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revelando segredos de
Exigiu você que eu escrevesse, manu propria, nos espaços brancos deste
seu exemplar de Sagarana, uma explicação, uma confissão, uma conversa,
a mais extensa, possível — o imposto João Condé para escritores, enfim.
Ora, nem o assunto é simples, nem sei eu bem o que contar. Mirrado pé
de couve, seja, o livro fica sendo, no chão do seu autor, uma árvore ve-
lha, capaz de transviá-lo e de o fazer andar errado, se tenta alcançar-lhe
os fios extremos, no labirinto das raízes. Graças a Deus, tudo é mistério.
Algo, porém, tem de ser dito. Ao autor o que é do autor, mas a João
Condé o que é de João Condé.
Assim, pois, em 1937 — um dia, outro dia, outro dia... — quando
chegou a hora de o Sagarana ter de ser escrito, pensei muito. Num bar-
quinho, que viria descendo o rio e passaria ao alcance das minhas mãos,
eu ia poder colocar o que quisesse. Principalmente, nele poderia embar-
car, inteira, no momento, a minha concepção-do-mundo.
Tinha de pensar, igualmente, na palavra “arte”, em tudo o que ela
para mim representava, como corpo e como alma; como um daqueles va-
riados caminhos que levam do temporal ao eterno, principalmente.
Já pressentira que o livro, não podendo ser de poemas, teria de ser de
novelas. E — sendo meu — uma série de Histórias adultas da Carochi-
nha, portanto.
Rezei, de verdade, para que pudesse esquecer-me, por completo, de
que algum dia já tivessem existido septos, limitações, tabiques, precon-
ceitos, a respeito de normas, modas, tendências, escolas literárias, dou-
trinas, conceitos, atualidades e tradições — no tempo e no espaço. Isso,
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VII) — Minha Gente — Por causa de uma gripe, talvez, foi escrita
molemente, com uma pachorra e um descansado de espírito, que o autor
não poderia ter, ao escrever as demais.
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Por ora, Condé, aqui está o que eu pude relembrar, acerca do Saga-
rana. Se Você quiser, eu poderei contar, mais tarde —, num exemplar da
2ª edição — algumas passagens históricas, ocorridas entre o dia 31 de
dezembro de 1937 e a data em que o livro foi entregue à Editora Univer-
sal. Serve?
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