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The Beginning After The End – Capítulo 402

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Arthur Leywin

Eu estava flutuando num familiar mar ametista, nebuloso e vazio.

O nada se estendia para o infinito em todas as direções. A ausência de algo


real e tangível era tanto uma fonte de conforto quanto de ansiedade. Me senti
que nem uma criança amontoada dentro dos cobertores, com medo de um
monstro debaixo da cama que eu quase tinha certeza de que não era real, mas
não o suficiente para deixar o medo desaparecer.

Não que eu já tivesse tido uma infância do tipo, mas aqui, no reino do éter, era
fácil imaginar todas as diferentes vidas que poderia ter tido.

Pela primeira vez depois de décadas sem pensar nisso, imaginei uma vida na
qual conhecia meus pais verdadeiros, que me criaram com amor. O que eu
teria sido, então, se não tivesse sido um órfão com aquela necessidade
desesperada de apego e amor ou aquela vontade dolorosa de provar meu valor
para que alguém se importasse comigo?

Vi uma vida que nunca conheci Nico ou Cecília, ou a diretora Wilbek ou lady
Vera. Talvez tivesse dirigido um negócio, começado uma família e morrido feliz
em minha pacífica e sem importância vida.

“Não” disse uma voz suave, mais energia do que, de fato, ruído.

Girei no vazio. Ao longe, uma estrela branca brilhava contra o roxo escuro.

“Mesmo que vivesse mil vidas, nenhuma seria ‘sem importância’.”

Meu peito se contraiu e me aproximei da fonte daquela luz. Radiava um calor


que me fazia sentir confiante, com medo, protetivo e amado de uma só vez, e
esses sentimentos se tornavam mais potentes e complexos à medida que me
aproximava.

A estrela cresceu e se solidificou, se tornando uma silhueta, que por sua vez
manifestava os detalhes refinados de uma jovem de cabelos e olhos idênticos
aos meus.

Parei diante dela a observando avidamente, inteira e imaculada. Estendendo a


mão, cutuquei a ponta de um chifre, e ela sufocou uma risada encantada.
“Sylvie…”

Meu vínculo sorriu, e somente isso fez meu corpo formigar.

Havia tanto que queria dizer a ela: o quanto estava arrependido e grato, o
quanto sentia remorso pelo que aconteceu, o quanto sentia a sua falta…

Senti nossas mentes se conectando e a compreensão de tudo o que estava


pensando adentrando à dela.

“Mas seria bom ouvir essas coisas em voz alta” falou, a cabeça um pouco
inclinada para o lado enquanto me examinava. “Não se esqueça disso.”

“Estou sonhando, não é?”

“Sim.”

“Ainda assim, é… Bom te ver, Sylv.” Esfreguei a parte de trás do meu pescoço,
um movimento que ela observou com claro divertimento. “Lamento que esteja
demorando tanto para te trazer de volta.”

“Não se preocupe comigo. Tenho todo o tempo do mundo.”

Seu sorriso se transformou em um malicioso, como se acabasse de dizer algo


muito engraçado.

“Eu vou te salvar, Sylv.”

“Eu sei. Por ora, entretanto…” Estendeu a mão e me cutucou no peito com um
dedo, o que fez um murmúrio monótono de vozes distantes se intrometer no
sonho. “É hora de acordar, Arthur.”

Meus olhos se abriram. Eu estava deitado numa cama dura dentro de uma
pequena câmara, olhando para o teto de pedra cinza e baixo.

“Ai! Merda, essa coisa é afiada” exclamou Gideon.

Virei a cabeça de leve e vi o velho inventor de costas para mim. Encostada à


parede oposta, Emily o observava com a mistura de diversão, carinho e
exasperação. Percebeu o meu pequeno movimento e me olhou nos olhos, sua
expressão se dissolvendo em um olhar de puro alívio.

“Não era para você ser algum tipo de gênio?” perguntei, tirando uma
gargalhada dela.
Ele se virou e lançou um olhar ofendido, cujo efeito foi um pouco atenuado
pelo fato de que estava chupando o indicador feito uma criança ferida.
Removendo o dedo brilhante, olhou para o ponto de sangue que brotou de
imediato e depois para mim.

“Já estava na hora de acordar. Faz um dia e meio, rapaz. Não era para você ser
algum tipo de herói lendário e imortal?” zombou. “Nossa última conversa foi
interrompida por um bando de alacryanos mal-educados confiantes de que
matariam todos nós, se não se lembra.”

Me empurrei sobre os cotovelos e manobrei para poder sentar com as costas


contra a parede.

A primeira coisa que notei foi o chifre de Valeska descansando em um suporte


ao lado da cama; a segunda coisa era que tudo doía.

Notei que me cobriram de curativos da cabeça aos pés. O coto do meu braço
cresceu até o pulso, mas a mão não havia se formado por completo.
Preocupado, verifiquei o núcleo, contudo não parecia danificado, apenas com
pouco éter. Estar inconsciente por um período tão prolongado sem dúvida
prejudicou minha capacidade de coletar e purificar éter de forma eficaz.
Considerando isso, me curei muito mais rápido do que deveria.

Outra coisa também era estranha: um sentimento vazio, como se algo faltasse.

“Regis?” perguntei, a preocupação acelerando meus batimentos.

Ele mal estava aguentando quando acordei na câmara do portal, e não tive
tempo de verificá-lo além de reconhecer que ele ainda não tinha morrido. Mal
tinha os meios para conjurar a armadura e construir uma reserva etérica
suficiente para um único God Step, mas só isso me empurrou para além dali.
Se as Foices não tivessem caído no meu blefe…

Uma pequena bola de chamas roxas angustiada saltou para a cama e me


encarou cansada.

“O quê? Eu estava dormindo. E estava tendo esse sonho muito bom sobre… “

Estendi a mão e mexi a cabeça do pequeno Regis com a mão boa.

“Achei que você tinha morrido.”

Ele bufou ao se abaixar e apoiar o queixo nas patas grandes até demais.
“Eu poderia dizer o mesmo de você. A coisa ficou feia lá atrás. Você estava tão
seco de éter que não consegui entrar no seu núcleo porque eu absorvia muito,
e fiquei preocupado que você encolhesse como uma larva de mana faminta.”

“Bem, obrigado por não me deixar morrer” disse, confuso.

“Digo o mesmo” respondeu antes de fechar os olhos e adormecer de imediato.

“Vocês dois são tão fofos” falou Emily, se contendo com os olhos brilhantes
vendo-o, antes de mudar o foco com cuidado para Gideon. “Tenho que dizer,
gosto muito mais dele assim. Arthur, tem algum jeito de podermos…”

“Eu não sou o seu bichinho, garota!” O artífice estalou, cruzando os braços e
parecendo mais irritado que o normal. “E, de qualquer forma, todo esse tédio
está começando a afetar minha pele. Arthur, precisamos terminar nossa
conversa para que eu possa voltar ao trabalho.”

Observei ele por um longo tempo enquanto tentava lembrar de algo da nossa
última discussão, mas nada veio à mente.

“Sinto muito, tem sido dias difíceis…”

“Os sais de fogo!” exclamou, acenando com as mãos. “Os canhões, o… O…


Tudo!”

Os momentos antes do ataque se solidificaram em minha mente.

“Certo. Suas armas. Na verdade, tive uma ideia.”

Os olhos dele se iluminaram e ele bateu a mão para Emily.

“Menina, escreve.”

As sobrancelhas dela se ergueram, indignada, todavia tirou um pergaminho,


caneta e tinta de uma bolsa de ombro e se ocupou se preparando e lançando
olhares irritados para as costas dele a cada poucos segundos.

“Então, é o seguinte” comecei, sabendo que estava prestes a esmagá-lo. “Sem


canhões.”

Seu rosto perdeu o brilho, vacilando entre confusão e decepção.

“Sem… Canhões?”

Balancei a cabeça e dei um sorriso de desculpas.


“Precisamos fortalecer as capacidades de combate dos soldados não magos, e
a tecnologia que você tem trabalhado é a base disso.”

Embora hesitante no início, a frustração dele se transformou em uma


curiosidade para, depois, florescer em pura emoção. Ao mesmo tempo, Emily
rabiscava freneticamente para capturar tudo o que estávamos discutindo,
apenas sugerindo algo uma vez ou outra.

“Isso… Bem, definitivamente pode funcionar!” Gideon disse olhando o longo


pergaminho cheio de notas. “Não tão chamativo ou impressionante quanto a
ideia do canhão, mas…” Deu um encolher de ombros exagerado. “É um pouco
mais prático, creio eu.”

“Mas a prioridade continua sendo descobrir como operar os artefatos de


concessão…”

“Sim, sim, sim” falou sem olhar para mim, enquanto se virava em direção à
porta, com o nariz ainda no pergaminho. Também não estava olhando para a
porta aberta, correndo de frente para a forma imóvel de Bairon, parado no
batente.

“Ai! Ei, você é um para-raios melhor do que uma porta, Lança” resmungou,
recebendo um olhar azedo de Bairon.

A Lança de ombros largos não se moveu, e Gideon foi forçado a cambalear pela
abertura estreita para sair. Emily fez uma reverência desajeitada à frente dele,
que se mexeu, permitindo que corresse atrás do inventor.

Ele os observou irem e depois olhou para mim com uma sobrancelha
levantada.

“É bom ver que está acordado, Arthur. Estávamos… Preocupados.”

Afastei as pernas da cama e me sentei direito.

“Preocupados? Comigo?” Estendi meu coto, que já estava se curando mais


rápido agora. “Apenas algumas feridas leves.”

Sua boca se contraiu, entretanto, as sobrancelhas se voltaram para baixo,


como se não conseguisse decidir se sorria ou franzia a testa.

“Não vou fingir entender o que aconteceu com você, Arthur, e duvido que até
você saiba toda a capacidade de seus poderes. O que sei é que Dicathen tem
sorte de você ter retornado naquela hora, e que, depois de tudo, ainda está
disposto a lutar pelo continente.”

Olhei para os pés, sem saber o que dizer. Meu relacionamento com ele sempre
foi hostil, e ainda não tinha certeza de como processar a mudança repentina na
dinâmica entre nós.

“Eu… Quero que saiba de uma coisa, Arthur.” Olhei para cima e vi ele tocando
as mãos, o olhar indeciso. “Talvez não signifique muito para você, mas te
perdoo… Pelo meu irmão… Pelo Lucas.” Enfim, nossos olhos se encontraram.
“E sinto muito por te atacar e…” Desviou o olhar de novo, um pouco da cor
saindo do seu rosto. “Ameaçar a sua família.”

“Bairon, é…”

Ele levantou a mão para impedir que respondesse.

“Meu orgulho me cegou para minha família. Não senti raiva nem por conta do
Lucas, mas o seu insulto à nossa casa. Fui idiota, Arthur. E sinto muito.”

Esperei um momento para ter certeza de que ele havia terminado de falar.

“Aceito ambas as desculpas. E deixei de te culpar tem muito tempo. O jeito que
reagiu não foi diferente do que fiz com Lucas. Achei que era justo na hora, que
eu estava certo, mas, realmente, como eu lidava com as coisas, fazia inimigos,
não era inteligente, do ponto de vista estratégico.”

Ele me observou com uma cautela distante e desapegada, e havia uma frieza
na expressão que me lembrava o velho Bairon. Esta que, com um aceno de
cabeça, sumiu.

“Até Lanças, ao que parece, cometem erros. Mas… Não é por isso que estou
aqui.”

Ele ficou de lado na porta, revelando uma figura escondida no corredor atrás
dele. Todo o pensamento a respeito de sal de fogo e armas e até os artefatos de
concessão sumiram da minha mente.

Virion entrou hesitantemente na sala, descansando uma velha e cansada mão


nos ombros da Lança por um momento, que deixou o cômodo e fechou a porta
atrás dele.

Puxou uma cadeira de madeira para longe da parede e se sentou rigidamente.


Seu olhar vagou pela sala por vários segundos muito longos antes de se
estabelecer em mim. Ele limpou a garganta.
“Virion, como você está se sen…”

“Ouça, Arthur, eu precisava…”

Nós dois começamos a falar ao mesmo tempo, então ambos pararam no


instante. Ele se inclinou para frente de punhos cerrados e observou o chão em
silêncio, o corpo tenso, uma animosidade fervilhante evidente em cada mínimo
movimento.

Percebi o quão nervoso eu estava também. Respirando fundo, me forcei a


relaxar. Ao meu lado, Regis rolou e continuou dormindo. Pelo menos, pensei
que dormia, até que um olho abriu um pouco e se fechou rápido quando me
notou.

“É bom te ver, vovô. Como… Você está?” Meu tom era hesitante, quase
envergonhado. Não tive tempo para abordá-lo desde que voltei, porém estava
claro que ele manteve distância, e não tinha certeza do porquê.

Ele olhou para as mãos por um bom tempo e depois falou: “Sinto muito,
Arthur.”

Abri a boca para o interromper, mas a fechei, esperando que ele continuasse.

“Eu tenho evitado você porque…” Ele limpou a garganta, e seu olhar começou
a vacilar mais uma vez, como se não quisesse olhar para mim. “Quando te vi
voltar por aquele portal, sozinho, tudo o que senti foi a amargura de saber que
Tessia não estava com você. Você voltou dos mortos, enquanto o corpo dela foi
deixado para ser controlado por Alacrya feito uma marionete. E… Eu não
queria te odiar por isso.”

Engoli em seco.

Esperava que estivesse desapontado comigo por chegar tão tarde, talvez me
culpar por ser incapaz de salvar Rinia ou Aya… Até o Feyrith.

Nem imaginava que ele sabia o que havia acontecido com Tess. De
repente desejei que ele não soubesse o que estava acontecendo com ela.
Perdeu o filho, as Lanças, o país… Era o suficiente para quebrar qualquer um.
Saber que o corpo de Tessia estava lá fora sendo controlado pelo inimigo sem
ter consciência se ela ainda existia dentro dele… Ele não deveria ter que
suportar esse fardo também.

A raiva tomou conta da minha culpa ao pensar em Windsom e Kezess


manipulando e se aproveitando dele, o fazendo mentir para o próprio povo, o
prendendo junto de pedaços de informação sobre a neta, apenas o suficiente
para mantê-lo desesperado e inseguro.

Mais uma coisa que deveriam responder, pensei, enrolando o cobertor no meu
punho cerrado.

Após um longo silêncio, ele continuou. “Eu precisava chorar, mas não sabia por
onde começar. Perder Rinia e tantos outros elfos quando restam tão poucos de
nós… Passei tanto tempo segurando tudo, depois de Elenoir, depois de Tessia,
e de repente sentir que perdi a minha neta de novo…” A cabeça dele parecia
querer cair, e uma lágrima foi derramada em suas mãos apertadas.

“Sinto muito por não ter conseguido salvá-la, Virion. Eu tentei, eu…”

Minhas palavras foram paradas na hora que a imagem de Tess sorrindo


invadiu meus pensamentos. A lâmina de éter contra seu esterno, veias verdes
musgosas se espalhando pelo seu rosto, suas palavras… “Art, por favor”…

“Ela está viva.” Virion ergueu e piscou os olhos rápido. “Seu corpo pode estar
sob o controle de Agrona, mas Tessia está viva, enterrada sob a personalidade
de um ser conhecido como o Legado.”

Virion se mexeu, hesitando, então enfim perguntou: “Tem certeza? Windsom,


ele pensou que talvez… Mas…”

“Tenho certeza” confirmei com um aceno de cabeça que deixou o corpo todo
desconfortável. “Eu olhei nos olhos dela, Virion. Tess ainda estava lá.”

Ele procurou meu olhar por um bom tempo, e o seu rosto se enrugou, soluços
tremendo os ombros, e muitas lágrimas surgiram sem controle.

Deslizei da cama e fiquei de joelhos à frente dele, pegando suas mãos. Não
havia palavras para momentos do tipo, e por isso fiquei calado. Ele se inclinou
e pressionou a testa na minha mão, e ficamos assim. Seu luto me acalmou, e
minha presença o apoiou enquanto ele desabafava sua tristeza de muitos dias,
meses e anos.

Depois de alguns minutos, os soluços cessaram, e a maior parte da tensão


deixou seu corpo. Ficamos como estávamos por mais um minuto ou dois. Foi
ele quem falou primeiro.

“Eu não posso sentir a Vontade do dragão dentro de você.”

Pressionei meus dedos no meu esterno, sobre o núcleo de éter, que formei a
partir dos restos quebrados do de mana que uma vez continha a Vontade de
Sylvia. Voltando à cama dura, contei a ele tudo o que havia acontecido comigo:
minha derrota e quase morte lutando contra Cadell e Nico, o sacrifício de
Sylvie, acordar nas Relictombs, Regis, o núcleo de éter e tudo mais depois
disso.

Ele provou ser um ouvinte ótimo, se inclinando para frente com os cotovelos
apoiados nos joelhos, mal piscando. Quando me aproximei do fim da história,
no entanto, ele se encostou na cadeira, cruzou os braços e me pôs uma
carranca amarga. “Então você está me dizendo que eu desperdicei quatro
anos da minha vida treinando você para ser um domador de bestas, apenas
para você ir e perder o seu vínculo?”

Minha boca se abriu lutando por uma resposta, mas a feição dele quebrou e me
deu um sorriso irônico.

“Essa é uma história e tanto, pirralho. Mas… Estou feliz que você voltou. E…”
Fez uma pausa e pigarreou. “Obrigado, Arthur.”

“E obrigado, Virion, por garantir que minha mãe e irmã estivessem seguras”,
disse em troca.

Ele soltou um comentário divertido. “Aquela sua irmã, ela é um ímã para
problemas que nem você sempre foi. Esqueça a ideia de ‘segurança’.” Meu
rosto deve ter revelado como me sentia sobre a imprudência dela, porque ele
riu. “Falando nisso, tenho certeza de que está ansioso para vê-las. Ambas
estiveram aqui desde o primeiro dia, mas a Lança Varay finalmente as fez sair
para descansar um pouco.”

“Sim.” Sorri.

Ele se levantou e se esticou, soltando o gemido de um idoso. “Antes de ir,


porém, tem mais uma coisa. Bairon!” exclamou, se virando para a porta
fechada.

Ela se abriu e Bairon entrou mais uma vez, agora carregando três caixas
idênticas de madeira preta polida, cada uma amarrada em prata meio
brilhante.

“Os artefatos que Windsom te deu.” Olhei para elas como se pudessem
explodir. “Você as manteve. Eu me perguntei… Isso é o que você estava
fazendo enquanto o resto de nós se encontrava antes do ataque dos
alacryanos.”

Ele tomou uma caixa e abriu a tampa, a estendendo para mim. Dentro existia
uma varinha ornamentada: a madeira vermelha do cabo tinha anéis dourados
enrolados em torno dele em intervalos, e estava coberta com um cristal de
lavanda brilhante. O éter parecia atraído pelo cristal, balançando ao seu redor
feito abelhas.

Ativei o Realmheart. Houve um puxão afiado que enviou um solavanco de dor


pela espinha enquanto a runa se iluminava, depois uma onda de calor da parte
inferior das minhas costas para os membros e olhos.

A mana entrou em foco, e minha respiração saiu com pressa.

O artefato em forma de varinha se tornou um arco-íris brilhante de mana


radiante; os anéis, o eixo e o cristal não infundidos somente com mana, mas
constantemente extraindo mais de onde estávamos, de modo que toda a
superfície, bem como a caixa, foram submergidas em azul, verde, amarelo e
vermelho.

“Não tenho certeza do que fazer com eles”, admitiu Virion, segurando a caixa.
“Não podemos usá-los. Não agora, depois de tudo o que aconteceu. Não depois
da Rinia…”

Com cuidado tirei ela dele, a segurando na dobra do meu braço ferido e
levantando o artefato no outro de um jeito que as facetas do cristal
capturassem a luz e cintilassem através do brilho da mana.

“Ellie me contou sobre as visões da Rinia” contei, usando o Realmheart e a


minha própria capacidade inata de ver partículas etéreas para rastrear o fluxo
da magia. “Gideon os examinou?”

“Olhou para eles e disse que concordava com a ‘velha gagá’ e votou contra o
uso deles.”

Regis se mexeu, não mais fingindo estar dormindo, olhando faminto o


artefato. ‘Se não vamos fazer mais nada com eles, eu poderia absorver o éter.
Você sabe, desativá-los, por segurança ou o que quer que seja.’

Curioso sobre o que aconteceria, tentei tirar o éter que enxameava o objeto.
Ele parecia exercer sua própria força sobre as partículas roxas, que fluíam pela
alça em direção à minha mão, apenas para vacilar e se aproximar do cristal de
novo. Me concentrei e puxei mais forte. O éter tremia, e a mana parecia
ondular, e pequenas partículas dela escapavam e eram espirradas à atmosfera.

Se pegássemos o éter, o artefato se quebraria. Com tanta mana, a explosão


pode ser bem violenta. Além disso, acrescentei pensativo, ainda não estou
convencido de que não podemos usar.
“Eles resistem a ser colocados em um dispositivo dimensional de qualquer
tipo”, falou, me observando com as sobrancelhas franzidas, confuso a respeito
do que eu estava fazendo. Percebi que para ele parecia que eu estava tendo
uma competição para ver quem piscava primeiro com a varinha. “Não quero
ficar com elas para cá e para lá, mas não tenho certeza do que fazer.”

A girando que nem um bastão, devolvi à caixa, fechei e prendi a tampa, depois
imbuí éter na runa dimensional.

A caixa desapareceu, atraída para o espaço de armazenamento


extradimensional controlado pela runa no meu antebraço.

“Mas, como…?” Virion olhou para Bairon de forma questionadora, entretanto a


Lança apenas deu de ombros.

“Aqui.” Peguei as outras duas caixas. Bairon as entregou de bom grado. Em um


momento, também se foram, e pude senti-las dentro do espaço, junto com os
itens que coletei em Alacrya.

Levantei meu antebraço para mostrar a runa a ele. “Tenho uma original, não
uma relíquia antiga que foi cortada dezenas de vezes. Deve fazer diferença.”

Ele riu, as sobrancelhas erguidas até a linha do cabelo. “Algum dia eu acredito
que vou parar de ser surpreendido por você, moleque.”

“Vamos esperar que não, vovô” disse sinceramente antes de olhar para Regis.
“Acho que já fiquei deitado por tempo suficiente. Pronto para sair daqui?”

O lobinho bocejou e se esticou, abanando o rabo para cima que nem um


cachorro de verdade. “Estou pronto para encontrar uma fonte real de éter.
Não gosto da ideia de ficar preso por uma semana conseguindo pingos de éter
daqui.”

Com a Bússola, poderia voltar às Relictombs à vontade, e concordei com ele


que deveríamos reabastecer nossas reservas o mais rápido possível. Todavia,
precisava verificar minha mãe e Ellie primeiro.

Depois de deixar o chifre de Valeska dentro da runa, me despedi de Virion e


Bairon e fiz meu caminho através dos salões labirínticos do Instituto
Earthborn.

Regis ficou dentro de mim enquanto caminhávamos, pairando perto do toco da


minha mão em vez do meu núcleo. Aliviou a dor do membro em crescimento,
contudo a cura era lenta — ao menos, lenta para mim. Me acostumei a perder
membros inteiros, e isso fez eu me preocupar genuinamente com minha
sanidade. Havia algo que com clareza era desumano ao ver uma mão
crescendo em tempo real.

‘Você ainda é humano?’ questionou Regis, sabendo com precisão uma maneira
de me agitar mais. Nada fora do normal.

Não sei, respondi. Depois deixei o pensamento de lado ao me aproximar da


porta dos quartos onde minha família estava hospedada.

Ela abriu antes de eu chegar, e Ellie estava prestes a sair antes de me ver e
parar. Seu rosto se iluminou, e o seu foco mudou para minha mão. “Oh, Art,
parece…”

Eu segurei o seu queixo e virei o rosto dela em direção ao meu. “Estou bem, El.
Já me curei de coisas piores.”

Ela me deu um único aceno decidido e depois recuou. “Eu estava indo ver
você, então me poupou uma viagem. Mamãe está dormindo” falou, se virando
para nos guiar aos quartos. “Ela ficou acordada por umas trinta horas seguidas
e teve um efeito rebote tentando te curar.” Ela se encolheu e olhou nos meus
olhos. “Desculpe, eu não quis…”

“Está tudo bem” disse, bagunçando o seu cabelo que nem fazia quando ela era
pequena. Não havia notado o quão alta ela ficou. E o quanto sentia falta dela.

“Arthur?” Uma voz cansada surgiu de algum lugar mais profundo na suíte.
Ouvi pés baterem no chão e passos rápidos, porém irregulares. Mamãe
apareceu no corredor, o cabelo bagunçado e olheiras profundas.

Ainda assim, ao me ver, sorriu. “Oh, Art, eu estava tão…”

Ela oscilou, e os seus olhos perderam o foco. Fui pro lado dela em um instante
e a levei para o sofá mais próximo.

“Eu estou… Bem”, murmurou, mas era fácil dizer o contrário.

Ativando o Realmheart, vi mais de perto as partículas de mana se moverem em


seu corpo e senti a força do seu núcleo.

“Oh, você está brilhando.” Seus olhos tremiam enquanto tentava e não
conseguia se concentrar em mim.

Estava na cara que ela ultrapassou o ponto de exaustão. Seu núcleo ficou tão
tenso que lutava para começar a processar mana mais uma vez, para não
mencionar a intensa dor do corpo inteiro que sentia com um efeito tão severo.
Deixei o Realmheart desaparecer de novo.

“Você está em um rebote extremo. Precisa ter mais cuidado. Você é…”

“Sortuda?” ela disse desajeitadamente, me interrompendo. “Me sinto bastante


sortuda, sabe? Nem todo mundo tem… Quantas chances agora? Quatro?
Cinco? De qualquer forma, nem todo mundo tem uma ‘segunda, segunda,
segunda’ chance de consertar as coisas.”

Estremeci com a menção do passado.

Os arrependimentos que tive ao contar para eles a verdade sobre mim e a


solidão que senti… As emoções voltaram, formando um nó na minha garganta
que engoli à força.

Dando um sorriso sombrio a ela, puxei um cobertor solto sobre o seu colo. ”O
que quer dizer? Você fez as coisas certas há muito tempo, lembra? Depois que
o papai morreu…”

Ela soluçou, balançando a cabeça e apertando fraco minha mão. “Posso ter
dito, mas nunca fui capaz de agir. Nunca cheguei a… Ser sua mãe. Mas eu
quero ser. Serei.” Seus olhos se fecharam e ela afundou mais fundo no sofá.
“Creio que é assim que é ser você, hein? Tipo… Renascer. Tentar consertar as
coisas.”

Sabia que ela estava delirando, mas ainda assim, ouvi-la tão casual e
calmamente mencionar meu renascer fez minhas entranhas se contorcerem.
“Sim, talvez. Só podemos… Continuar tentando. Aprender e fazer melhor.”

Suave, o seu tom me dizia que ela estava voltando a dormir. “Fiz um pouco de
mingau para você, Arthur. Sei que vai levar tempo, mas… Espero que você
possa de pouco em pouco deixar eu ser a sua mãe… Mais uma vez.”

Olhei para a cozinha e vi uma pequena mesa redonda com uma tigela de
madeira ao lado de uma colher.

De repente, a armadura de insensibilidade e apatia que usei para sobreviver


nas Relictombs e Alacrya desmoronou.

Minha garganta apertou e minha visão se turvou.

Uma parte de mim resistiu a se levantar e caminhar em direção à mesa. Com o


rápido contra-ataque de Agrona, sabia que não poderia ficar aqui muito mais
tempo. Sabia que atacaria de novo e sabia que só seria pior.
Porém deixei as pesadas pernas me arrastarem em direção à tigela de mingau,
mal percebendo que Regis levou Ellie para fora da sala.

Devagar, peguei a colher e saboreei a refeição fria e sem sabor. Então cedi ao
peso de tudo.

Lágrimas desceram livres depois de colherada e mais colherada. Sozinho


naquela pequena cozinha, distante de qualquer lugar que já chamei de lar,
chorei em silêncio e comi a primeira refeição que minha mãe cozinhou para
mim em anos.

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