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L. F. R. C LE RO T

.,
30 ANOS NA PARAIBA
(Memórias Corográficas e outras Memórias)

.. *
30 ANOS NA PARAiBA

Leon Francisco Clerot, professor da



Faculdade de Filosofia da Universidade
da Paraíba, reune neste volume a súmula
de 25 anos de pesquisas nos domínios da
Antropologia, da Etnografia e da Arqueo-
logia, realizadas nesse Estado . ·
Dado que os estudos dessas especiali ·
dades científicas estao apenas esbo~ados
na regiao, faltando-lhes o ápoio de equi-
pes de campo para a coleta e classifica-
~ao do material, sua rigorosa determi-
na~ao de proveniencia - pode-se consi-
derar bastante satisfatório o resultado
atingido.
A continuidade desse esfór~o, levado a
bom termo por cientistas capazes, apoia··
,dos em plano executivo bem organizado,
;certamente levará a conclusóes proveito-
sas e definitivas. O que já foi conseguido
por ele, tanto no que diz respeito a varie-
dade dos materiais pesquisados, como na
objetividade com que conduziu seus tra··
balhos, representa contribui~ao séria, res-
peitável.
Notadamente PALEONTOLOGIA PA-
RAIBANA, em que sao apresentadas e
classificadas as espécies de fósseis - ·
abundantíssimos no Estado - apresenta
excelente desenvolvimento. Mas, tam-
bém outros setores, tais como MINÉRIOS
NA PARAtBA, ZONAS FISIOGRAFICAS
DA PARAtBA, AS RESERVAS FLORES-
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

L. F. R. CLEROT
PROFES SOR DA F ACULDADE DE FILOSOFIA
DA
UNIVERSIDADE DA P ARA1BA
SóCIO HONORARIO E EFETIVO DE DIVERSOS INSTITUTOS
CIENTfFICOS NACIONAIS E ESTRANGEIROS

30 Anos na
(MEMóRIAS COROGRAFICAS E OUTRAS MErv.tóRIAS)

1969
EDITORA PONGE'I*l'I
RIO DE JANEIRO

'
AO LEITOR

O presente volum.e reúne algumas M emórias


que poderao servir como achegas para a corografia
da Paraíba e ou trias, breves, que constituem o simples
relato de observagóes que fizemos e.m diversos se-
tores no correr de um quarto de século, procurando
por em evidéncia a im(l)ort(tncia de certos assuntos
q11,e a indiferenga tinha relegado ao mais absoluto
esquecimento .
Náo nos propusemos resolver problemas nem
chegar a conclusóes definitivas que serta.m pre-
maturas se náo levianas, no estado atual dos nossos
conhecimentos.
Os estudos, principalmente nos setores da Antro-
pologia, da Etnografia e da Arqueologia estáo senda
agora apeinas esbogados na Paraíba . A primeira tarefa
será ,d e escoimá-los dos conceitos errados que sóbre
eles incidem, atribuídos por supostos "sábios" que por
aqui andaram e sobre eles escreveram, formukindo
teorias inteiramente falhas de base científica .
Pesquisas encaminhadas por "equipes" no campo,
a coleta de material que, no Nordeste, se apresenta
copioso, o estudo comparativo do material coletado,
a sua classificagáo e a determinagáo rigorosa de sua
proveniencia iráo certamente abrir novas perspectivas
e conduzirao a meta.s m.a is seguras.
Os m étodos de investigaglío científica nao admi-
tem sofreguiddo que n-0s levem a aceitar como defini-
tivas qua.isquer concl'llsóes apriorísticas baseadas em

5
" supos~6es aparentemente razoáveis em vez de provas
materiais concretas que confirmem a evid~ncta des
fatos.
O relato científico tatmbém ndo admtte literatura
de ficgáo.
Se o presente livro servir como catalisador para
estimular vacaqóes iatentes e, como conseqü~ncia,
pesqutsadores mats credencia.dos a tomarem a diregáo OS RECIFES DA COSTA PARAIBANA
desses estudos na Paraíba, teremos conseguido um
objetivo útil e ~sse terá sido o seu único mérito .
Os recifes da costa paraibana pertencem a mesma
O AUTOR. forma~áo dos recifes que se estendem em barreira, para-
lelos ao litoral brasileiro, desde Santa Cruz no Estado
da Bahia até Camocim no do c ·e ará.
~sses recifes sao coralinos. O seu alinhamento, equi-
distante da costa a 500 metros aproximadamente, é sec-
cionado por interru~oes denominadas "barretas", geral-
mente estreitas, de maior largura em frente as emboca-
duras dos rios, interru~oes que dao passagens a nave-
ga~áo de embarca~oes de pequeno calado. A largura do
seu tópo, que geralmente aflora ou emerge na baixa-mar,
é da ordem de 2'0 até 100 metros.
A base do paredao sóbre o qual os corais edificam as
suas colónias é de arenitos, cimentada a silica pelo carbo-
nato de cálcio precipitado, provavelmente, pelo contato
da água do mar comas águas doces que trazem o calcárlo
dissolvido pela a~ao dos ácidos organicos. Há trechos onde
o cimento é limonitoso; o óxido de ferro que ali se .a cha
incorporado deve ter tido a mesma origem do calcário .
A f orma~ao dos recifes em barreira carece ainda de
urna explicacao satisfatória. Charles Darwin que os estu-
dou no maci~o de Killing, depois de repetidas observa~oes,
formulou uma teoría considerada clássica na qual adml-
tia que eles resultassem do afundamento progressivo da
costa processado no correr de milhóes de anos, ao mesmo
tempo em que as constru~oes coraligenas teriam crescido
em sentido oposto, isto é, em sentido vertical ascendente.
Assim os reclfes, primitivamente marginais, teriam passa-
do a ser recifes de barreira. O seu paralelismo com a orla
n1arítima vtrla apoiar essa teoria .

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Da.rwin baseava-se no fato comprovado de que os Entre o extenso paredáo formado pelo recife e aterra
corais só podem viver em águas pouco profundas. O seu firme fica, pois, localiza.do o imenso canal submerso cuj o
crescimento vertical ascendente, mantendo-se no nivel das fundo é ma.is raso do que o da vertente que fica voltada
marés, seria para ~sses organismos urna questáo vital de- para o alto-mar; as suas águas sáo mais calmas por-
corrente do seu instinto de conservaQáO. quanto o paredáo serve de quebra-mar, mesmo durante as
Essa teoria sofreu, posteriormente, contestaQoes. marés de equinóxio cuja enchente máxima náo chega a
atingir um metro acima do seu tópo.
No Nordeste Oriental houve emersao da costa pelo
recuo eustático do mar; atestam-no os depósitos de mar- Do Sul para o Norte a partir da foz do rio Goiana
gas calcárias ricas de fósseis ma.rinhos, de fosforita, de onde se extremam os Estados de Pernambuco e Para.iba
diatomita e de sapropeUto de origem pelágica, depósitos os recifes seguem em direc;áo re tilínea com diversas in-
ésses bastante distanciados do mar. terru~0es formando "barretas"; as principais coincidem
com os estuários dos rios Abiá, Garaú e Gramame; flan-
Pode-se admitir que os recifes se tenham formado queiam o antigo embasamento pedregoso do Cabo Branco
inicialmente nos· fundos rasos próximo das pra.ia.s como destruido pela abrasa.o do mar, distanciado agora por 500
recifes litorais. Os corais que se fixam na parte interna metros do seu antigo limite, alargam-se em frente as en-
do paredao, isto é, na parte que se defronta com a terra seadas de Tambaú formando o "picáo" do Cabo; o "picao-
firme, sao menos abundantes tanto em número como em zi.nho" e o "picáo" da Mariquita, mais adiante próximo
espécies do que os que se localizam na parte externa que a "barreta" que assinalava a fo~ do Jaguaribe, o "picao"
fica voltada para o largo. O meio ambiente, do lado in- do Bessa e, na praia Formosa, sáo ligados ao litoral pelas
terno, é menos favorável ao seu desenvolvimento porque coroas de areias vermelhas que afloram na baixa-mar;
as águas ali tem a sua salinidade rebaixada quando a adiante ainda urna barra mais larga assinala o estuário
vazáo dos rios é aumentada pelas fortes chuvas estivais do Para.iba e permite a entrada para o Porto de Cabedelo.
e águas doces, impuras, também, porque trazem gra.µ.de A partir da margem esquerda desse estuário os recifes
quantidade de detritos org.anicos e lódo em suspensáo, fi- continuam sempre equidistantes da costa, interrompidos
cando represadas por longo temPo entre a costa e o pare- por "barretas" sendo as maiores as que correspondem as
dáo dos recifes. Os da face externa vivem num meio mais embocaduras dos rios Miriri e Mamanguape; tangenciam
propicio; as águas sao mais puras, a conce.ntragáo salina a terra firme na baia da Traic;áo que, protegida por eles,
é mais equilibrada e a temperatura sofre menos varia- forma um pórto abrigado cuja entrada é facilitada pela
~oes. Ali os corais sáo mais abundantes e variados; o seu
''barreta" que assinala a. foz do Camaratuba e dai por
crescimento é mais acentuado e multiplicam-se com m.ais diante continuam em alinhamento retilíneo até a ponta
rapidez. do Guaju, nos limites da Paraíba com o Rio Grande do
Assim, enquanto as edifica~oes coralígenas, do lado Norte .
interno, mortos os seus habitantes, váo sendo lentamente Ernesto Haeckel propós que se dividisse o mar e1n
destruidas, as do lado externo crescem superpon.do-se tres zonas superpostas a partir do fundo, dominando em
ininterruptamente. Como conseqüencia os recifes a.través cada urna delas urna forma de associac;áo vital; o benton,
1 •
de séculos váo se afastando gradativamente da costa. o necton e o planct-On .
Na enseada de Tambaú é fácil observar a antiga base O b~nton é constituido pelo conjunto de organismos
em ruinas de primitivas f orma~oes coralinas esboroadas vegetais e animais que se adaptaram a viver sóbre um
pela dissolu~áo lenta dos edificios calcários, em virtude substrato sólido, em oposic;áo aqueles que vivem em sus-
das modific~oes sofridas pelas condi~oes do meio . pensáo nas águas. No ben ton encontram-se organismos

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(
livres ou errantes, sedentários aderidos e radicantes . O ~oes se realiza; passam entáo a edificar os corais, que sao
benton abissal povoa as grandes profundidades e o benton as suas colOnias, fixando o cálcio que se acha dissolvido
litoral povoa as águas rasas. na água do mar sob a forma de carbonato, com formas
O necton inclui os animais que se locomovem livre- especificas para cada espécie .
mente sem estar sob a dependéncla das corren.t es mari- Assim foram arquitetados os recifes conservando sem-
nhas. Essas duas zonas confundem-se; a sua separa~áo pre o mesmo nivel no seu topo, imerso nas marés cheias
e difícil porque um grande número de espécies pertencem e descoberto na vazante das marés.
sucessivamente As duas faunas. Os corais paraibanos sáo conhecidos pelo nome vul-
A fauna nectónica pertencem os pelxes: certos Mami- gar de "tapitangas ", nome tupi que lhes foi dado pelo
feros (baleias), Sirenios (peixe-boi), Moluscos (cefalópo- indígena e cuja tradu~áo seria "pedras vermelhas" -
dos, prosobranquios e lamelibranquios), Quelonios (tarta- aceitando a deriva~áo de itá, pedra, e pitanga, vermelha,
rugas) e alguns animais inferiores como as caravelas que o que náo corresponde a cór dos madreporários que é,
i·ealizam longas migra~oes, medusas e outros mais. geralmente, cinzenta ou amarelada; mais consentanea 8.
o vlancton integra uma comunidade biótica delimita- interpreta~áo tá-pitanga - as plumas coradas, finas, deli-
da ecoiogicamente e fisionómicamente formada de orga- cadas, macias, que correspondem ao aspecto dos tentáculos
nismos, vegetais e animais que se acharo em suspensáo dos cnidlários que sáo geralmente rubros e semelham plu-
nas águas e sáo transportados a mercé das correntezas mas finíssimas que se agitam dentro da águas .
exclusivamente.
Nos recifes paraibanos ocorrem os seguintes celente-
o p·Zancwn divide-se em fitoplancton, quando se re- rados: Acanthastraca brasiliensis - Verril; Agaricia aga-
fere a organismos vegetais, e zo<Yplancton, quando inclui ricites - M. Edw., Eunicia humilis -- Ectw. & H., Favia
somente organismos animais. gravida sp., Favia Leptophylla - Verril. Heliastraca ca-
Náo será talvez demais lembrar que os orga.nismos vernosa sp., Millepora alcicornis - L., Millepora brasilien-
do plancton sáo todos de dimensoes microscópicas. sis - Verril., Rath., Orbicella aperta - Verril., M'ussa
A divisáo e classific~áo das zonas bióticas de Haeckel nitida - Rath., Mussa verrili - Verril., Porites asteroi-
sáo aplicáveis, também, a flora e a fauna dos rios e dos des - L., Porites branneri - Rath., Porites sólida - Ver-
lagos . ril., Siderastraea estellata - Verril. e Symphilia hartti -
o benton do litoral até 100 metros de profundidade Verril .
compreende as form~é>es denominadas neriticas que in- Tódas essas espécies f oram respigadas em diferentes
cluem as plantas m.arinhas (algas principalmente) e todos ocasioes por diversos naturalistas sem que tenha. havido
os animais, excluidos os que pertencem ao necton . um estudo sistemático dessa curiosa e interessante fauna.
A parte mais importante do benton é a que abrange
as algas entre os vegetais e os madreporários ou corais Nas lagunas submersas ou depressé>es, que existem
entre a base dos recifes e as praias atuais, urna vegeta~áo
entre os animais.
densa de algas prolifera exuberante, atapetando por vézes
Como já foi dito, a vida dos corais é subordinada a
o fundo dessas depressoes.
certas condi~oes especialissimas do ambiente; eles náo
constróem os edificios calcários de suas colonias em tem- Encontram-se ali várias espécies dos géneros Acan-
peratura inferior a 20º centígrados, em águas de concen- thophora, Amansia, Bryothamnium, Caulerpa, Ceramium,
tra~áo salina instável e profundidade que exceda 50 me- Chrysimenia, Cadium, Collarina, Cladophora, Cryptome-
tros. Fora dessas co.ndi~oes os cnidiários vivem livres, iso- nia, Dictiopterix, Dictiota, En teromorpha, Ermodesmia,
ladamente e só se fixam quando esse conjunto de condi- Gelidiopsis, Gelidium, Gracillaria, Gratelupia, Jania, Lau-

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rincia, Padina, Sargassum, Ulva, Valonia, Vidalia e Zo-
naria .
Ao influxo das marés, principalmente durante a época
invernosa, multas se destacam dos seus viveiros e, trazl··
das pelas marés, revestem largos trechos das praias.
Os pescadores conhecem-nas pelo nome genérico de
·"sargaQos" e a sua quantidade é tanta que 1mpossibili-
ta, nesse tempo, as pescarias de réde grande chamada
de "arrasto" e dificultam a pesca do camaráo feita a
"mangote" . O CABO BRANCO FADADO A DESAPARECER ...
Da fauna bentónica numerosas espécies vivem po-
voando os recifes e o fundo do extenso canal submerso Que o Cabo Branco está fadado a desaparecer, é fatt:
que as separa da terra firme . Foraminiferos, Espongiários, fora de qualquer dúvida. A a~áo abrasiva do mar, sola-
Actinias e GorgOnias, Vermes poliquetas (arenicolas e sér- pando nas marés cheias a sua base, provoca a todo mo-
pulas) , Crustáceos (en tomostráceos e malacostráceos) e mento o desmoronamento de prismas de terra de suas
Equinodermes ( crinóides, asteróides, ofiuróides, equinói- encostas cuja aluviáo o mar dissolve e carrega mudando-
des e holoturióides) formam, ali, um conjunto biótico va- lhe o aspecto e reduzindo-lhe o volume . A sua maior
riado, numeroso e de singular interésse. eleva~áo acima do nivel do mar j á desapareceu.
Quanto ao plancton deve ser ,.,extraordinariamente o Cabo Branco, cujo .nome se originou da argila
rico. branca que predominava na sua estrutura, perdeu essa
Os recifes da costa paraibana, repetimos, nunca foram característica como perdeu a prima.zia de ser a ponta
estudados. :S:sse estudo exigiría um trabalho de "equipe" mais oriental das Américas, primazia que cabe agora a
durante um ano pelo menos para a coleta do material no ponta do Seixas, salié.ncia secundárta outrora, qua.ndo o
transcurso das quatro estaQoes, sabendo que a flora e a Cabo avan~ava qua.se um quilómetro além de sua extre-
fauna sofrem modifica~óes por vézes bem acentuadas. midade a.t ual.
Formas de evoluQáo aparecem e desaparecem em tempo Na babea-mar das marés de equinóxio ainda se vai
relativamente curto e multas espécies sáo peculiares de racilmente até o fim do seu antigo embasamento . No tra-
u1na determinada época do ano. jeto sáo perfeitamente visiveis, submersas, as argilas de
~e capitulo da nossa biología marinha ainda náo
colora~óes variadas e os blocos de arenito ferruginoso
foi escrito e as suas páginas ficaráo provavelmente em abundantes nas form~óes da "Série Barreiras" .
branca por multo tempo. É possivel que a falta de espe- A contra-corrente maritima destruidora entra pelas
cialistas dificulte a execuQáo dessa tarefa; porém o obs- interru~oes que existem na linha de recifes que acom-
táculo maior consiste na situa~áo em que as nossas insti- panha a costa do Nordeste Oriental denominadas "bar-
tui~Oes científicas se encontram, maniatadas sempre pelas
retas". Urna existe em frente ao Cabo; por ela o mar se
grilhetas da escassez de meios para pesquisas. engolfa quebrando-se com maior víoléncia nas su as escar-
pas do que nas praias protegidas pelos recifes.
Como se .náo bastasse a a~ao abrasiva do mar, o
homem associou-se a e.ssa obra de destrui~áo que agora
se processa em ritmo acelerado . A$ matas que guarne-
ciam o planalto do tabuleiro foram totalmente arrasadas .

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" Essas matas eram constituidas de vegetac;áo alta e densa dras em Pernambuco. As coordenadas geográficas da
destacando-se das demais urna árvore de porte mais ele- Ponta do Seixas dáo 340 47' 58' 49' W. G. e as da Ponta
vado que servia de baliza para os jangadeiros na sua volta de Pedras 34º 48' 33' 37' w. G. dando para o Seixas um
das pescarias em alto-mar. Hoje mais nada existe; em a vaneo de 1 . 683 metros a mais para leste. Ainda, entre
pouco mais de 10 anos a própria vegetac;áo arbustiva das éSSes dois pontos, há, na Paraiba, outra salléncia inter-
encostas sofreu o desbaste do machado, foi reduzida a mediária - a ponta de Jacuman, oito milhas ao sul do
carváo e os desmoronamentos sucedem-se com maior fre- Cabo Branco, detentara do segundo lugar.
qüéncia . Haverá meios de salvar o Cabo Branco? Há, certa-
Percorrendo a antiga mata do Cabo Branco tivemos mente. A construc;ao de um cais de altura suficiente
sempre a idéia de que ela se enquadraria nun1 Parque com um enrocamento protetor, impedirla a ~lío abrasiva
Nacional juntando-se-lhe a mata da Penha onde fica- do mar. :msse cais contornarla todo o macic;o do CabO até
riam resguardadas as plantas-padráo de nossa flora lito- onde as marés máximas atingem a sua base. Seria obra
ranea j á tao desfalcada, acolhendo também os remanes- de fácil execuc;á~, deixando e.ntre o Cabo e o cais urna
centes da fauna em via de total desaparecimento. Idea- pista de acesso para a. Ponta do Seixas. Mas, esta soluc;áo
lismo piegas! A mata reduzida a lenha e a lenha a "pa- sugere logo urna pergunta: para que procurar subtrai-lo
tacas" representa sem dúvida urna soluc;áo mais prática. a ac;áo destruidora das vagas se o homem por ignorancia
Atualmente a superficie do planalto foi revolvida a ou ambic;áo procura destruí-lo por outros meios?
trator para nivelar irregularidades do terreno, pois pro-
jeta-se construir ali um bairro novo .
. :msse trabalho, facilitando a infiltrac;áo das águas plu-
viais, contribuiu para o desmoronamento das encostas.
Em 20 anos o Cabo Branco perdeu 50 metros de avan-
c;o a leste sObre o mar; essa observac;áo nossa foi confir-
mada pelo geólogo Luciano Jacques de Moraes por ocasiáo
da visita do l.º Congresso Brasileiro de Geologia a ésse
acidente geográfico em 1954.
Assim, a configurac;áo da costa modifica-se através
do tempo pela ac;ao de causas diversas, entre elas a das
correntes marítimas. As praias de Olinda em Pernambuco
sA.o castigadas com sérias ame~as por essas corren tes;
outra, a praia Carne de vaca, ao sul do rio Goiana j á f oi
destruida com todo o seu coqueiral e uma rua inteira de
casas; ao sul de Cabedelo na Paraiba, a praia Formosa
val ter a mesma sorte; ao norte do estuário do Paraiba
a ponta de Lucena cresce e no Ceará a legendária praia
de Iracema j á desapareceu sob a voragem das ondas.
O Cabo Branco desaparecerá - alea jacta est - po-
dendo-se prever desde já a sua situac;a.o dentro de 50 anos .
Mas, a Paraiba continuará .!en<lo a detentora da ponta
mais oriental das Américas, disputada pela Ponta de Pe-

14 15.
do Brasil que a remeteu por sua vez a Dra. Carlota Joa-
qui-na Maury, nos Estados Unidos, para a sua classificac;Ao.
Os estudos dessa ilustre cientista confirmaram os an-
teriores, assinalando a posic;áo definitiva désses fósseLs
nas camadas do cretáceo superior maestrichtiano .
,. A_ Dra. Carlota Joaquina Maury dlz, no seu livro, que
·as ricas e variadas faunas colecionadas pelo Cel. Joto
Domingos dos Santos revelam muitas rela~óes de paren-
tesco com as faunas de outros continentes e permitem
PALEONTOLOGIA PARAIBANA levar mais longe a exatidáo das correlac;oes estratigráficas.
Entre os fósseis do cretáceo paraibano da "Série
Barreiras" predominam os invertebrados (crustáceos, mo-
Em todo o Nordeste Oriental a abundancia de fósseis luscos e equinodermes); os vertebrados resumem-se a
é considerável. qua tro espécies de peixes, um réptil e um Dinosaurio Fte-
Particularizando a Paraiba, é nas f orma~Oes de " Série 1 osa urio estudado recentemente por Price no Servic;o
Barreiras", nos depósitos de margas calcárias de origem Nacional de Produc;áo Mineral.
cretácea exploradas em pedreiras para o fabrico de ci- Quanto a fósseis de vegetais só se conhece, do cre-
mento e de cal que ocorrem fósseis désse estágio geológico táceo Paraibano, o fruto de uma Palmácea do género
em regular quantidade. Palmocarpon dos calcários do rio Gramame, classlflcada
& f orma~Oes cretáceas do litoral pa.ra1bano sao co- por Carlota Joaquina Mlaury.
;nhecidas desde 1867, classificadas por Williamson. ~a
primeira classifica~ao é de modo geral correta como acen- FóSSEIS DO CRETACEO PARAIBANO DA "SBRIE
tua Carlota Joaquina Maury no seu magnifico trabalho BARREIRAS"
sóbre "O cretáceo da Parah.yba do Norte", sem fazer,
porém, evidencia paleontológica.
VEGETAIS
Mais tarde, em 1889, H. G. Sumner, superintendente
da Estrada de Ferro Conde d'Eu, colecionou alguns fósseis
colegidos nas pedreiras próximas da Capital, doando-as Palmocarpon luisi - Maury .
ao geólogo John Casper B·r anner, classificadas posterior-
mente por Rathbun, Williston e J. C. Smith cujos estudos ANIMAIS
publicados em 1902 determinaram a idade cretácea désses
depósitos calcários cujo horizonte, segundo Williston, de- Crustáceo&
veria ser "do topo do cretáceo superior".
Alguns anos após abriram pedreiras na f azenda Zanthopsis brasiliana - Maury.
"Congo" nos calcários da margem direita do rio Gra- " cretácea - Rathbun.
mame no municipio da Capital. Dessas pedreiras, repo- " rathbuni - Maury.
sitório riquisslmo de fósseis, o Cel. Joao Domingos dos
Santos conseguiu reunir urna colec;ao com cérea de 800 Moluscos (Lamelibranquios)
exemplares que, por intermédio do geólogo Luciano Jacques Cordlum riogramamense - Maury .
de Moraes, foi doada ao Servic;o Geológico e Mineralógico Corbula lyra - Maury.

16 ·17
CUculaea erda - · Maury. " euzebioi - M~ury.
" freia - Maury. " gettyi - MRury.
isolda - Maury. " heras - Maury.
Eusebia stanto ni - Ma ury. " hermes - Maury.
Inoceramus dominguesi - Maury. " oceanus - Maury.
Pecten gramamensis - Maury . " orpheus - Maury.
Pinna regina-maris - Maury. '' parahybensis - Maury.
" mandacaruensis - rn. sp. " perseus - Maury.
Pholadomia parahybensis - M'a ury. " posseidon - Maury.
Plicatula parahybensis - Maury. " psyche - · Maury.
Roudairia brasiliensis - Maury. Pseudophylltes amphitrite - Maury.
Trigonarca j essupae - M:a ury. " nereidededitus - Maury.
Venericardia m.a ris-australis Maury . Sphenodi.scus brasiliensis - M'a ury.
" parahybensis - Maury.
( Gasteropodos)

Cerithium brasiliensis - Maury . Equinoder.mes


...
Cypraea parahybensis - Maury.
Natica parabybensis - Maury. Coelopleurus castroi - Maury.
Turritola antigona - Maury. Cyphosoma riograndensis var. parahy-
" arethusa - Maury. bensis - Maury.
" . brunhilde - Ma.ury. H:e miaster Jacksoni - Maury.
" totium-sanctorum - Maury. Henricia. parahybensis - Maury.
Tylosotoma cf. materinum - Ch. Wite. Pirina Parahybensis - Maury.
Volutomorpha brasiliensis - Maury.
Peixes
(Cefalópodos)
Corax pristodontus - Agassiz.
Canadocerus andromeda -- Maury. Enchodus oliveirai - Maury.
" riogramamensis - Maury. Lamna serra - A. S. Wodword.
Glyptoxoceras brasiliensis - Maury. Palaeobalistum dossantosi - Maury.
" parahybensis - Maury.
Parapachyliscus alluquerque - Maury.
Reptil ( crocodilea)
" artnoi - Maury.
" athena - Maury.
" brasiliensis - . Maury. Goniopholis hartti - Marsh.
" bruneti - Maury.
" dossantosi - Maury. Dinosaurio (Fterosaurlo)
" endymione - Maury.
" eurydice - M.aury. Nyctiossaurus lamegoi - Price.

·-
18 '· 19
Em 192 5J no extremo W do Estado, no municipio de
1
" .zu
"-ore
• Alta" e que aparece
· "dica.raente nas dem~is
espor~
Souza, o Dr. Lucia no Jacques de Moraes entáo geólogo da pedreiras.
antiga "Inspetoria de Obras Contra as Secas", estudando Da extremidade ocidental da serra do Cuité, na ca-
a bacia cretácea do rio do Peixe, descobriu no lugar "Pas- mada de sedimentos que capeiam a serra, ocorrem blocos
sagem da Pedra" próximo da sede do municipio, as pe- de silica cristalizada com numerosos moluscos de urna
gadas de dois Dinosaurios: um plantígrado e outro digití- única espécie completamente silicificados incluidos nesses
grado nas lamas endurecidas do fundo da imensa lagoa blocos. A idade dos capeamentos é considerada cretácea
que ali existiu no período infracretáceo e que hoje forma nao tendo sido ainda possivel determinar a espécie dos'
a planicie de Souza. moluscos.
Passaram-se anos; novas pedreiras entraram em ex- *
plorac;áo nas vizinhanc;as da Capital e no litoral de * *
Mamanguape todas ricas de fósseis que nunca foram pre-
servados de destrui.c;áo . Na Paraíba, como em todo o Nordeste Oriental, existen1
Em 1954 urna escavac;áo superficial feita na proprie- depressoes nos grandes laj eados que afloram nos terrenos.
dade "Arvore Al ta" no distrito de Alhandra, municipio Essas depressoes conhecidas pelo nome de "tanques" atin-
da Capital, pós a descoberto un1a Amonita gigante, em gem a té 30 metros de diametro e seis a oito de profundi-
boa hora enviada ao Servic;o Nacional de Produc;lo dade, obstruidos sempre de material aluvionar que correu
Mineral. das antigas encostas, pela aQáO eólia e pelos elen1entos
Despertado o tnterésse, o Museu Nacional envtou ao oriundos da degradaQáo sofrida pelas próprias rochas
local o Prof. Emanuel Martins e, como auxiliar, o pesqui- a través de milenios .
sador Omir Fontoura p~ra um exame do jazigo; colabo- A desobstruc;áo, ou limpeza como lhe chamam, desses
ramos nessa pesquisa; em menos de tres horas de trabalho " Tanques" é de prática corrente para o seu aproveita-
rendeu urna centena de fósse.is de lemelibráquios, alguns mento como reservat.ório de águas meteóricas para o abas-
parasitados por equinodermes. do género hemiaster. tecimento das popul~oes locais.
Pelo que ternos podido observar, a distribuic;ao das Raras vezes se executa urna dessas limpezas sem que
espécies fósseis nos calcários paraibanos náo deixa de ser apare<;am restos fossilizados dos vertebrados gigantes da
interessante; excluidas as Amdni tes de espécies: v'árias fauna do pleistoceno que povoou, abundante, a regiáo do
que se encontram disseminadas indistintamente nas ca- Nordeste e, aliás, todo o Brasil.
madas do calcárlo cinzento (mais profundas) e nas do Esqueletos mais ou menos completos de animais de
calcário de cor de camurc;a (superficiais), os demais mo- espécies extintas foram encontrados soterrados nessas
luscos ocorreni geralm.e nte em áreas restritas formando condic;oes nos municipios de Mamanguape e CaiQara na
grupos de numerosos individuos da mesma espécie. Asslm. Caatinga litoranea; nos de Campina Grande, Sola.nea,
nas pedreiras a W da Capital, a Pinna regina-maris nao Araruna, Remígio, Esperanga, Aroeiras, Cabaceiras, Um-
ocorre, sen.do ah.undante nas pedreiras situadas a NE, en1 buzeiro, Soledade, Picuí, Taperoá, Monteiro e Princesa do
Mandacaru, em afloramentos do mesmo depósito calcário Serta.o dos Cariris (planalto de Borborema) e nos de
distanciados por dois quilómetros apenas . Santa Luzia, Sao Mamede, Piancó, Souza e Antenor Na-
varro no Alto Sertáo.
O mesmo acontece comos crustáceos que ocorrem nas . .t.sses ossos sao geralmente destruidos durante o tra-
pedreiras de W e nao aparecem nunca nas de Mandacaru. balho de desobstruc;áo dos "tanques", por vezes esfacela-
Serve ainda de exemplo a Roudairia abundantissima em dos de tal forma que é impossivel tentar urna restaura<;áo.

'
20 21
A freqüéncia désses achados em táo curiosas circuns- Em Taperoá, próximo da cidade, procederam a lim-
tA;ncias, soterrados pela aluviáo que obstruiu os "tanques", peza de outro caldeiráo, do qual extraíram além de mui-
sugeriu a idéia de que os animais tivessem morrido de tos ossos de grandes dimensoes, presenteados a leigos, um
séde procurando água nesses bebedouros naturats como fragmento do estojo caudal de um Glyptodonte que se
supOs J. C. Branner, ou como explica Luciano Jacques de acha em nosso poder.
Moraes, afogados ou de fome sem poder sair dos "tanques" De local indeterminado do municipio de Catolé do
cujas paredes sáo geralmente íngremes, ou também arras- Rocha obtivemos um cranio de M;egatherium, faltando os
tados pela correnteza dos rios no periodo de sua j uven- dentes, as arcadas zigomáticas e o maxilar inferior.
tude quando alguns caldeirOes estavam nos seus talwegs. Em recentes pesquisas efetuadas na Lagoa da Caatin·
A hipótese de Branner atribuirla implicitamente para ga, no municipio de Taperoá, pelo Prof. Paula Couto,
aquela época condic;oes topográficas e climáticas idénti- Diretor do D. G. do Museu Nacional, auxiliado pelo
cas as atuais. Sr. Antonio Ramos, estagiário da Divisáo de Pa.leontolo ...
Interessados na conserva<;áo de material táo precioso gia, foram exumados os seguintes fósseis do Pleistoceno:
fizemos um a.pelo aos Prefeitos de todos os municipios
no sentido de que nos fósse dado aviso de qualquer des-
coberta paleontológica; mas esse aviso chega sempre ao ¡()rd. - EDENTATA
nosso conhecimento tardiamente e quando nos transpor-
tamos ao local dos jazigos as pec;as exumadas mais per- Fam. - Glyptodontidae
f e itas foram sempre desviadas por pessoas estranhas, Gen. - Glyptodon
principalmente por condutores de caminhoes que as leva1n - Panochtus
para exibi-las a curiosidade pública através dos seus iti- - Plophophorus
nerários . Fam. - D.a sypodidae
De um "tanque" de Lagoa de Pedra, municipio de Gen. - Pampatherium
Esperanc;a, f oram retirados diversos ossos de Mastodonte Fam. - Megia theridae
esfacelados pelas picaretas dos trabalhadores. entre os Gen. - Eremotherium
quais só se aproveitou perfeito um maxilar inferior. :Este
nos fo.i prometido pelo Prefeito; mas certo Secretário de Ord. - LIPTOTERNA
Estado correligionário político do Prefeito teve a prefe-
renieia, levando-o para o palácio do Governo e de lá, Fam. - Macrauchenidae
tempos depois, fragmentado a custa de quedas, foi para Gen. - Macrauchenia
o forno de incinerac;áo do lixo.
De outro "tanque" no lugar Tres Lagoas, no muni- Ord. - NoTOUNGULATA
1

cipio de Solánea, esqueletos fósseis de Mastodonte e de


Toxodonte foram reduzidos a estilhac;os a tiros de dina- Fam. - Toxodontidae
mite durante a desobstruc;áo. Desse jazigo obtivemos dois Gen. - Toxadon
dentes de Mastodonte e um de Toxodonte fragmentados .
Recentemente conseguimos parte de um maxilar de Ord. - PROBOSCIDEA
Mastodonte jovem, duas vértebras (atlas e 2.ª cervical)
e urna defesa do mesmo animal, exumados de um "tan- Fam. - Mastodontidae
que" no lugar Cinco Voltas, municipio de Umbuzeiro. Gen. - Hlaplomastodon

22 ... 23
..
Ord. - PERISSODACTILA

Fam. - Equtdae
Gen. - Equus
- lllppidion '
Ord. - ARTIODACTILA

Fam. - Cervidae
Gen. --- indeterminado

Ord. - CARNIVORA

Fam. - Felidae
Gen. - Smilodon

Além de outros grupos de Mamíferos extintos que de-


pendem ainda de cla.ssificac;ao. --...o
Q.
o
.......
* *
O Museu do Estado deveria ter como obriga<;~opr e- ·-...
V)

º
cipua a fiscalizac;ao das desobstruc;oes dos "tanques" e a
necessária verba para colaborar com os proprietários ou,
-
z
::>
o

quando menos, para orientar o trabalho de modo a salva-


guardar o material paleontológico retirado que nas con-
di~Oes atuais se perde para todo o sempre. Mas, o Muse u
só di.spae das verbas estritamente necessárias para man-
ter-se em situac;ao burocraticainente estática ...

2.4
SPELEOLOGIA PARAIBANA

As grutas e as cavernas sao escavac;oes naturais que


se acham localizadas nas camadas superficiais da terra.
... Elas se originara principalmente da ac;áo dos agentes
-o
(1)
meteóricos e climáticos que atuam incessantemente sobre
a..
.... a crosta terrestre, modificando-a através dos processos de
o
.,,e erosáo e de corrosáo .
.... Os processos da erosáo dependem da ac;ao mecanica
o
a.. dos agen.t es físicos: calor, frio, ventos e chuvas. Os pro-
o...
... cessos da corrosáo sao decorrentes da a.c;áo dos agentes
~
-o químicos que atacam as rochas dissolvendo lenta e conti-
....
o nuadamente parte dos seus elementos componentes.
o Nos climas tropicais onde as alternancias de tempe-
a..
(1) raturas altas e baixas variam dentro de amplos limites,
'-
Q
ao mesmo tempo em que o vento, t.ransportancto elementos
n
e abrasivos, fustigando-as com violencia, atacam a super-
3
01
ficie. As chuvas e as enxurradas agem facilitando o seu
...........
desnudamento, a sua decom.posic;áo e a sua desagrega.c;áo .
Os processos de erosáo sáo 1nais acentuados e mais
rápidos do que os processos de corrosáo.
Nas falésias e nos rochedos da orla marítima os pro-
cessos de erosao tém urna ac;áo mais acelerada; as rochas
submetidas ao embate constante das vagas sáo por vézes
perfuradas formando cavernas e arcos de formas capri-
chosas como a pedra furada de Jacumá na praia do
mesmo nome ao s. da Capital.
A ac;áo quimica é mais vagarosa; ela age de modo
quase imperceptível a través do tempo. As águas meteó-
ricas aproveitam geralmente a existéncia de fraturas, diá-

25
clases, planos de estratificac;áo e de falhas para penetrar As águas de tnfiltrac;áo que desaparecem no subsolo
" no subsolo. Assim as aberturas váo sendo alargadas for- váo, gr~as aos processos de erosáo e de corrosáo, abtindo
mando cavidades em con.seqüéncia dos efeitos da corro.sao galerías e cavernas por vézes com lagos e cursos d'água
e da erosáo que agem simultaneamente . subterraneos e sumidouros .
As águas meteóricas náo sáo qulmicamente puras; Nas cavernas calcárias, as águas que porej am das
compostas a principio de oxigenio e de hidrogénio ao atra- abóbadas, saturadas de bicarbonato de cálcio deixa:rrt
vessarem as camadas da atmosfera elas saturara-se em depositar parte de calcário dissolvido sob a forma de
maior ou menor proporc;áo de ácido carbónico, de nitro- concrec;óes mais ou menos cónicas pendentes da abóbada
genio e também de ácido nítrico em conseqüéncia da.s que crescem em direc;áo ao solo; sáo as estalactitas; parte
descargas elétricas durante as tempestades. Sáo esses ele- da água se evapora e as estalactitas váo se solidificando;
mentos e o oxigénio da própria água que váo atuar direta- a água, que em góta..c:; atinge o solo da caverna ainda sufi ...
mente no processo de dissoluc;áo dos minerais das rochas cientemente saturada de bicarbonato de cálcio, vai for-
fortalecido o seu poder pela incorporac;ao de outros ele- mando, também, concrec;oes cónicas em sentido inverso;
mentos que elas váo adquirindo durante o seu curso. sáo as estalagmitas que crescem do solo em direc;áo a
abóbada. Por vezes elas se encontrara fórmando colunas;
Sob a influencia da água realiza-se também o fenó- outras porej am de anfratuosidades das paredes das ca-
111eno de hidratac;áo; os óxidos anidros de ferro, como por vernas formando cortinas estalactiticas que dáo a impres-
exemplo o oligisto, podem transformar-se em limonita sáo de derrames d'água petrificados .
hidratada; a anidrita em hidrargilita, e assim outros Tódas essas concrec;óes dao as grutas calcárias aspec-
muitos. A esse fenóm.e no dá-se o nome de metassoma- tos maravilhosos, impressionantes ou fantásticos.
tismo. As grutas ou lapas com estalactitas e estalagmitas "la-
Tódas essas hidratac;oes sáo correlativas de expan.soes pas" sao portanto peculiares das regioes calcárias e estas,
mais ou menos acentuadas provocadas pelo aumento do na Paraiba, ficam circunscritas a serra de Gaspar Alves,
seu volume e essas substancias urna vez hidratadas desa- contraforte da serra do Pirauá no divisor Paraiba-Per-
gregam-se e dissolvem-se posteriormente com maior faci- nambuco, esgalhe oriental da Borborema no municipio de
lidade. Tabaiana onde há um afloramento con.siderável de már-
Sob a influencia do oxigenio e do gás carbónico as more ou calcário sacaróide que se prolonga até Camu-
tanga em Pernambuco. Outra no alto Curimataú entre
águas meteóricas produzem também outros efeitos; o oxi- Esperanc;a e as nascentes do rio Cabec;o na estrada de
génio provoca oxidac;oes; os sulfure tos transformam-se Mani~oba com afloramentos que se prolongara até Araras.
em sulfatos; os sais ferrosos em sais férricos etc. O ácido A terceira no municipio de Santa Luzia nos limites de Sao
carbOnico facilit.a a dissolu~áo de certos elementos inso- Mamede e Patos no vale de Sabugi em grande parte cal-
lúveis sem a sua presenc;a; o carbonato neutro de cálcio cárío, no qua! existem jazidas de Scheelita (Tugstato de
in.solúvel transforma-se em bicarbOnato de cálcio solúvel cálcio) e de fluorita (fluoreto de cálcio) em explor~ao.
e certas rochas dáo o bicarbonato ferroso .
Náo é, porém, em tódas as zonas calcárias que se
A dolomitizac;ao dos calcários, a caolinizac;áo e a late- Bncontram obrigatóriamente grutas ou lapas estalactíticas,
rizac;áo sáo fenómenos químicos dessa ac;áo. A.ssim tam- A carstifica~áo ou ciclo cárstico que determina a. forma-
bém as incrustac;oes calcárias váo se formando dando gao de cavernas e cursos d'água subterraneos é subordi-
origem aos tufos e travertinos bem como as estalactitas nada a diversos f atores: qualidade e extensáo dos calcá-
e estalagmitas. rios, espessura das camadas, clima e relévo do terreno .

26 27
· Os calcários constituem, geralmente, rocha · impermeá-
Yel e as águas só podem penetrá-la pelos planos de falha
e diáclases que se tra.n.sformam em coletores da réde
hidrica.
Em conseqüéncia da atividade de fOr<;as orogénicas ou
epirogénicas os calcários, que sáo dotados de grande rigi-
dez e difícil do bramen to, rompem -se em blocos prismáticos
em determinadas dire<;oes cujas rachaduras váo se tornar
OE guias do ciclo cárstico.
Na Paraiba, apesar das intercala~oes de calcários
entre os xistos cristalinos que constituem o arcabouco da OS MINmIOS DA PARAíBA
Borborema ocuparem áreas consideráveis, a inexisténcia
de lapas explica-se: a estabilidade das camadas desde I
milhoes de anos garantiu-lhes a integridade impedindo os Há pouco menos de vinte anos pouco se sabia da
processos de carstificac;áo . mineralogia da Paraiba. Conheciam-se apenas alguns
Em com,pensac;áo, no peneplano da Borborema (Serta.o depósitos de margas calcárias do litoral que animaram a
dos Cariris Velhos) e no alto Serta.o do Piranhas, serrotes primeira tentativa de fabricac;áo de cimento no país, sendo
inteiros, restos residuais de elevac;oes maiores, foram frag- entao montada a usina na ilha do Tiriri que fracassou
n1entados pelos agentes da gliptogénese que ali agem com antes do seu funcionamento; falava-se do ouro da Ca-
violencia e relativa rapidez, constituindo agora amontoa- choeira da Mina do municipio de Princeza Isabel cuja
dos tumultuários de blocos ciclópicos superpostos alguns explora<;áo fóra tentada no tempo do Império para fra-
em equilibrios surpreendentes formando locas por vézes cassar também; o engenheiro Retumba havia assinalado
espa<;osas mas de importancia relativa sobo ponto de vista urna gr.ande jazida de ferro no Ingá; acreditava-se na
da espeleologia. Passaram a ter interésse arqueológico e existéncia de minas de cobre em Picui e dois Relatórios
etnográfico: sao inúmeras as que a presentam in scri~ oes assinados por engenheiros afirmavam a existéncia de
rupestres gravadas ou pintadas como sáo inúmeras as que jazidas carboniferas de hulha em Monteiro no pla.nalto
servirao de cemitérios indígenas pois parece fora de dú- da Borborema .
vida que os Cariris, senhores seculares dessas regioes, pre- A sagacidade do sertanejo, heran<;a principalmente dos
ferissem emparedar os seus mortos do que inumá-los seus ancestrais indígenas, levou-o a descoberta de pedras
na terra. diferentes das comuns pela cór e densidade, revelando a
existencia de minérios úteis e valiosos e, em pouco tempo,
os técnicos consideravam esta vasta regiáo do Nordeste
como zona de grandes possibilidades.
Essa tarefa nos coube em boa parte; se é verdade que
desmentimos a proclamada riqueza das jazidas de cobre
<ie Picui e demonstramos a inexistencia do suposto carva.o
µe Monteiro que se encontraria escandalosamente engas-
tado em f orma<;oes arqueanas no peneplano da Borborema,
também confirmamos a. exi.sténcia de j azidas de magnetta
do Ingá e assinalamos a presen<;a de minérios. de !osfo-

29
2a
rita, de gluclnio, de tungsténio, de bario, de titánio, de Disseminadas em todo o território do sertáo nas pla-
fluor, de aluminio, de magnésio, de 11tio, de vanádio, de nicies e nos vales há f orma~óes aluvionais do pleistoceno.
ta.ntalo, de tórlo e de ura.nio, alguns abundantes e de teor &te o esbO~o sucinto da geologia da Paraiba.
elevado .
Despertado o interésse outros lo~alizaram jazidas de •
ouro, de minérios de estanho, de amianto de grafita e de * •
mica, iniciando-se a seguir a explora~áo mineira por mé-
Sob o ponto de vista de geología económica a Paraíba
todos primitivos e rotineiros e a exportaºáo de toda a tem, no litoral, além das argilas plástica, refratária, es-
produºáo mineral saida a revelia, sem a necessária fisca-
1nética e a que se conhece pelo nome de areia de fundi~áo
liza~ao nem a estatistica do volume e do valor dos miné-
em abundan tes depósitos, caolim e as margas calcárias de
rios exportados .
origem pelágica que possibilitam o desenvolvimento da
indústria do cimento em grande escala, senda interessante
acentuar que os calcários do Gramame, próximos da Ca-
* * pital, constituem importantes reservas, e sáo quase isentos
de magnésia.
Geológicamente, o Estado da Paraiba divide-se de leste Em alguns pontos aflora a fosforita .
para oeste em duas regióes principais: a faixa litoranea Ainda na regiáo do litoral, no vale do rio Mumbaba,
caracterizada pela "Série Barreiras" que inclui a zona a s. O. da Capital do &$tado existe, aproveitada, a fonte
dos tabuleiros, de f ormaºáo terciária com afloramen tos de água mineral Santa Rita, bicarbonatada-sódica com
exparsos de formaºóes cretáceas e a parte restante que regular vazáo.
inclui a Caatinga litoranea, o Brejo o Cariri e o alto Na zona subseqüente, Caatinga litoranea, há grandes
Sertáo do Piranhas, regiáo de rochas cristalinas que váo j azidas de mármore branco e cinzento que váo da Serra
do Arqueano ao Paleozóico e outras duas manchas cre- de Gaspar Alves no Municipio de Itabaiana até Camu-
táceas, a primeira que vai do pé da serra de Teixeira na tanga em Pernambuco.
dire~áo de Gerimum até as proximidades da cidade de A situa~áo desse mármore que se apresenta em pe-
Patos, e a segunda que abrange toda a bacia do rio do dreiras de grande volume, exploráveis a céu aberto com
Peixe. as linhas da R.e de Ferroviária do Nordeste próximas para
Essas rochas cristalinas sáo xistos, gnaisses, granitos, o seu transporte, oferece reais vantag.e ns para a sua
fllitos, etc. Elas foram metamorfoseadas, revolvidas e explora~áo.
esmagadas por grandes fór~as compressoras; sáo freqüen•
temente cortadas por veeiros de quartzo e diques de "A1 em escava~oes feitas para procurar fontes
pegmatitas. Entre os xistos aparecem, por vézes, la.minas d'água, foram encontrados ossos de um anhnal enor-
de arenitos e massas de calcário cristalino. me, por cuja descri~áo pude reconhecer o esqueleto
Na faixa do litoral a camada de rochas sedimentá- do Magaterium.
rias é de arenitos que descansam sobre as rochas primi- Vou expor, tal como fez o proprietário do ter-
tivas subjacentes; superpostas a estas as argilas coradas reno em que se fez a escavaºáo, a narraºáo que me
envolvendo os depósitos de margas calcárias e uma camada f oi confirmada por pessoa fidedigna: as propor~Oes do
.superficial de arela. Em muitos pontos existem abundan- esqueleto eram enormes; as ancas tinham 1,30 m de
tes conglomerados ferruginosos onde o ferro aparece indi- largura (o que excede de muito odia.metro da mesma
vidualizado em Limonita. parte do esqueleto da maior parte dos elefantes); o

30 31
fémur era multo grande, excedendo quase em largura Itabaiana. 1t ·de se lamentar que se estrague material de
a metade do comprimento. táo boa qualidade no fabrico de um produto de valor
O sertanejo que me fez esta descri9áo mostrava-se secundárlo para o qual deveriam ser aproveitados os resi-
muito admirado, e me perguntou com ingenuidade se duos da extra~áo do mármore explorado como produto
eram ésses os cava.los dos Flamengos? ! principal.
Depois de urna demora de dois dias em Camalaú H:á poucos anos, logo no inicio da explora~áo da pri-
segui para Laginha situada a 36 quilómetros do meu meira pedreira aberta, foram enviadas para o Rio de
ponto de partida e cérea 54 da séde do municipio . Janeiro em navio do Lloyd Brasileiro trinta e seis tone-
Agradavelmente recebido pelo honrado proprietá- ladas desse mármore, fornecido em concorrencia para ser
rio Sr. Louren90 de Brito Gouveia que antes de nossa aplicado em revestimento de dependéncia do Teatro Mu-
chegada tinha colecionado um certo número de mi- nicipal, e a Diretoria d.e Obras do Distrito Federal náo
nerais, fui em sua amável companhia percorrer a teve dúvida em aceitá-lo como sendo de Carrara que, como
propriedade em toda sua extensáo . se sabe, fornece um dos rnelhores mármores do mundo .
Ali minha explora~áo foi das mais fructuosas . A Animados pelo sucesso desse fornecimento os conces-
parte NE da f azenda é um terreno composto de grés sionários da pedreira chamaram marmoristas portuguéses
encarnado conglomerado por urna massa ferruginosa ; estabelecidos no Rio de Janeiro para projetar as instala-
em outra parte achei o ferro carbonado com grés de ~0es necessárias para urna explora~áo industrial. Interes-
grá grossa e de schistos argilosos. sados na import~ao de mármores portugueses, acusaram
O primeiro foi por mim considerado pertencente 9. o mármore de Itabaiana de trazer inclusoes de cristais de
terreno permiano, onde encontrei como rocha útil os quartzo que estragariam as serras no amanhamento de
schistos cupricos. placas e· blocos. Essa opiniao aleivosa arrefeceu-lhes o
O segundo, onde encontrei os ferros carbonados, entusiasmo e desd.e entáo o mármore ficou relegado ao
também classifiquei entre os terrenos carboniferos e abandono.
supuz existir nesta parte do municipio de Monteiro • Mais a oeste, no municipio de Ingá, aflora a jazida de
urna imensa mina de Hulha se estendendo sóbre algu- ferro titanado magnético assinalada pelo engenheiro Re-
mas milhas quadradas. tumba, que se prolonga em diversos afloramentos na
Na Laginha encontrei urna amonita Bucklandii, dlrecáo NO - SE.
num terreno composto de schistos marrosos, de grés Na Caatinga litora-nea ao norte, na Serra da Raiz,
micaceo e de argila parda onde descobri e.orno mine- outra fonte de água mineral também bica.rbonatada-só-
rais úteis, o cobre·, a h.ulha seca e o ferro. dica está sendo industrializada.
Num outro terreno achei alguns cristais de cas- E na zona do médio serta.o dos Cariris, que se estende
siterita; essas aluvióes estaniferas encontram-se nos pelo peneplano da Borborema e notadamente nas proxi-
terrenos diluvianos, no meio dos depósitos de trans- midades de sua vertente ocidental, que a riqueza minera-
porte e erráticos. lógica se acentua.
No lugar chamado "Barrocas", distante -3 quiló- A partir do municipio de Poclnhos aparecem ocor-
metros da fa.zenda descobri, nas aluvioes, alguns gra- réncias de Scheelita (minério de tungsténio). No extremo
nitos de ouro e ferro oligisto. " oeste do municipio de Remigio, em Algodáo, vale do Curi-
mataú, comecam os diques de pegmatitos que se estendem
Até o momento, ésse mármore é reduzido a cal; cal até o extremo norte da Borborema na Paraíba. No mu-
de l.ª isenta de magnésia, conhecida pelo nome de cal de nicipio de Taperoá veeiros de Cassiterita (minérlo do

32 33
estanho) animaram a sua explorac;áo como no de Soledacle e no de Cajazeira.s no divisor Paraiba e Ceará grandes ja-
em Juazeirinho. porém, sero possibilidades de desenvolvi- zidas de magnesita (minério de magnésio) .
mento pela PQbreza desses veeiros. Em Soledade, o Espo- Nestas páginas fica esb~ado um roteiro da distribui-
dumeno (minério de Litio) é abundante. No de Sumé ~áo dos minérios em território paraibano. Todos esses
jazidas de apatita (minério de fosfatos) circunscritas a minérios foram assinalados em circunstancias fortuitas;
lentes de reduzida possanc;a foram exploradas e se acharo nunca se fez um estudo sistemático nem se fizeram pes-
praticamente esgotadas. No municipio de Sáo Joáo do quisas no sentido de melhor conhecer as possibilidades
Cariri no distrito de Parari há jazidas de amianto anfil- do subsolo paraibano. Os governos por desidia ou desin-
bólio e de grafita e, no de Monteiro, dentro da cidade urna terés.se nunca se preocuparam com essas questoes e, en-
fonte de água mineral fortemente magnesiana espera quanto cogitam de certa forma de incentivar a produc;áo
aproveitamento. vegetal e a produc;áo animal, a produc;ao mineral ficou
No serta.o dos Cariris, ao Norte, Picuí e Pedra Lavrada relegada ao mais absoluto esquecimento.
sáo os municip·ios mineralogicam.e nte mais ricos; é a Campina Gran.de, centro principal da exporta~áo de
regiáo dos pegmatitos. Neles ocorre o berilo (minériq de minérios, pelo seu desenvolvimento, precisava de assistén-
glucínio), a tantalita (minério de tantalo), a ambligonita cia técnica . O S ervi~o Nacional da Produc;áo Mineral ins-
(minério de litio), o qua.r tzo róseo e a mica sao abundan- talou nessa cidade modernos laboratórios com um corpo de
tes; concomitantemente ocorrem a bismutita e o bismuto técnicos de primeira linha. :&sse servi~o salvaguarda os
metálico a samarskita, a alianita e o policrásio, todos interesses dos compradores; analisa os minérios., padroni-
radioativos. za-os apondo-lhes seu selo de garantía; mas nao orienta
No extremo sudoeste da Borborema, nos municipios o minerador que continua, sem. assistencia, trabalhando
de Teixeira e de Princesa acorre o ouro. por métodos rotineiros, frutos de sua experiencia.
Na zona do sertáo do Piranhas, chamado Alto Sertáo, Consagramos algumas páginas mais a certos minérios
que se estende da vertente ocidental da Borborema até os mais importantes tais como o berilo, a tantalita e os mi-
• nérios radioativos, também sóbre o ouro e a inexistencia
limites do Rio Grande do Norte e do Ceará, alguns muni-
cípio.s oferecem perspectivas dignas de reparo quanto á do carváo de Monteiro e do cobre de Picui com algumas
produ~áo mineral . No de Santa Luzia que se limita com
notas que poderao servir de subsidio para a sua história.
o de Soledade há minérios de uranio e de tório cujas ja-
zidas exigem. estudo urgente e jazidas importantes de
scheelita (minério de tungstenio), fluorita (minério de O CARVAO MINERAL NA PARAiBA
fluor) e de baritita (minério de bário) que poderiam ser
exploradas com vantagem, removidos que fossem certos O Dicionário Geográfico das Minas do Brasil, de Fran-
gravames que pesam sóbre a explora~áo, oriundos prin- cisco Ignácio Ferreira, edic;áo da Imprensa Nacional de
cipalmente do pre~o elevado dos transportes. 1885, descrevendo as jazidas minerais da Provincia da
Em Piancó, no distrito de Itajubatiba, o ouro existe Paraiba do Norte diz:
ainda com relativa abundancia.
No extremo oeste, em Ante.n.o r Navarro, há urna fonte "Arelas - No municipio da cidade déste nome
rádioativa aproveitada; é a fonte termal e radioativa de existem minas de carv'á o de p·e dra e ferro segundo
Brejo das Feiras; em Uiraúna no lugar Poc;o d'Antas há afirma~Ao do engenheiro Joao Jacques Brunet, quando
um afloramento promissor de galena (minério de chumbo) encarregado de explorac;oes pela Provincia".

34 35
o mesmo Dicionário transcreve adiante o trecho se- Como já disse em come~o náo devo, por ora esten-
guinte de Paulo J osé de Oliveira - flt1:emória anexa ao Re- der-me sobre o assunto . Fará ele o objeto quase espe-
latório do Ministério da Agricultura: cial de um relatório . Todavía cabe-me o indizivel
prazer comunicar a V. Excia. que é essa Provincia
"Ca.r váo e ferro - Segundo o francés Joáo J ac- riquíssima em minérios de quase tódas as espécies.
ques Brunet que em algum tempo esteve fazendo ex- Tenho encontrado ferro sob diferentes aspectos
plora~oes no interior da Provincia da Parahyba, exis- e em quantidade inv,encivel; abunda, sobretudo o ferro
tem no municipio de Areias minas de carváo e ferro magnético, de qualidade superior ao da Suécia, Ilha
e, igualmente em sitios prqximos a villa de Campina d'Elba, etc.
Grande minas destes último. N'os municipios de Souza Até aqui pouco ouro tenho visto e ainda assim em
e Cabaceiras se tem encontrado igualmente minas de um único lugar; todavia segundo as ótimas informa-
ferro" . ~oes que tenho colhido há esperangas de encontrar
para cima, minas abundantes. (O Relatório é de
Completa a noticia do carváo no municipio de Areia a Pom.bal) .
seguinte nota de Ladislau Netto numa memória sóbre os
mlnérios combustiveis do Brasil: Há igualmente na Província Oa.rvao de pedra bem
que a sua qualidade ~ quantidade est ejam sujeitas a
"O Museu Nacional possui amostras de antraclto discussáo. O alumínio abunda consideravelmente .
vindas das terras de Manuel José da Silva perto da Também tenho feito descobertas de chumbo. Re-
f erem-se a existencia de prata mas eu náo a encon-
mesma cidade. &se combustível é superficialmente
explorado e aproveltado pelo seu proprietárlo". trei; mostraram-me, é verdade, um peda~o désse me-
tal, mas averiguando o caso, soube-se provir de outra
Alnda no mesmo Diclonário aparece a seguinte nota Provincia.
sobre carvao de pedra na Paraíba: Encont.ram-se, igualmente marnes cretáceos, pe-
dras de cal, fuzil, pedras finas etc.".
"- Cabaceiras - Nos subúrbios da Vila existem
minas de fe·r ro e imá e no lugar "Pedrinhas" outra Mierece transcriQáo a primeira parte do Relatório da
d~ste metal. explora~áo das minas do municipio de Monteiro e estudo
Um naturalista que andou viajando pela Provin- sóbre a agricultura e a indústria apresentado pelo enge-
cia denunciou a existéncia de ouro, carvao de pedra nheiro Jules Destord ao Presidente da Provincia, Dr. An-
e enxofre em vários pontos do municipio" . tonio Alfredo da Gama e Mello.,_ parte esta referente a
Geologia e Mineralogia désse municipio:
Do Relatório que o engenheiro de Minas, Francisco
Soares da Silva Retumba, dirigiu ao Presidente da Pro- " Tenho na minha recente explora~áo visitado mul
vincia, Dr. Antonio Herculano de Souza Bandeira, em rapidamente NE, NNE e NNO o municipio de Mon-
agOsto de 1866, transcrevo a parte que se refere a mine- teiro náo havia no meu precedente Relatório falado
ra.logia da Paraíba: senáo resumidamente dessa rica part e do municipio ,
de Mon teiro .
"- Resta a última parte do oficio de V. Excla. A.ssim, em 15 de setembro, partí para fazer um
Quais as riquezas minerals que consta abundarem na estudo completo das zonas supra mencionadas . O prl-
Provincia? meiro lugar a que fui foi a fazenda "Paraguai" situa-

36 37
" da a 24 quilOmetros a E da vila de Monteiro. Ela se O riacho que ai nasce carrega enorme quantidade
acha situada sobre um terreno de transigao que supus de ametistas .
ser anterior ao carbonífero; os rochedos sáo todos No riacho dos Pinhóes, tendo explorado a sua em-
compostos de calcários semi-cristalizados; encontrei bocadura encontrei urna arela de origem quartzoza
também numerosas rochas arenosas, argilosas e schis- com algumas palhetas de ouro, algun.s pedagos de
tosas, em vista do que classifiquei o terreno no número ferro oligisto e de m.anganés em rim.
dos terr-enos silurianos e achei minérios úteis como o A Laginha é urna magnífica propriedade cheia de
ferro, o cobre e alguns raros minérios de chumbo prosperidade, cujo dono, cidadáo hospitaleiro, se pós
misturado com cobre em grande proporc;ao . Os miné- a minha disposigáo corajosamente ajudou-me comen-
rios de ferro sáo os mais abundantes e também os tusiasmo no curso dessas explorac;oes, informando-me
que encerram a maior quantldade de metal: cerca de com a mais minuciosa exatidáo.
60 a 65% pelo menos. Deixando Laginha fui visitar a fazenda dos Pi-
O terreno é geralmente plano e levemente ondu- nhoes. Aí dirigí-me ao lugar denominado Malacaxeta
lado ao Norte . em razao da enorme quantidade de mica branca que
nesse terreno se acha misturada com os schistos e
A fazenda Par-aguai que é a mais impor ta nte do com grés.
municipio de Alagoas do Monteiro, acha-se em com- Os schistos aluminíferos e calcaríferos se encon-
pleto estado de progresso grac;as a viva impulsáo que trara em abundancia e os oarvoes secos e o ferro oli-
lhe é imprimida pelo seu inteligente e distinto pro- gisto ali se encontram em grande quantidade. É desta
prietário.
parte do Municipio que f oram extraídos os carvoes de
Saindo dai, pus-me a caminho para visitar Cama ·- que tenho remetido algumas amostras a S. Exa. o
laú é urna povoac;áo que dista 62 quilómetros a NE .
Camalaú é urna povoac;áo recentemente fundada pelo
zelo patriótico do Rev. Costa Ramos, que se acha hoj e
- Sr. Dr. Presidente do Estado.
'
Os carvoes sáo secos# queimarn como a antracita,
sem fumac;a, e sem cheiro betuminoso, deixando pela
em via de completa prosperidade; o comércio é muito ca rbonizac;áo um residuo com 75 a 80% de cobre pul-
animado e os habitantes se bem que cruelmente opri - verulento .
midos pela terrivel seca que aniquila o sertáo ainda ... A propriedade Pinhoes é um território que me-
náo emigraram senáo em número multo restrito. rece maior atenc;áo do mundo industrial.
O terreno é quaternário; os blocos erráticos com- Na manhá do sábado, 24 de setembro, segui para
poem a rnaior parte dos rochedos, e as principais ro- Sao Tomé que é a povoac;áo mais importante do mu-
chas que formam os terrenos, sáo os depósitos de nicipio.
transportes, os dtluVium encarnando as aluvioes an- Estabelecido ao pé de urna elevagáo que domina
tigas . imensa planicie acha-se admiravelmente situada go-
Antes de chegar a Camalaú encontrei uma gran- zando de magnifico panorama.
de lagoa atualmente dessecada onde supus existir urna Essa povoac;áo parece ser destinada a um grande
imensa j azida de turfa . futuro sendo edificada no ponto mais próximo das
A única beta metálica por mim encontrada fol minas de ca.r váo de pedra de Monteiro, será certa-
ferro; também assinalarei a aparic;áo de alguns gráos mente num tempo próximo urna cidade importante.
de ouro que f oram achados no leito dos riachos que Sáo Tomé se acha a 60 quilometros NNE da vila
atravessam esses terrenos. de Monteiro . O terreno é Mioceno onde se encontram

38 39
na sua forma~áo calcários, argilas, grés e conglome- e cristal de rocha, mas náo se pode alnda ·j ulgar do
rados ofiólicos, no meio dos quais achei fragmentos valor dessas jazidas, pois os estudos até agora feltos
de urna árvore que sem dúvida pertenceu a fa milia sa.o deficientes e só depois de urna pequena instalac;ao
das Conif eras. de explora~ao se poderá j ulgar da poténcia das ja-
As rochas de minerais úteis que aí descobri foran1 zidas.
pedras de cal, fontes de água salgada, cuprífera e Pelo estudo que fiz do terreno e pela sua for-
arsenicais, tais como existem no "ólho d'água do m~ao geológica presumo que toda a bacia do Paratba
Cunha"; suspeitei a existencia de gra ndes camadas seja muito rica em mineralogía.
de httlha e linhito nesses terrenos onde algumas ro- Para o Rio de Janeiro remetí as amostras que
chas carboníferas se mostram na superficie terrestre pude colher e um Relatório minucioso de tudo o que
acompanhadas de schistos micáceos. vi e estudei; nesse Relatório insisto com os referidos
Depois de urna estadia um pouco prolongada pros- capitalistas para ma.ndarem fazer a instalac;ao para
segui a minha. viagem em dire~ao a "Prata", povoa- estudos regulares e profundos .
~ao que se acha a :36 quilómetros a NNO da vila de Desse Relatório tenho urna cópia assim como a
Monteiro . O terreno é siluriano; composto de · calcá- planta de tóda a bacía do Para.iba que levantei, que
rios, argila e grés, .schistos, feldspáticos, pedra de pe~o permissao para oportunamente oferecer a vossa
amolar em grande quantidade. O minério de chumbo Excelencia .
constituí urna imensa beta". Pelo estudo que fiz, se bem que rápido, pude veri-
ficar a existéncia. de muitas inexatidóes na carta desse
O engenheiro civil Paulino Lopes da Cruz confirmou · ~tado e do Pernambuco relativamente as posic;óes
as observaºóes do engenheiro Jules Destord conforme se geográficas d'alguns lugares.
vé da carta que dirigiu ao Presidente do Estado e que vat Pe.ssoalmente poderei prestar a V. Excia., mais
transcrita: amplas informac;oes, para o que desde já me ponho
inteiramente as suas ordens.
"Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Gama e :Mlelo : Desej ando a V. Excia, o gózo da mais perfeita
saúde, rogo que aceite os protestos de minha mais alta
Tendo sido encaxregado no Rio de Janeiro por estima e co.nsidera~ao e pec;o permissao para assi-
alguns capitalistas de verificar a exatidao das infor- nar-me.
ma~oes publicadas pelo Sr. Jules Destord, relativa- De V. Excia., Atto. Ven.dor Cro. Obr.º (a) Ba-
mente as jazidas mineralógicas do municipio de Lagoa charel Paulino Lopes da Cruz -- Engenheiro Civil".
de Monteiro désse Estado, era de meu dever antes de
iniciar tal verifica~ao, ir a essa Capital receber as O Relatório enviado por esse engenheiro aos capita-
ordens de V. Excia., para o que trouxe do Rio as in- listas do Rio de Janeiro, que o tinham incumbido de veri-
clusas cartas de apresenta~áo para V. Excia. ; mas, ficar as descobertas de Jules Destord, era dirigido ao
residindo nesta cida.de (Caruaru), lugar mais próximo Comendador Carlos Wigg. É um documento longo e cir-
do Monteiro, resolvi ir primeiro executar as ordens <!un.stanciado do qual transcreverei apenas os trechos que
que recebi, impondo-me logo o dever de prestar tam- se referem ao carváo mineral. Néle f azia considerac;ao
bém a V. Excia., contas do resultado do meu traba- 8óbre a necessidade da construc;áo de um ramal da Estra-
lho. Sao com efeito exatas as informa~óes do Sr. Des- da de Ferro ligando Sao Tomé ao pórto de embarque,
tord quanto a existencia das ja.zidas de carváo, cobre descendo o vale do Paraiba, passando por Campina Gran-

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de para onde poderia ser prolongada a Estrada de Ferro "Cabe~a de porco ", "Limpo Branco" e "Garapas" com
Cond'Eu que tinha tráfego até Mulungu. largura aproximada de 6 quilómetros.
F.sse ramal ferroviário servirla para o transporte qua.- Para o lado do poente daqueles pontos, assim como
se exclusivo do carváo cujas jazidas se estenderiam até a.o Sul de "San ta Clara" náo encon trei vestigios da
Sáo To1né . jazida; sendo de presumir que o riacho Sant'Ana mar-
Diz o Relatório: que o extremo Sul da veia, e aqueles citados pontos
determinem a linha extrema ao poen te.
"É em "Cacimba de Cima" que passa a veía de As amostras que váo sóltas provém de urna pedra
carváo: pelo lado de SE apresen ta-se a veia em que encontrei em Zabelé a 0,50 c/ m da superficie do
"Santa Clara", na margem esquerda do riacho Sant' solo; essa pedra pesava mais de 100 quilos .
Ana seguindo para NE para "Zabelé ", na serra do As amostras de n.o 23 f oram destacadas das
Fogo atravessa a estrada de rodagem no quilómetro rochas; chamo a vossa aten~ao para a forma cristali-
9, a.presenta-se em "C·a cimba de Cima", no serrote na, brilho e dureza que apresentam éstes carvoes.
das CabaQas . Corta de novo a estrada de rodagem a Náo tenho podido f azer grandes excavagóes e nem
3 quilómetros de "Monteiro" e segue, conservando a dispondo de meios para sondagens, só posso julgar cta
n1esma diregáo até "Sáo Tomé''. importánca dessa jazida pelo vestigios aparentes, e
Foi-me fácil acompanhar a direQáo da vela por- por eles estou inclinado a acreditar na existencia de
que nos pontos acima ditados a rocha que ·contém o urna enorme camada de combustíveis mineraes .
carváo apre.senta-se a descoberto, e nos pontos inter- Se bem que as amostras colhidas até hoj e tenham
mediários encontram-se fragmentos da mesma rocha, .sido sómente de anthracito e de linhito é de supór
amostra n.o 21, espalhados pelo solo em mistura com que nas camadas ma.is profundas se encontre a hu·l ha.
o minério, amostra n.º 22, que é o carbonato de ferro Como sabeis considera-se como anthracito todos
apathico e lithoide . O ferro carbonatado lithoide mais os combustíveis mineraes que nao dáo coke.
conhecido pelo nome de ferro carbonatado das minas O anthracito é empregado como combustível sem-
de carvao de pedra, se acha principalmente nos ter- pre que se tem necessidade de um fogo violento por-
renos de grés carbonífero e existe nos terrenos car- que ele só queima em grande massa., po1s a auséncia
boniferos calcáreos. Formam ora camadas delgadas do betume e sua forte densidade o tornam muito difí-
bem regulares ora veias disseminadas de hulha; é cil de acender.
compacto pardo e muitas vezes penetrado de argila O linhito encontrado em "Monteiro" pertence
bituminosa e de hulha, contém fosfato de cal e de como podeis ver pelas amostras, a variedade com-
ferro, pirita e algumas vezes blenda, minério de zinco. pacta, negro e brilhante que serve para o fabrico de
O ferro apathico existe nos terrenos de transi~ao, é objetos de ornamento.
branco amarelado e cristalino em prismas romboedros; A amostra que vos remeto representa parte da
contém sempre manganez" . caule de urna palmeira".
E assim, o Relatório continua minucioso dizendo Mais tarde vinha a Paraíba o engenheíro prospector
adiante a propósito do carváo: Victor Khomenacker n urna excursáo geológica a Alagoa
de Monteiro, entusiasmado pelos Relatórios dos engenhei-
"Em "Santa Clara"' "ZabelA"
~ '
"Cacimba de Cima'' ros Jules Destord e Paulino Lopes da Cruz, publicados no
e "Monteiro" estende-se a veia para o .nascente até Almanaque da Paraiba de 1899, nos qua.is proclamavam a

42 43
"' presenc;a de pedras e metais preciosos e !mensa j azida de. dan.tes na regiáo pesquisada, e cuja forma com as estrias
carváo de pedra nesse municipio paraibano. características nas faces dos prismas iludiram os seus
O Relatório do primeiro, feito numa linguagem ingénua achadores que as confundiram com fragmentos de tron-
em que fica patenteada a completa ignora.ncia do auto; cos de palm·e ira ! Se as tivessem levado ao fogo teriam
em matéria de geologia e mineralogia e o do segundo con- verificado logo, além de outros caracteristicos, o principal:
firmando os erros do primeiro, este porém num estilo pre- que náo havia possibiUdade de combustáo.
tensamente técnico de quem se quer mostrar senhor do Quanto a geologia da reg1ao os dois relatórios que
a.~u.nto, conseguiram criar o tabú da existéncia de rique- aqui transcrevemos dizem tantas heresias que váo sem
zas mineralógicas que só existiam na imaginac;áo de comentários.
ambos, mas que ficou perpetuado nas publicac;oes oficiais A Paraiba de modo geral está incluida na regiáo gneis-
daquele tempo até os nossos dias . sica do Nordeste oriental Brasileiro . O complexo crista-
P~se o grande mal dessas publicac;oes, le-vianas e sen1 lino que constitui o macic;o da Borborema pertence a era
caráter científico, geralmente feitas para agradar aos arqueozóica. Monteiro está implantado no peneplano da
chefes de governo que de boa fé financiam os seus a utores. Borborema; os seus terrenos sáo portanto de uma idade
O Relatório de Víctor Kromenacker, muito mais téc- que exclui as possibilidades de qualquer carvao .
nico e imparcial, consigna, preliminarmente, um estudo Mas, a influéncia maléfica dessas narrativas ainda
das rochas e dos terrenos da regiáo . Na sua inspec;ao se perdura; Mensagens, Relatórios e livros- didáticos ainda
lhe deparou um.a ocorrencia dos minérios citados pelos se referem as riquezas mineralógicas assinaladas por Jean
seus antecessores e muito menos de carváo mineral. Jacques Brunet, Jules Destord, Lopes da Cruz e seus
Percorreu todos os sitios assinalados por Jules D·e stord continuadores.
e Paulino Lopes da Cruz sem poder confirmar a riqueza
mineralógica assinalada por éles frisando no seu Relatório: OURO NA PARAfBA

"Apesar de nossa boa vontade de ser útil a todos A noticia de ocorréncias de ouro na. Paraiba data de
a nossa primeira obrigac;áo é de ser imparcial e de-' longo tempo. Beaurepaire Rohan na sua "Chorogra.phta
vemos reconhecer em consciéncia que tódas essas da Paraiba do Nortett diz ter visto no Rio de Janeiro a
riquezas mineralógicas de cristaes de cores diversas cópia de um documento que relata a descoberta. dé.sse
de gemas preciosas e de carváo de pedra, de carbo-' metal em 1766 no lugar Aguiar, térmo de Piancó, segundo
nato de ferro spathico e lithoide, sOmente existiam na participac;ao feita pelo Capitao daquele té-rmo ao Gover •
imaginac;áo inventiva do auctor do Relatório, que Por nador JerOnimo José de Castro, e déste ao Ministro Fran-
es~ ou aquela razáo que náo procuramos descobrir, cisco Xavier de Mendonc;a Furtado, em oficio de 8 de
qu1z atrahir sóbre "Alagoa do Monteiro", um interes- j ulho do mesmo ano.
se mineralógico que nada vem comprovar". Diz Coriolano de Mede1ros no seu "Dicionárto Coro-
gráfico do Estado da Paraiba" que o ouro da Cachoeira do
Ninguém soube, na Paraiba, o resultado do exame das municipio de Piancó (mais tarde denominada Cachoelra
amostras enviadas ao Río de Janeiro pelo engenheiro da Mina) era j á conhecido dos portuguéses de Pernam-
Paulino Lopes da Cruz que, examinadas, deviam ter dado buco e, principalmente, dos holandéses.
resultados negativos. Como Víctor Kromenacker frisa no A Cachoeira da Mina está situada no rio Plancozinho
seu relatório, o carvao de pedra de Monteiro náo passava que nasce nas vertentes da serrada Babea Verde nos limi-
de prismas de afrisita, ou sej am, turmalinas negras, abun- tes da Paratba com Pernambuco no municipio de Princesa

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.. Isabel, aproximadamente a 25 km de suas nascentes , no "A rocha matriz dos filoes é um quartzo grosseiro,
i>onto onde ela corta a serra do Frade que, daí por diante branca, quase opaco, contendo pequenas quantidades
em diregáo a oeste, passa a denominar-se Serra. da Mina.' de arsenetos e sulfatos de ferro, sulfato de cobre,
O rio Piancozinho é um dos formadores do rio das Bruxa.s, chumbo e zinco; a maior parte das galenas contém
afluente da margem direita do Piancó que o é por sua vez a.ntimónio. A variedade de minérios resultantes da
do Piranhas . decomposigáo desse produto é muito numerosa: carbo-
Em 31. de maio de 1864 José Jacomo Tasso adquiriu nato de zinco, carbonato e cloro-fosfato de chumbo,
da Sesmar1a da Cachoeira 36 datas de terras, concedidas arseniato e carbonato de cobre, óxidos de antimonio
pelo Decreto n.o 2. 444 de julho de 1859. e enxófre nativo que sáo comuns em alguns filoes;
Das exploragoes ali feítas, especialmente nas encostas os sulfatos de cobre, sulfato e croma.to de chumbo sao
d~ estreito vale e no leito do próprio rio até o lugar deno- mais raros. O Ouro nativo, em pequena quantidade,
minado Apertado das Cacimbas numa distancia de 37.500 está distribuido em .q uase todos os filoes, e em "Boa
palmos conforme.- diz Paulo José de Oliveira (:M;emória Esperan~a"~ nos veeiros, encontram-se graos de
anexa do Relatório do Ministério da Agricultura), foram platina".
descobertos sete veeiros distintos que receberam os nomes
de "Descobridora ", "Lima", "Azougue", "Xique-Xique" ~ Depois de José Jacomo Tasso e seus companheiros
''Boa Esperanga" e "Revira". terem abandonado a mina da Cachoeira, esteve ali um
francés chamado Champignon que iniciou a abertura de
O concessionário, José Jacomo Tasso, confessa va en- nova galeria próxima do filáo "Azougue", galería conheci-
tretanto serem grandes as dificuldades a vencer para da até hoje pelo nome de "Buraco do Champignon" .
lavrar as terras daquela localidade devido a falta d'água ~sse francés, dizem, descobriu, além do ouro, água no
que era preciso ir buscar a duas ou tres m·i lhas de dis- local e solicitou ao governador de entao, Desembargador
tancia . Propunha-se entáo a ir a Inglaterra para organizar José Peregrino de Araújo, permissáo para continuar as
urna Companhia para explorar as minas. lavra,s o que náo foi possível devido ao protesto dos her-
Em 1860 a Companhia foi incorporada em Londres deiros de José Jacomo Tasso.
com a denomin~áo de "Tasso Brazilian Gold Mining De 1902 a 1903 novas tentativas foram feitas nas pro-·
Company (Limited) ", com o objetivo de explorar as minas ximidacles do filao "Revira" pelos belgas Fernand e Adol-
de ouro da Paraíba e de Pernambuco. phe van der Brule dando o nome de "Ivonne" ao local
Nesse mesmo ano veio da Inglaterra urna expedi(!áo trabalhado .
da qual fazia parte o engenheiro de minas E. Williamson. O Dr. Luciano Jacques de Moraes, quando geólogo da
Essa expedigáo desembarcou no Rio Grande do Norte, "Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas", esteve na
passando por Agu, conseguindo alcangar a Cachoeira da Cachoeira da Mina estudando-a bem como as suas pos-
Mina em penosa viagem a cavalo. Empresa de capital .sibilidades, consignando os seus estudos no seu livro
1eduzido, Iutando com dificuldades de tóda espécie, entre ''Serras e Montanhas do Nordeste" e classificou as rochas
as quais avultavam como principais a pobreza dos veeiros, da regiáo como:
2, precariedade dos meios de transporte e a falta de ga-
rantías pessoais, viu-se forgada a paralisar os seus tra- "gneis e phyllitos atravessados por apófises de
balhos no meio da mineragao. rochas plutónicas, sienitas e granitos.
Os veios auríferos encerrados nessas rochas em
O engenheiro E. Williamson descreveu minuciosa- dire~oes concordantes sao muito numerosos e apare-
mente as forma~oes auríferas da Cachoeira da Mina: cem como massas lenticulares e irregulares".

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O Dr. Luciano Jacques de Moraes obteve diversas pe- zado, produzia maior quantidade de ouro do que tinha sido
pitas de ouro bateiando as aluvioes de "Cauassú'', "Re- extraído pela turma pioneira .
vira" e "Aºude Quebrado", nas proximidades da Cachoei- A explorac;áo havia subido o curso dos riachos for-
ra e do rio das Bruxas, porém .n unca se lhe deparou indi- 1nadores do Máe d'Agua até as suas cabeceiras na espe-
cio de platina . ranga de encontrar os filo es. Foram assim revol vidos os
Em principios de 1939 percorremos toda a antiga Ieitos do riacho Maracajá como principal e seus forma-
concessáo do Tasso, desde a Cachoeira até o Apertado das dores Sibio, Sáo Braz e outros sem denomina<;áo da mar.-
Cacimbas, informando-nos o nosso guia, morador no gem direita e Santa Tereza do Guida, da Lagoa do Rodrigo
"Bom-Será" próximo da Cachoeira que, em época recente, e Santo Aleixo da margem esquerda, nascendo éstes no
extraíra ouro do leito do Piancozinho com muito trabalho divisor que limita a Pa.raíba com Pernambuco. .
e pou~o rendimento. Estudando esses córregos, ,em rápido trabalho de pros-
Apesar da pobreza dos veeiros, em data recente, um pecgáo no de Santa Tereza em. veios de quartzo leitoso
novo aventureiro atreveu-se, a custa de enormes sacrifí- encontramos incrustaº.Cies de ouro indicando a existencia
cios e trabalho ingente, a enfrentar nova explorac;áo na de filáo aurifero.
cachoeira da Mina, ced.endo a fasctnac;áo da lenda do seu No mesmo municipio de Teixeira entre Teixeira e
ouro cuja existencia avulta-se n.a imaginac;áo fantasista Desterro no lugar Catolé, assistimos a extragáo de ouro,
do povo. se bem que escasso, na aluviáo dos córregos que descem
Fala.v a-se também com insisténcia de minas de ouro da serra dos Cariris Velllos.
no municipio de Teixeira, A tradic;áo conta que um certo A falta d'água e o empobrecimento progressivo da
ourives morador na sede désse municipio náo comprava aluviáo aurífera de Teixeira paralisaram a miner~áo po:r
o ouro necessário para os seus trabalhos; quando os tinha volta de 1943.
partia a cavalo transpondo serras, desaparecendo coro O mun.iciplo de Piancó limita-se ao norte com os de
rumo ignorado e voltava trazendo sempre a quantidade Malta e Pombal e pela serra do Melado que se estende na.
necessária do precioso metal. direc;áo leste-oeste. Na extremidade oriental dessa serra,
Aventureiros animados pelo prec;o alcanc;ado pelo ouro no distrito de Catingueira, esgalham-se diversos contra-
e
nestes últimos tempos entraram em campo náo tardou fortes; um desses contrafortes é a serra do Doido onde em
que a sua presenc;a fósse assinalada ~m quantidade apre- tempos idos um desconhecido palmilhou-a em todos os sen-
ciável n.a aluviáo do rio Máe d'Agua. próxima ao povoado tidos, pesquisando ouro, certo de que encontraria ali o
do mesmo nome. precioso metal . Dessa aventura proveio o nome da serra
Recebida a principio com pessimismo, a noticia ieve pois os moradores de tóda a redondeza tachavam o desco-
em pouco tempo plena confirma~áo com a venda das pri- nhecido de doido em conseqüencia de sua teimosia e do
meiras partidas de ouro no Recife. seu fracasso .
o número de Falseadores cresceu rapidamente e a N.inguém soube nunca que roteiro ou que estranha
produc;áo de ouro manteve durante meses a média de dois intuigáo levou o "doido" a pesquisar ouro naquelas pa-
quilos por semana. ragens. Na serra náo havia ouro porém o vale, ao pé da
Em meados de 1942 estivemos na zona de minerac;áo; serra, guardava, a pequena profundidade, na sua. aluviáo,
ali se achavam 1. 500 hom.e ns em plena atividade; o tra- ouro a granel que o "doido" pisou e repiSou sem saber
balho, porém, era feito sem a necessária técnica, táo roti- que calcava aos pés verdadeiros teso uros.
neiro e imperfeito que em muitos lugares uma segunda Foi ali que em fins de junho de 1940 José Vitalino,
lavagem orientad.a por nós, apurando o ouro fino despre- morador na f azenda Riacho do Meio, de propriedade de

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Manoel Fernandes de Oliveira, abrindo cavas para subs- Em tres anos extrairam-se ali cinco toneladas de
tituir alguns moiroes da cerca do seu ro~ado notou a pre- ouro em pepitas de todos os tamanhos, tendo urna delas,
sen~a de :fragmentos de metal amarelo misturados com a que esteve em nossas máos, o peso de 1 . 475 gramas!
terra que retirava de urna das cavas. Desconfiado de que O Banco do Brasil, que por lei deveria ter comprado
fósse ouro mostrou o seu achado a dois companheiros tóda a produ~áo, manteve ali um comprador autorizado;
moradores nas mesmas terras, e tendo verificado que eram mas, os compradores clandestinos pagavam mais do que
pepitas, decidiram iniciar a mineraQaO orientados por Vi- o Banco e levara.m a maior parte .
cente Lau, garimpeiro de certa prática que, tendo esgotado A aluviáo de Sao Vicente náo está esgotada; porém os
o seu lote em Teixeira, havia descido a serra e fixado resi- trabalhos de minera~áo foram paralisados em vlrtude,
dencia no municipio de Piancó. dizem, de questáo litigiosa entre condóminos dos terrenos
Cientificado o dono da terra, obtiveram permissao para auríferos.
De tudo isso ficou apenas para o Estado urna povoa-
trabalhar. As pepitas acumulavam-se abundantes nos
~áo que surgiu e se desenvolveu em ritmo táo acelerado,
"pioes" das bateias; h a via ouro a granel! que em 1945 foi elevada a categoría de vila com o nome
A noticia correu célere. Aventureiros de todos os de Itajubatiba ou sej a. abund~ncia de metal amarelo, boje
Estados e de todos os ma.tizes aflu1ram para o Ga rimpc distrito do m unicípio de Piancó.
d e Sáo Vicente, primeiro nome dado a lavra aurífera de
catingueira; construiu-se ali um barraca.o, h abita<;ao cole-
tiva dos primeiros faiscadores. Pouco tempo depois cérea O COBRE DE PEDRA BRANCA
de tres mil h abita<;oes abrigavam ma is de oito mil pes-
soas . A aluviao continua.va a revelar-se prodigiosamen te As primeiras ocorrencias de minérios de cobre em
rica· dividido o terreno em lotes de poucos metros qua- Picui foram assinaladas pelo engenheiro Joseph Gom.e s
drac:Íos, houve lotes que enriqueceram os seus "posseiros" Neto da E. F. Great Western em Pedra Branca, no distrito
e outros empobreceram na lavra de novos lotes. Er a de Pedra Lavrada, quando procedia a estudos para o pro-
questáo de sorte... A principio havia falt.¡t d'água e o longa.mento d{lS linhas dessa ferrovia naquela regláo, no
dono da terra, do seu aQude em pouco mais de um a.no, correr do ano de 1900.
vendeu mais de 40 . 000 cruzeiros d'água distribuida na Dezoito anos depois fixava residencia em Pedra La-
n1iner~áo em latas e ba.rrilotes pQr centenas de jumen- vrada o Sr. Manoel Francisco Monteiro interessando-se
tos. Porém depois que algun.s mineradores aprofundaram pela j azida proclamada rica, principalmente depois que
seus lotes, 'a.brindo po<;os e galerias a procura de filoes, ali estéve o engenheiro Joaquim Lustosa que fez algumas
a água apareceu no subsolo, abundante, havendo neces- escavac;óes, coletando amostras de minérios cupríferos.
sidade de instalar bombas para poder continuar o tra- Como essas ocorrencias achavam-se di~eminadas
balho . numa área de 12 quilOmetros quadrados investindo para
Os filoes foram encontrados, esta.ndo o ouro incrus- o Rio Grande do Norte, Pedra Branca tornou-se na crenc;a
popular urna j azida imensa de cobre, talvez a maior do
tado em veios de quartzo leitoso.
n1undo.
"Cabarets" e casas de jógo pululavam no garimpo. Em 1920 o geólogo Euzébio de Oliveira e o engenheiro
Acidentes nos po<;os e galerías ceifaram vidas e urna Alpheu Diniz Gon~alves estiveram em Pedra Branca.
grande feira semanal congregava comerciantes de tóda Dessa visita ficou um Relatório do primeiro, e do segundo
espécie. urna conferéncia proferida no Clube de Engenharia do

50 51
Rio de Janeiro repas.sada de enfático entusiasmo e ilustra - damente o nome desses visionários que resolviam facil-
da com um caranguejo de cobre reduzido na forja, fundido mente todos os problemas técnicos que incidiam sobre a
no Río de Janeiro pelos irmáos Gavina e a fotografia de explora~áo. Falavam até do aproveitamento imediato da
um marco simbólico erguido em Pedra Branca, incrusta- cachoeira de Paulo Afonso e da construºáo de ªºudes de
do de fragmentos de minérios de cobre formando mosaico grande capacidade para reduzir os minérios in loco.
rom as córes da bandeira nacional, comemorando o inicio O "Correio da Manhá" do Rio de Janeiro, certo dia,
da emancipaºáo do Brasil em matéria de importaºáo de em substanciosa noticia, anunciava que "sondas possan-
cobre para as suas indústrias! tes estavam perfurando as entranhas da Borborema"
para determinar a possanºa dos depósitos cupriferos de
Luciano Jacques de Moraes, como geólogo da Inspe-
Pedra Branca. O projeto de organizac;áo da Cia. das mi-
toria Federal de Obras Contra as Secas, passou por Pedra
nas de cobre enveredava pela trilha de urna verdadeira
Branca dessa vez sem se deter, e depois em 1937 nos chantagem.
meses de fevereiro, marºº e setembro como geólogo do
Departamento Nacional da Produºªº Mineral, consignan- Con10 conseqüencia dessa ruidosa propaganda veio a
do em circunstanciado Relatório o resultado de suas obser- Paraíba o Sr. Roberto Simonsen, de Sáo Paulo, represen-
vaºoes no local e minucioso estudo sóbre a geología da tando grupos financeiros do Sul, interessados na inversáo
regiáo. de capitais na futura Emprésa.
O Sr. Simonsen, passando pela Capital com destino a
Nas conclusoes do seu Relatório, Luciano Jacques de Pedra Branca, manifestou o desej o de conhecer a nossa
Moraes, homem de ciencia, de autoridade e critério in- opiniáo ao Interventor Ruy Carneiro. No encentro havido
suspeitos, mostrava-se um tanto pessimista. quanto a exis- no P_a lácio do Governo expusemos clara e honestamente
tencia de verdadeira jazida de minérios de cobre, acon- a nossa opiniáo francamente pessimista, acentuando a
selhando que fóssem feítas sondagens até urna ou duas precariedade e escassez das ocorrencias e o seu baixo teor
centenas de metros de profundidade, a.travessando a ca- e, nessas condiºoes, a temeridade da inversáo de capital
mada dos minérios oxidados cujo nivel seria assim deter·· em semelhante empreendimento.
minado, atingindo a camada dos sulfe tos. Essa opiniáo, tornada pública, náo f oi do agrado de
Visitamos duas vezes a regiáo de Pedra Branca; a pri- certas pessoas ligadas diretamente ao Governo e a futura
meira vez em 1936 e a segunda. pouco depois dos estudos empresa; agradou, porém, ao Sr. Simonsen que, após de-
de Luciano Jacques de Moraes, em 1938. Nossa impressáo zn.orada visita a Pedra Branca acompanhado de um téc-
foi a mesma do sábio geólogo patricio com tendencia para nico de sua confianºª' tra.nsmitiu-nos de volta a confir-
mais acentuado pessimismo sobre as possibilidades da su- mac;áo de nossas advertencias e os seus agradecimentos,
posta j azida de cobre . desinteressando-se pelo cobre de Picui.
Mas, como as sondagens a maior profundidade acon- Pouco tempo depois o Governo da Paraiba decidiu
selhadas náo tinham sido feitas, continuava o tabu das finalmente, para poder optar entre a opiniáo dos visio-
minas de cobre cuja possanºª' na bóca de leigos, avolu- nários e a dos técnicos sensatos, contratar com a firma
mava-se avanºando do real possivel para o fantástico. Píepmeyer de Kas.sel (Alemanha) os estudos geofísicos
Entrementes iniciava-se a organizaºáo de urna Socie- necessários para o conhecimento e avaliaºáo da jazida.
dade Anónima para a e~loraºáo da mina de cobre e :msses f oram efetivados e o Relatório dos seus técnicos
outros minérios, cuj os incorpora.dores, todos leigos em confirn1ou a inviabilidade da explorac;áo do cobre de
matéria de minas e minérios, comentavam as reservas Picuí.
fabulosas da jazida de Pedra Branca. Calamos proposita-

52 53
() BERILO O glucínio ocupa o 2.º lugar entre os metais mais
leves que a química metalúrgica descobriu nestes últimos
Em 1934 percorremos pela primeira vez a regiao dos 50 anos; apesar de ser 33% mais leve do que o aluminio
pegmatitos no municipio de Picui a fim de examinar aflo- éle dota as ligas em que entra como componente de pro-
ramentos de su.POSto mármore verde, imprestável, diziam, priedades de resisténcia verdadeiramente supreendentes.
por sua extrema dureza. A sua cor é branca e funde a 1 . 400 graus centigrados.
Desmentimos a existencia do mármore e identifica- É empregado na indústria em ligas com o ª"º' cobre, alu-
nios o bertlo que se aprese.ntava por vézes em prisma de minio, ntquel e cromo. Na proporgáo de 2% para 98o/0 de
0,40 cm. de dit\metro. níquel consegue-se urna liga tres vezes mats resistente do
Remeteram-se amostras ao Servi~o de Producáo Mi- que o ~o puro. Como exemplo de sua resistencia basta
~eral cuja análtse revelou elevado teor de glucinio, porém citar que as ligas de bronze fosforado partem-se com
esse precioso minério ficou m-ais ou menos esquecido até 300 . 000 flexoes; as de a~o puro resistem até dois milhoes
a passagem dos técnicos da "Piepmeyer" que prospecta.- e ligas de niquel-glucínio achavam-se ainda em boas con-
ram a área dos minérios cupríferos de Pedra Branca. diftoes depois de terem suportado 15 bilhoes de flexoes.
Divulgada por eles, na Alemanha, a existencia e abun- Ligas de cobre-glucínio também a 2% resistem a tensáo de
dáncia do berilo em Picuí náo tardou o interesse desse 185 . 000 libras por polegada cúbica; assim, urna barra de
pai.s que se preparava em ritmo acelerado para a guerra 1/ 2 polegada de diametro pode suportar um peso de 10
de 1939, incentivando a. sua exploragáo . Compradores •
toneladas .
apareceram ; organizaram-se firmas exportadoras de mi- M,etal dotado de tais propriedades abre novos hori-
11érios em Campina Grande e a exploragáo clandestina zontes para a neometalurgia, com aplica9ao principal-
saindo pelos portos de Natal e do Recife levou de Picui mente na construftáO de aeronaves, náo só porque lhes
para a Alemanha, no ano que antecedeu a grande guerra , diminui o peso, o que importa em grande economia, como,
um volume que excedeu de 40% a produgao mundial de ao mesn10 tempo, dota os motores de maior fOrfta e maior
berilo . resistencia.
Pela lmprensa diária alertamos o Governo mostrando Fica assim demonstrado o valor desse precioso metal
a inconveniencia dessa exportagáo ben1 como a de outros cuj o custo nos Estados Unidos oscilou de 1 . 000 a 5. 000
minérios que seriam nece.ssários, num futuro próximo, dólares por libra-peso. Na Alemanha, fornecedora de 87%
para a nossa indústrta e, principalmente, porque interes- de consumo mundial de glucínio antes da última Grande
sa vam a defesa do país. O Conselho Regional de Geo- Guerra, o seu valor havia descido até 600 marcos-ouro
grafía enviou ao Conselho Nacional as no.ssas adverten- por quilo. Ao mesmo tempo o berilo de Plcui saia da
cias que foram comunicadas a Liga da Defesa Nacional, Paraiba a 300 réis o quilo. Em 1936 as estattsticas acusa-
nias o descaso foi absoluto e a exporta~áo continuou cada vam urna ex.portagáo total de 4.000 quilos no valor dP
vez mats intensificada pela procura crescente desse mi- 2: 000$000 quando na realidade haviam saído 1. 200 tone-
nério . ladas.
Vale esclarecer a.qui as razoes dessa procura . Entrando o Brasil na guerra, dos Estados Unidos vie-
O berilo é o minério do glucínio "o metal que náo ram explorar diretamente o berilo e outros minérios de
cansa" nome que lhe foi dado em virtude de sua extra- Picui; geólogos e técnicos de minera"áo aportaram a
ordinária tenacidade e resistencia e que se encontra na Paraiba fazendo levantamentos, localizando e prospectan-
proporcáo de 11 a 14% no berilo, e em alguns berilos de do j azidas, explorando-as a vontade sem urna fiscaliza~áo
Picui até 16%. eficiente nem assisténcia por parte do Estado e do Go-

54 55
vérno Federal, pelo prec;o que lhes convinha em moeda quase isentas de oxidac;ao e o seu coeficiente de dilatac;ao
brasileira cada vez mais desvalorizada, cuja conversáo em pelo calor é muito menor que o dos ac;os comuns.
US$ mantinha aproximadamente o mesmo prec;o vil pago Durante a última guerra foram reveladas novas apli-
anteriormente pela Alemanha . cac;oes do ta.ntalo na cirurgia plástica, grac;as as suas pro-
Com o advento da energia nuclear o glucínio passou priedades de maleabilidade, inoxibilidade e resistencia.
a ter nova aplicac;áo como antidetonante nas bombas Fabricam-se de tantalos fios finíSsimos e chapas extre-
atómicas. Outras aplicac;óes víráo; o que importa em mamente delgadas e ao mesmo tempo fortes que se pres-
dizer que de dia para dia ele se torna mais precioso e tam aos mais variados empregos nas operac;oes. Náo irrita
útil; nem por isso se impede a sua exportac;áo. os tecidos vivos e, ao contrário do que acontece com
outros corpos ou substancias estranhas dos quais os teci-
dos se afastam, parece que os músculos e os próprios ossos
TANTALITA ligam-se a ésse metal em íntima aderéncia.
Orelhas, narizes, abóbadas palatinas e faces mutila-
Ao mesmo tempo em que o berilo comec;ava a ser explo- das foram restaurados com pec;as de tantalo. Soldados
rado em Picuí, a Tantalita ocorria nas minerac;oes com atingidos de paralisia facial, cuja conseqüéncia desgra-
relativa a.bundftncia. ciosa é trazer a boca sempre aberta e pendente para un1
A Alemanha, compradora de tóda a produc;áo de berilo, dos lados, tiveram esse defeito corrigido por um disposi-
comprava também éste novo rnlnério. Das escavac;oes de tivo de tantalo fixado nos ossos acima da bóca, man-
Pedra Lavrada, principalmente da propriedade TibiriJ tendo o maxilar inferior em sua posic;áo normal. O em-
arrancaram-se blocos de Tantalita pesando mais de 60 prego principal do tantalo, porém, é na restaurac;áo de
quilos . As primeiras partida.e; foram levadas pela expor·· abóbadas cranianas; a maleabilidade do metal permite
tac;ao clandestina e assim centenas de toneladas désse ªº cirurgiáo adaptá-lo a forma e ªº contorno desejado
valioso minério evadiram-se, também a prec;o vil, pois no momento da operac;áo.
enquanto o prec;o na Europa era, para o minério, de 176 t Estas breves considerac;oes evidenciam o valor desse
ouro por tonelada, as firmas compradoras de minérios minério que durante a grande guerra foi drenado para os
pagavam o quilo em Picui a 400 réis! Estados Unidos e continua sendo exportado por prec;os
o tantalo descoberto em 1802 só teve aplicac;áo indus- aparentemente compensadores, enriquecendo intermediá-
trial um século mais tarde; fabricavam-se com éle os fila- rios e empobrecendo o potencial de suas reservas que náo
mentos das lftmpadas elétricas substituidos mais tarde sera.o nunca demasiadas quando o Brasil tiver instalada
pelos filamentos de tungsténio mais económicos embora
e produzindo a sua indústria pesada.
durem menos tempo. É in teressa n te frisar que o teor em tan talo nas tan ta-
A neometalurgia emprega o tantalo na fabricac;áo de li tas paraibanas excede a porcentagem das demais tan-
ac;os especiais em virtude das propriedades que lhe sáo talitas conhecidas .
inerentes. Metal mui dútil e tenaz, altamente refratário
(a sua fusáo dá-se na temperatura de 2. 300 graus centí-
grados), inoxidável em ambiente normal e inatacável :MINERIOS RADIOATIVOS
pelos ácidos. A sua dureza comparável a do diamante faz
com que seja também utilizado na fabricac;áo de escopros, Quando os técnicos da "Piepmeyer" prospectaram a
broca, pontas de perfuratrizes, de sondas e outras ferra- regiáo cuprífera de Pedra Branca no Municipio de Picui,
mentas destinadas a cortar materiais muito duros. As revelaram no seu Relatório publicado na Alemanha a
ligas de ac;o tantalado além de sua elevada resisténcia sáo presenca de helium .

56 57
As emana~oes desse gás podem provir de lenc;óis pe- A entrega do petróleo havia falhado e, como dentro
troliferos ou de minérios radioativos. de um futuro próximo, o petróleo será substituido pela
Excluida a primeira hipótese, porquanto a geologia de energía nuclear com inexcedíveis vantage·n s além de cons--
Picui se opóe a possibilidade de petróleo, restava a se- tituir a mais terrível e eficiente de tódas as armas de
gunda que nao tardou a ser confirmada pela ocorrencia, destrui~ao, era urgente monopolizar esses elementos ca-
nas lavras de Berilo e de Tantalita, de Samarskita (Nio- pazes de impor obediencia e respeito aos povos desarma-
bato de ferro, ura.nio, itrio, cério e érbio), de Allanita dos e garantir, quem sabe, a sua hegemonia..
(silicato anidro de aluminio, cálcio, ferro, cério com lan- Assim, os entreguistas, criminosos de lesa-pátria, exul-
tanio, didimo e manganés), de Polycrásio (titano-niobato tavam saboreando polpudas propinas; pouco importava
de tántalo, cério, lantanio, didimoi érbio, thorio, ura.nio, que, enquanto o Brasil adquiria o seu primeiro reator para
ferro, chumbo e aluminio), e uranita (fosfato de uranio produzir energia atómica, a matéria-prima se evadisse
hidratado) , desde a vertente ocidental da Borborema, cedida criminosamente, sabendo-se embora que os miné-
abrangendo toda a parte do alto Serta.o conhecida pelo rios radioativos sao minérios raros, que as suas reservas
nome de Seridó, nos municipios de Santa Luzia, Sao Ma- sáo conseqüentemente limitadas e, principalmente, porque
1nede, nordeste de Pombal e Catolé do Rocha e munici- poucos países no mundo possuem reservas désses minérios.
pios limítrofes do Rio Grande do Norte. Assim se esgotaram os depósitos de monazita da costa
A principio ésses minérios que ocorriam em quant1 capixaba. levados para a América do Norte como lastro de
dade escassa eram tolerados pelos compradores e pagos navíos mercantes e, por toda parte onde minérios radioa-
pelo rnesmo preQo do Berilo isto é a Rs. 1$400 o quilo. tivos eram assinalados, em Minas Gerais, na Babia, ou
Eram comprados, diziam, náo porque tivessem valor co - llOS Estados do Nordeste, o polvo Yankee estendia os seus
mercial, mas porque tinham sido extraídos e selecionados, tentáculos para levá-los lícita ou clandestinamente ao
somente para ani1nar os mineraaores. Essa aceitac;ao n1esmo tempo em que jornalistas venais proclam.avam que·
constituia assim um ato de generosidade ! a América do Norte nao precisava de urna só gran1a dos
Com o advento da energía nuclear, divulgada a exis- minérios de Thório e de Ura.nio do Brasil!
tencia des.ses minérios nos municipios acima citados, a Entrementes, um grupo de patriotas resolveu afastar
.sua procura foi rapidamente intensificada, incentivada esse perigo. Iniciou-se a campanha; organizou-se um
pelos "Trusts" americanos com a finalidade de ac;ambar- Congresso de Defesa dos Minérios realizado a 9 e 11 de
car todos os elementos capazes de produzir energia ató- j unho de 1956. Esse Congresso de repercussao nacional.
1nica. pela opiniao una.nime de congressistas de vários Estados, ~
Tres organizac;oes, a "Mibra", a "Orquima" e a "Wain- resolveu criar urna Comissao Permanente de Defesa dos
chang" onde militam alguns maus brasileiros, consegui- Minérios e da Economia Nacional com comissoes conge -
ram a custa de subOrno permissao para explorar e ex- 11eres em todos os Estados e Miunicípios e aprovou Reso-
lu~óes sóbre minérios atómicos que irao salvaguardar os
portar minérios radioativos da Paraiba.
• .superiores interésses de nossa Pátria..
Trabalhos de prospecc;áo f oram Iniciados; a "Cruzeiro
do Sul" fez o levantamento aerofotogramétrico de tOda a.
área do Sertáo para facilitar a orientac;ao das pesquisas.
Tudo se justificava sob o pretexto da possível necessidade
de defesa do hemisfério, quando a verdadeira finalidade
era a de constituir o monopólio da produ~ao de energia
atómica por parte da América. do Norte.

58 59
ficavam com as extremidades dos dedos feridas a ponto
de sangrar, e as bateias de a<;o ficavam cobertas de incrus-
tac;5es de cor ama.relo citrino . Disse-nos ainda o dono da
" banqueta" que, em outras minerac;oes do Seridó, repe-
tiam-se os mesmos fa tos.
Explicamos que as incrustac;oes nas bateias seriam
produzidas provavelmente pelos sais de uranio e que as
queimaduras nos dedos eram provocadas pela radioativi-
dade emanada dos minérios de uranio di.sseminados no
terreno.
RADIOATIVIDADE E ALGODAO "MOCó" Sabe-se que os solos moderadamente radioativos e
mesmo os de radi9atividade forte dáo maior vitalidade as
A zona chamada do Seridó c.uj o nome provém do río plantas acelerando o seu ·c rescimento. A radioatividade,
que lhe banha as terras, zona que se estende, na Paraiba, age sóbre as plantas como estimulante da vegetac;áo.
do NW do municipio de Picuí, N de Soledade e Juazeirinho Os efeitos da radioatividade sóbre as plantas foram
até os de Santa Luzia e Sao Mamede e abrange os muni- estudados, na Franc;a, por Chouard, Caraman, Paul Be-
cipios fronteiros do Rio Grande do Norte, embora tenha cquerel e Jacqueline Rousseau; na Itália, por Bevilotti e
os mesmos caracteres geomorfológicos dos municipios do Verducci; na Alemanha, por C. Mayer; nos Estados Uni-
Cariri na parte alta e os do Alto Sertáo na parte baixa. dos, por Wohlbold e Chatters; no Japáo, por Y. Nishima e,
sujeita as mesmas influencias dos fatores ecológicos na :URSS, por Drobkov e Kunasheva.
ctessas zonas, produz o algodáo arbóreo vulgarmente cha- As experléncias de Drobkov comunicadas a Academia
mado algodáo "Mocó'', de qualidade melhor, de fibra mais de Ciencias da URSS, sóbre a influencia dos elementos
longa e resistente do que é produzido fora dessa zona ondB radioativos como o uranio, o rádium, o thorio e o actinio
é também cultivado, alcangando melhores pre~os nos mer- no cultivo das plantas, demonstraram que a a<;áo desses
cados compradores. elementos sóbre as ervilhas produziu um aumento de 100
Essa peculiaridade fez com que se pretendesse fazer a 200% nas colheitas.
do Seridó urna Zona Fisiográfica distinta, destacada das E&sas experiencias continuadas por Drobkov culmi-
Zonas do Cariri e do Alto Sertáo. naram com urna prova clássica sóbre os efeitos dos ele-
Somos de opiniáo que ali interfere um fator impor- mentos radioativos sobre plantas cultivadas; as colheitas
1

tante que passou despercebido até o momento e que, ao do linho, das ervilhas, da alfafa e dos pepinos foram con-
nosso ver, merece estudo e verifica<;áo - a radioatividade sideravelment.e aumentadas, com a form~áo mais nu-
dos terrenos. merosa de sementes e acelera<;áo do amadurecimento .
Esta suposi<;áo originou-se do seguinte fato. Recen- As qualidades de resisténcia, o maior comprimento da
te1nente, voltando de Brejo do Cruz para Santa Luzia, via fibra do algodáo "Mocó" do seridó e a exuberancia dos
Serra Negra do Norte, urna "banqueta" de minerac;áo de algodoeiros náo seráo conseqüéncia da radioatividade dos
scheelita (minério de tungstenio), aquém da fronteira do terrenos?
Rio Grande do Norte, despertou nossa curiosidade. Demo-
nos a. conhecer e o dono da "banqueta" explicou que
estava com seu trabalho paralisado porque os seus operá-
rios, ao cabo de oito ou dez dias de trabalho nas bateias
'

60 61
..
linha de arenitos consolidada por um cimentó calcário
serve de base para as f ormac;0es coraliferas dos recites.
A W d:o macigo central, a partir de sua base, estende-se a
terceira superficie ou planicie do Alto Sertáo que termina
nos limites da Paraiba com o C'e ará, cujas cotas váo de
150 a 300 metros.

ZONA DO LITORAL
AS ZONAS FISIOGRÁFICAS DA PARAíBA
A costa paraibana é acompanhada em quase toda a
sua tensáo pelas elevac;óes da "Série Barreiras" inter-
O preclaro historiador Ireneu Joffily dividiu o terrl- rompidas pelos vales dos rios que desaguam no oceano.
tório do Estado da Paraiba em cinco Zonas Fisiográficas As margens desses rios, próximo dos seus estuários, sáo
distintas: Litoral, Caatinga Litoranea, Brejo, Cariri e Alto pantanosas, cobertas de manguezais.
Sertáo de Piranhas cuj os caracteres dif erem profunda- As "Barreiras ", nos seus alinhamentos, em certos
mente entre si. trechos, avangam terminando em falésias sóbre o mar; em
Faltava urna descrigáo dessas Zonas e a delimitac;áo outros elas se afastam permitindo a formagáo. de praias
de suas áreas. Foi a tarefa que empreendemos por in- arenosas e restingas estreitas de origem quaternária, onde
cumbéncia do C. R. G. se desenvolve escassa vegetagáo de plantas halófilas.
A divisáo de Ireneu Joffily em suas linhas gerais foi Essas "Barreiras" formam o paredáo dos "Tabuleiros"
sábia, suscep~ivel, entretanto, de modificagoes quanto a que se prolongam em dire~áo a W até 30 kms. aproxima-
subdivisáo em Subzonas depois que estudos principal- damente em planicie ondulada com grandes trechos intei-
n1ente de "equipe" evidenciarem a necessidade dessas ramente planos e altitudes que oscilam entre 25 e
subdivisoes. 60 metros.
Constituidas de a~enitos e argilas diversas ca.peadas
Traºando um corte ideal do ~tado da Paraiba na por espessa camada de areia, com afloramentos esparsos
diregáo E - W acompanhando o 7.º paralelo, verificamos de margas calcárias de origem cretácea, f ormagoes todas
que ele nos apresenta trés superficies distintas: a super- sedimentárias que descansam sObre as rochas primitivas
ficie central que corresponde ~o planalto da Borborema subjacentes, ésses "Tabuleiros", que remontam apenas ao
cuja altitude oscila entre 500 e 650 metros acima do nivel pliocénio, integram a zona fisiográfica do litoral.
do mar. A E, partindo do sopé do macigo central, a cha- O clima nesta zona é tropical-úmido; os ventas sáo
mada planicie litorAnea formando um piedmont com 90 a sempre brandos; os ali.seos formadores da massa equato-
110 metros de altitude, descendo em ondulagoes por vézes rial atlantlca que chegam carregados de umidade provo-
acentuadas estende-se até mergulhar no Oceano, prolon- cam precipitagoes distribuidas com relativa regularidade.
gando-se mar adentro, em plataformas sucessivas que, a Segundo Morize, as mon~óes que seguem o litoral da
60 kms da costa aproximadamente, terminam num mer- Bahia de j ulho a dezembro dominando os alíseos sobre o
gulho abrupto, limitando a plataforma continental. Nos litoral também contribuem para essas precipitagóes. De
fundos rasos que acompanham, equidistantes, a orla ma- dezembro a mar~o os aliseos comegam a ser desviados
rítima a pouco menos de 500 m das pralas atuais, urna pelas mon~óes, aparecendo as primeiras chuvas. De mar~o

62 63
a junho ás mongoes marinhas sopram sóbre o litoral com cipais, contribuíam com numerosas espécies nesse revesti-
desvio dos alíseos para o S trazendo chuvas abundantes. mento floristico. De permeio, as Palmeiras Naiá e Macaiba
Mais raramente, quando o deslocamento da faixa de baixa formavam grupos densos e a W dos "Tabuleiros,. aparecia
pressao da massa equatorial acentua-se em diregao s, os o Catolé. Da familia das Cactáceas apenas algumas espé-
alíseos de NE carregados de umidade atingem a Paraíba cies rasteiras nas praias e nas restingas e, nos "Tabulei-
provocando chuvas . Durante o inverno, a invasao de ros", urna única espécie de Melocactus (coroa de frade).
massas polares provenientes do S, incorporando-se aos O Facheiro da restinga de Cabedelo (Cereus squamosus)
alfseos de SE, produzem chuvas com. abaixamente da tem- náo pertence a flora primitiva; veto trazido pelas cheias
peratura; esta oscila entre 32ºC no vera.o a 18ºC no do Paraiba do seu "habitat" o Cariri - e ali adaptou-se,
inverno sem varia~oes bruscas . A média pluviométrica incorporando-se a flora do Litoral.
anual é de 1. 700 mm . Nesta zona, as tempestades com De tóda essa mata já pouco resta; durante quatro
descargas elétricas sao raras. séculos o machado e as queimadas guiados pela incúria e
Os rios que descero da Borborema e desaguam no a ambi{!áo dos donos da terra decretaram o seu completo
Oceano sao, do S para o N, o Paraiba, o Mamenguape e o aniquilamento.
Camaratuba; sáo todos temporários, isto é "apartam" se- ~táo incluídos na Zona do Litoral os municipios da
gundo a qualific~gao dada pelo nordestino, logo que as Capital, Cabedelo, Rio Tinto e parte dos de Mamangua-
chuvas cessam. Há, porém, na zona do litoral outros rios pe, Espirito Santo, Sapé e Pedras de Fogo, perfazendo um
de curso perene, alimentados por inúmeros riachos que total de 3.311 quilómetros quadrados .
nascem nas depressoes dos próprios "Tabuleiros" nos quais
as águas pluviais se infiltram, atravessando as camadas
permeáveis do solo até atingirem as camadas mais com- ZONA DA CAATINGA LITORANEA
pactas do subsolo, indo surdir em fontainhas ou "olhos
d'água" cuja vazao constante garante a perenidade désses Urna ligeira depressáo a W dos "Tabuleiros" marca a
ríos. Sao éles, do S para N, o Abiá, o Garaú, o Gramame, zona de con ta to da "Série Barreiras" com o complexo
o Tapira, que desagua nos mangues da margem esquerda cristalino. A natureza e o aspecto dos terrenos mudam
do Para1ba próximo do seu estuário, o Miriri, o Estiva e bruscamente; afloramentos de gn~es gra"nitos e mica-
o Guaju que marca os limites como Rio Grande do Norte. chistos atestam essa mudanºª ·
Todos os vales irrigados por ésses rios tem o nome local Desse limite até o sopé do macigo da Borborema numa
de "vales úmidos do litoral". distancia de 40 km.s na diregáo E-W a planicie li~ranea
1: óbvio que, favorecidos por esses fatóres climáticos, sobe paulatinamente formando o p:i edmont com ondula-
se tenham desenvolvido ali, principalmente nas depressóes {!Oes acentuadas em certos trechos galgando altitudes de
e nos vales dos "Tabuleiros", núcleos floresta.is de elevado pouco mais de 100 metros no sopé do maci{!o.
porte, formando a mata tropical megatérmica e urna sub- No segundo e último térºo dessa distancia desde o
floresta arbustiva rica de espécies de folhagem perene . municipio de Itabaiana até Tacima no de Ararun~ próximo
Rubiáceas, Bignoniáceas, Apocynáceas, Sapotáceas, Com- dos limites do Río Grande do Norte
bretáceas, Myrtáceas, Lecythidáceas, Gutiferas, Bombá- . ' váo se acentuando
os contrafortes da Borborema em serras e montanhas iso-
ceas, Tiliáceas, Anacardiáceas, Euphorbiáceas, Meliáceas, ladas como a serra Verde no Ingá, a do Boqueirao ~ a
Burseráceas, Simarubáceas, Anonáceas, Lauráceas, Morá- de S. José no Pílar, a do Quirino em Alagoa Grande a do
ceas e Leguminosas cuja familia em outros tempos osten- Jacú em Guarabira e a da Raiz em Cai~ara, citand~ ape-
tava grandes talhoes de Pau-Brasil, ifsso citando as prin- nas as principais .

65
A velha planície litoranea recebeu através de mllenios
volumosa aluviáo provinda da peneplanizaºªº da Borbo- Nos anos de chuvas regulares a média pluviométrica
rema arrastada pela forte caudal dos rios que desciam em náo ultrapassa de 800 mm. A temperatura oscila entre
340 e e 220 c.
torrentes perenes do planalto e que abriram os profun -
dos vales de erosáo que ca racterizam a sua vertente A partir da zona de contat o com a "Série Barreiras"
oriental. a flora modifica-se; torna-se mais pobre de espécies,
Formados em parte pelos elementos oriundos da desa- todas de fólhas decíduas, excetuando urna Rhamnácea -
gregaºáo das rochas do piedmont onde os gneisses, grani- o Juazeiro - que conserva as suas fólhas durante as estia-
gen s. Na inata de alto porte predominam as leguminosas
tos e m1cachistos predominam atravessados por diques de e as Bignomiáceas; a.parece o "Marmeleiro" conquistando
quartzo, parte pela aluviáo que desceu da Borborema, a grandes áreas de terreno urna Cactácea - o Mandacaru
composiºªº dos solos a.presenta-se extremamente variaáa; -- é a bundante e uma Palmácea - o Catolé -- forma
ora sao argilosas de cor geraimente amarelada, ora sao grupos densos de regular extensáo.
silicosas com tódas as combinagoes intermediárias e, n os
Ta l é a Zona Fisiográfica da Caatinga Litoranea cujo
vales onde a sedimentagao de matéria org.á nica foi maior,
sao argilo-humosos. Rá também, em muitos redu tos, 11ome preferimos ao de "Agreste" como querem classifi-
a bundancia de argilas lateríticas e em tóda a regiáo cá.-la modernamente, porque é tradicional e a denominaºáo
de Caatinga que, no Tupi, traduz mata branca ou mata
grandes porgoes d e terreno capeados de blocos e d~ seixos
clara o que corresponde perfeitamente ao "facies" de sua
de quartzo de formas poliédricas de origem aluvial que
va.o sendo lentamente fragmentados por desintegragáo vegetaºáo despida de folhagem, e litoranea porque está
na á rea geográfica do litoral.
térmica.
Da Borborema prolongam-se dois esgalhes em dire<;áo
Nos baixos vales da Caatinga. Litoranea formaram-se a E; o primeiro no divisor Paraíba-Pernambuco, alinha-
várzeas por vezes com superficies consideráveis ligadas ment o oriental da serra dos Cariris-Velhos que toma su-
quase sempre aos mangues do litoral, f ormagoes todas cesssivamente os nomes locais de serra do Oratório, de
quaternárias aproveitadas pela lavoura canavieira. Na Umbuzeiro, do Pirauá e do Manoel de Matos que atinge
Paraiba essas várzeas se estendem, no vale do Paraíba, quase a Zona do Litoral em Gaspar Alves ; o segundo é
de Itabaiana até Santa Rita; no vale do M¡ama.nguape o da serrada Catuama que tem também os nomes locais
desde Itapecirica até Rio Tinto e no vale ao Camara- de Serra Velha e do Bodopitá que termina a E no muni-
tuba desde Camaratuba até Mataraca. Essas planicies cipio de Itabaiana. Entre esses dois esgalhes paralelos
aluvionais sáo todas de terras férteis alagadas periódica- encaixa-se a calha do Para1ba e ao N da serra da C'a tua-
mente pelas grandes cheias dos rios que mantero essa ma desee o río Ingá que deságua no Paraiba, contornando
fertilidade . a extremidade oriental dessa serra no municipio de
Apesar da proximidade do litoral onde o regime de Aroeiras.
chuvas é mais ou menos regular quanto a época e o vo- Subindo os vales desses rios, a Caatinga com todas as
lume das precipitaºoes, nesta zona as chuvas sáo mais suas características sobe também a encosta até a cota
escassas. Transposta a estreita faixa litoranea, os alíseos 400 onde tangencia a Zona do Cariri.
perdem rapidamente parte de sua umidade; as nuvens Integram a Zona da Caatinga Litara.nea os munici·
frag1nentam-se e as precipit~oes antes de atingir o ma- pios de Itabaiana, Pilar, Ingá e parte dos de Cruz do Es-
ci~o da Borborema tornam-se mais r a.ras, caindo e1n pirito Santo, Pedras de Fogo, Sapé, Mamanguape, Guara-
chuvas parciais típicas da regiáo. bira, Cai<;ara, Umbuzeiro, Aroeiras, Alagoa Grande e Cam-
pina Grande num total de 9. 813 quilómetros quadrados.

66
67
ZONA DO BREJO mais suave e moderado; isso porque, fora da área do
brejo, o peneplano conservou o seu aspecto senil sem que
Vencida a encosta oriental da Borborema pelos vales as suas dobras tenham sofrido fraturas, enquanto na Zona
do Paraiba. e do Ingá, ¡¡tinge-se o planalto que se estende do Brejo, ocorreram numerosas, transversais aos dobra-
por pouco mais de 100 kms. na direc;áo E-W e que na di- mentos primitivos dos gneisses e outros chistos cristalinos,
reQáO N-S vai dos limites do Rio Grande do Norte aos fraturas que correspondem aos atuais vales, provocando o
limites de Pernambuco. rejuvenescimento da erosao que féz do Brejo urna regiáo
:e:sse planalto e ons ti tui o "Cariri" ou "Sertáo dos Ca- acentuadamente acidentada.
riris Velhos" que é a regiáo mals seca do Estado da Essa topografia acidentada, que mostra a antiga su-
Paraiba. perficie do peneplano seccionada pelos vales profundos
Do bordo oriental do planalto, do paralelo de Campi- atuais entre os quais se estendem as "chás", evidencia
na Grande ao paralelo de Bananelras, com urna extensáo urna predomina.ncia de altitude sóbre a peneplanicie que
para W de 20 kms. há urna zona de excec;áo climática se estende para W de quase 100 metros, constituindo um
chamada Zona do Brej o cuj o nome se originou da pro- anteparo de retenQáo dos alíseos de SE que ainda chegam
fusáo de mananciais de águas pere.nes que alimentam ali regularmente saturados de umidade.
inúmeros riachos que deságuam nos rios Mamanguape, Tóda a evaporagáo dos vales úmidos do sopé da Bor-
Ara~agi e Camucá. borema envolve também essa regiáo de nevoeiros densos,
.Essa Zona, que incluí parte dos municipios de Cam- mantendo o estado higroscópico da atmosfera sempre ele-
pina Grande, Esperanga, Remígio, Serraría, Bananeiras, vado. Em virtude désses fatores formam-se ali chuvas
Guarabira e a totalldade dos de Serra Redonda, Areia, orográficas e, enquanto a Caatinga atravessa periodos de
Piloes, Alagoa Nova e Pirplrituba, se estende numa super- estiagem ou de chuvas escassas, no Brejo as precipitac;oes
ficie de 1. 940 kms. quadrados apenas, computada nessa sao abundantes e repetem-se com maior freqüéncia .
área a parte inferior da encosta oriental da Borborema O total anual das precipitac;oes, no Brejo, é da ordem
entre Alagoa Grande e Pirplrituba onde ela confina con1 de 1.400 mm.
a Caatinga Litoranea.
Conseqüentemente, a temperatura no Brejo é mais
Os solos do Brej o diferem dos solos das regióes cir- amena do que na parte restante do planalto, da Caatinga
cundantes notadamente do Cariri. Sáo geralmente de cor Litoranea e mesmo do Litoral.
vermelha, oriundos da decomposiQáo de chistos cristalinos,
gneisses e granitos ricos de biotita que em muitos pontos No Litoral a média térmica anual é de 26ºC; na Ca-
sofreram processo de laterizac;áo; na.s encostas, mais sili- atinga Litoránea é de 2'8ºC e no Brejo apenas de 21,5oC.
cosos, sáo de cór mais clara; nas várzeas, geralmente Na Zona do Brejo desenvolveu-se também urna flo-
estreitas, sao de cór escura, argilo-humosas, silico-humo- resta rica de espécies de elevado porte, na qual quase
sos ou de massape. tódas as fam1li&.s que constituiam a mata atla.ntica
No reduto do Brejo o planalto perdeu o seu caráter tinham representantes. A Palmeira Naiá, abundante nos
de peneplano, sulcado pelos ríos que formaram vales de vales do litoral, constitul grandes grupos e também a Ma-
erosáo encaixados nos bordos e na escarpa da Borborema caiba disseminada nos vales e nas "chás" .
em cujas elevagoes persiste o nível geral do planalto com Favorecida pela umidade constante dessa mata alta,
altitudes que nao excedem 650 metros. a submata arbustiva. desenvolveu-se com abundancia de
~sse reduto ostenta um relévo enérgico que contrasta lianas e urna flora epifitica exuberante de Bromeliáceas,
com o das áreas circunvizinhas do planalto cujo relévo é Cactáceas pendulas e Orquidáceas. De tóda essa flora

68 69
rest am atualmente raros redutos, testemunhas do seu _ Um pouco ao N de Juazeirinho o peneplano it?-~lina-se
aspecto primitivo. ligeiramente para o N e, ao mesmo tempo, para NW; assim,
Há~ na Paraiba, outras duas manchas de Brejo carac- os rios que nascem na parte ocidental de Soledade .e
terísticas; urna no alto da Serra da Raiz, municipio de Picuí, tendo como principais o Seridó e o Acaua, ~áo tri-
·Caic;ara, com altitudes médias de 150 metros, e outra no butários do Piranhas. ·
de Umbuzeiro, nas serras do Oratório, Verde e do Pirauá, Próximo da serra da Vir~áo nasce, no planalto, o rio
com altitudes médias de 600 metros cuja veget~áo está Espinharas que desee num vale profundo entre a serra
ligada a Zona da Mata de Pernambuco nos municipios de dos Picos ao N e o paredáo ocidental da Borborema que
Orobó e Macaparana . inflete para SW; até alcanc;ar a planicie de Patos no Alto
Serta.o onde recebe águas de inúmeros riachos para de-
saguar no Piranhas já em território do Rio Grande do
ZONA DO C. l\RIRI
. Norte .
A inclinac;ao geral para o N, praticamente a contar
Cariri é o nome regional do pla nalto da Borborema do 7.0 paralelo, drena as águas dos riachos que nascem
nome que lhe adveio da Nac;áo indígena. que vivia nas suas a E de Picuí formando o Trairi que corre entre as serras
terras desde tempos remotos . do Bom Bocadinho e a extremidade ocidental da serra de
O Cariri é um peneplano cristalino em cuja estrut ura Araruna entrando em direc;áo NE no Rio Grande do
predominara os gneisses com intrusoes de granitos e in- Norte onde deságua na lagoa de Papari.
tercala9oes de micachistos, quartzo e veios de itacolomi- Mais para SE no plana!to, no municipio de Esperanc;a,
tos, diques de diabase e pegmatitos, estes abundantes a lagoa Salgada a 630 metros de altitude marca um di-
principalmente próximo de sua vertente norte-ocidental . vortio aquarum, originando-se ali o rio Curimataú que
Seguindo o 7.º paralelo sempre na direºªº E-W até corre num vale estreito, tangenciando qua.se a Zona do
a tin gir o bordo de sua vertente ocidental na serra da Vi- Brej o entre Araruna e Bananeiras, cortando em direc;áo
rac;áo, o peneplano ondula-se com altitudes que oscilara NE urna boa parte do norte da Caatinga LitorAnea e de"'.'
entre 500 e 560 metros. ságua no AtlAntico com o nome local de cunháú no mu-
Entre o paralelo de Juazeirinho e o paralelo de Mon- n icipio de Canguaretama no Rio Grande do Norte.
teiro urna depressáo pouco acent uada forma a bacia h i- Outro rio nasce na lagoa Salgada; é o Mamanguape
drográfica do Paraíba cuj os formadores principais nascem que toma a dire~ áo geral E, cortando a Zona do Brejo
n a serra dos Cariris Velhos que toma. sucessivament e os onde recebe diversos córregos e riachos perenes cujas
nomes locais de serra Branca ou do Mulungú, do J abi- águas se perdem por infiltrac;ao a jusante de Alagoa
tacá, do Capitáo-Mor, do Pau d'Arco, do Acaí, do Jaca- Grande caracterizando o endoreísmo désse rio .
rará, Quebrada, das Umburanas, da Caxemira e de Boa Mas, o peneplano nao termina a W no meridiano da
Vista. serra da Vir~ao; um esgalhe da Borborema prolonga-se
Todos os formadores do Para.iba, rio da Serra, rio do para SW pelo divisor Paraiba-Pernambuco pelo mesmo
Meio, o Sucurú e, o principal, o Taperoá, nascem em alti- alinhamento da serra dos Cariris Velhos que toma os
tudes médias de 600 metros, alcanc;ando o boquera.o de nomes locais de serra da Balanc;a, do ólho d'Agua e da
Carnoió na cota 370, descendo, dai por diante, em cor- Piedade no municipio de Teixeira, da Boa Vista, Vermelha,
redeiras até a cota 100 entre os municipios de Umbuzeiro da Baixa-Verde e da Piedade no de Princesa, do Padre ou
e de Aroeiras onde sai do Cariri, entrando na Caatinga do Catolé, no de Conceic;áo, ligando-se as serras do divisor
LitorAnea. Paraiba-Ceará pelas serras de Arara, do Braga e de Sáo

70 71
Gon~alo, nos municipios de Bonito e Sáo José do Pira- com a direºáo geral NE - SW, relevos residuais, restos
nhas, terminando na Paraíba, na grande saliéncia que de niveis mais elevados destruidos pelos agentes da glipto-
investe para SE com o nome de serra Grande ou de Sáo genese que agiram e continuam atuando com rapidez e
Pedro na parte norte-ocidental do municipio de Itapo- violéncia; a destruiºáo das rochas, transformando serras
r~ga . inteiras em amontoados de blocos ciclópicos, sáo teste-
Nesse esgalhe acham-se os dois pontos culminantes munhas dessa erosáo.
da Borborema na Paraíba; o pico do Jabre com 1.130 me- Blocos e seixos poliédricos de diferentes tamanhos
tros de altitude próximo de Maturéa, no municipio de cobrem grande parte da superficie do terreno e váo sendo
Teixeira, e o do Pau Ferrado, no de Princesa, com 1 . 090 reduzidos por desintegrac;áo mecanica; ali, em virtude da
metros . As altitudes désse prolongamento formado em sua escassez de chuvas prolongadas, o processo de decompo-
maior parte de chapadoes peneplanizados sáo as seguin- sigáo química é muito mais fraco.
tes: 500 m.etros em Taperoá, 700 em Teixeira, 660 em
Princesa, 575 em Bonito e 585 na serra Grande. Das en- Assim formaram-se os solos do peneplano; em parte
costas désses chapadoes, sulcados de inúmeros vales, nas- argilosos, outros silicosos, em sua maior parte pouco pro-
cem os rios Piancó e seus formadores e, no municipio de fundos, porque as chuvas torrenciais que lavaram a sua
Bonito, ao N da serra Grande, o Piranhas. superficie durante milenios arrastaram a maior parte das
terras que se iam formando em aluviáo para o leito dos
Essas diferenºas de altitudes determinam microcli-
rios, em outras eras, perenes e caudalosos, depositando-a
mas que influem sObre a vegetac;áo.
em camadas por vezes consideráveis tanto na planície li-
Ao N do planalto e a NE, a serra do Cuité com 650 toranea como na planicie do Alto Sertáo.
n1etros de altitude com cérea de 30 kms. de extensáo e
g kms. de largura alinha-se com diversos morros tabula- Em algumas várzeas de forma~áo recente, de áreas
res de corte trapezoidal com a mesma altitude, incluidas relativamente pequenas, nos vales •
dos rios mais impor-
nesse alinhamento as serras do Fundamento e a do Mar- tantes onde algum dique formou barragem para o der-
tins já no Alto Sertáo e outras ainda no Río Grande do rame aluvionar carrea.do pelas torrentes, os terrenos sáo
Norte e do Ceará . Essas serras sáo capeadas de arenitos mais profundos e as terras mais férteis, mantido o índice
silicificados, conglon1erados ferruginosos e sedimentos ar- dessa fertilidade pelas cheias periódicas que contribuí-
gilosos que descansam sobre as rochas cristalinas subja- ram para a sua forma<;áo.
centes. A altitude dessas serras, os capeamentos, as su- No Cariri o clima é semi-árido. Os aliseos de SE do
perficies inteiramente niveladas, evidenciam um perfeito Atlantico Sul, formadores da massa equatorial atlantica,
sincronismo e sugerem a existéncia em épocas geológicas atravessando a planicie litoranea, atingem o maciºo da
anteriores de um grande planalto seccionado pela erosáo, Borborema que forma barreira, interceptando-lhes a mar-
do qual essas serras representam as últimas testemunhas . cha, obrigando-os a urna ascensáo vertical violenta, des-
Lucia.no Jacques de Moraes agrupou-as numa Série geo- ca-rregando a maior parte de sua umidade justamente
lógica que éle denominou "Série Berra do Martins". sobre a Zona do Brejo. Transposta essa barreira, eles
Todos os rios do planalto sáo temporários, meros co- descero novamente varrendo o planalto. A massa de ar
letores de águas pluviais . A.ssim, terminada a época das vai sendo aquecida gradativamente pela amplitude tér-
chuvas os rios apartam, pondo a mostra as estruturas dis- nlica diária determinando proporcionalmente a diminui-
secadas dos seus talwegs. ~áo de sua umidade; como conseqüéncia as chuvas em
No peneplano persistem saliéncias tectónicas dispos- dire~íio a W diminuem progressivam.e nte tornando-se majs
tas em alinhamentos de serras· e numerosos monadnoks finas; enquanto há precipita~i>es abundantes sobre o Bre-

72 73
" jo, elas mal chegam como neblinas até o meridiano de alto Curimataú; o Rabo de raposa (Cereus bahiensi.s) de-
Corta-Dedo . senvolve-se em grupos isolados; a Palmatória rasteira
A esta~áo chuvosa normal no Cariri vai de janeiro a vive rastejando .nos solos mai.s secos e duas espécies de
junho; as chuvas sáo parciai.s e irregulares; as primeiras Coroa de frade (MelocactlLs) sáo abundantes nas caatin-
precedidas de fortes trovoadas; a média pluviométrica gas do peneplano.
anual vai de 280 a 700 mm, conforme o ano. A tempera- Entre a vegetacao arbórea e arbustiva predominam as
tura média é de 28° e, descendo a noite em certos dias Leguminosas das quai.s algumas espécies sáo peculiares ao
sem chuva a 16º C. Alto Sertáo tai.s como a Baraúna (Melanoxilum) os An-
A flora cuja existencia é condicionada pela influén- gicos (Piptadenias), a Caatingueira (Caesalpinia) comum
cia dos fatóres mesológicos, modificou-se profundamente também na Caatinga Litoranea bem como o Mari (Geof-
no Cariri; ela é caracterlsticamente xerófila e, excetuando froya), a Umburana (Torresia) e as Juremas branca e
o Juazeiro que conserva a sua folhagem, tódas as demais preta (Acácia e Mimosa). Da família das Anacardiáceas
plan tas sao de f ólhas deciduas. · a Aroeira (Schinus) vai também do Cariri até o Alto Ser-'
Os elementos lenhosos da flora, árvores e arbustos sáo ta.o
. e o Umbu (Spondias) é exclusivamente do Cariri,
geralmente de madeiras duras, flexiveis e resistentes. As arvore que fornece ótimos frutos e tem a propriedade de
copas das árvores sáo umbeliformes, de ramifica~ao de- armazenar água potável nas intumescéncias de suas raí-
liqüescente; a ramifica~áo, em multas espécies, come~a a zes. Urna Apocynácea, o Pereiro (Aspidosperma), e o Pi-
partir da base do tronco; o seu revestimento é freqüente- nháo bravo (Jatropha) Euphorbiácea latescente invadem
me.nte aculeado, espinhoso, escamoso ou piloso, recursos grandes áreas e urna única Palmácea, o Catolé (Attalea),
que as plantas utilizam para a reten~áo da umidade da vive no Cariri em pequenos grupos isolados.
atmo.sfera. Outras árvores apresentam-se de troncos e Das plantas herbáceas, o Caroá (Neoglaziowia varie-
galhos contorcidos formando verdadeiros emaranhados gata) e a Macambira (Bromeli.a laciniosa) sáo, também,
que evidenciam a tortura exercida pelo clima sobre a plantas-guia desta zona fisiográfica; a primeira em re-
vegetacao. dutos circunscritos e a segunda largam.e nte disseminada
Dos remanescentes da flora talvez mais rica em eras tanto nos chapadoes como nos vales do planalto .
passadas sobreviveram e perduram unicamente os que se Está.o incluidos na zona do Cariri os municípios de
adapta.ram a inclemencia do clima, capazes de resistir as Cabaceiras, Sáo Joáo do Cariri, Sumé, Monteiro, Soledade,
estiagens prolongadas, a escassez de água e a pobreza da Pocinhos, Picuí e parte dos de U·mbuzeiros, Aroeiras, Cam-
alimentacáo náo porque os solos sejam quimicamente pina Grande, Esperanc;a, Serraria, Bananeiras, Solanea,
pobres, mas, porque a falta de chuvas regulares dificulta Araruna, Cuité, Taperoá, Santa Luzia, Patos, Teixeira~
o aproveitamento dos elementos fertilizantes pela vege- Princesa Isabel, Conceigáo. Bonito de Santa Fé, Sáo José
ta~áo.
do Piranhas e Itaporanga, com a superficie total de
22 . 656 quilometros quadrados.
As Cactáceas sáo as principais plantas guias do Ca-
riri; o Facheiro (Cereus squamosus) e a Palmatória de
espinhos (Opuntia) formam floresta muitas vézes impe-
netrável; o xique-xique (Pilocereus setosus) alastra-se em ALTO SERTAO
grupos densos nos terrenos mais silicosos e nos aflora-
men tos de rochas; o Mandacaru (Cereus jamacaru) vive Transposta a serra da Vira~áo, sempre na direc;áo
esparso em todo o planalto; a Cumbeba (Opuntia brasi- E-W acompanhando o vale do Espinharas, a encosta oci-
liensi.s), de porte elevado e elegante, fica circunscrita ao dental da Borborema vai descendo em plataformas su-

74 75
cessivas até alcan~ar a planicie de Patos ou do Alto Ser- se divididos em blocos ciclópicos acumulados em equili-
ta.o que forma a última superficie de aplana~áo da Bor- brios incriveis; extensas porc;oes dos terrenos sáo cobertas
borema na Paraiba . Esta se estende para W até os limites áe blocos e de seixos poliédricos de origem aluvial e os
com o Ceará e na dire~ao N-S desde a base do maci~o rios, todos temporários, correm em vales senis, mostrando,
até os limites com o Rio Grande do Norte. quando "apartam", os seus talwegs dissecados.
A escarpa ocidental do planalto em qua.se tóda sua A NW, a bacia do rio do Peixe, que abrange· a m.aior
extensáo forma um paredáo abrupto e desnudado que dá parte dos municipios de Souza, Antenor Navarro e Uiraú-
por vezes a i'mpressáo de um plano de falha. Também na, constitui a extensa planicie chamada "planicie de
ali os coletores de água entalharam fortemente as encos- Souza" .
tas; o Acauá, o Seridó, o Espinharas, o Máe d'Agua, o É urna bacia de· sedimentac;áo de origem Cretácea que
Genipapo e do Mosquito, o do Frade, o Pianoozinho, o ocupa urna superficie de 1 . 000 kms. quadrados.
Piancó e o Pinharas, abriram grandes sulcos formaram Geológicamente o terreno da planicie de Souza é com-
vales de erosáo profundos, respettando nos interflúvios posto de camadas de arenitos e folhelhos dispostos alter-
relevos importantes que ainda persistem. nadamente; ésses folhelhos apresentam-se betuminosos
Na planicie emergem relevos residuais vigorosos for ·· em Acauá a 18 kms. a SSE de Souza e a 8 kms. de Antenor
mando inselbergs característicos, principalmente nas áreas Navarro no ramal de Cajazeiras da E. F Viac;áo Cearense,
dos municipios de Patos, Sáo Mamede, Santa Luzia, Malta, no lugar Pereiros. Entre os arenitos, sa.o abundantes os
Pombal, Catolé do Rocha e Brejo do Cruz. Há também arkosios cujos elementos constitutivos na decomposic;áo
nessa planicie alguns alinhamen tos de serras completa- dessa rocha podem f armar solos de certa f ertilidade.
mente isoladas com escarpas ingremes em ambas as ver- . No periodo infracretáceo, essa planicie foi urna
tentes; as principais sáo a serra do Melado e a de Santa imensa lagoa de águas pouco profundas testemunhada
Catarina que se estendem na dir~áo E-W do municipio pelas rtplemarks visiveis nas lamas endurecidas. Nessas
de Curemas até o de Cajazeiras. Ao S da serra do Mela- lamas o geólogo Luciano Jacques de Moraes descobriu, no
do, quase paralelam.e nte a esta, estende-se a serra da Ca- lugar Passagem da Pedra, próximo de Souza, pegadas de
tingueira nos municipios de Patos e Piancó, e a serra do dois Dinosáurios, um herbivoro e outro carnívoro, deno-
Comissário nos municipios de Pombal, Souza e Catolé do minadas pelo povo "Passo da Ema".
Rocha como principais. o clima no Alto Sertáo é semi-árido, quente, caracte-
O presente estudo prescinde de considerac;oes mais rizado por precipitac;Oes copiosas e relativa·m ente rápidas,
detalhadas sóbre a tectónia do Alto Sertáo e também de temperatura elevada e f orte evaporac;áo.
referencias aos movimentos epirogénicos que tenham mo- As precipitac;óes dáo urna média pluviométrica anual
dificado o seu relevo; éstes pertencem ao campo da geo- de 800 mm, rnédia por vézes ultrapassada; mas essas pre-
logia pura, e a sua influencia sobre as condic;eks atuais cipitac;óes, precedidas geralmente de fortes trovoa.cta.: com
da regiáo é relativa. descargas elétricas, caem continuadamente, despeJando
Os solos do Alto Sertáo sáo oriundos da decomposic;áo 80% do total pluviométrico anual de uma só vez, ficando
de gneisses, granitos, micachistos e filitos como o do pla- apenas 20% para o resto da estac;áo chuvosa. Es~a se
na! to; sáo argilosos, argilo-silicosos e silicosos, mais pro- elastece ou se restringe a periodos irregulares tan to do
fundos que os do Cariri com várzeas fluviais de certa inicio como do término das chuvas.
extensáo, mais f érteis e mais úmidos. Essa irregularidade explica-se: o Alto Sertáo recebe
Ali, como no planalto, os agentes da gliptogénese con- chuvas de diversos quadrantes; quando a massa equato-
tinuam agindo com violencia; serrotes inteiros acham- rial N desloca-se para o S, os aliseos de NE saturados de

76 77
umidade produiem chuvas abundantes nas costas do
"
Ceará, penetrando para o interior pelos vales dilatados
dos rios que correm e deságuam no oceano na dire~ ao in-
versa dos ventos ; a massa de ar carregada de água pene-
t1·a no continent e até os sertoes do Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba e Pernambuco, descarregando chuvas co-
piosas. E:sse fenómeno dá-se, porém, com irregularidade;
assim, quando a massa se mantém afastada por motivos
de ordem meteorológica, esse afastamento determina um
a.no de seca na regiao .
As chuvas es tivais que caem em grande parte no
interior do pais, provocadas pela massa equa.torial conti-
n ental, diminuem progressivamente em dire~ao NE quan-
do se aproximam da zona semi-árida. As outonais do li-
toral N diminuem, também, durante a sua marcha de NE
para SE, entrando n a faixa de calmarias com o seu afa.s~
tamento progressivo do Equador. Quanto as que depen-
dem dos ventos de E e SE tornam-se gradativa-mente mais 3
escassas ao penetrarem para W como foi explicado a pro- w
pósito das chuvas do Cariri. o
!<l:
Acresce a circunstáncia de que tóda a regiáo do Alto (_).
Ser tao acha.-se n urna. zona de transigáo climatérica onde w •
o:::
a influencia das diferentes massa.s de ar atuam com o
menor intensidade . As precipita~oes de tóda a parte oci- <!
dental do Cariri como as do Alto Sertáo sao condiciona- z
das a essas influencias. <!
m
A temperatura é mais elevada do que nas demais <!
zonas do Estado; esta oscila entre 390 e e 24º e. Diversos o:::
fatóres contribuem para essa eleva~áo térmica: a esta~áo ~
séca prolongada, os ventos secos que sopram sobre os ter-
renos excessivamente pedregosos, pouco profundos e des-
g
protegidos pela escassez de vegeta~áo. o
o
Ao descer do Cariri para o Alto Sertáo a flora modi- <!
fica-se novamente a partir da cota 400; as Cactáceas
r-
(f)
ficam reduzida.s a trés espécies: o Mandacaru, o xique- w
xique e a Coroa de Frade. O Umbu desaparece total- o
o
cmnte e com éle o Caroá e a Macambira. _J
A flora do Alto Sertao é também caractertsticamente <!
w
xerófila. Adaptaram-se ali as espécies capazes de resistir o
as condigóes do meio. Da flora do Cariri, muitos repre- w
r-
o::
o
(.)
78
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
sentantes acima. citados vivem incorporados a essa flora,
associados a espécies tipicamente loca.is como a Favela
( Cnidoscolus phytacanthus) em áreas circunscritas, o
Cumaru (Dipterix odorata), o Mufumbo (Combretum le-
prosum) e a ·O iticica, (Licania régida) que formava outrora
matas ciliares na.s barrancas dos rios . Duas Palmáceas
vivem nessas terras adustas: o Catolé (Attalea) consti-
tuindo núcleos numerosos nas serras e a Carnaúba que
forma extensa floresta na planicie Cretácea de Souza,
entre ésse municipio e o de Antenor Navarro.
No Alto Sertao como no Cariri e na Caatinga Lito-
ránea durante os períodos de estiagem a flora apresenta AS RFSERVAS FLORF..STAIS DA PARA1BA
o mesmo aspecto desolador de vegeta<:;ao seca; as plantas,
árvores e arbustos, todos de fólhas decíduas apresentam-
se desnudadas e somente o Juazeiro que vive nessas tres Quando a Paraíba foi colonizada após a triste aven-
zonas, conservando a sua f olhagem e a Oiticica mancham tura de Tracunhaem, grandes matas revestiam a m.a ior
de verde a paisage·m cinzenta, calcinada pelo sol. parte do seu território.
Esta.o incluidos na zona do Alto Sertao, os municipios O litoral, desde a orla marítima., naquele tempo se~1
de Brejo do Cruz, c ·a tolé do Rocha, Cajazeiras, Souza, Pom- o coqueiral que lhe ornamenta atualmente o contorno,
bal, Malta, Uiraúna, Antenor Navarro, C'Uremas, Piancó -e os vales, que de distancia em distancia . interrompem os
Sao Mamede e parte dos de San ta Luzia, Patos, Teixeira, "tabuleiros" nos quais ainda correm rios perenes, osten-
Princesa Isabel, Concei<:;ao, Itaporanga e Sao José de Pi- tavam vegetaQao de elevado porte.
ranhas perfazendo um total de 18. 862 kms. quadrados. ~sses rios> Guaj ú, c ·a mara.tuba, Mamanguape, Mirirl,
Ficam assim caracterizadas as cinco Zonas Fisiográ- Tapira, Paraiba, Gramame, Garaú e Abiá, alimentados
ficas da Para.iba, apontados os fatóres que determinam a por inúmeros riachos que náo secavam nunca, irrigavam
razáo de ser de cada Zona. Elas sucedem-se em transi~áo f artamente essa regiáo desaguando no o ce ano direta-
brusca, praticamente sem zonas intermediárias por fór<;a mente entre os manguezais frondosos que se desenvol-
desses mesmos fatóres decorrentes de altitude, natureza viam nos seus estuários.
dos solos, dire~áo dos ·ventos, pluviosidade e temperatura, Era a mata virgem de veget~ao higrófila e mega-
elementos aos quais está subordinado o revestimento flo- térmica que vicejava exuberante e rica de espécies, entre"."
rístico. la<:;ada de lianas e entremeada de grupos densos de pal:-
meiras.
Predominavam como árvores principais o Pau d' Arco
(Tecoma ochroleuca), a Imbiriba (Lecythis luschnatii), o
Jatobá (Hlymenaea courbaril), a Sucupira (Bowdichia vir-
gilioides) , o Angelim (Aspidospermum polyneuron) , a
Caraiba (Tecoma cara.iba), o Visgueiro (Parkia plati-
pbylla), a M~aranduba (Mimusops elata), o Marfim
(Balfourodendron riedelianum), a Sacupaia (Lecythis sa-
pucaia), o Cedro (Cedrela fissilis), o Vinhático (Platy-
menia foliosa), o Genipapo (Genipa a·m ericana), a Almé-

80
81
cega (Protium brasiliense), a Cana-fístula (Cassia fis- (Burnilia sertorum) e a floresta de Facheiros (Cereus
tula), o Goiti (Lucuma macrocarpa), o Pau Santo (Jaca- squamosus). O Cariri era, como hoje, a regiáo mais sooa
randa decurrens) , a Gameleira (Urostigma doliarum) , o da Paraiba.
Gulandi (Callophyllum brasilien-se), a Barriguda (Bom- Ao descer a encosta ocidental da Borborema para o
bar spc.), o Cuité (Crescentia cujete) , a Imbaúba (Cecro- Alto Sertáo, em func;ao da altitude menor, da natureza
pia peltata), o Pau ferro (Cesalpinia ferrea), o Pau- dos terrenos, e das condicoes climatéricas, as matas mo-
Brasll (Cesalpinia echinata) e as palmeiras Naiá (Maxi- dificavam-se outra vez com novas espécies adaptadas as
miliana regia) e a Macaiba (Acrocomia intumescens) . condic;Oes mesológicas da regiáo. Desenvolviam-se all
Nos terrenos mais baixos a Paraiba (Simaruba versi- matas de Angicos (Piptademia colubrtna) e de Aroeiras
color) e o Pau de Jangada (Apeiba tibourbou) eram (Schinus therebintifolia); a Favela (Cnidoscolus phyta-
abundantes. canthus), o Cumaru (Dipterix adorata); a Quixaba, a
o cajueiral comecava nas praias e nas restingas in- Umburana e o Joazeiro continuavam no Alto Sertao; nos
vadindo os "tabuleiros" em associa.;ao com grandes grupos terrenos baixos e nas barrancas dos rios a Oiticica (Lica-
de Mangabeiras (Hancornia speciosa). nia rigida) formavam matas ciliares; nos alagadic;os a
Adiante, em direc;ao a oeste a flora modificava-se ; Carnaúba ( Copernlcia cerifera) e o Catolé nas serras
investiam para a C'a atinga litoranea poucas espécies da formavam palmeirais.
flora do Litoral, porém a mata continuava densa em Tal era a situac;ao da reserva floresta! da Paraiba na
grandes núcleos divididos por macegas arbustivas. época da colonizac;ao; as matas que a constituiam segundo
Nessas matas predominavam o Pau d'Arco ama.relo nossos cálculos baseados em observac;oes repetidas e con-
e o roxo (Tecoma ochroleuca e Tecoma impetiginosa) , a firmadas pelo que conta a tradlc;áo deviam cobrir 60% da
Catingueira (Cesalpinia pyramidalis), o Tambor (Ente- superficie total do seu territórlo.
rolobium timbouva), o Joazeiro (Ziziphus joazeiro) e o Com o estabelectmento das primelras fa.zendas e a
Mandacaru gigante (C'e reus jamacaru). Nas barrancas fundac;áo dos prlmeiros engenhos de ac;úcar comecaram
dos rios as Ingazeiras (Inga spc.), e os palmeirais eram as prlmeiras derrubadas; os colonizadores, senhores de
de Catolé (Attalea compta) . sesmarias de dilatados limites, nao calculavam que as
Nos vales profundos da encosta oriental da Borbore- florestas se esgotariam um dia e, após as derrubadas, as
ma, onde riachos corriam perenes, a floresta mega.térmica quei·m adas que saiam para fora dos aceros das brocas
subia e se estendia por tóda a parte oriental na zona do propagavam-se além, ardendo dias e semanas a flo.
Brej o. Favorecida pela umidade dos f ortes nevoeiros uma Nos vales dos principais rios a mata cedta lugar a
flora epifítica se expandía nessas matas e a Naiá for- lavoura canavieira e a devastac;áo progressiva atraves-
mava ali extensos palmeirais disseminados dentro da mata. sando a Caatinga, subindo até o Brejo onde a uberdade
Poucas léguas a oeste o revestimento floristico mo- das terras, a abunda.ncia de água e a amenidade de clima
dificava-se novamente; era o Sertao dos Cariris. Conie- ofereciam possibilidades maiores para a agricultura.
~ava a vegetacao xerófila, ·m ais escassa, porém com núcleos Novos engenhos exigiam terras para o cultivo da cana e
de árvores copadas embora menos copadas que as do Lt..: para as pastagens dos primeiros rebanhos .
toral da Caatinga e do Brejo, modificadas no seu porte Depois da conquista de Oliveira Ledo a civilizac;áo fol
pelos ventos constantes que varrem o planalto . Predo- penetrando pelo Sertao e com ela a devastac;áo.
minavam nessa zona como elementos característicos o Nos cortes de madeiras do litoral havia-se descoberto
Umbuzeiro (Spondias tuberosa), a Umburana (Toresia o Pan-Brasil e a sua explorac;áo era praticada, desde a
amburana), a Baraúna (Melanoxylon brauna), a Quixaba chegada dos europeus, em tao grande escala que já em

82 83
. De ·30 de julho há outra Ordem Régia recomendando
1568 a arrecadagáo do imposto langado sóbre o seu cor te a remessa de Pau-Brasn:
rende u 1: 600$000 para a Cnroa.
A exportac;áo de madeiras de lei ia-se tornando cada "Tendo sido presente a S. Magestade a inutili-
vez mais in tensa . dade de pagar Fretes de Madeiras da Parahiba para
Ao mesmo t empo a metrópole pedia madeiras para a Pernambuco que depois haj am de ser remettidas para
construc;áo naval e civil, para a marcenaria e, principal- Lisbóa, a.onde poderáo vir logo em direitura da Pa-
mente, para a sua venda em grande escala . Durante trés rahiba, e constando igualmente a S. Magestade, que
séculos frotas inteiras de madeiras de lei saíram da Pa- na mesma Capitania ha grande abundancia de Pau
raiba para Portugal . brasil, e havendo igualmente certas noticias de que
O interésse pelas madeiras do Brasil aumentava de o Porto da Parahiba, em si mesmo, ou na Costa Vi-
dia para dia . Ao mesmo tempo o progresso alcanc;ado zinha admitte a entrada de Charruas a carregarem
pelos meios de transporte facilitava a exporta~áo. No fim Madeiras, Ordena S. Ma.gestade dé logo todas as pro-
do século XVII as caravelas haviam sido subst.ituidas pelos videncias necessarias para que no Porto da Parahiba
"brigues" e pelas "charruas" de maior capacidade e preparem pte. para hüa Charrua de Madelra que irá
maior seguranc;a, condic;oes que possibilitavam o aumento ali carregar, e pela qual pode tao bem vir hüa grande
da exporta~áo, como se verifica a través das "Ordens quantida.de de Pau brasil tendo táo bem sua Mages-
régias" transmitidas aos Governadores da Capitania . tade Ordenado a Real Junta da Fazenda da Marinha
Em 1797 D. Rodrigo de Souza Coutinho, Ministro e que pela mesma Charrua se mandem Cabos e Ferros
secretário de Estado da Repartic;ao da Marinha e Domi- que possam ser necessarios para a execuc;áo de taes
nios Ultramarinos escrevia ao Governador da Capitania Ordens.
da Paraíba, Fernando Freire de Castilho: Deus Guarde a V. S.ª .
Palácio de Queluz em 30 de Julho de 1798.
"Sendo muito importante que nas diferentes Ca- D. Rodrigo de Souza Coutinho."
pitanias do Brasil, se procurem descobrir Madeiras Snr Joáo Felippe da Fonseca.
próprias para aduelas, o que já se conseguiu em Per-
nambuco, e he de esperar que se eonsiga nas outras Poucos sáo os documentos desse tempo que chegaram
Capitanias, se para esse fim se fizerem as devidas di- até os nossos dias há muitos anos já o Arquivo Público
ligencias: Ordena Sua Magestade que V. Mee mande sofreu, também, urna devastacao vandálica ordenada por
proceder ao mais activo exame sobre as Madeiras um dos seus diretores que mandou incinerar a maior parte
dessa Capitania para ver se entre ellas se acháo al- . dos "papeis velhos que náo tinham serventia .. . " Com
gumas para aduelas, e que remetáo na primeíra oca- eles ardeu a História da. Paraíbal Dos poucos que esca-
siáo Amostras para aqui se experimentarem. param da catástrofe alguns, ainda, continuam esclare-
Lembro também a Tapinhoam e Vinhatico de que cendo a questao que nos ocupa .
já se tem feito excelentes aduelas, que só he lastima No mesmo ano outra Ordem Régia ordenava a remessa
nao sejam assaz abundantes, para que cesse aqui a de ma ior quantidade de madeira :
entrada de toda a que vem de fora do Reino e que he
de inferior qualidade. "Sua Magestade manda prevenir a V. M. que no
Deus Guarde a Vm . proxlmo Comboy de Novembro se ha de expedir desta
Palácio de Queluz em 25 de Outubro de 1797. Capital hüa Charrua para ir carregar madeiras nesse
D . Rodrigo de Souza Coutinho" .

85
Porto onde V. M. deve conservar todas as madeiras Ministério e Secreta.ria de Estado da Repartic;áo da. Ma-
que for cortando; o que igualmente participo ao G<>- rinha e Dominios Ultramarinos pelo Visconde de Anadia.
vernador de Pernambuco; E V.M. dará as competentes Já em 1803 novas Ordens eram expedidas ao Gover-
providencias assim para ter promptas as Madeiras, nador da Capitanía:
como para tudo o mais que for preciso~ para que estas
primeiras tentativas sejáo felizes e abráo o caminho "Na.o havendo no Rio de Janeiro a quantidade
para huma maior e mais !mediata comunic~ao entre de Taboados de Tapinhoam que ali se encomendou
este Reyno e essa Capitania, donde as madeiras háo assim como as Madeiras de constru~áo proprias para
de vir em direitura para Lisboa na Charrua que agora huma Nau de 74 Pe~as, que pudessem fazer a Carga.
vai e nas outras que ahi se forem successivamente da Charrua s. Joao Magnanimo que se destlnava
mandando. aquelle Porto para este fim, acabo de expedir as
Deus Guarde a V. M. Ordens neccessarlas ao Comandante da referida Em-
Palacio de Queluz em 22 de Agosto de 1799. barca~áo para que do Porto de Santos, onde vai levar
D. Rodrigo de Souza Coutinho." os Governadores de algumas Capitanias do Brasil se
Snr. Fernando Freire de Castilho . dirija em direitura a esse Porto da Parahiba. para
carregar a grande quantidade de Mladeiras que ha
Outra mais lacónica ordenava a remessa da maior nessa Capitanía pelo que Ordena o Principe Regente
q uantidade possivel de Pau-brasil: Nosso Senhor que V. Meé. fa~a carregar, e expedir a.
dita Embarca~áo com a brevidade posslvel, remet-
"Tendo-se aqui feito as experiencias sobre os t endo com preferencia as Madeiras da qualldade
Toros de Pau-Brasil, que M. Mee. remetteo, se achou acima mencionada, e multo principalmente as que sao
que a sua qualidade para a Tinturaria, he excellente, proprias para cintas de que aqui ha multa falta.
. e
e produzem o mesmo effeito que o Pau Brasil que vem recommendo-lhe muito particularmente que ellas nao
de Pernambuco; pelo que Ordena o Príncipe Regente venham com defeitos como muitas vezes tem acon-
Nosso Senhor, que V. Mee. vá remettendo successiva- tecido.
mente para esta Córte a maior por~áo que poder do
refferido Pau. D8. a V. Mee.
Qde.
Deus Guarde a V. M. Palacio de Queluz em 2 de Agosto de 1803 .
Palacio de Matra em 12 de OUtubro de 1799 . Visconde de Anadia
D. Rodrigo de Souza Cou tinho . " Snr. Luiz da Motta Feo . ,,
. Freire de Castilho .
Snr. Fernando
A urgéncia. de madeiras era grande na Metrópale;
Jín tenslf!cado o corte de Madeiras, éste carecía de dias ~epois novas ordens eram expedidas:
organiza~áo e fiscaliza~áo eficientes; por Carta Régia de
18 de julho de 1800 era nomeado Joaquim Martin que "Prezentemente faz viagem o Bergantim Gaviáo
devia tomar a seu cargo a "Inspec~áo e total admlnistra- para o Rio de Janeiro, donde deve navegar para a
~áo dos cortes de Madeiras Reaes", bem como a Vedoria Parahiba para carregar Madelras para o Arsenal
da Gente da Guerra . Regional das Marinhas; e tendo escrlpto para éste fim
Em junho de 1801, D. Rodrigo de Souza Coutinho era ao Intendente da Marinha desse Porto a carta de que
nomeado ·Presidente do Real Erário sendo substituido no remeto a V. M~. a inclusa cópla: ordena o Principe
'

86 87
.. Regente N. sr. que V. Mee. dé pela parte que lhe toca gadas de largo e 5 a 7 ditas de grossura; e 400 pran-
as providencias neccessarias afim que o Comandante chas de Pequim para pinas, de dimensoes illimitadas.
deste Bergantim possa cumprir prompta e convenien- Nas Relagóes que acompanharem esta remessa, devt-
temente a commissáo de que vae encarregado e voltar vir declarado que esta Madeira he destinada para o
com a brevidade possivel para este Porto de Lisboa . Arsenal do Exercito .

:OS. Qde . a V. Mee. ns. Qde.a V. Mee.


Palacio de Queluz em 17 de Agosto de 1803. Palacio de Queluz em 10 de Fevereiro de 1804.
Visconde de Anadia. Snr. Luiz da Motta Feo."
Snr. Luiz da Motta Feo."
Em 1808 D. Joáo VI, já no Brasil, decretava a aber-
Esta a cópia da carta enviada ao Intendente da Ma- tura dos Partos ao Comércio internacional. Intensificou-
rinha da Paraiba: se entáo a exploragáo das madeiras para a exportaQáO
ficando as matas da Paraíba desfalcadas das m.e lhores
"Tendo-se ordenado ao Tenente Marriatt que se esséncias e, praticamente, esgotadas de Pau-brasil.
dirija ao Porto dessa Capitanía afim de carregar a Já nos tempos modernos, a Paratba, povoada até os
Madeira de que se precisa para o Arsenal Real da illtimos recantos do Sertáo, continuou conscientemente a
Marinha: He S. A. R. servido que V. M~. cumpra o fabricar desertos . Cidades e vilas iluminaram-se a gás
que lhe for requerido pelo dito Comandante afim de pobre consumindo carvao vegetal; no litoral montaram-
poder carregar as Madeiras de que mais se necessita se indústrias como as fábricas de tecidos Rio Tinto e
ao mesmo Arsenal Real na conformidade da Memoria, Tibiri cujas f ornalhas devoraram milhoes de metros cúbi-
que ha de levar de Joáo de Souza Pacheco, náo demo- cos de lenha! A Estrada de Ferro Great Western, desde
rando V. Mee. o mencionado Brigue, senáo o tempo 1914 queimou lenha nas suas locomotivas que incluiram
preciso para o abarrotar da Madeira que elle possa no seu consumo os cajueirais que iam da Capital a Cabe-
transportar. delo e os 'servigos elétricos do ~tado só tiveram até
pouco tempo motores de energía térmica consumindo
D3. Qde. a V. Mee. lenha também.
Palacio de Queluz em 16 de Agósto de 1803. Os remanescentes da floresta primitiva váo, assim,
Visconde de Anadia ''. desaparecendo. Destrói-se paulatinamente a mata de
Camaratuba; no vale do Mamanguape já foram destrui-
O último documento existente que se refere a pedidos das as de Itaverava, de Tavares, a dos T:a nques, da Marti-
de madeiras para o Giovérno de Portugal data de 1804: nica e do Carapucema. Em Miriri vimos quilómetros de
céreas com moiroes de Pau-brasil. Já foram arrasadas as
"Havendo rro Arsenal Real do Exército huma matas de Japungú, Sucupira Torta e do Alaga.mar e
grande falta de Madeiras para as obras que ahi se aquelas que protegiam o rico manancial do Mangabeira
• fazem: ORDENA o Príncipe Regente N. sr. que V. Mee. no vale do Miriri, também as que guarneciam os f arma-
remetta na primeira ocaziáo que se lhe offerecer, para dores do Jacuípe e as da Una; destruiram criminosa-
o referido Arsenal, 40 vigas de Arco de 2 palmos em mente as do Cabo Branco e da Penha e as dos vales do
quadro, e de 42 palmos de comprido; 50 Pranchas de Mumbaba e do Gramame. A mata de Jacumá foi destrui-
Sucupira de 8 a 12 pés de comprimento, 14 a 16 pole- da recentemente e a do Abiá, último reduto floresta! da

88 89
zona litoranea, está sendo reduzida a lenha para as for- Em. trés séculos de explor~áo floresta! náo houve
r
nalhas da fábrica de tecidos "Paulista." e as de Goiana nunca quem se lembrasse de reflorestar urna área qual-
em Pernambuco . quer de terreno; assim a Paralba val aos poucos se trans-
Nos "tabuleiros" máos criminosas ateiam fogo todos formando em "terra pelada" a exemplo da Espanha, na
os anos e hoje a sua flora apresenta-se contorcida, tor- Europa e, na A.sia, a Palestina.
t urada pelo efeito dos incendios, cada vez mais reduzida,
embora o Batiputá e a Mangaba nativos representem urna
riqueza que o homem ainda náo soube aproveitar.
Na zona do Brejo onde os Engenhos multlplicaram-
~e por centenas, as matas ficaram reduzidas a pequenos
i.1úcleos isolados e a agricultura nas encostas, orientada
de modo irracional facilitando as erosOes, faz com que o
homem abandone progressivamente as terras desnudadas
da camada fértil, abrindo brocas nas matas a procura de
terras menos sáfaras.
A última grande investida contra as matas do Brejo
foi com o advento da ''era do agave". O agave enriquecía
os seus plantadores; os machados e as queimadas entra-
ram em a:Qáo e o arrasamento foi completo.
No Sertáo, Baraúnas e Aroeiras foram transformadas
em dormentes para Estradas de Ferro e as Oiticicas, antes
de lhes conhecer a utilidade do fruto, eram cortadas para
le.n ha.
Com a devast~áo da floresta o clima se modifica;
a mata mantém o estado higroscópico da atmosfera mais
elevado; a oxigenac;áo do ar é mais in tensa e os manan-
ciais tem a sua vasáo mais aumentada, náo porque a
floresta "fabrique água" porém porque impedindo a ac;ao
direta do sol sobre o solo o coeficiente de evaporac;ao
fica reduzido e as águas superficiais infiltram-se em
maior quantidade no solo, surdindo em fo·ntes que desa-
parecem com a destruic;áo da mata.
A mata representa uma riqueza; e como fonte de
i·iqueza pode e deve ser explorada; porém racionalmente.
Corte e replantio deveriam ser praticados paralelamente.
Até o momento, c ·ódigos florestais e cursos de silvi-
cultura tém dado resultados práticos insignificantes. Na
Paraiba, absoluta.mente negativos, e as matas agora
ocupam aproximadamente 0,5% de sua superficie.
Como se ve o verbo destruir é fácil de conjugar!

90 91
Raposa (Canis vetulu.s) ainda é comum. A Lontra (Lu-
tra brasiliensl.s) já é especie extinta e a Jrara ou Papa-
mel (Galichtis barbara) espécie rara. Os Quatis (Nasua)
e o Fu,r áo (Grison vitatus) sao pouco comuns e o Guaxt-
nin (Procyon cancrivorus) desapareceu totalmente.
o maior dos nossos roedores, a Ca.pivara (H)ydrochoe-
rus hydrochoerus) nao existe mais desde muit~~ an.os.
Sobrevivem ainda o Coelho silvestre (Lupus brasll1ens1s),
o Mocó (Cavia rupestris), a Preá (Cavia aperea) e, menos ·
freqüentes, a Paca (Coelogenis) e o Coandu (Coen~u
O ANIQUILAMENTO DA FAUNA prensiles). o Ca:tinguelé (Sciurus aestuans) também nao
existe mais. .
No estuário dos rios, o Peixe-boi (Manatus..pianatus)
Se a flora primitiva vai desaparecendo a passos agi- constituía bandos consideráveis. Na margem do rio Pa-
gantados destruída pelo machado e pelas queimadas a raiba um povoado conserva o nome do Gargaú (Guara-
pretexto da conquista de novas áreas para a agricultura, guá-ú) no tupi pastagem ou mangedora do Peixe-boi
o que nem sempre é verdade a fauna sofre a mesma de- rememorando a abunda.ncia desse Sirenio em tempos
"' vastac;ao, tangenciando já os limites do seu completo
idos.
extermínio. Há quem afirme que o Tamanduá-bandeira (Miyrme-
Há Códigos de Cac;a e Pesca como há Códigos Flo- cophaga juna.ta) foi habitante das nossas matas; já nao
restais que regulam o assunto para preservar a conser- existe mais, ficando apenas o Tam,a nduá-mirim (Myrme-
vac;ao dessas riquezas natura.is mas que nao sáo cumpri- cophaga didactila) bastante raro . Sobrevivem, aliás pou-
dos nem respeitados. &se o destino de nossas Leis: óti- co numerosos, os T:atus (Dasyprocta) e as Pre·gutgas (Bra-
mas, adiantadas, mas. . . ficam no papel. dypus).
Em tempos nao muito remotos urna fauna relativa- Entre os Marsupia1s os TimbitS ainda sao comuns.
mente rica de espécies de mamíferos e de aves povoava Dos Répteis, os J.acarés (Em.ydosaurios) raramente
as a.ntigas matas, os campos e as caa.tingas, hoje quase aparecem; também os Jaboti.s (Testudo) . Entre os Lacer-
desertas devido a incúria, a gana.ncia, a maldade e a igno- tilios o Teju (Tupinambis teguixin) e o Camaledo (Igua-
ra.ncia dos homens. na tuberculata) sao relativamente raros. As próprias
Nas matas litor.aneas e nas da Zona do Brejo havia Lagartixas acoimadas de venenosas sáo destruidas im.-
simios dos géneros Ateles, Cebus, Callitrix, Jachus e gran- piedosamente apesar da sua utilidade como insetivoros.
des grupos de Guaribas (Stentor); alguns desapareceram Em compensac;ao os Ofidios proliferam; matam-se as
totalmente; outros está.o reduzidos a raros individuos . cobras acidentalmente e, assim, a Cascavel (Crotalu.s ter-
O Veado cat'Bngueiro (Mazama simplicicornis) era co- rificus), por exemplo, constitui urna praga que se estende
mum; o Queixada (Dicotyles albirotris) e o Caetetu (Di- do litoral até o Alto serta.o; mas isso se justifica: os ofi-
cotyles tayassu) andavam em numerosas varas, bem como dios nao sao comestiveis ...
a Anta (Tapirus americanus); desses poucos restam, sen- os Batráquios também nao sa.o poupados; as crianc;as
do que a Anta é animal rarissimo na Paraiba. matam-nos a pedradas porque "sáo bichos nojentos" 'J
Os Felideos f oram quase todos exterminados; apenas sobre eles correm supersti~óes embora sej am inofensivos
o Maracajá (Felix macroura) continua sobrevivendo. A e também utiltssimos como insetivoros.

92 93
A fauna ornitológica sofre a mesma guerra de exter- dores passarinheiros sAo associados nessa guerra de ex-
" terminio ...
n1in10. •
Assim desapareceram os Saatás e os Bem-te-vt · 0
O Guará (Ibis rubra) náo existe mals; outrora era Graúna já é raro; o Ferreiro ou Arap<mga rarissimo ~ a
tao abundante que dois topónimos consagram essa abun- Patattva de Jacuípe, célebre desde tempos remotos, náo
da.neta: Gramame e Guarabira; o primeiro traduz: o ajun- existe mais.
tamento dos Guarás (Guará-mame) e o segundo: a ár-
vore ou pouso dos Guarás (Guará-ibira) no tupi. A maior e mais bárbara devastac;áo, porém, é na época
da migra<;áo da Arribac;áo (Zenaida curriculata-vergata)
Há pouco menos de vinte anos bandos de Garcas que invade aos milhoes os Sertoes do Nordeste, e que sáo
brancas e cinzentas (Casmerodius albus-egreta e Florida exterminadas a tiros dura.nte o dia e, a noite, a pauladas
caerulea) viviam nas margens do Paraiba e do Sanhauá nas macegas onde se abrigam para pernoitar. Por tOda
próximo da Capital; atualmente sa.o raras e os seus re- parte arrobas de Arribagóes salgadas e secadas ao sol sáo
manescentes vivem confinados em alguns a<;udes do Ser- vendidQS nas feiras e milhares de ovos sáo recolhidos e
táo onde a cac;a é proibida. vendidos para consumo em cada recanto habitado.
No Alto Sertáo a Ema (Rhea americana), antigamen- A própria pesca, burlando Códigos, é irracional e cri-
te numerosa, foi totalmente aniquilada. Os Tinamideos. núnosa; no rio Paraiba, que é sensivel ao influxo da~
Nambus estáo escasseando nas ca.atingas e o Jacu (Pene- marés até o Sanhauá a vinte quilómetros da foz, pratica-
lope) é raro nas matas reduzidas do litoral. se a pesca com redes de malhas finas capturando milha-
Na costa atlantica o Biguá (Phalacrocorax) desapa- res de alevinos principalmente de curiméis ou tainhas 11
receu por completo. O M1aguari (Euxenura) já se tornou ven~das em lotes de "peixe miúdo para "muquecas".
raro bem como o Socó (Tigrisoma). O Colhereiro (Ajajá A necessidade da conservac;áo de padroes da flora e
ajajá) náo se encontra mais. da fauna de cada regiáo sugeriu a criac;áo de Parques
As Corujas (Titus) e espécies afins náo sáo respeita- Nacionais on~e sáo rigorosa.mente interditadas a destrui-
das porque sáo aves agoureiras e o seu grito prenuncia c;áo de tóda e qualquer espécie vegetal e a cac;a de qual-
desgra<;a, ignorando a sua utilidade. quer espécie animal, deixando que a própria natureza
Os Patos e Marrecas selvagens váo pouco a pouco mantenha nesses núcleos o aspecto natural e primitivo
desaparecendo; em época náo muito remota eram abun- da regiáo onde éles se acharo localizados .
dantes, dando nome a um municipio - Patos - e a um A denominac;áo de Parque náo importa na constru<;áo
povoado no de Princesa - Irere. de nada que sej a artificial nem que acarrete despesa.
Os Psitacideos povoavam as matas do litoral, do Explicando melhor, um Parque Nacional é urna área
Brejo e das caatingas com numerosas espécies; a Ara- de terreno com limites definitivos, inalie.nável por Lei,
runa (Ara chloroptera) deu nome a outro municipio onde cuja finalidade é preservar o desenvolvimento e a con-
era o seu "habitat"; os Pa'lJlL{Jaios sáo boje raros perse- serva<;áo da flora primitiva tal como ela se a.presenta no.
guidos pelos vendedores de pássaros. O mesmo ocorre com seu aspecto selvagem servindo, ao mesmo tempo, de re-
os Columbideos que váo pouco a pouco desaparecendo. fúgio protetor dos animais selvagens da regiáo para que
Citamos aqui apenas as espécies principais e de maior ali se reproduzam garantindo a conservac;áo das espéeies.
porte; as demais, pássaros gritadores ou cantores, sofrem, Nessa área náo é permitida a ca<;a nema captura de ani-
também, a mais cruel perseguic;áo. Os vendedores de pás- mais, nem. o corte ou coleta de vegetais, nem escavac;oes
saros que vivem da ca<;a de alc;apáo, os menores que pra- ou prospecc;oes no terreno, ou trabalho de qualquer espé-
ticam por toda parte a caga de "baladeiras" e os cac;a- cie que venha a modificar o seu aspecto primitivo.

94 95
E:sses Parques, considerados "Santuários da Nature-
za ", multiplicam-se atualmente em todos os países do
mundo, e embora tenham finalidade científica podem ter,
ao mesmo tempo, objetivo turístico, permitindo a sua vi-
sita em setores delimitados.
Náo se esboc;a, no Nordeste, o menor movimento em
prol da def esa das belez as naturais ou de prot~áo a flora
e a fauna já táo empobrecidas . A Paraíba poderia tomar
a dianteira; lugares próprios náo faltam para a sua reali-
zagáo; camaratuba, apesar de mutilada na Zona Lito-
ranea, é propriedade do Estado e serviria para esse fim .
ou tros seriam criados depois nas Zonas do Cariri e do INSlRU·MENTOS LI11COS INDíGENAS
Alto Sertáo para conservar os padróes dessas Zonas Fisio- DA PARAlBA
gráficas.
A criaQáo desses Parques nao importarla em despesas
que pesassem no orc;amento do Estado . Limitadas por Quando os invasores europeus aportaram a Paraíba,
cercas, vigiadas por guardas florestais interditando as suas pouco tempo depois da época chamada dos descobrimen-
áreas, nada mais seria necessário. A Natureza e o tempo tos, o litoral era habitado por duas nac;óes indígenas do
f ariam o resto . ramo tupi: a Tabaj ara ou melhor Tabayara, no tupi /

senhores das aldeias ou aldeoes que ocupavam as terras


ao Sul do rio Paraiba até os limites da antiga Capitania
de Itamaracá, e a Potyguara ou melhor Petinguara, mas-
cadores de fumo que viviam a partir da margem oposta
do mesmo rio em direc;ao ao norte, atingindo, sem soluc;áo
de continuidade, a serra da Ibiapaba no Ceará.
É o que se le nos compendios de História; eles tam-
bém nos dizem que o dominio dessas na~oes se estendia
por vinte léguas em direc;áo ao oeste, sabendo-se ainda
pela sua leitura que as terras do interior era.m habitada.s
pela nac;áo Carirl ou Kiriri, povo tapuio ( *) bastante
numeroso que se subdividía em multas tribos e aldeia-
mentos.
Revendo os termos de "Sesmarias" concedidas pela
Coroa de Portugal em que aparecem, citados, alguns dos
antigos nomes geográficos da antiga Capitanía, pela sua
localizac;áo, pode-se tentar estabelecer urna linha-fron-
teira entre as duas linguas fa.ladas no seu território.
Os nomes de origem tupi váo do litoral até os pri-
meiros contrafortes da vertente oriental do macic;o da
Borborema. O seu limite do sul para o norte parte da
serra do Pirauá no municipio de Tabaiana, contorna a

96 97

serra até Aguapaba no de Umbuzeiro, ~esde .pelo vale .?º " Bandeirantes", invasores já familiarizados com a "lingua
Paraiba até a confluencia do río Inga, sub1ndo por ele geral" e que traziain com eles indígenas do ramo tupi
até as suas nascentes na Serra Redonda e, daí, por urna como escravos, e numerosos "mamelucos" conhecedores
linha que contorna os contrafortes da Borb~rema, p-a~­ dessa lingua; e assim foram denominando acidentes geo-
sando por Alagoa Grande, Alagoinha, Guarab1ra e P1rp1- gráficos ainda desconhecidos para eles ou sem nome, in-
rituba envolvendo a serra da Cupaóba pela sua vertente distintamente com nomes tupis ou portugueses. Isso jus-
ocidental, alcanga o rio Curimata.ú descendo pelo vale tifica essa mistura heterogénea de nomes geográficos
desse rio até os limites com o Rio Grande do Norte. tupis e tapuios, pois é sabido que os tupi nunca pene-
Os ·rupis na sua invasáo pelo litoral, . teriam subi~o t.raram na zona dos Sertoes.
0 vale do rio Paraíba e seus afluentes Gur1nhem e Ir:ga;
Diz Theodoro Sampaio: "As Bandeiras quase que só
0 Mamanguape e seus afluentes I tapecirica e Ar~a~1; o falavam o tupi. e se por tóda parte onde penetravam,
camaratuba e o Curimataú até os seus a.fluentes Cala- estendiam os dominios de Portugal, náo lhe propagavam
bougo e Tacima. _ todavía, a língua, a qual, só mais tarde, se introduzia
A parte restante da Capitanía, isto é, a dos Serto~s, com o progresso da a.dministragáo e os melhoramentos."
constituía território da nac;áo Cariri e os nomes geogra- Recebia.m, entao, nomes tupis as regioes que se iam
ficos dessa língua, mais avangados em diregáo a leste, descobrindo e o conservavam pelo tempo adiante, ainda
aproximam-se da linha fronteira que aquí fica esbogada. que jamais tivessem, habitado urna tribo de raga tupi. E
Entre os municipios do Ingá e Ca.ID.pina Grande ve-se assim é que no planalto Central do Brasil, onde domina-
a serra de Bodopitá, nome ao nosso ver suspeito, e de urna vam povos de outras raga,s, as denominagoes de vales, rios
de suas vertentes nasce o rio Cuiuraré, nome Cariri. No e montanhas e até de povoagoes sáo pela maior parte de
alto da Borborema aparece Banabuhé, antigo nome de "lingua geral", e acentua que, "bem poucos na verdade
Esperanga, e Bruxa.xá, nome primitivo de Areia, ambos sao os nomes de procedencia ta.puia conservados na Geo-
suspeitos, como o de Bodopitá, pois podem ser interpre- grafia nacional. "
tados para o tupi mas podem ser também classificados, Vejamos a distribuiQao dos nomes geográficos tupi-
talvez com mais acerto, como nomes tapuios. A noroeste guaranis e cariris de acórdo com a documentagáo colhida
áa serra de Araruna, na parte denominada . . .serra do Da- nas "Cartas Régias" e "Alvarás" concedendo "Sesmarias ",
miáo, próximo ao rio Curimataú, duas lag~inhas se de- do ano de 1586 ao de 1824.
frontam: Poró e Xuriaré; Poró pode ser tupi, porém, Xu- Do litoral até a linha-fronteira que estabelecemos
raré é cariri. separando os territórios das duas nagoes:
Conquanto náo se possa afirmar a exatidáo rigorosa Nomes tupi-guaranís: Abiá, Abiahy Acejutibiró, Aragá,
desse limite porque ele se orienta pelas indica~oes dos Arar;agy, Araruna, Borborema, Cajá, Camaratuba,, Capi-
nomes geográficos citados nos termos das "Sesmarias" baribe, Carautá, Catú, Cobé, Gravatá, Cumbeba, Cupaóba,
e estas apenas mencionam os nomes que incidem corn Curimaitahu, também grafado Curimatahi, Garg,a ú, tam-
seus limties ou localizam a situagáo das terras concedi- bém grafado Garaú e Gra.ú , Genipapo, Guagirú, Guajá,
das, omitindo, naturalmente, muitos outros, náo pode Guajú, Guapeba, Guarabira, Guirejuba, Gurinhen, também
estar longe de corresponder a verdade porquanto náo gratado Gurinhaem, Grohahuhem e Gronhunhaeem, Ibu-
aparecem nomes cariris aquém dessa fron teira. ry -utinga, Ingá, Ipojuca, I11uera, Itapecirica, também gra-
Atualmente, na regiao do planalto e no Alto sertáo, fado Tapessirica, Itapeticaba, também grafado Tapeticaba,
território habitado pelos cariris, os nomes tupis sao fre- Jtapuá, também grafado Tapuá e Itapoape, Itapute, Pirpi-
qüentes. Foram, como tudo o indica, introduzidos pelos rituba, Jacaré, Jacarahú, Jacoca, Jacu, Jacuhype, Jacuma,

98 99
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Jaguarema, Jaguaribe, Jandahyra, Japy, também gratado


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Japuhy, Juá, Juréma, Jussara, Macaré-Sumé, !..-!amuaba,


MaJn.dacarú, Mangi1,ape, Maraú, Maripitanga, também gra-
tado Marapitanga, Mary, Miriry, Miriripe, Mogeiro, Mon -
gereba', Mumbaba, Mandahú, Muquem, Murtcytuba, !t'fus-
suré, Natuba, Pecaconha, Pacatuba, Paó, Paquevira, Pa-
rahyba, Paturapassurema, Ptndoba, Pirauá, Pitanga, Pi-
timbú, Pituassú, Pituhy, Pr_operibá, Quandú, também gra-
fado Quandé, Tegió, Sabahuna, Sarapó, Tabatinga, Ta- '
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boca, Taburéma, Tactma, Tambaba, Tamoatá, Tamoatá- ~.:..: '.·.:":·..... . . ..
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1niriw, Tapera-vuara, Tapituba, Taqua11a, Taquitapera,


Taraquira, Tauá, TQJnanduba, Ttbiry, Umary, Una, Uriúna. ti~}~~'t. .
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Uruci e Utinga .
Nesta regiao náo aparece nenhum nome car1r1.
Da linha fronteira até o extremo oeste da Capitania:
Nomes cariri: Aad:uqué, Amprou, Aria tó, Aredecó, Are- .;~.~~,·
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Conquá, Copy, Cornixauá,, Coró, Cotaé, Cotaré, Coturaré,


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Crania-cuqui, Cubaty, Cuicuyú, Cuijaré, Cuihú, Cujagique,
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Cujéhuoyuci, Cujar~abo, Cunhacú, Cupaná, Curiupe, Cutu-
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btté, Gerquiaquixé, Hengtcó, Htag6, Hucurúmongique, Icó,

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Jabttacá, Janquexeré, lará, Ju'bencu, Matapt, M<>icó, Mo-


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giquy, Mucecetu, também grafado Mucutu, Nemohtqutxedé, ·:" ...
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Ocá, Ozocoró, Pacuemy, Patamuté, Piancó, Pacarohú, Poáy, \.., ... :. tí"':·· ". ' . "
Potcú, Poxú, Prot()17'1).a xaré, Pudy, Quicó, também grafado •..J:
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Quincú, Qutm.p tquer, Quinturaré, Quirará, Quixacó, Qui- .. ~,

1·é, Quixerobébe, Quixó, Ricoquecidó, Samanahú, Sará, .··.. ..:.·


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também grafado Sorá e Soré, Seridó, Sucurú, Tahema, ·- .• .',


Tarurá, Tibinharé, Teiorú, Urujeré, Urá, Xabocon e '~.. ::1
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Xuraré. ·,......
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Nomes tupi-guarani.s posteriores as entradas dos '•>. ··"":..:__:·: ::~
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"Bandeirantes" na área dos cariri.s . ; :=. :1


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Acauan, também grafado ·C auan, Acau-an e Ocuá, ..: ..:· ."· ..: :: ... ·.:..
Arapuá, Batinga, Caipora, Capuá, CapaJná, CaraJiyba, tam-
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bém grafado Carahuba, Carnaúba, Caruá, Caruatá, tam-
bém grafado Oarautá, Cipó, Gr.a vatá, Cuité, ·cupira, Im:bú,
t a.mbém grafado Umbú, Umburana, Japuí, Jaram.ataia,
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tipo cunha e correspondem éxatamente. a.08 que foram
Jatobá, Jucá, 'flftaranguape, Piacá, Picuí, tam-
Mani~oba, descritos pcr Métraux (La Civiltzation Matértelle des
bém grafado Pucuí, Piranha, Pirussú, Paró, Preá, Qua.ti, Tribus Tupi-Guaranís). (fig. 1-2).
Sabiá, Sabugy, Sariema, sussuarana, Ttmbaúba, Trapiá, Sáo também do mesmo território os machados semi-
umari, Umburana, Urucú e Urupiá. ~ircula.res ou semilunares que eram e·xibidos em certas
Na regiáo dos Carlri, habitavam os Paiacú nas serras cerimOnias rituais como instrumento simbólico, atributo
do Cuité, Ararura e do Calabouc;o; os Sucurú no Planalto dos maiorais, e náo deviam ter func;áo de arma . (figura
da Borborema cuja principal concentr~áo estava locali- 3-4-5). Apóia esta suposi~áo o fato de ter sido encon-
zada nas cabeceiras dos formadores do Paraiba; os Áriú trado um belo exemplar no litoral da Paraiba, o maior
no vale do Piranhas, Sabugi e Alto Piranhas; e os Icó do que conhecemos, de barro cozido, exemplar que se acha
Ceará que investiam até o vale do rio do Peixe . na cole~áo do "Instituto Arqueológico de Pernambuco'' .
Ignora-se até onde se estendiam, na Paraiba, os li- (fig. 6) .
mites dos dominios dessas tribos; alguns historiadores No território Tupi-Guarani nunca achamos nem
subdividem-nas em outras numerosas, tais como Planeó, ternos noticia de outros instrumentos. PilOes, almofarize~
Curema, Inhái, etc., nomes que ao nos.so ver deviam cor- etc., deviam ser, provavelmente, de madeira e foram cer-
responder a aldeiamentos e náo a tribos porque os ins- t amente consumidos pelo tempo.
trumentos liticos achados na regiáo dos Cariri, apresen··
tam-se em quatro tipos diferentes, apenas, ocorrendo cada
tipo sempre nas áreas acima citadas como "habitat" dos 'l'ERRITóRIO CARmI
Paiacú, Sucurú, Ariú e Icó, evidenciando, com as suas MACHADOS
formas características, diferenc;as de cultura entre essas
tribos embora sendo todas da nac;áo Cariri. No território Cariri os machados diferem para cacta
Durante dois decenios fizemos pesquisas em. ambos área das tribos acima citadas .
territórios: TUpi-guarani e Cariri, coletando instrumentos Na área dos Piacú sáo quase cilíndricos, rústicos,
liticos; conseguimos material relativamente abundante: irregulares, de Olho arredondado como nos martelos de
macha.dos, almofarizes, máos de piláo, trituradores de se- bilro, de gume geralmente reto e cintados para facilitar
n1entes, bolas de arremesso, pesos para redes de pesca, o seu encabamento . (fig. 7-8).
mtraquitás e tembetás . Examinamos exemplares de outros Na área dos Sucurú sáo cuneiformes, perfeitamente
colecionadores que, com os que possuimos, perfazem um simétricos, com duas strliencias laterais do lado do Olho.
total de mais de mil pec;as entre as quais predominam os (fig. 9-10) .
machados, servindo ésse acervo de instrumentos, rigoro- Da serra de Bodopitá, área provável dos Sucurú, pro-
samente catalogados de acórdo com a sua proveniencia, vieram doi.s machados de fino acabamento, de gume reto
de base para a classificac;áo que tentamos no presente e ó1ho intelramente plano, tendo, em cada face, uma
trabalho. escari~áo perfeitamente cónica cujo centro corresponde
ao centro da oposta por um furo de 11/ 2 mm de diA-
'l'ERRITóRIO TUPI-GUARAN! metro (fig. 24-a). ~stes machados sáo de urna rocha tur-
M'A CHADOS malinifera que ocorre na -serra. de Bodopitá.
Na área dos Ariú sáo oblongos, compridos, sem aca-
No território Tupi-guaraní, habitado pelos Tabajara bamento do lado do Olho e de gume _arredondado.
e Petinguara, os machados de pedra sáo todos do mesmo (fig. 11-12) .
formato embora de dimensoes variáveis ; sáo tabulares, do

117
116
Na área de Icó a sua forma deriva-se da cuneiforme Conhecemos essas. bolas das. áreas dos Sucurú e dos
com Ugeiras intumescéncias laterais tendo, do lado do Paiacú. (fig. 25-26).
"
Olho, as mesmas saliéncias dos machados dos Sucuru e
de gume arredondado. (fig. 13-14). Da área dos Sucurus TRITURADORES DE SEMENTm
possuímos um instrumento de tipo completamente diverso,
de forma espatulada, de ólho fino, gume curvo, perfeita- Os trituradores de sementes que figuram em nossa
mente polido . Exemplar único até o presente momento , cole ~áo provem da área dos Sucuru; sáo seixos oblongos
(fig. 15) . (Provável instrumento agrícola) . ou retangulares com urna face plana., visivelmente gasta
pelo uso. (fig. 27-28-29) .
ALMOFARIZES E MAOS DE PILAO
TEMBETAS
Das culturas Cariri conseguimos dois almofarizes e
r. umerosas máos de piláo . Os tembetás apresentam-se em duas formas e dife-
Da área dos Paiacú um almof ariz de forma discoidal rentes tamanhos (fig. 30-31) sá~ de feldspato (orthose
de 22' cms. de diametro com cavidade de 12 cms. perfei- verde) polido coro fino acabamento .
tamente capsular e bem polido (fig. 16) . ·
'D a área dos Sucurú outro, maior, com 28 cms. e cavi-
dade de 14 cm.s. MIRAQUITAS
Ambos foram confeccionados de pedras aproveitadas,
roladas, provavelmente polidas pela a~áo das águas. Os miraquitas apresentam-se, também, de diversos
As máos de piláo da área dos Paiacú sao cilíndricas, tamanhos, porém, todos batraquiformes (fig. 32).
m eto toscas, com estrangulamentos para evitar o escor- Os tembetás e mira.quitas que possuímos sáo da área
regamento das máos quando eram utilizadas. (Figuras dos Sucurú~ sendo que o feldspato-verde ocorre com certa
17-18-19-20) . abundancia no planalto da Borborema justamente na área
Na área dos Ariú sáo paralelas ou ligeiramente c.ó ni- habitada por essa tribo.
cas, perfeitamente polidas. (fig. 21-22) .
FUSOS
RASPADEffiA
Na área dos Ariú foram achados dois fusos de ágata,
Da área dos Sucurú possuímos um instrumento de ligeiramente achatados com 55 mm de comprimen.to por
gume curvo como o dos machados com uma cavidade 18 mm de largura perfeitamente polidos. É interessante
capsular em cada face. Temo-lo classificado como ras·· anotar que náo há ocorrencias dessa pedra na regiáo.
padeira por náo conhecer-lhe, talvez, a sua verdadeira (fig. 33) .
utilidade. (fig. 24) .
PECAS DE ORIGEM SUSPEITA
BOLAS DE ARR~SSO
Do litoral da Paraíba possuímos tres pecas idénticas
As bolas de arremesso, provavelmente coro arco, sáo de quartzo, achatadas, com as duas faces cóncavas, tendo
rigorosamente esféricas, perfeitamente polidas, variando ao centro dessas concavidades um furo de 11/ 2' mm de
o seu diametro de 3 a 6 cms. diametro. (fig. 34) .

118 119
Teríam sido, como ·supomos, pesos de réde de pescar?

" Na.o conhecemos referéncias a pec;as désse g~nero, por
isso acreditamos que náo pertenc;am a cultura tupi-
guarani .
Todos os instrumentos líticos acima mencionados se
apresentam em diversos tipos de rochas: diorito, diabase,
sienito, quartzo etc. Servindo-se para a sua confecc;áo da
rocha predominante em cada lugar .
O ensaio de classificac;áo para os instrumentos Uticos
que aqui ficam descritos ficou subordinado estritamente
a sua distribuic;ao geográfica. Entretanto, no estado atual
dos nossos conhecimentos lamentavelmente atrasados no
que diz respeito a arqueologia do Nordeste, quaisquer con- INSlRUMENTOS DE PEDRA LASCADA
clus0es seriam temerárias e prematuras, maximé tendo
t;m cont.a que as n.ossas observac;oes ficaram circunscritas
~ urna área relativamente restrita tanto da nac;áo Tupi- Os instrumentos de pedra lascada representam O!)
Guarani como da Cariri como é a do ~ado da Paraíba. produtos mais antigos da indústria humana . Para a sua
Ternos como opiniao firmada que estamos ainda na confecc;áo os primeiros artifices utilizaram de preferencia
fase de coleta de material que deve ser classificado hones- o silex, escolhido entre as demais rochas porque, facili-
tamente . As conclusoes viráo depois . tada pela sua dureza e fratura conchoidal, qualquer lasca
pode ser talhada dando-lhe a forma desejada, seja por
. ,.. - Tapzlio - interpretado erradamente como bar- percussáo ou mesmo por pressáo de qualquer corpo de
báro ou menos civilizado provém de taba-pu.y o dureza média, conseguindo pontas agudas e gumes cor-
originário das tabas. * tantes ou denticulados com relativa facilidade .
Assim, as pontas de flechas, de dardos, arpo~s ~ . os
primeiros instrum.e ntos cortantes do homem pr1m1t1vo
foram principalmente de sílex. Na sua falta, o quartzo, o
jade ou nefrita, a obsidiana e a calcedónia tamb~m f.oram
utilizadas para o mesmo fim embora mais d1ficeis de
trabalhar.
No correr de nossas excursoes e pesquisas pelo ter-
ritório paraibano tivemos a feliz oportunidade de achar
alguns raros instrum.e ntos de pedra lascada '. neolíticos,
t endo visto alguns mais em máos de leigos que os conser-
vam por mera curiosidad e.
t;sses instrumentos acham-se indistintamente desde a
planicie litorA.nea até o Alto Serta.o. ·
Sáo pontas de dardos e laminas cortantes, algumas de
execuc;áo esmerada, principalmente as de quartzo leitoso
ou hialino cujo acabamento faz dessas pec;as verdadeiras
obras-primas.

120 121
Sabe-se que o Sílex apresenta-se sob a forma de nó-
dulos nos terrenos de cretáceo superior ou nas camadas
t:erciárias (numuliticas). Na Paraíba ocorre na regiáo dos
•·tabuleiros" do litoral que pertencem a esses estágios geo-
lógicos, e raramente no Sertáo. Nos "tabuleiros" sao táo
abundantes em certos sitios que dessa abundancia pro-
veio o norr..~ do municipio de Pedras de Fogo, traduQaO
portuguesa do seu nome indígena primitivo tupi "També",
conservado na vertente pernambucana.
Chegados havia. pouco do Sul fomos convidados a
examinar galerías misteriosas existentes nos "tabuleiros"
que, segundo a lenda, prolongavam-se até as praias, aber-
tas pelos "Flamengos", como saídas para o mar con-
forme opiniáo de alguns e, na de outros, para a procura
de ouro existente nesses terrenos.
Visitamos em 1934 urna dessas galerías nas cabecei-
ras do riacho Carapucema, outra perto de Mataraca no
município de Mamanguape e urna. terceira no "tabuleiro"
de Pedras de Fogo . Recentemente examinamos outra ain-
da, apontada como antiga mina de ouro, próxima a antiga
estrada de rodagem de Mamanguape a Canguaratema, na
encosta do "tabuleiro" onde se limitam os Estados da
Paraíba e Rio Grande do Norte.
Essas galerías sao todas idénticas; consistem num
poQo tubular perfurado em sentido vertical com a pro-
fundidade de 3 metros em média que atinge as camadas
argilosas do subsolo do "tabuleiro" e serve de chaminé
de ventilaQáo de urna cripta cavada em abóbada, abaixo
da chaminé, com 3 a 4 metros de diametro por 1,50 a
2 metros de altura; a sua forma é mais ou menos circular
e dela partem galerías em diversas dire~oes que nao váo. ..
geralmente, além de 20 m·e tros de extensa.o . Quando a
galería se prolonga além de 10 metros outra chaminé
sobe para a superficie do terreno para estabelecer um
sistema de ventilaQao .n a galería. o diametro dessas cha-
minés permite a passagem do corpo de um homem de
inédla estatura.
Na galería de Carapucena uma entrada de forma heli-
coidal parte da superficie do terreno descendo em rampa
até comunicar-se com a cripta Por urna abertura lateral

122 PONTAS DE DARDOS E DE FLECH'AS E OUTROS


INSTRUMENTOS CORTANTFS
que dá passagem a um homem deitado apesar de estar
meto obstruida.
&ssas galerías sa.o as antigas minas, nAo de ouro, mas
de Sílex, onde os artífices ~ tam buscar o material neces-
sário para confeccionar as suas armas e utensilios.
Essas minas sáo conhectdas na Europa; em Spiennes,
perto de Mons, na Bé.lgica, no Norfolk e Sussex, na Ingla- .
terra, no Aveyron, no IV(arne e no Oise na Fran~a e na
Africa em Ouadi-el-Cheikh, no Egito. Assim sáo as nossas,
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se bem que menores, talvez porque o consumo desse ma- o
terial f ósse restrito para as tribos locais também pouco z
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num.erosas, enquanto os da Africa náo só abasteciam as "'O

popula~óes loca.is como estas mantinham intenso tnter- \


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ca.mbio comercial désse material precioso com outros
povos em cujos territórios náo era encontrado . -
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124
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A "PEDRA LAVRADA" DO INGA

() Descendo o rio Ingá, um.a légua a jusante da cidade,


o há um treeho pedregoso de blocos de gneiss em situa<;áo
o..
...-·
(b tumultuária por onde o rio corre encachoeirado. No
Ot
<1>
centro do pedregal um grande bloco que descansa sObre
1.1>
urna grande laje divide o rio em dois br~os, formando
"O
...-...
<l> ésse bloco do lado norte um paredáo de uns 20 metros de
...oe comprimento por trés de altura.
o.. Do lado sul do bloco, curiosos caldeiróes perfurados
o
1.1>
na rocha, provavelmente por pedras sOltas acarretadas
:::J pela correnteza e agitadas em movtmento turbilhonário
o agindo como brocas, dáo a esse trecho aspecto pitoresco,
...o enquanto do lado norte o paredáo é totalmente coberto
(\
:r de sinais e desenhos gravados em mela-cana com 3 c~.
.o de largura e 6 mm de profundidade, de linhas puras e
perfeitamente polidos.
É a "Pedra Lavrada" do Ingá, monumento arqueo-
lógico dos mais importantes, senáo o mais importante do
Nordeste .
Ao alto, na face do paredáo, urna linha de pontos de
5 cms. de di~metro, perfeitamente capsulares limita a área
principal dos lavOres inseridos na pedra. :msses lavOres
representara plantas estilizadas, figuras zoomorfas, antro-
pomorfas, fálicas e urna profusáo de sinais diversos, por
vézes repetidos, bem como os pontos capsulares atal)€tan-
do o paredáo numa superficie de 30 metros quadrados
aproximadamente .

125
A laj e sóbre o qual se eleva tem, também, sinais gra- de Fenicios, outros de $breus, outros de Gregos, inter-
vados que consistem em pontos capsulares separados por pretada como roteiro indicando tesouros escondidos ou
distancias diferentes imitando urna constelacáo e ligado5 minas de ouro ou de episódios da vida dos pavos primi-
entre si por linhas retas formadas pelos mesmos sulcos tivos que teriam fixado na rocha a sua história e para
cavados em meia cana. ( * * ) outros como simples garatujas feitas como passatempo
:ti:stes desenhos e sinai.s, apesar de gravados num gneiss ou desportos ociosos dos indígenas que habitaram esses
duríssin10, estáo visivelmente gastos pela aQáo das águas lugares, trabalho talvez coletivo feito através de muitas
correntes do rio e o material aluvionar que ele arrasta ger~oes.
nas suas cheias. A "Pedra Lavrada" do Ingá cujos desenhos e caracte-
Pelo desgaste que se verifica nos lavores da pedra pode res foram talhados, repetimos, num gneiss durissimo teria
ser-lhe atribuida urna antiguidade bastante remota. sido um passatempo trabalhoso e pouco divertido. A re-
Em outros blocos de pedra. das adjacencias há tam- peti~áo de certos sinais, a figura. humana e as plantas.
bém caracteres gravados . interpretados com certa estiliza~áo, as de animais, as su-
Até bem pouco tempo o conjunto da "Pedra Lavrada" postas figuras fálicas, parecem indicar a fixa~áo de urna
era maior: blocos de pedra superpostos entremea.dos de seqüéncia de idéias, ou fa.zem pensar, quando menos, nos
ingazeiras emolduravam o pedregal formando um con- primórdios de urna arte escultórica procurando reproduzir
junto agradável e pitoresco . Em dias de 1953 estivemos náo só o que viam com. os sentidos materia.is mas também
no local, surpreendendo urna turma de operários cavou- o que viam subjetivamente com os olhos da imaginaQao .
queiros, destruindo o pedregal; os blocos da cerca.dura nas Evidentemente as versóes de passagem de Fenicios,
duas margens do rio estavam sendo reduzidos a rachóes de ·Hebreus ou de outros povos, porque nas Itacoatiaras
e paralelepípedos para a pavimentacáo das ruas da Capi- há sinai.s que se assemelham a certos caracteres de suas
tal. Ésse ato de destruigáo e vandalismo havia sido auto- antigas escritas, sáo solucóes que implicam Ieviandade ou
rizado pelo proprietário das terras onde se encontra.va o mistifica~áo.
pedregal, embora a 50 metros de distancia exístam pedras Sej a qual f ór a sua significa~áo a "Pedra Lavrada ,,.
bastantes para pavimentar o décuplo da área de pavi- do Ingá lndecifrada ou inexplicada constituí um interes-
n1entagáo prevista.. sante e valioso documento da nossa pré-história.
Coube a Sociedade Paraibana de História Natural in-
tervir no caso protestando junto ao Prefeito do Municipio
e ao Servigo do Patrimonio Hlistórico e Artístico Nacional
que, tardíamente embora, ma.ndaram sustar a obra de
destruicáo .
Há, na Paraíba, muitas ou tras inscricoes rupestres;
em algumas aparecem, repetidos, alguns dos caracteres da
"Pedra Lavrada" do Ingá, urnas gravadas, outras pinta-
das de cór vermelha indelével desaffando a agáo do tem-
po; mas .nenhuma táo sobrecarregada de curiosos dese-
.nhos como esta .
Sobre o significado désses desenhos e désses caracte-
res muitas hipóteses tém sido aventadas; improvisados
Champollions viram inscrigóes e testemunho da passagem

126
OS CARIRI FORAM OLEIROS

Angyone Costa, no seu ·livro "Introdu~áo a Arqueo-


logia Brasileira", no Capitulo VII que trata dos "Centros
Arqueológicos e sua distribui~áo nas Zonas Geográftcas
do País,,, escreve:

"A zona chamada do Nordeste, isto é, toda a faixa


litoranea subtropical que se estende do Norte da
Bahia até a embocadura do Parnaiba, nas proximi-
dades do Maranháo, náo apresenta nenhum centro
o
arqueológico, apesar de tóda ela ter sido habitada, de .Jl
velha data, por antigas e variadas na~oes indígenas. o
U\
Essa solu~áo de continuidade bem pode ser ex- o
plicada aqui pela influéncia do clima que sujeltando m
a zona a prolongadas estiagens, impedirla os longos -
estacionamentos em suas pralas calcinadas, tornando
instável a fixa~áo dos seus primitivos moradores. "

&ta suposi~áo, embora as praias bem como o litoral


do Nordeste sejam favorecidos por chuvas periódicas co-
piosas e sendo tOda essa regiáo cortada por cursos d'água
perenes, parece, a primeira vista, razoável em se referindo
náo ao litoral, mas as terras do interior onde possivel-
n1ente as s~cas repetidas teriam feito com que as primiti-
vas popula~oes náo se fixassem por muito tempo e, como
nómades, náo tivessem chegado a ser oleiros.
Na Paraiba, ao tempo da chegada dos europeus, habi-
tavam no litoral Tabayaras e Petinguaras, povos da Na~áo
Tupi-Guarani e, no interior, isto é, a partir da encosta

128
orlen tal da Borborema até o extremo· oeste confinando
com o Ceará, a n~áo Cariri, desde tempos imemoriais.
Em dias de outubro de 1933 foi achada na escavac;áo
de uma cacimba no lugar Pitombeira na extremidade N-W
da serra de Caxexa uma 1gagaba ou alguidar de cerAmica
decorada em perfeito estado, e mais trés menores de
execuc;áo mais tósca.
A maior está em nosso poder desde 1940 e as demais
foram presenteadas a outras pessoas náo se sabendo mais
do seu paradeiro.
Estas pec;as estavam soterradas aproximadamente a
um metro de profundidade e, nas proximidades, dizem que
havia certa quantidade de cacos de barro cozido, o que
faz supor que tivesse havido urna olaria indigena esta:-
belecida ali.
Na área do achado habitavam os Paiacu, numerosa
tribo da nac;áo Cariri, e o local está situado justamente
numa das regióes mais secas da Para1ba que é o vale do
Curimataú .
Essa igac;aba tem a fOrlJ.1.a de um quadrilátero de An-
gulos arredondados tendo de diametro 0,50 x 0,45 cms. x
0,11 de profundidade . A sua cór é cinzenta, decorada in-
ternament e com entrelac;amento bem combinado de linhas
de cór parda escura, circulada na parede interna por urna
cinta de cor vermelha que limita os desenhos iniciais que
imitam um tranc;ado de cesto . A parte externa é pintada
de amarelo. (Fig. 24)
O achado desta cerámica é urna revelac;áo e, ao mes-
mo tempo, um desmentido ao suposto noma~ismo dos
Cachimbo de barro cozido. (Fig. 25) povos que habitavam as caatingas flageladas pelas secas.
Entre os indígenas do Nordeste houve oletros - as "iga-
c;abas" de Pitombeira o atestam - e que nas artes do
desenho tinham atingido a fase adiantada de urna estili-
zac;áo original e característica.
É possível também que há séculos passados, quando os
Cariri habitavam essa regiáo, fósse ela menos inóspita .
Grandes mat as de elevado porte guarneciam as vertentes
de onde corriam os riachos que alimentavam o curso do
Curimataú. A devast~áo total das matas agravou e con-
tinua agravando a situac;áo daquelas terras, cada vez mais

t29
secas e menos habitáveis. De outra parte a distribuiQáo extremo Sul, fica essa enorme falha do Nordeste, esque-
geográfica dos instrumentos liticos, machados etc. apr~­ cido e caluniado, mas onde certamente j azem, latentes,
sentando formas especiais para . cada cultura que. nao multas surpresas para o adiantamento dos estudos da
ultrapassam determinadas fronte1ras parecem confirmar nossa arqueología.
também que as tribos viviam fixadas nas suas áreas.
Em palestra com o Dr. Luiz de Castro F~ria,. chefe NOTA
da secQáo de Arqueologia do Museu Nacional, esse 1lus~~e
homem de ciencia opinou que, pela forma e pela est1h- A na~áo Cariri, cuja origem suscita ainda controvér-
zaQáo dos desenhos, a igaQaba da serra da Caxexa deve .sias por questoes de lingüística, ocupa.va o vasto território
ser Tupi-Guaraní. compreendido entre o Itapecurú no Maranhao e o Para-
Náo há notícia histórica que assinale a penetra~ao guaQu na Bahia; os seus domínios estendiam-se por todo
dessa na~áo indígena no planalto da Borborema ou Sertáo o Nordeste até o litoral de onde foram rechagados pelos
dos cariris regiáo onde a iga~aba foi achada. Os Tupi- Tupi invasores da costa, retirando-se para os sertoes, per-
Guarani n~o passaram, pelo que se sabe, da planície lito- seguidos mais tarde e dizimados pelos europeus no tempo
ranea até ás encostas da vertente oriental da Borborema. da coloniza~áo .
Teriam os Cariri recebido influencia Tupi-Guarani na Segundo uma tradiºªº colhida pelos missionários, os
confecgáo e ornamentagáo dos seus ceramos? É po~co Cariri vieram de um lago encantado do setentriáo do con-
provável. Mais certo talvez é que éles tives~em receb1do tinente, talvez do Amazonas em tempos remotos como
influencia dos Aruak de cujos ceramos artlst1camente de- opina Capistrano de Abreu.
corados há tra~os de sen1elhanga na "igagaba,, da Serra Que eles se irradiaram de NO para NE parece fora
da Caxexa. de dúvida pelas características etnológicas apontadas por
De lugar indeterminado possuímos um cachimbo de PH;. von Martius: "distinguiam-se dos povos vizinhos pela
barro cozido de tipo idéntico aos que foram achados no agricultura desenvolvida, tinham os tecidos e as cerámi-
Rio Grande do Sul. (Fig. 25) cas dos indígenas do Amazonas" . Essas características
As cerámicas de "Pitombeira" achadas em condi~o es váo sendo confirmadas pelos achados conseguidos em se-
fortuitas náo sáo, certamente, pegas únicas; outras de- pulturas incontestavelmente cariris; colares ensartados
vem existir soterradas onde houve aldeiamentos . em fios de algodáo, tranºados de fibras de caroá, a iga-
~aba da serra da Caxexa, o uso de tembetás e miraquitás
Da cultura Tupi-Guarani foram exumadas, na Paraí-
ba urnas funerárias de barro cozido, por ocasiáo da cons- de pedra verde. Nas suas peregrinaºoes de NO para NE
tr~Qáo da rodovia Sapé-Mamanguape nos cortes pratica- teriam sido os inscritores das itacoatiaras que marcariam
dos na fazenda do Leltáo a direita do rio Mamanguape. talvez roteiros, testemunhos de sua passagem e de sua
Essas urnas continham as respectivas múm1as. A13 urnas permanéncia ou fixagao em determinados lugares, pois
foram quebradas e as múmias enterradas nao se sabe essas inscricoes rupestres sáo geralmente gravadas ou
onde. pintadas em rochas ou penedos cuja face está voltada
para NO.
Recentemente, outro achado idéntico no municipio do
Pilar teve o mesmo destino. A itacoatira do Ingá deve ter sido esculpida pelos
Cariri e a constela~áo gravada na laje que lhe forma o
É lamentável que náo se tenham feíto ainda pes-
piso cuja posicáo das estrelas forma a constela~áo de
quisas arqueológicas no Nordeste. Entre as culturas que Orion refere-se a lenda do "Homem de perna cortada"
conhecemos do Cunani, de Santarém e do Marajó no ex- vastamente difundida entre as tribos do setentriáo o que
tremo Norte e dos Sambaquis do Brasil Meridional e do parece confirmar a origem amazOnica dos Cariri .

130
131
AS SEPULlURAS DA SERRA DA MARGARIDA

Estávamos em Pernambuco f az.e ndo uma inspe<;án


mineralógica no Estado por incumbencia do Interventor
Agamenon Magalh5es em 1944 quando fomos avisados por
um médico amigo, Dr. Manuel Florentino, de que em
Salgado de S. Félix, municíplo de Itabaiana na Paraíba,
haviam sido encontradas ossadas humanas no fundo de ·
uma loca na serra da Margarida, talvez cemitério indi-
gena interessante para nós.
Solicitamos ao Dr. Manuel Moraes nesse tempo Chefe
de Policia que mandasse interditar o local para evitar
estragos porque urna romaria de curiosos afluía ao local
do achado, na suposic;áo de se tratar de um crime ou
"obra de cangaceiros" que em tempos idos teriam saquea-
do a regiáo. Atendido pela sua proverbial solicitude fomos O vaqueiro Santino Mar·
dias depois ao local credenciados para opinar sobre a tins Dionízio
identidade das ossadas.
A serra da Margarida está incluida numa das pro-
priedades do Sr. Odilon Maroja, criador local, e é um dos
contrafortes da serra do P'Írauá, esgalhe oriental da Bor-
borema no divisor Paraíba-Pernambuco. É serra de pouca
altura e, a meia encosta, grandes blocos de pedras rolados,
produtos da erosáo, formam furnas e locas que servem
de abrigo aos ca<;adores de mocós abundantes na serra .
Foi numa dessas furnas que as ossadas se achavam
emparedadas; eram os esqueletos de seis indivíduos adul-
tos; do is de homem, tres de mulher, o osso frontal de
urna crianga de dois anos presumiveis; com eles algumas
alfaias, fragmentos de trangado e de cordoalha.

C o 1a r (Fig. 26)
132
A serra do Pirauá está incluida ainda na área habi-
tada outrora pelos Sucuru tribo numerosa da nac;áo
Cariri.
Do ex ame dos esqueletos f ornecemos ao Delegado de
Policta de Itabaiana o seguinte laudo:
)>1
"Sr. Delegado:
a..
-·(1)
.... Tendo concluído o exame pericial das ossadas
-
Q

o
humanas achadas na serra da Margarlda, passo as
vossas máos o presente laudo cujas conclusOes sáo as
seguintes:
..,"'tJ Posso afirmar que se trata de sepultura indígena
o
o::J -~ basea.da essa afirmac;áo nas seguin tes provas:
a..~ l.º - Os cranios sáo em tudo idénticos aos da
..,o
-
(J)

serra do Algodáo ( cemitério indigena Cariri) .


o
..... : 2.º - A estrutura do cabelo examinada ao mi-
o
3 :'TI croscóplo revela ser de cabelo de indivlduos de rac;a
CD
:3
::O

americana.
n
o () 3.º - As alfaias encontradas junto dos esquele-
:J
..,- (1).., tos sáo indígenas.
o o 4.0 - Pelo estado de porosidade dos ossos as inu-
a..-
º .. mac;Oes devem remontar a data bastante recuada.

~ e
5.º - Pelo que me tem sido dado observar, era
o
~ o ::::s
costume dos Cariri emparedar os seus mortos em
~ O•
~
locas de pedra.
o "TI Paree~, pois afastada tóda suspeita de crime ma-
a..
o e..,
~ ::::s
o
xim.é de data mais ou menos recen te .
::::s O achado constituí, entretanto material antro-
a.. a.. pológico e etnográfico interessante para a ciéncia pelo
<O' o
CD
::::s (/l que opino que deve ser cuidadosam.e nte conservado.
O CD
."' ..,o Joáo Pessoa, 2 de maio de 1945."
a..
Q Após a entrega deste laudo entramos na posse de todo
es.se valioso material, que se acha no Musen do Estado.
~
o
.., Os esqueletos pertenceram a individuos de estatura
<O
o.., média (1,60 m a 1,68 m); os cranios sao dolicocéfalos.

a.. As alfaias consistem em trés colares; um déles (fi-
..Q
gura 26) é constituido de costelas de mamífero cortadas
de igual tamanho, en.sartadas em fio de fibra de caroá,
intercalados entre cada costela anéis de osso de canela

.133
(\
de siriema cortados com regularidade e perfeitamente po- abaixava e se esgueirava para passar entre os galhos e
lidos . o colar é terminado por um pingente de osso tra- cipós o indio passava através dos obstáculos como se fOsse
balhado, imitando a cabec;a de um pássaro de bico longo urna sombra. Finalmente chegaram a uma loca onde éle
cuja parte inferior articula-se com a superior . Os outros multas vézes se abrigara da chuva a espera dos mocós, e
dois colares sáo de concha de um caramujo marinho cor- o indio, apontando-lhe a loca, dtsse-lhe que os mortos
tada em pequenas placas retangulares com furos nas ex- estavam ali e desapareceu .
tremidades para ligá-las entre si, terminando também por Ao acordar contou o que tinha sonhado a sua mulher
um pingente feito de uma placa do mesmo material em sem dar maior importttncia ao fato. Decorrido um ano,
cuja parte superior se ajusta um dente de maracajá. em 1943, na mesma noite do ano, o sonho repetiu-se em
Os demais objetos consistem numa bola de cabelo, condic;oes idénticas. Contou-o novamente .a sua mulher,
fragmentos de tranc;ado (esteirinha), fragmentos de cor- comentando essa curiosa coincidencia e o fato caiu nova-
doalha (torc;al e cordáo) de embira e fibras também de mente no esquecimento. Em 1944, na mesma noite do ano,
caroá, quase pulverizados pela ac;áo do tempo e pedac;os de o sonho repetiu-se pela terceira vez.
osso de canela de ave·, ornamentados com linhas cruzadas No dia seguinte, de certa forma impressionado pela
gravadas. Junto a estes -objetos estava também a parte insisténcia do seu sonho, tomou a decisáo de ir a serra da
restante de um caramujo que lhes fornecia material para Margarida para tirar a limpo a história dos mortos que
os seus objetos de ornamentac;áo. 'Esse caramujo, abun- esperavam por ele. E assim féz; depois de cumprir as suas
dante nas praias do Nordeste, adquirido provavelm.ente obrigac;oes, munido de espingarda e facáo subiu a serra,
por troca com os tupi do litoral devia ser para éles ma- alcanc;ando a loca vista no sonho e na realidade táo sua.
terial precioso, táo precioso que foi enterrado como objeto conhecida . Ali teve urna decepc;áo; os dois enormes blocos
de estimac;áo de um dos mortos da serra da Margarida . de pedra que ali f ormam o piso e o teto da fuma náo
A freqüéncia de achados da mesma natureza em possibilitavam a abertura de covas; como poderla haver
condic;oes idénticas nas furnas das serras do Algodáo, da gente enterrada ali? Assim, raciocinou dizendo que "tolo
Margarida e de Caturité na Paraíba e na de Sáo José era quem andava atrás de coisa sonhada". Co1necara
em Pernambuco, leva-nos a acreditar que os Cariri pre- a choviscar; deitou-se a espera de que o tempo melhoras-
ferissem emparedar os seus mortos em vez de inumá-los se e adormeceu. Sonhando novamente, reapareceu-lhe o
na terra. indio e, mostrando-lhe os blocos de pedra empilhados ao
Deve-se a descoberta das sepulturas Cariri da serra fundo da loca, disse-lhe que os tirasse que os mortos esta-
da Margarida a urna circunstttncia curiosa que narrare- vam ali. Acordou e verificou ·que havía pedras mascarando
mos aqui porquanto náo lhe falta sabor pltoresco. o fundo da loca; ele as conhecia mas nunca lhe passara
Santino Martins Dionislo, vaqueiro do Snr. Odilon pela imaginacáo que elas escondessem qualquer cousa.
Maroj a na propriedade que inclui a serra da Margarida, Cortou urna estaca e com ela aluiu a primeira pedra com
sonhou, na noite da sexta-feira santa de 1942, que tinha precauc;ao porque poderia haver ali alguma cascavel, re-
ido a serra cac;ar mocós como era de seu costume; ao ini- moveu a segunda, outra mais, aparecendo-lhe os esqueletos
ciar a subida, já dentro da mata, defrontou-se-lhe um que j aziam emparedados. Assombrado por ter visto o seu
indio, baixo, atarracado que, dirigindo-se a ele, convidou-o sonho realizado desee u a serra e comunicou o ocorrido ao
a acompanhá-lo porque, disse-lhe o indio, num certo lugar seu patráo e autoridade policial de Itabaiana.
da serra havia uns mortos que queriam sair de lá e ele Foi nessas condic;oes que fomos encontrar o interes-
deveria tirá-los. Santino aquiesceu; o indio subia a frente sante achado da serrada Margarida . Indagando, após ter
mostrando o caminho; reparou entáo que enquanto ele se ouvido a narrativa de Santino repetidas vezes, sem con-

134 135
tradic;óes, se éle era homem idOneo e se merecia fé, em
tOda a redondeza nos foi dito que era "cabra verdadeiro,
incapaz de contar história inventada."
Náo acreditamos em mistérios; no mundo que nos
cerca náo há mistérios nem nada que seja sobrenatural;
há fenómenos conhecidos e explicados e outros que ainda
náo. foram explicados satisfatóriamente e nada maJ.s.
O sonho de Santino, que acreditamos tenha sido ver-
dadeiro, deve ter urna cabal explicac;áo.
Dicant Padovan1 !
AINDA SEPULTURAS CARIRI

Em dias de marc;o de 1958 a imprensa diária da


Capital e de Campina Grande noticiava o achado de 23
esqueletos humanos numa furna no alto da serra da
Rapósa, municipio de Pocinhos, descoberta, dizem, através
de um sonho por um morador da propriedade onde se acha
localizada a referida serra.
·t:sse homem havia sonhado com urna "botija,. cheia
de moedas de ouro e pos-se em campo para desenterrá-la.
Arredadas as pedras que fechavam o fundo da loca,
envoltos na terra e na poeira fina acumulada pelas águas
de infiltr~áo, comec;aram a aparecer ossos humanos; aju-
dado por outros companheiros, e discutido o caso, acredi-
taram todos que o tesouro teria pertencido aos mortos que
ali se achavam. A autoridade policial foi avisada compa-
recendo ao local com médicos legistas por ter sido formu-
lada a hipótese de crime recente ou obra de cangacelros
em tempos idos.
Foi quando estivemos na referida furna certos de que
deveria ser um cemitério Cariri, interessados em recolher
esse precioso material para o Museu do Estado .
Nada mais restava a fazer; os esqueletos tinham sido
esfacelados em conseqüéncia do seu estado de porosidade
que os tornara frágeis, tudo na ansia de descobrir a
"botija" que náo foi encontrada.
Revolvendo a terra tivemos a sorte de achar urna
jóia cariri; pequeno cilindro, talvez conta de colar ou
amuleto de pedra verde, perfurado em sentido longitudi-

136
137
nal e perfeitamente polido, medindo 23 mm, de comprt-
mento e 12 mm. de diametro.
Entre os curiosos que asslstiam a procura do Tesouro
sonhado havia um velho c~adoi; de mocós conhecedor
de todos os pedregals e serrotes daquela regiáo. :!le nos
indicou o roteiro de outra fuma no mesmo municipio de
Pocinhos, no lugar Lagoa da Serra, onde éle havia visto
emparedados, também, ossos humanos . Dessa furna ternos
no Mu.seu do E.5tado um cranio completo, com as mesmas
caracteristicas dos cra.nios da serra da Margarida.
Essa loca-cemitério espera alnda que o Museu do
Estado tenha verba e transporte para poder exumar o TOPONIMIA PARAIBANA
material antropológico e etnográfico que ali se acha
sepultado. TOPON!MIA DE ORIGEM TUPI

AB1A - Iby-a - a terra alta, ladeira, barranca; de yby,


terra, e á estar de pé, erguida.
ABIA1 - Yby-a-y - o rio da terra alta, da abiá (vide
éste nome) , e y água, rio .
ABURA - Abu-rá - a respiragáo sólta, o resfólego (apud
Theodoro Sampaio) .
ACAt - Aoa-y - o rio da ponta ou do chifre; de aca,
ponta, chifre, e y água, rio . Também pode traduzir-se
rio da briga: de acá, briga, contenda.
ACAPÉ - Acá-pé - a cabe~a chata; de aca, cabega e pé_,
peb, chata, achatada. ·
ACARAú - Acará-ú - o rio das acarás; de acará, nome
genérico dos peixes de escama, e u por y, água, rio.
ACAUAN - Voz onomatopéica do grito da ave ofidiófaga
· Herpetóteres cachinans queribundus.
ACEJUTIBIRó - Acajú-tiba-eró - onde foi caj ueiral; de
acayú, caj ú, tiba, abundancia, e erog tirar o nome .
Errada a interpretagáo de Elias Herkman: acayú-te-
biró o caj ueiro do pecado sodomitico .
AGUAPABA - Gua-paba - o fim do vale; de guá vale,
e paba, fim, término, lugar extremo.
AR,AQA - Yá-recá - o fruto que tem Olho; de yá, fruto,
recá por cecá, ólho : alusáo aos frutos das Mirtáceas
que tem ésse nome, cuja coroa parece pupila.

138
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai 139
www.etnolinguistica.org
ARAQAGt - Ar~á-g-y - o rio dos ara~ás; de ar~á vide CAIQARA - Caá-igá - Cerca, estacada, tapume, ante-
éste nome, e y , água, rio, precedido do g da pronúncia paro, trincheira; de caá mato, e iQá estaca, estelo .
do y gutural de água do tupi. Errada a definic;áo de José de Alencar: caí, queimado
ARAPUA - Eira-poá - o mel redondo; de etra, abelha, e e a desinencia ara; que tem ou que faz, interposto
poá redondo. É o nome da abelha Trlgona ruflcrus e o ~ Por eufonía; isto é o que se faz de pau queimado
o nome refere-se a forma do seu ninho. (Iracema) . Errada igualmente a de Von Martius: caá,
AROEIRA - Pode admitir-se como a altera~A.o profunda pau e jussára (a palmeira Euterpe olerácea). Errada
de yby-ra-cuéra - a madeira forte, resistente; de ainda a de J. Severiano da Fonseca: caí queimada e
yby-ra árvore, tronco, madelra, e cuéra, persistente, ara tempo: o tempo das queimadas.
duradoura, tenaz. CAJA - Acá-yá - o fruto de caro~o chelo: de acá, ca-
BANABUIÉ - Paná-bebui - borboletas fervilhando; de roQo, e yá fruto. É o nom.e dado ao fruto da Spondias
pa.ná, borboleta, e bebui fervilhar, no sentido dos car- dulcis e Spondias lutea árvores da familia das Ana-
dumes de peixes que afloram na superficie das águas. cardiáceas. ·
Nome dado aos lugares areados, limPos de vegetac;ao CAMAQARt - cama-9ari - a lágrima do seio, o fio de
nas clareiras onde a água das chuvas conserva-se por leite; de cama, seio, peito, e 9arí, lágrima. Nome dado
muito tempo umedecendo o terreno onde enxames de a Terminália f agifolia e Terminália punctata, árvores
borboletas brancas e amarelas (Pierideos, principal- da familia das Combretáceas, e a Caraipa fasciculada
mente dos géneros Piéris, Callydrias, Goncpterix e e Caraipa pyramidalis da familia das Guttiferáceas,
Eurema) acodem para beber. nome alusivo ao látex dessas plantas . Altera-se em
BOISó - Mboi-coó; o emboá, o piolho de cobra; de mboi, GongaQarí.
cobra, e coó, bicho. CAM;ARATUBA - Caá-parab-tuba - abundé.ncia de ca-
BORBOREMA - Por-por-eyma - sem habitantes, priva- mará; de caá, planta, e paráb variegada porque as
do de moradores, o sertáo; de por-por freqüentativo suas flOres realmente o sáo, e tU'ba, lugar, sitio onde
de por, habitante, e eyma posposic;áo negativa própria há multo .
do infinitivo, participio e gerúndio dos verbos . CAMBUTE - Cama-bu.ta - o peito, a elevaQao salient€;
BRUXAXA - Nome de provável origem cariri; pode, en- de cama, peito, seio, e buta, saliente .
tretanto, interp·r etar-se para o tupi; porú-cá-cá; o que CAMUTANGA - Acá-mitang - a cabeQa vermelha; de
come gritando ou estridulando; de porú, o voraz, e acli cabec;a, e mitang por p itang vermelha. É o nome
1 1

cá-cá freqüentativo de cá gritar, estridular; nome da ave Amazona dufresni da familia dos Psitacídeos.
aplicável as cigarras. PAPIM - Caá-p:ii - a planta de fOlha fina de caá pla.n -
CAATINGA - Matas ralas, espinhentas e retorcidas que ta, P.ií fino, delgado.
se estendem pelo interior do Brasil desde o Maranháo CAPUX:ú - Cába-exrú - a vespa busca-mel; de cába,
até a Bahia, Goiás e parte setentrional de Minas vespa e exú, a abelha mestra .
Gerais constituidas de vegetac;áo xerófila e que carac- CA.R¡NAúBA - c ,a raná-yúba - o caraná amarelo; de ca-
terizam extensa zona do Nordeste . raná, caule áspero, escamoso e yúba, amarelo. É o
Beaurepaire Rohan diz derivar-se de caá-ti-ninga nome da Palmeira Copernícia cerífera.
as matas sécas, estaladi~as e quebradic;as. Pode pro- CAROA - Car á-uá - o t alo armado de espinhos, e ner-
vir de caá-tinga o mato claro, branco; ambas corres- vura farpada; de cará,. caule e uá, áspero, farpado.
pondem as facies da veget~áo dessa regiáo durante É o nome da Neoglasziowia variegata planta da fa-
a esta~áo seca . Caá-tinga significa ainda mato ralo. milia das Bromeliáceas .

140 141
CAXETú - Tdi-ti-tú - o que bate com a ponta dos GITIRANA - Y ~ti-rána - a batata falsa; de yeti, batata,
dentes; de tai dente, t í ponta e tú estrepitante . É o e rána que parece mais náo é.
nome do porco do mato: Pacari taya~u. O som do x GaAMAME - Guira-mil-me - no bando dos pá.ssaros,
provém do t sibilante, do tupi, cuja pronúnc1a é tch, na passarada; de guira, ave, pássaro, e ma; ajunta-
de onde, caxetú. mento, lugar circunscrito, e me por pe, no em.
COBÉ - C6-pé - a ro~a plana; de có, ro~a, plantaQao, GRAVATA - CaraUá-ta - o caroá rijó, (vide caroá).
e peb plana . GUAJú ~ Guá-yú - gerúndio supino do verbo ur, vir;
cun~É - Cu i-eté - a vasilha legítima; de cui recipiente, a chegada, a vinda de muitos, a invasáo. É o nome
vasilha, e eté, verdadeira, legitima. · dado as formigas de passagem vulgarmente "cor-
CUITEGí - Cui-eté-g-y - o rio dos cuités; de cuité, vide reQaO".
éste nome, e y água, rio precedido do g gultural do y
GUANDú - Qua-ndú - o ligeiro, o rumoroso; de qua
de água no tupi. ligeiro, veloz, e ndú que faz rumor. É o nome de di-
CUMBEBA - Cü-pe·b a - a língua chata; de cü língua e versos roedores da familia dos Coendideos.
peba chata . 'É o nome da Opuntia brasiliense planta
da familia das Cactáceas cujas fólhas chatas tem a GUARABffiA - Guará-ybyra - a árvore (pouso) dos
forma de lingua . guarás; de guará, a ave Guara rubra já citada, e
ybyra, árvore.
CUPAóBA - Cupá-obá - a roQa grande, de cupá roga e
obá, aberto, extenso, largo. GURINHEN - Guira-nh.ee ---\ as aves falam (os papa-
CUPíSSURA - Copti-gura - o rogado de semeio; de copií gaios) de gutra, ave, pássaro e nhée, fala.
abrir roQado e gura, semente . IA-Iú - Yá-tú. - o espinheiral; de yá quantidade grande.
CUR~MAS -- Cure - bambo, cambaleante, nome dado e tú espinho.
pelos Tupi a urna tribo da na~ao cariri. IBIARA - Yby-ára - a terra alta; de yby terra, lugar,,
CURIMATAú - Curirnatá-ú - o rio das curimatas· de e ára., alta, arejada, clara.
curimatá, peixe de água doce da familia Characidae,
' IPUEIRA - Y-puéra - águas passadas, curso d'água ex-
e y, água, rio . tinto; de y água, rio, e rméra, extinto, que foi. Tam- .
GUARAPú - Guará-pú - o rumor dos guarás; de guará bém pode traduzir: águas multas; de y água e poéra
ave da familia Threskiornitidae e pú rumor, estrondo. reiterado, multiplicado. Ipueira é o lagoeiro formado
GARAú - Gua·r á-ú - onde os guarás comem; de gu.a rá, pelo transbordamento dos rios nos lugares baixos onde
a ave Guará rubra, e ú comer, be·b er. as águas se conservam durante muitos meses e sáo
GAR,GAú - Guará-guá-ú - onde o peixe-boi come; do geralmente piscosas. Por analogía dá-se o mesmo
guará-guá o peixe-boi (Manatus manatus. Cetáceo da nome aos depósitos de águas pluviais.
familia Sirenidae) , e ú comer. Também de guará-ú o ITAMATAt - Taumatá-y - o rio dos taumatás; de tau-
que vive nas enseadas. m,atá (vide ésse verbete) e y água, rio.
GENIPAPO - Yani-pab - o fruto suculento das sumida- ITAPECERICA - Jtá-peb-cirica - a laje escorregadiQa~
des; de yant, óleo, sumo, e y-pa.b extremidade, fim; de itá, pedra, pe.ba, achatada, e ciri.ca escorregar, des-
característico da fru tifica~áo do genipapeiro. lizar.
GERIMUN - Yurú-mft - o pescoQO apertado; de yurú, ITAPOA - ltá-puá - a pedra sonora; de itá, pedra e puá,.
pesco~o, e mü apertado, estrangulado. É o nome do sonora.
fruto da Cucurbita moschata, planta da familia das ITAPORANGA - ltá-poranga - a pedra bonita; de itá .•
Cucurbitáceas . pedra, e poranga, bonita.

142 143
ITATUBA - Itá-tuba - o pedregal; de ttá, pedra, e tuba JOA - Yú-á - o· fruto de espinhos; de yú espinho e á .
lugar onde há muito . . grA.o, fruto.
ITAVERAVA - Itá-beraba - · a pedra que' brilha; de itá,
pedra, e beraba clara, brilhante. JUCA - Yucá - ferir, matar. É o nome da Cesalpinia
JACARAú - Yacaré-ú - o jaré préto ou escuro; de yaca- ferrea, árvore da famtlia das leguminosas . Os in di- ·
ré (vide o verbete Jacaré) e ú por una, preto. genas utilizavam o seu lenho que é dur1ssimo para
fazer tacapes.
JACARÉ - Nome dos répteis Emydosáurios; de t-echá-
caré aquéle que olha de banda; de i o que, aquele que JUREMA - Yú-r-éma - o espinho suculento; de yú, espi-
eQa olhar, e caré, torto, de banda; também pode tra- pinho, e éma, ·suco, interpósto o r por eufonia . Os
duzir o que é torto; de yá aquéle que é, e caré, torto, ,,. indígenas extraiam da jurema um suco entorpecente
sinuoso. que produzia éxtase.
JAOOCA - Yá-cóca - o ro<;ado, a planta~áo; de yá, vl- JURIPIRANGA
, - Yurú-piranga
. - a bóca ou barra ver-
veiro, e cóca p1anta<;áo. melha; de ·yurú bóca, barra do rio, e piranga, ver-~
JACú - I-a-cú - O que come gráos; de i o que, á gráo melha.
semente, e cú, engulir. É o nome de diversas aves da MAQARANDUBA - M o-<;armn-(l-yba -- a árvore de escor-
familia Gracidae, genero Penelope. rego segundo Theodoro Sampaio . Longarina usada na.
JACUMA - Nhá-cumá - o leme, e pá do leme. mata para sobre ela rolar a madeira tirada . É o nome
JAGUAREMA - Yaguára-rema - o cheiro de onºa; de de ·diversas árvores da familia das Sapotáceas, genero
Yaguára, onºª' e réma, fétido, catinga . Mimusops.
JAGUARIBE - Yaguára-y-pe - no rio da onºa; de MAMANGUAPE - Maman-gua-pe - no vale fechado ; de
yaguára, onºª' y rio, e pe, no, em. maman, abraºar, cingir, cerc.ar, gua, vale, baixado, e
J ANDAIRA - Y andt-eira - a abelha de azeite; de yamdí, pe, no em.
óleo, azeit e, e eira, abelha; é o nome da Melipona MAMUABA - Má-moá - o que se levanta, a cousa que
interrupta, abelha cujo mel é fino como azeite.
· aparece subitamente, o vagalume; de má, mbae, a
JANDIROBA - Yandi-roba - o óleo amargo; de yandi, co.usa, o bicho, e moá levantar .
óleo, e roba, amargo. É o nome da planta Fevilla
trilobata da família das Cucurbitáceas, vulgarmente MANAm.:A - Amaina-eira - o enxame, e nuvem de abe-
lhas; de amana, nuvem, e eira, abelha.
"Fava de San to Ignácio".
J APí - Y -apír - a cabeceira do rio; de y á gua, rio, e MANDACARú - Manda-carú - o feixe pungente; de
apir cabeceira, inicio, onde come<;a. 111,anda, feixe, molho, e cafú es.pinhoso, pungente.
JAPUNGú - Yá-pung-ú - aquele que é barulhento quan- MANDAú - Amana-ú - o rio da chuva; de amana, nu-
do come; de yá aquéle que, pungá barulho, ruido, e vem, chuva, e u por y, água, rio.
ú comer . ~NGABA---. Mong-aba - a cola, e visgo; de ?rWng, gru-
JARAMATAIA - Yart-mii-f;aia - os cachos unidos acres; dar, colar e aba, sufixo que serve para formar os subs-
de yari, cacho, mii unir e taia azedo, acre, picante . tantivos verbais .
É o nome da Vitex cymosa e Vitex gardneriana, plan- MANIQOBA - Mani-<;oba - fólha de maní (mandioca);
tas da família das Verbenáceas . de mani, mandioca e ~oba, rosto, cara .
JATOBA - Yá-atá-obá - aquele que tem fOlhas rijas;
MARAú - Miba-rá-ú - a cousa que se toma de sOrvo; de
de yá aquéle que, ata rijo, duro, e obá coberta, fo- mbae, a cou.sa, rá, tomar, e. ú, aspirar, sorver. É o
lhagem .
nome do fruto das Passifloráceas (maracujás) .

144
145
\

MARt ·- y -mary - aglutin~áo de 1100-rnori-11 a árvore OITIZEIRO - Nome da· árvore Moquilia tomento~ da
que verte água; de yba, árvore, mó, fazer, ri, escor- familia das Rosáceas; de ui-ti, (vide o verbete oiti-
rer, e y água. . cica e a desinéncia eiro do portugués .
MARIPITANGA - Adultera~~º de ybyra pitanga, de Ybi- PACATUBA - Paca-tuba - o lugar das pacas; paca é o
ra árvore, madeira, e pitanga, vermelha . Era o nome gerúndio do verbo pag, acordar, estar vigilante, e
da Cesalpinia echinata, árvore da familla das Legu- tuba, abunda.neta, onde há muita .
minosas, vulgarmente "Pau-brasil" .
MARMARAú - Maraú-maraú - os maracujás (vide m.a- PAó - Ypa-oó - a lagoa grande; de y-pab, água confi-
.raú). nada, e Oó adjetivo que entre outras ace~oes expri-
me: grande-grande .
MATARACA - Matá-aracae - floresta antigamente; de
má forma contrata de ymá, árvore, tá, abundar, e PAQUEVIRA - Pac-ybyra - o que nasce enrolado; de
ara-.cae, literalmente: temPo ser antes, antigamente. pac, enrolar, e ybyra, a planta, o que nasce do cháo.
MERUIPE - Mberú-y-pe - no rio das moscas, de mberú, PARA1BA - Pará-a,í ba - o rio imprestável; de pará,
mOsca., y água, e pe no, em. rio e aíba, ruim, imprestável.
MIRIRt - Mberú-r-11 - o rlo das moscas; de mberú, PARARt - Forma contrata de pariará-í, o ruidoso; de
mosca, y água, rio, interposto o r por eufonia. parará, ruido, buliclo, e í, o que, aquéle que. É o nome
MOGEIRO - Adulteracáo de Mboy-guér - cobras mui- da ave Zenaida auriculata vergata da familia colum-
tas; de mboy, cobra, e guér por cu:ér, sufixo da for- bidae vulgarmente "arriba~áo".
macáo do plural nos substantivos. PAR.ATIBE -- Pará-ty-be - no alagamar; no golfo; de
MONGEREBA - Mó-yeréba - faz dar voltas; de mó, pará, mar, ty, ponta, e pe, no em .
fazer, e yeréba, dar voltas, girar. PICUt - Nome genérico das rolas, aves da familia Co-
MUM!BABA - Mó-mbaba - o que faz terminar; de m6, lumbidae. Picui significa alnda: revolver, remexer.
fazer, mbaba, pa'ba, fim, término. PINDOBA - Ptn-doba - a palma, a fOlha da palmeira;
MOMBUCA - Mó-buca - faz jorro; de mó, fazer e mbuca, de mintoba a fólha que esconde; de m4m, esconder,
furo, entrada. É o nome da abelha Trigona amal- e toba, f Olha.
thea. PIRAGIBE - Ptrá-gybii - o bra~o de peixe; o bom na-
MUSSURÉ - Mo<;um-ré - o mussum diferente; de mo- dador; de pirá, peixe e gyba, bra~o, barbatana. É o
nuvem, chuva, e ndaú, ruim, perniciosa. nome de um valente chefe Petinguara do século XVI
MUQUEM - M·ó -oaem - o que faz secar ou tostar; de na Paraiba-.
m6, o que faz, e caé, secar, também tostar. PIRANHA - Ptr-tit - o que corta a pele; de ptr, pele, e
MUSSUR.Jt - Mo~um·-ré - o mus.sum diferente; de mo.;. ttt, cortar, dilacerar. J.t o nome de diversos peixes de
c.u m, nome de um peixe de água doce da familia água doce da familia Characidae, todos extrema-
Symbranchidae e que traduz: faz que escorregue, e mente vorazes.
ré diferente, diverso. PIRAUA - Ptrá-u4 - o dorso do peixe; de pirá, peixe e
NATUBA - Na-tuba - o ananasal; de na forma con- Ull, dorso, lombada.
trata de uanana o ananás, e tuba, abundancia, lugar PIRPmITUBA - Pirt-pirf.-tuba - o juncal; de pirí-ptrf-
onde há multo. freqüentatlvo de pirt, junco e Puba, abundA.ncia; o
OrI'ICICA - Uitt-Cicq - o oiti de resina; de ut-ti, a massa lugar onde há muito.
apertada, e ctca, resina. É o nome da árvore Licanla PITIMBú - Pet¡¡m-bú - fumar, aspirar o fumo; de pe-
rígida da familia das Rosaceas. tym, fumo e our, emitir; o cachimbO.

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PrI'OMBA - Pi-tá-yba - o fruto de casca encorpada; TABATINGA _- Ta1Lá-tmga• ........._ o }>arro braneo; de tauá,
de pt, casca, tá, duro, e yba, fruto . barro, argila, e ttngq, branco.
PiTuASSú - Pi-t-ú-assú - o pitu grande ou maior; de TABERABA - Itá-beraba - a pedra que brllha; de itá,
pt, casca, a, preta interposto ·o t por eufonia, e assú, pedra, e berába brilhante, resplandecen.te; a rocha
grande ou 1naior . Pitu é o nome genérico dos cama- micácea, o cristal.
roes de água doce. TABOCA - Tá-boc - a baste furada; de tá, haste, caule,
PUXINANA - Nome de provável origem cariri; pode ser e boc, Oca, furada.
interpretado para o tupi: pochit-nana; o ananás TACIMA - Tacyba - formiga; traduz: moléstia, inco-
ruim; de pochit feio, ruim, e nand o ananás . modo, praga.
TAIASSU:t - T4t-assú-y - o rio dos porcos do mato ; de
SABU1G1 - Qapó-gy - o rio das raizes; de capó, raiz; e tai o dentáo, .assú grande, e y água, rio. O nome do
y, água, rio precedido do g da pronúncia gutural do pcrco do mato, taiassú, corresponde ao nome portu-
y de água no tupi.
gués "queixada".
SABURJA - Cá-mbo-ra-á - o que se retira do centro o T AIPú - ltá-y-pú - a pedra de Olho d água ou o
polen; de cá, e9á, Olho, centro, mbor-a,- dentro de,' e Olho d'água da pedra; de ttá peda, y água, e pú, bur
á, tirar, colhér. Também pode traduzir: o que vat nascer, surdir.
ser mel . TAMBABA -- Tambá-mbab - os destro~os de conchas;
SANHAUA - Qát-hoá - o que se prolonga além; de ~iii, de tambá concha, marisco, e mbab, destroc;o, des-
distendido, dilatado, e hoá forma do verbo ocorrer barato.
na 3.ª pessoa: éle ocorre, ele acontece, éle sucede . T AMBAt - Tambá-y - o rio dos mariscos; de tamba
SAPJ!: - E~á-apé - o que alumia o caminho; de ecá, Olho, marisco, e y água, rio.
ver, avistar, e apé, caminho . O sapé, planta da fami- TAM;B.Aú - Tambá-ú - o marisco come ou vive; de
lia das Gramíneas era utilizado séco para fazer fachos ta:mbá, concha, marisc·o, e ú comer, alimentar-se.
e alumiar as travessias noturnas . Também pode traduzir; as conchas pretas; de u-tima
SAPU'CAIA - Yá-cá-pucá-t - o fruto que faz saltar o préto, escuro .
Olho; de yá fruto, e9á, olho, pucá, saltar, e í, aquéle TAMBIA - Tá-bt-á - a lagarta de pélos hirtos; de ta,
que; característico dos pixídios das Lecithidáceas. tab, pélos, felpas, bí forma de ib, em pé, e á, sufixo
SUMÉ - Sumé; perso.nagem misterioso que, segundo a que exprime: peito, composto de .
lenda, apareceu em tempos_idos entre o gentio para TANANDUBA - Tá-na-tuba - abunda.ncia de árvores
ensina.r a prática do bem; identificado pelos cate- altas; de tá tronco, nd elevado e tuba onde há multo.
quistas j esui.tas como Sáo Tomé . TAPEROA - Taper-uá - o morador de taperas; de taper
TABAIANA - Grafado erradamente com i inicial éste a casa abandonada, a ruina, e uá forma contrata de
nome pode ser interpretado como taba-t-and, a aldeia uara, morador. É o nome das andorinhas.
pequena dos aparentados ; de taba, aldeia, í, contra- TAPETICAB·A - Tapé-ti-caba - o coelho gordo; de
~áo de mirí, peque.na, e ana, ligados, parentes, tam- tapé-ti o que se afasta dos caminhos, nome dado aos
bém pode traduzir: tobay-yana, o inimigo fronteiro coelhos silvestres, e caba, gordo, nédio .
o que históricamente coaduna-se com a situa~áo dos TAPUIO - Tapyta - o originário das tabas; de taba
tupi da costa e dos tapuios (Cariri) recha~ados para aldeia, e'P'JI origem, e yá fruto. Tapuio era o nome
o interior e que, na Paraiba, viviam a partir dos dos primitivos habitantes indígenas que se retiravam
con trafortes orien tais da Borborema . para os sertóes fugindo a invasáo dos Tupi. Tapuio

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na.o significa o bárbaro, o inimigó, como alguns au- UMBO - Y-mbú - o que emite água; de 11 água, e mbú
tores interpretam errOneamente. (apud Theodoro emitir. l!: o nome da Spondias tuberosa, árvore da
sampalo e Stradelli) . familia das Anacardiáceas, em cujas raizes formam-
TAQUARA - Tá-cuára - o que é Oco, acanulado; de tá se tubérculos que armazenam água potável.
baste, tronco, e cUára, buraco . Admite outra inter- UMBURANA - Ymbú-rána. - o falso imbú, de umbú vide
preta~áo: acuá, ir em ponta, procedido de t -pronome éste nome, e rána falso, parecido mas que náo é.
demonstrativo para as palavras iniciadas por vogais, úNA - úna - préto, escuro.
dá taquá, o que tem pontas ou farpas, o alongado; e URAPIA - Guir-á-ptd - o pássaro manchado; de guirá,
t-aquá-r, o que dá pontas ou farpas; alusáo as pontas ave, pássaro, e piá, manchado.
de flexas que eram feitas de taquara . Era o nome URUQ'ú - Eirá-~ú - a abelha maior; de eira, abelha,
genérico das plantas da familia das Gramíneas vul- ~ú por assú, grande, maior. É o nome da abelha
garmente "bambús". Mlalipona scu tellaris .
TAUMATA - Tambú-atá - o que anda em tropel, o ru- UTINGA - Y-ttnga - água branca; de y água, e tingct_,
moroso; de tambú, tropel, rumor, e atá andar. É o branca, límpida, clara.
nome de diversos peixes de água doce da familia Cal-
lychtridae que se arrastam de um para outro rio,
movim·e ntando a dupla série de placas ósseas que lhes
guarnece o corpo, passando dias nessas travessias;
eles sáo providos de um aparelho intestinal especial
que lhes permite a respira~áo pelo tubo digestivo.
TIMBAúBA - Ti1nbó-yba - a árvore do timbó (vide ésse
verbete) e yba árvore .
'I'IMBó - Tí-mbo - o vapor, a exalac;áo; literalmente:
o que dá branco oü cinzento . É o nome dado a certas
plantas das familias das Sapindáceas, Gyclantháceas,
Leguminosas e Solanáceas c~j os sucos tero proprie-
dades ictiotóxicas e sáo empregadas para "tinguizar;.
o peixe, ou seja, entorpecé-lo, para poder pegá-lo a
mao quando flutua. O suco dos timbós expande-se
coro rapidez na água que fica toldada atuando com
rapidez sóbre os peixes, o que justifica o nome. Tam-
bém "tingui"
TIP! - T-y-pí - o que tem água picante ou azeda; de t
- o que tem, y água e pt picante, azéda.
TRAIR:t - Taraguira-y - o río das trairas; de taraguira,
de tá aquéle que, rá sólta, e gutra bambolear, alusivo
ao modo de nadar désses peixes.
TRAPIA - Tapy-á - a glande, o gráo, o testículo. É o
nome do fruto da árvore Crataeva tapia da familia
das Capparidáceas cujas .frutos sao esféricos . .

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TOPONIMIA DE ORIGEM CARIRI
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Aaduque - Amprou - Arató - Aredecó - Areribú


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- Aredtnhert - Baxareci - Bodocongó - Bodopitá -
Buró - Brubú - Bruxé - Cabotú - Cacaré - Cacody
-- Cahá - Caicú - Caracá - Caracuquenho - Catulé -
Caxaré - Cayú - Cayuruaré - Chucurú - Circod.y -
Cobe~ú - Coiacú - Calcó - Coitá - Conquá - Copy
-Corntxauá - Coró - Cotaé - Cotaré - Coturaré -
Crama-cuqui - Cubaty - CUicuyú - Cuij aré - Cuihú
- CUiágique - Cujé-huoyuci - Cujariabo - Cunhacú -
Cupaná - Curiupe - CUtubité - Cerquiaquixé - Hen-
gicó - Hiagó - Hucurú-mongique - Icó - Jabitacá -
Janquexeré - Jará - Jabencú - Matapi - Moicó
Mogiquí - Mucecetú - Mucuitú - Nemochiquixeclé -
Ocá - Ozocoró - Pac_u emy - Patamuté - Planeó -
Pacarohú - Pody -· Paicú - Poxú - Protomaxaré -
Pudy - Quicó - Quincú __. Quim-piquer - Quinturaré
- Quirará - Quixacó - Quixaré - ~ixerobebe -
Quixó - Ricoquecidó - Samanahú - SOré - Seridó -
Sucurú - Tahema Tarurá - Tibinharé :- Teiorú -
Urujeré - Urá - xabocon· - Xuraré.

TOPONtMIA DE ORIGEM AFRO-NEGRA

Cacimba - Cumbe - Congo - Ma~angana - Moleque


Mucambo -- Mufumbo - Mulungú - Mutamba
Quilombo - Zumbi .

FIM

153

.,
íNDICE
Ao leitor - 5
Os Recifes da Costa Paraibana - 7
O Cabo Branco f ad a do a desaparecer. . . - 13
Paleontologia Paraibana - 16
Speleologia Paraibana - 25
Os Minérios da Paraiba - 29
Radioatividade e Algodáo Mocó - 60
As Zonas Fisiográficas da Paraiba - 62
As Reservas Florestais da Paraíba - 81
O Aniquilamento da Fauna - 92
Instrumentos líticos indígenas da Paraiba - 97
Instrumentos de pedra lascada - 1~1

A "Pedra Lavrada" do Ingá - 125


Os Cariri foram oleiros - 128
As Sepulturas da Serra da Margarida - 132
Ainda Sepulturas Carirl - 137
Toponimia Paraibana - 139
Toponimia de origem Cariri - 153

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai


www.etnolinguistica.org
..

TAIS DA PARAiBA, INSTRUMENTOS


LÍTICOS INDíGENAS DA PARAíBA
(com 14 ilustra<;oes de páginas inteiras) ,
INSTRUMENTOS DA PEDRA LASCADA,
e a famosa "PEDRA LASCADA DO
INGÁ", considerada pelo autor como "o
monumento arqueológico mais impor-
tante do Nordeste", com suas curiosas
inscri<;óes rupestres, apresentam notável
dimensáo.
Para CLEROT, o relato científico nao
admite divaga<;óes literárias: tudo se re-
sume em pesquisar, classificar, mas den-
tro da verdade original. E tudo o que
almeja é ver este trabalho despertar in-
teresse em pesquisadores credenciados,
apoiados numa a~áo de conjunto, dentro
de planos científica e materialmente ben1
constituídos, a fim de se chegar a conclu-
soes proveitosas e definitivas.
Muito se pode esperar no campo da
ciencia e da pesquisa, pois o trabalho do
autor é prova inconteste do que é possível
realizar com esfor~o e determina<;áo.

EDITORA PONGETTI
Rio de Janeiro

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