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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA

Disciplina: História Antiga 2.


Docente: Dra. Luciane Munhoz de Omena.
Discentes: Bárbara Dezembrina Barros da Silva e Thiago Alecrim de Souza.

Atividade em EAD – Leitura e elaboração de análise do texto – duas questões e respostas.

Texto - MOTA, Thiago E. A. Troféus de guerra e o motivo épico da captura das armas na
Eneida: morte violenta e humilhação do inimigo. In: CARVALHO, Margarida Maria de;
OMENA, Luciane Munhoz de. Narrativas e materialidades sobre a morte nas Antiguidades
Oriental, Clássica e Tardia. Curitiba: CRV, 2020, p. 147-170.

Questão 1

Como, por meio da narrativa da Eneida, podemos entender a forma que a morte heróica
e, consequentemente, a violação desse direito era vista na sociedade romana?

A priori, é fundamental que se ressalte a importância do poema épico “Eneida” como


fonte para o conhecimento de aspectos do imaginário social romano. Desse modo, a
veracidade do que fora narrado não é de estrita relevância para a análise.
Segundo Thiago Mota (2020), esses versos épicos tinham a função social de
rememorar os mortos, em essencial, os que tivessem realizado grandes feitos militares durante
a vida. Mota ainda expõe que a morte heróica tinha papel fundamental dentro dessa lógica.
Assim, os preparativos para essa rememoração tinham início imediatamente após o
falecimento do indivíduo. Isso é notório a partir das ações dos próprios companheiros de
batalha que "quando possível, cumpriam a proteção do cadáver, impedindo ou revertendo tais
processos." (MOTA, 2020, p.148). Por “processos” podemos entender tanto os processos
naturais de putrefação, quanto a violação do corpo por inimigos, aspecto que será
aprofundado a seguir. Além disso, o autor ressalta o papel dos “funerais heróicos” nessa
construção, em que "a manifestação visual e audível da dor por parte dos vivos era etapa
indispensável das solenidades que cercavam a morte."(MOTA, 2020, p.148). Assim, nota-se
uma espécie de “performance” necessária para a exaltação exacerbada do finado, em que
haveria um contraste entre o belo morto que heroicamente será lembrado e o feio vivo
desolado pela morte do primeiro.
Em contraste ao bem tratamento dado aos companheiros mortos em guerra, havia o
mal tratamento aos corpos falecidos dos inimigos. Em uma lógica em que a preservação e o
funeral grandioso do morto era essencial para a construção de uma memória épica, "a
interdição da sepultura e a negação dos cuidados dispensados ao morto aparecem no
imaginário romano como uma forma de punição para além da morte." (MOTA, 2020, p. 148).
A partir disso, havia a crença de que a alma do morto de forma violenta poderia se manifestar.
Sendo a aparição de Siqueu (assassinado pelo cunhado de forma brutal) por meio de sonhos
um dos principais exemplos retratados na Eneida.
É importante ressaltar que, mesmo em uma relação para com os inimigos, o
desrespeito à morte do rival era mal visto: o insulto aos mortos é, por vezes, interpretado
como uma grave falta moral e uma ação de crua impiedade, vinculada na Eneida aos gestos de
cobiça e tirania. Entretanto, essa lógica era subvertida nos períodos de guerra:
Em um contexto distinto, os labores da guerra interrompem o estado de normalidade
das coisas, desta forma, a violação do morto, seguida da captura das armas e, por
vezes, a própria negação da sepultura, se tornam uma prática comum a troianos e aos
povos itálicos.” (MOTA, 2020, p.150).

Ainda nesse aspecto, Mota usa o pensamento de Jean-Pierre Vernant, ressaltando a


importância da memória e a gravidade de seu apagamento, ao afirmar que:
Para o estudioso francês, a desfiguração dos restos mortais ataca o cadáver no que
ele ainda preserva de humano, transmutado em algo monstruoso ou indecifrável, não
encontra ressonância na memória dos vivos. Este bem mais vive nem está
'devidamente morto', já que não pode ser celebrado ou rememorado pelos vivos.
(MOTA, 2020, p. 150).

E são nessas batalhas que os guerreiros têm mais uma oportunidade de construírem as suas
famas, ao serem bem sucedidos, eles alcançam a virtus, relegando-os à memória da
coletividade como grandes heróis, tendo o seu auge, assim, com a morte heróica.

Questão 2

Qual era a importância do troféu para a construção de uma narrativa heróica?

Desde a Antiguidade, os exércitos militares vencedores são coroados com retornos


triunfais, caracterizando, portanto, elementos claramente identificáveis ao exército da nação
subjugada, como inquestionável prova de sua supremacia militar. O troféu de guerra
caracteriza-se como lugar de memória coletiva que simboliza e reforça valores essenciais para
determinadas sociedades, como patriotismo, sacrifício e heroísmo. Para entender a
importância dos troféus na narrativa heróica em Roma, é mister analisar a história da
consolidação de tais prêmios de guerras nessa sociedade.
Apesar da documentação não oferecer um quadro completo do desenvolvimento das
estruturas dos troféus em Roma é fundamental entender a origem e o processo em que se
constituiu o troféu. Em vista disto, a análise das práticas das mortes militares violentas e os
ritos que as compunham. Para além dos ritos mortuários do ultraje ao corpo do inimigo morto
em batalha, as armas inimigas capturadas eram ostentadas como prêmio de guerra ou
devotadas às divindades tutelares. Tanto que a ação de recusar saquear as armas é interpretado
como um gesto de comiseração e respeito pelo inimigo derrotado.
Sendo assim, tais espólios eram troféus valiosos, ainda mais se o oponente era
considerado célebre para seu exército. As armas do inimigo eram consideradas um troféu,
haja visto que a função era meramente de proteger o guerreiro ou causar danos ao inimigo.
Assim, as armas têm um atributo essencial da identidade do guerreiro, uma vez que através
dela está presente a ancestralidade e o heroísmo. Além do mais, o troféu está diretamente
ligado às consagrações às divindades e por serem dotadas de ornamentos e confeccionadas
de maneira ímpar, uma vez que pelas armas o guerreiro é reconhecido em campo de batalha,
ele deseja morrer e ser sepultado com elas.
De acordo com o historiador do primeiro século Lúcio Floro, os romanos
transportavam os espólios para sua cidade, e decoravam prédios públicos, templos e casas.
Sendo tal costume de origem grega, sendo o primeiro troféu erguido por Domício Aenobardo
e Fábio Máximo nos bancos do rio Reno para comemorar a vitória sobre os Allobroges em
121a.C. Assim deu início a tradição e sua consolidação juntamente com as moedas.
A obra Eneida do poeta Virgílio, ao qual é um clássico da literatura mundial, trata-se
de uma epopéia que glorifica a história de Roma. Neste poema épico, é notável a importância
dos troféus como monumentos e moedas. Assim como nos poemas homéricos, a captura dos
espólios é o motivo de orgulho e símbolo de Triunfo, na Eneida, ocorre o mesmo, a casa de
Entello,os palácios de Príamo e do Rei Latino são decorados com essas presas de guerra.
Além da violência contra o corpo nas guerras, o auge do ultraje ao cadáver no épico
virgiliano se confirma com a espoliação das armas e sua exibição como troféu.

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