cobrir áreas significativas com custos absolutamente inferiores. Sem a possibilidade de levar um repórter à bordo, mas já faz diferença. Neste ponto, a TV conseguiu depois de décadas, equiparar-se com o rádio, até então campeão indiscutível de velocidade no jornalismo factual. Desde a chegada do celular, bastava uma ligação telefônica e o repórter de rádio estaria no ar instantaneamente. Nem os repórteres de internet chegavam a tanto, pois o jornalista precisava de uma conexão estável, e durante muito tempo, precisava escrever alguma coisa. O jornalismo torna-se a melhor vertente onde a TV aberta poderá se sustentar com eficiência e ganho em escala. E melhor: com qualidade de imagem, tela grande (ou multi-telas) e estrutura já pronta para o trabalho. A estrutura física das emissoras também deverá mudar radicalmente. Grande centros de produção, uma tradição desde os primeiros tempos da televisão, e ampliadas desde os anos 1980 – vide os mega-complexos de Água Grande, Estúdios Globo, CDT e Recnov – não serão necessários. É tempo de terceirização e especialização. Agora, uma estrutura enxuta, como a TV Gazeta de São Paulo, pode tornar-se vantajosa devido aos custos operacionais inferiores. Em compensação, quem já possui parques técnicos de grande porte, pode lucrar alugando seus estúdios e instalações para companhias produtoras – eventualmente abatendo os custos na aquisição destes mesmos conteúdos para exibição. A TV Cultura de São Paulo já transformou essa prática em fonte de receita complementar. Outro caminho, como modelo de negócio, restrita basicamente às maiores três players do mercado, é produzir conteúdo de entretenimento para plataformas de streaming – próprias ou não – já que a maioria do público têm preferido assistir esse tipo de programação on demand, ou seja, no horário em que bem entender, usando o equipamento de sua preferência. Isso já é praticado, embora ainda longe de sua potencialidade. A TV Globo já produz atrações exclusivas para seu Globoplay. Apesar da maioria ter ligação direta com conteúdos da emissora aberta, também é sua principal vitrine. O Grupo Record não faz grande alarde nem grandes produções exclusivas para seu PlayPlus, que ainda não decolou. A maioria de seus conteúdos são complementações diretas dos programas da Record TV, ou de interesse nichado, no caso, fiéis da Igreja Universal. O SBT preferiu apostar no que é certo, distribuindo suas novelas infantis- musicais pela líder Netflix, com um número de acessos superior às audiências de suas exibições originais. São tendências, e a velocidade com que a tecnologia avança pode nos trazer surpresas e mudanças de rumo. Mas uma coisa é clara: a TV dos próximos anos será radicalmente diferente de tudo o que vimos até agora.