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The Beginning After The End – Capítulo 403

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O metal escaldante chiou com o osso, carbonizando-o quando a carne ao redor


derreteu. A água sibilou ao atingir o metal preto, criando uma nuvem de vapor,
que me fez xingar e recuar.

“Deixa que eu faço! Quem diabos mistura água e gordura quente? Você já
cozinhou antes?” Ellie bateu na minha mão para afastá-la da panela.

Mergulhei os dedos no pires de água com o qual usei na panela e joguei várias
gotas em seu rosto enquanto ela lutava para virar a crosta da carne que
queimei.

“Olha quem fala: a garota que não come nada além de peixes, ratos e
cogumelos nos últimos meses.”

Regis estava observando com interesse sentado no meio da mesa, o nariz se


contorcendo com o cheiro no ar.

“Sabe, isso aí não tem salvação. Pode jogar para mim.”

Ela deixou cair um punhado de cogumelos cortados com a carne e a gordura,


irritada.

“Acho que eu usando ratos e cogumelos faço mais do que você com toda a
despensa real.”

“Não tenho certeza se é algo para se gabar.” Apontei, rindo.

Ela chutou a minha coxa, antes de eu agarrar o seu tornozelo e puxar, a


segurando de cabeça para baixo com o cabelo encostando no piso abaixo.

“Ei, não é justo!” gritou, balançando os braços tentando me dar um soco inútil.

O som de passos no azulejo de pedra chamou nossa atenção para a entrada da


cozinha.

“Bom-dia” falei, acenando com a mão a segurando a fim de fazê-la balançar.


“Não é muito, mas tentamos fazer o café da manhã.”

“Eu tentei fazer o café da manhã” resmungou, os braços cruzados. “Arthur


ficou o tempo todo… Ai!” Ela se assustou quando a deixei cair no chão.
“Uhm” murmurou rápido. “Mãe, o que foi?”

Foi então que notei lágrimas escorrendo pelas suas bochechas.

“Hã? O que você… ah.” Limpou com a parte de trás das mangas compridas e
deu uma risada. “Por que estou chorando? Acho que é só… acordar com uma
visão dessas… Faz um bom tempo.”

Puxei uma cadeira para ela, e ela se sentou com um sorriso agradecido. Estava
um pouco lenta, mas o olhar estava muito mais firme do que no dia anterior.
Regis recuou para que ficasse à frente dela, e ela começou a acariciá-lo atrás
das orelhas.

Ellie e eu disputamos e brigamos pelo fogão, porém no final deixei ela sair
vitoriosa, e pegamos alguns pratos de madeira e talheres para colocar à mesa.
Ela pôs carnes meio queimadas, ovos, cogumelos, verduras ao vapor, feijão
vermelho e um pedaço de algum tipo de enguia capturada de um lago
subterrâneo próximo que ela insistiu que era deliciosa, e juntos enchemos três
pratos.

Mamãe cortou uma ponta queimada da fatia de carne que lhe demos e
ofereceu a Regis, que tirou do garfo.

“Ele vai continuar pedindo coisas se mimá-lo, mãe” disse com a boca cheia.

“Ah, está tudo bem. Não acha que ele merece, com tudo o que fez para
ajudar?”

Os grandes olhos dele brilhavam ao olhar para ela como se tivesse acabado de
ganhar um prêmio.

“Acredita que esta coisa nunca me dá de comer?”

“Você recebe bastante éter” murmurei enquanto ela estendia a metade de um


cogumelo, que ele olhou com incerteza.

“Talvez mais um pouco de carne?”

As sobrancelhas dela subiram.

“É importante que tenha uma dieta saudável e equilibrada, Regis” repreendeu.

Ele piscou emburrado e depois se inclinou, mastigando-o com tanto desânimo


que Ellie teve pena e jogou um pedaço de enguia, rindo quando ele avançou e
engoliu de uma vez.
De fato, uma visão magnífica de se ver da própria manifestação da Destruição,
pensei.

“Enfim, como você está agora?” Espetei uma parte da enguia e perguntei,
mantendo o tom claro e a observando com cuidado.

“Bem melhor” afirmou. Seus olhos vermelhos e cansados apertaram em


apreço. “Obrigada, Arthur, mas não precisa se preocupar comigo. Já tem muita
coisa na mente.”

Ellie zombou e abriu a boca, entretanto fez uma pausa quando a mãe a
encarou. Ela tirou um momento para terminar de mastigar e engolir antes de
continuar.

“Ele fez a gente pensar que morreu por meses, não foi? Deixe ele se
preocupar.”

O seu sorriso suave vacilou, e estendi a mão sobre a mesa para apertar a dela.
“Sim, mas vocês duas estão sempre no topo dessa enorme pilha que não para
de crescer.”

Seu olhar pousou no prato, contudo ainda via a umidade brilhando. Ellie a
observou calada, respeitando o momento.

Dei a maior parte da carne queimada para Regis, que mastigava alto, alheio a
tudo, exceto à comida quente na frente, embora pudesse sentir a emoção que
sentia ao compartilhar uma refeição em família conosco através da nossa
conexão.

Comemos em silêncio por um tempo, todavia não o tipo estranho e tenso. Em


vez disso, era confortável; leve. Mais leve do que todas as vezes desde o ataque
a Xyrus.

O pensamento do que parecia ser de outra vida surgiu, porém sabia que não
era verdade. Vivi outra vida, e em Alacrya fingi ser alguém que não era,
revivendo um eu que morreu ao reencarnar em Dicathen. Precisava dele para
sobreviver lá, e por mais que quisesse apenas ser Arthur, viver como Grey de
novo me lembrou por que me tornei ele.

Até que a guerra acabasse, não podia deixá-lo ir.

“… Thur?”

“Perdão?” questionei, percebendo que minha mãe havia dito algo.


“Eu estava somente dizendo que deveria ir no centro médico agora que estou
um pouco melhor.” Ela parecia um pouco envergonhada enquanto empurrava o
prato meio cheio em direção a Regis. “Tem só alguns emissores em toda a
cidade, e confiaram em mim para estar lá. Além disso, tenho certeza de que
você tem o seu próprio negócio para cuidar.”

Antes que pudesse responder, Ellie soltou um suspiro.

“Oh! Eu esqueci que disse a Saria Triscan que ajudaria a realocar os elfos
refugiados hoje. A maioria estava temporariamente alojada nos níveis
inferiores, que foram bastante danificados no ataque. Vamos começar a
transportá-los para lugares permanentes.”

Ao mesmo tempo, de repente um barulho e a presença repentina de uma


grande bola de pelos empurrando a mesa para o lado, quase derrubando Regis.

“Boo!” disse Ellie, exasperada. “Não estou em perigo! E o que falei sobre não
entrar nos cômodos?!”

O urso guardião resmungou e os olhos dela se estreitaram.

“Não me culpe, você que é superprotetor.”

Ele soltou um grunhido que sacudiu os pratos, que foram pressionados ao seu
lado. Mamãe havia se espremido ao seu redor, que ocupava uma grande
porcentagem da cozinha, contudo parou para se apoiar no arco da porta e
olhar para todos nós, sorrindo.

“Vejo vocês dois no jantar à noite, ok? Eu vou cozinhar.” Seu sorriso vacilou
um pouco, e assumiu uma expressão de desculpas. “Algo gostoso desta vez.”

“Parece incrível” falei, a retribuindo com o sorriso mais caloroso que pude.

Ela devolveu, acenou e depois desapareceu atrás de Boo. Ouvi a porta da suíte
se abrir e fechar e depois me virei para Ellie, que arranhava o meio da testa da
grande besta de mana.

“Acha que ela está bem?”

“Não via ela sorrir assim desde que o papai morreu.” Sem olhar para mim,
colocou o ombro no lado de Boo e o empurrou. “Vamos lá, seu grande idiota,
precisamos descobrir como espremê-lo pela porta da frente.” Ela parou e
lançou um olhar hesitante por cima do ombro para mim. “Você… quer vir com
a gente? Os refugiados… tiveram um tempo difícil. Ver você pode deixá-los
melhor.”
Dei um sorriso de desculpas antes de balançar a cabeça. “Eu iria, El, mas
tenho coisas para fazer.”

Quase acrescentei um “e que precisam ser resolvidas antes que eu saia mais
uma vez”.

Ela revirou os olhos, mas seu sorriso era de boa índole e compreensivo. “Sim,
sim, eu sei, tanta coisa para salvar o mundo para apenas um irmão mais velho.
Bem… até logo, então.”

Ela deslizou em volta de Boo, que se virou para me inspecionar pensativo com
o rosto franzido antes de grunhir e se virar para segui-la. Ele quase virou a
mesa, e precisou se espremer para caber na porta da cozinha e depois na da
frente na extensa série de túneis interligados do Instituto Earthborn.

O meu sorriso desapareceu. Olhei ansioso para a suíte, desejando poder ficar
mais tempo. O tempo com elas foi um alívio muito necessário, todavia o tempo
estava contra mim, e ainda tinha muito a fazer.

Passei a maior parte da noite estudando os artefatos enquanto dormiam. A


interação entre éter e mana deles era diferente de qualquer coisa que vi e me
lembrou do reino das almas do orbe de éter, onde treinei com Kordri. Não
continham um espaço extradimensional e não eram simples recipientes para
muita mana. Era quase como se Kezess tivesse contido um potencial, e ao usá-
los, esse potencial era usado em um ser vivo.

Era um conceito difícil de entender, entretanto eu estava apenas nos estágios


iniciais de compreensão. Tinha que vê-los em uso, mas sem ativar qualquer
poder que Rinia viu destruindo o continente.

“Então…” disse Regis, interrompendo meus pensamentos. Pude sentir o


contentamento dele com a barriga cheia. “Uma rapidinha nas Relictombs e
depois voltamos a ser a incrível DDD?”

“Eu…” gaguejei, esfregando a mão no rosto antes de virar para ele com uma
careta. “É o quê?”

“Dupla Dinâmica de Dicathen. Sabe, eu e você, você e eu. É a tal da DDD.”

Decidindo que era melhor não o envolver nessa frente, falei:

“Ainda não temos tempo para elas. Primeiro, temos que ter certeza de que
podemos deixar Vildorial sem que caia nas forças de Agrona.”
Um minuto ou dois após Ellie sair, passei pela porta. Em vez de ir à saída, fui
mais fundo no Instituto Earthborn. Como esperava, encontrei Gideon, Emily e a
sua equipe de magos anões já no trabalho.

O velho inventor mal me poupou um olhar quando entrei no laboratório,


claramente sem surpresa em me ver.

“A última vez que te vi foi há dezesseis horas, das quais pelo menos quatro
passei dormindo. Nada mudou, Arthur.”

Emily, que estava curvada vendo o cajado de cristal com um par de varinhas,
apontou uma para mim, que fez um assobio estridente. Ela saltou, sorriu
timidamente e voltou a colocá-la no lugar.

“Gideon, preciso que reúna qualquer equipamento de monitoramento de saída


de mana que possa encontrar” falei. “Me encontre no posto de pesca dos Três
Lagos em uma hora.”

Ele devagar pousou as notas que lia, pôs um dedo na orelha e procurou um
pouco, depois balançou a cabeça e me deu um sorriso doentio.

“Sinto muito, Arthur, mas juro que parece que você acabou de entrar no meu
laboratório e começou a me dar ordens sem contexto ou consideração por
projetos já em andamento, estes que fui informado por você mil e uma vezes
que são da mais alta prioridade.”

O olhando nos olhos, continuei: “Emily, preciso que localize as Lanças Mica,
Varay e Bairon e traga-os.”

Ela bateu tocou nas varinhas duas vezes e guardou com cuidado ao lado do
cajado.

“Claro, sem problemas.”

Quando passou por ele, estendeu a mão e fechou a sua boca, que estava
pendurada enquanto continuava a me encarar. Ele olhou para as costas dela,
todavia a sua atenção logo voltou a mim.

“É mais questão de tempo do que os outros projetos” disse. “Uma hora,


Gideon.”

“Pô” resmungou, mas começou a se movimentar coletando coisas e jogando em


uma mesa vazia. “Em uma hora, então. Mas por que está me fazendo arrastar
essas coisas até lá?”
“Te vejo lá?” Foi tudo o que respondi antes de me virar e sair.

Meus pés me levaram sem delongas para fora do Instituto Earthborn pelo
caminho tortuoso, passando pelos grupos reconstruindo as muitas estruturas
destruídas e por um dos túneis que se conectavam ao nível mais baixo da
cidade.

‘Tem certeza de que vai funcionar?’ Regis perguntou. Ele estava em silêncio se
alimentando da minha recusa em reconhecer o “nome de equipe” sugerido,
mas sua irritação enfim se instalou em uma espécie de acordo resignado de
apenas discordar.

Tem que funcionar, pensei, embora ambos sentíssemos minha falta de


segurança no processo em si. Não podemos lutar uma guerra debaixo do
deserto. Precisamos sair daqui e lutar contra as forças alacryanas que habitam
Dicathen.

Esses pensamentos se chocaram contra uma parede de hesitação em minha


mente. Porque, por mais que precisasse sair, também precisava ficar. Vildorial
era agora o epicentro da luta para recuperar o continente, e todo o povo de
Sapin e Darv precisava de nós. Tudo o que fiz para mantê-los seguros seria em
vão se Agrona enviasse outro ataque enquanto eu estivesse fora.

Eram necessárias as Lanças aqui para proteger a cidade na minha ausência, e


para que fizessem isso, tinham que romper as restrições atuais.

Os túneis entre Vildorial e a região dos Três Lagos eram frios e demorados, o
que significa que fui deixado em paz para refletir sobre o que esperava
realizar.

Organizei o que pensava, tentando lembrar de tudo o que ouvi sobre os dois
conjuntos de artefatos asurianos: aqueles dados aos reis, e esses novos, que,
pelo visto, poderiam fazer um mago forte o suficiente para lutar contra até
Foices.

Ellie me contou tudo o que conseguia sobre as conversas entre Virion,


Windsom e Rinia. E, claro, o próprio elfo explicou dos artefatos quando me
tornou uma Lança, mas ainda havia muito que não entendia sobre a criação
deles.

Minha mente foi ocupada até que o ar ficasse úmido e o cheiro dos lagos
subterrâneos enchesse os túneis. Salmoura, algas e o odor inebriante de
cogumelos gigantes combinavam para criar um perfume de outro mundo, como
se estivesse saindo do continente a um lugar mais antigo e selvagem. O som
distante de água caindo fazia o chão tremer um pouco.
O túnel estava coberto por uma parede de granito áspera, mas o portão estava
aberto. Dentro, vários edifícios se amontoaram em torno da borda do primeiro
dos três lagos que deram a este lugar seu nome. Um píer de pedra corria ao
longo da beirada, e alguns barcos quadrados plano flutuavam ali. O posto
avançado estava vazio hoje, como esperava. A maioria da população da cidade
está sendo mantida no meio em caso de outro ataque.

A caverna era enorme, ainda maior do que o santuário. Embora não fosse tão
alta quanto a cidade em si, se estendia sem parar, o primeiro lago enorme se
derramando em um segundo em uma série de amplas cachoeiras, que por sua
vez levavam água ao terceiro a quase um quilômetro e meio de distância.

Enquanto caminhava entre as construções vazias, observei tudo. Por mais que
o cheiro fosse algo que levaria algum tempo para se acostumar, havia um tipo
de beleza inspiradora no lugar.

Regis saltou livre do meu corpo e caminhou comigo. “Sabe, me lembra um


pouco as Relictombs.”

“Talvez os djinns tenham se inspirado em lugares que nem este” pensei


distraído. “Ou os criou.”

Uma floresta de cogumelos gigantes era presente sobre o chão musgoso na


borda, e em frente a ela, a parede tinha estriações laranjas e brancas. Água
era drenada dos depósitos de sal de maneira constante, derramando no lago e
emitindo o cheiro de salmoura que percebi antes. Nas profundezas da água
escura, criaturas bioluminescentes podiam ser vistas, que nem estrelas
cruzando o céu noturno. Foi, ao menos por um curto período de tempo, uma
distração agradável.

Não demorou muito para que os passos alertassem da chegada dos outros e a
fantasia fosse quebrada.

As Lanças chegaram primeiro, andando confiantes. Mica as liderou. Seu olho


restante se fixou em mim no momento em que cruzou o limiar da caverna, o
olhar tão duro quanto a pedra negra que habitava a cavidade cicatrizada do
olho que Taci havia arruinado. Por mais que estivesse à vontade nos túneis de
sua casa, faltava algo; algo mais que ela perdeu além de um olho na morte de
Aya.

Varay vinha logo atrás, tão estóica e ilegível como sempre. Seus cabelos
brancos curtos pareciam brilhar na luz difusa, lhe dando um ar místico. Seu
braço conjurado de gelo não se movia, porém, a mão de carne e osso carregava
certo nervosismo ao se mexer agressivamente, sobrepondo a sua presença
indomável.
Por fim, Bairon entrou uns metros atrás. Seu olhar seguiu os calcanhares das
companheiras, vendo nada fora o terreno irregular. Me perguntei o que
pensava; que cena invisível o fez franzir a testa tão forte.

Fiquei no cais, Regis sentado ao meu lado, e esperei que viessem até nós.

Varay falou primeiro. “Espero não tenha nos trazido até aqui somente para nos
levar para pescar” falou, se concentrando em um dos barcos flutuando depois
das minhas costas.

Dei uma risada silenciosa, arrancando olhares incertos das outras Lanças. “Eu
realmente aprendi a aprimorar meus reflexos e ajustar a percepção pegando
peixes com as mãos quando era só um menino em…” Me interrompi e deixei o
pensamento fugir. “De qualquer forma, não, acho que vocês já passaram desse
ponto no treino.”

“Estamos aqui para você nos treinar, então?” Mica perguntou, levantando uma
sobrancelha e cruzando os braços. “A Watsken não deu tantos detalhes quando
nos chamou.”

“Não estou convocando ninguém” corrigi. “É um convite. Creio que todos


sabem o que está acontecendo e o que está em jogo. Quando Agrona enviou as
Assombrações atrás de mim, deve ter pensado que eram mais do que
suficientes para me capturar ou matar, e que duas Foices e um Retentor
seriam capazes de recuperar o controle de Vildorial e limpar o resto da
resistência.”

“E teria sido” acrescentou Mica, franzindo a testa. “Apesar de termos dado


tudo o que tínhamos, só pudemos segurá-los por um tempo. Sem a nova arma
de Bairon, não duraríamos tanto quanto duramos.”

“Acha que ele vai atacar de novo?” Varay perguntou, os dedos batendo contra
a coxa, tipo um tique.

“Ele vai.” Comecei a andar de um lado para o outro na frente das três Lanças,
os olhares me seguindo com cautela. “A derrota das Assombrações e o ataque
subsequente em solo alacryano podem lhe dar uma pausa, mas não por muito
tempo.” Parei de andar de repente, contendo a agitação. “Sim, eu impedi
qualquer uma delas de retornar a ele com informações, o que também deu a
ele uma melhor compreensão do meu poder.”

Tirei um momento para reunir meus pensamentos e continuei: “A verdade é


que vocês três não são fortes o suficiente para proteger esta cidade sem mim.”
Varay ficou dura que nem uma estátua de gelo. Seu rosto não entregava as
emoções, no entanto os outros eram menos capazes de mascarar a surpresa e
frustração.

Mica rangeu os dentes e sem querer aumentou a sua gravidade, rachando as


pedras escorregadias do pier abaixo dela.

Bairon bateu a ponta da lança no chão e ficou de pé, olhando para mim em
desafio e me lembrando de seu antigo eu. “Podemos, Arthur. E presumo que
saiba disso, caso contrário, não teria nos trazido aqui.”

“Espero que esteja certo, Bairon…” disse, suavizando o tom. “… Porque não sei
o que fazer se estiver errado. Como recuperaremos nossa terra, derrotaremos
Agrona e evitaremos mais ataques de Kezess Indrath.”

“Então não vamos perder mais tempo” respondeu, orgulhoso. “Vou lutar até
que meu núcleo se rompa e meus músculos cedam se isso oferecer uma chance
de superar as barreiras colocadas sobre nós. Apenas nos diga o que quer que
façamos, Arthur.”

Não muito tempo atrás, teria me maravilhado com a ideia de que o nobre
Bairon Wykes ficou tão disposto e aberto a me seguir. A guerra o transformou
em um verdadeiro líder de forma que nenhum de nós esperaria, ainda mais
depois de sua quase morte nas mãos de Cadell.

“Obrigado, Bairon, mas não será esse tipo de treinamento.”

Antes que pudessem fazer perguntas, todos ouvimos a abordagem resmungona


de Gideon quando entrou pelo portão com Emily cambaleando ao seu lado sob
uma pilha de equipamentos. Ele enrugou o nariz, talvez devido ao cheiro, e
irradiou pura irritação. “Por que caralhos você acha que precisamos estar
neste abismo, nunca vou saber.”

“Agora que estamos todos aqui, vamos começar.” Gesticulei para que me
seguissem.

Nós circulamos ao redor da borda do lago até que estivéssemos sob os largos
“chapéus” roxos, verdes e azuis dos cogumelos gigantes. Varay e eu, e em
menor grau, Regis, que insistia em arrastar uma única sacola de couro,
ajudamos Emily a carregar o equipamento, depois o colocamos em uma série
de pedras planas após ela fazer um escândalo porque queria limpar a sujeira e
o musgo.

Levei as três Lanças para se sentarem no musgo espesso ao lado da água


parada do lago. Enquanto Gideon e Emily preparavam o equipamento, me
dirigi às Lanças.

“Se esperamos quebrar as barreiras colocadas em vocês, devemos entendê-las


melhor. Os juramentos de sangue que fizeram não limitam a capacidade de
ficar mais forte. Isso é algo que Kezess Indrath fez ao originalmente dar a
Dicathen os primeiros artefatos, e posso dizer com exatidão o porquê, visto que
presenciei Agrona fazer a mesma coisa com seu povo. Eles viram do que os
menores são capazes. Sabem que podemos ir muito além deles, dada a
chance.”

Contei a eles sobre os djinns, como eles obtiveram insights sobre éter e mana
além dos dragões, e como Kezess os destruiu quando não pôde forçá-los a
ajudá-lo.

A anã xingou, e Bairon franziu a testa ajoelhado, pensativo. Os olhos de Varay


colaram em mim enquanto prestava atenção em cada palavra que eu dizia.

“Os asuras esperam… exigem controle acima de tudo. Os Vritras criam pessoas
que nem bestas de mana, e os Indrath brincam de deus de longe, cutucando e
mexendo em nossa sociedade na forma que desejam, e derrubam todos os
brinquedos se ficarem chateados. Ao darem a Dicathen os artefatos, Kezess
garantiu que certas linhagens seriam mantidas seguras e politicamente
poderosas enquanto declinavam no quesito de força mágica, o verdadeiro
poder deste mundo. Ele fez isso dando vocês a essas linhagens. Poderosos
protetores ligados por um juramento de sangue que os impedia de traí-los. E
ainda assim, para impedir que qualquer pessoa ou nação crescesse
magicamente, impediu que vocês se tornassem poderosos o suficiente para
serem uma ameaça aos clãs asura.”

“Já Agrona tinha uma corda mais bamba para andar. Ele precisava de soldados
que pudessem lutar contra os asuras, sejam os outros clãs ainda em Epheotus
ou o próprio povo, se pensassem em se virar contra ele. Mas tinha que ter
certeza de que nunca poderiam se fortalecer o suficiente para desafiá-lo, e se
tornou o juiz supremo de quem obtém magia em Alacrya. A verdade é que eles
não querem que façamos progressos, porque vêem isso como uma ameaça
existencial ao seu próprio domínio.”

Algo fez um splash no meio do lago, as ondulações se movendo devagar e


bagunçando a superfície espelhada.

Varay se ajustou no chão musgoso. “Você passou mais tempo com os asuras do
que qualquer um de nós, Arthur. Confiamos em seu julgamento sobre isso, mas
há a questão: o que faremos a respeito disso?”

Estendi a mão para ela, que aceitou e se levantou.


“Não percebi antes, mas o primeiro dragão que conheci sugeriu o que estava
por vir e qual seria a resposta. Ela deixou uma mensagem embutida na mana
do meu núcleo, porém falou que só a ouviria quando chegasse além do núcleo
branco. Era uma tentação que ela sabia que eu não podia resistir; uma maneira
de me lançar a um nível muito além do que a maioria dos magos jamais
alcançaria.”

“E você conseguiu?” Varay questionou com a mão congelada em volta da


minha. “Foi assim que ganhou seus poderes de éter?”

Balancei a cabeça. “Meu núcleo se quebrou, liberando a mensagem antes do


tempo, e minha chance de ir além do núcleo branco se foi. Mas…” Ativei o
Realmheart, vendo o reflexo das runas lavandas brilhantes na superfície dos
olhos dela. “… A sua não foi, e acredito que o próprio Kezess nos deu a chave
para liberar seu verdadeiro potencial.”

Nota do autor: Eu queria deixar um lembrete de que não haverá capítulo na


próxima semana!

Vou passar ela inteira me preparando — emocional e fisicamente — para a


Emerald City Comic Con, onde espero encontrar alguns dos leitores lá ^^. É
um grande passo para mim, então estou empolgado e nervoso. Terá muitos
“making of” e perguntas e respostas lá (principalmente em relação à comic),
mas espero que todos gostem!

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