Você está na página 1de 6

Gladiadores Romanos

Camila Gasparin Fontanive, Maria Vitória Dias Collares e Shenon Klein Marchi

No presente texto tentamos sintetizar o necessário para compreender os Gladiadores


da Roma Antiga, fatores como: violência, religião, e também uma nova forma de se olhar e
refletir sobre os espetáculos e seus frequentadores.

Como aponta o artigo “Violência como espetáculo: o pão, o sangue e o circo”


(GUARINELLO, 2007) a violência explícita nas arenas romanas é algo que espanta logo de
cara, contudo, é preciso repensar no que se compreende por “violência” para então poder
compreender o que os gladiadores significavam para os romanos.

Diante disso, é importante ressaltar que os combates entre gladiadores eram


considerados comuns na sociedade romana. Passaram a ocorrer em maior quantidade durante
o Império e então surgiu o local específico onde aconteciam, o anfiteatro. Os espetáculos
eram fornecidos pelo Imperador, tanto em Roma quanto nas províncias, onde os responsáveis
eram os sacerdotes do culto imperial.

Inicialmente, os gladiadores eram prisioneiros de guerra ou escravos comprados


exclusivamente para os combates, porém, no Império muitos gladiadores eram de origem
livre. Estes últimos, eram os auctorati, alguns de origem nobre, como cavaleiros ou
senadores, que se colocavam à disposição e então se submetiam ao poder do seu mestre,
chamado de lanista ao qual prestavam um juramento sagrado. Tal juramento era um ato de
submissão, algo indigno de um homem livre, sendo assim, houveram tentativas de leis
imperiais para impedir que membros das classes dominantes de Roma se tornassem
gladiadores. No entanto, tais tentativas foram em vão, justamente porque o juramento tornava
o gladiador um ser o qual a dor e a morte não assustavam mais e então deixava de ser um
objeto de angústia e se tornava um objeto de honra.

Portanto, é interessante ter consciência que “violência” não é um termo preciso, ele se
modifica em diferentes culturas ou diferentes grupos de uma mesma cultura. Dessa forma, a
brutalidade apresentada como espetáculo nas arenas romanas é mais uma forma de violência
dentre muitas existentes, algo que não nos impossibilita, até mesmo nos instiga, a refletir e
julgar qual a violência que consideramos “aceitável” e qual consideramos abominável.
Memória, poder e religiosidade

O caráter funerário, religioso e privado é consensual entre os estudiosos. Lafaye já


apontava o ano de 105 a.C como o momento em que os combates começam a aparecer como
espetáculo ao público e salientou um aspecto peculiar nesta mudança: o nome munus
permaneceu diferenciando os combates dos ludi, espetáculos do circo ou teatro. Munus, cujo
plural é munera, é uma palavra de âmbito jurídico-social e pode ser traduzida como
“empenho”, “tarefa”, “obrigação”. Palavra derivada de munia, consta em contextos oficiais,
como encargos de um magistrado e por isso originou termos como municipium, municipalis,
municeps, com o sentido de “tomar responsabilidades administrativas”.

Os munera eram regulamentados por dois princípios gerais: a fortuna pessoal, que
estabelecia as atividades a serem desempenhadas e a divisão das despesas. Ademais, eles
eram constituídos por diferentes tipos de obrigações, entre elas: provisões para o exército,
manutenção de estradas, muralhas e aquedutos e altos funcionários do Império. O sentido da
palavra era muito amplo, então munus em algumas ocasiões poderia também significar
diferentes aspectos da vida política, como anúncios de propaganda eleitoral ou atividades de
cunho artístico, como poesia. Por conseguinte, o termo passa a designar também a
organização de um tipo de espetáculo, o munus funebre, ou seja, combates de gladiadores em
homenagem a um falecido. Posteriormente, ao longo de quase sete séculos, as características
dos combates se modificaram e então os munera adquiriram uma dimensão mais ampla, as
uenationes que até então eram apresentadas em circos, passam agora a fazer parte dos jogos
gladiatórios.

Quanto à organização dos munera no início do Principado, Futrell (2006, p. 84-119)


dá um panorama de como seria a estrutura dos jogos nesse período. Com as reformas
realizadas por Augusto, o munus passou a ter três momentos: as venationes (caçadas) que
ocorriam pela manhã, as execuções penais que ocorriam na hora do almoço e os combates
gladiadores, que ocorriam à tarde. No dia anterior aos combates havia a pompa, momento de
procissão celebrando aspectos políticos e divinos, quando anunciavam os magistrados.

A questão do poder e da memória também é um assunto pertinente quando tratamos


de gladiadores, portanto, para entender a relação da aristocracia com os mesmos, os relevos
funerários são documentos muito pertinentes. Tais relevos são concebidos para constituírem
parte do túmulo de ricos cidadãos que proporcionaram combates em vida, estes relevos eram
elaborados com os corpos dos combatentes e seus adornos esculpidos nos mais íntimos
detalhes. Relevos de Pompeia exemplificam como eram feitos, nestes os gladiadores são
representados aos pares ou em grupos, com os pés descalços, os elmos, escudos e espadas de
diferentes tamanhos, formas e símbolos impressos, o que leva ao reconhecimento de alguns
oplomachi e mirmillonis (diferentes categorias de gladiadores).

Além dos relevos, as armas dos gladiadores servem como ponte para uma
aproximação do cotidiano dos mesmos. Em um dos ludi de Pompéia foram encontrados
diferentes tipos de armamentos, desde os mais simples aos mais ricos em detalhes, com
figuras dos deuses, e/ou figuras eróticas e de animais distintos, como serpentes e aves.

Os relevos e os armamentos indicam que as arenas romanas teriam diversas


facetas: os primeiros estão situados no campo da ordem, exprimem memória
dos antepassados, poder e domínio romano sobre as populações conquistadas;
os segundos, as crenças nas forças da Natureza e o desejo de atrair boa sorte e
aterrorizar o oponente, conduzindo aos que assistiam ao desconhecido e
lembrando a todos o tênue fio que divide a morte. (GARRAFFONI, 2017, p.
371)

Repensando o papel dos gladiadores e a visão masculina posta neles

Desde o século XIX, classicistas tentam compreender as lutas de gladiadores e várias


teorias surgiram para explicá-las. Talvez a mais conhecida seja a ideia da “plebe ociosa” que
vivia de pão e circo e junto a ela a teoria da Romanização. Após a Segunda Guerra, surgiu a
questão da violência implícita nos espetáculos (GARRAFFONI, 2005), que se difundiu com
o conceito de que as arquibancadas eram ocupadas por uma população pobre, desocupada e
fascinada por espetáculos sangrentos, uma clara reação da historiografia anterior. Esse
discurso foi muito criticado na década de 70 por estudiosos como Veyne (1990), que
acreditavam que os anfiteatros eram lugares onde elite e povo lutavam pelos seus interesses.

A presença feminina em tais eventos é destacada por Juvenal com dois principais
fatores: As chamadas matronas e as mulheres gladiadoras. No caso das matronas, o autor
destaca que elas se apaixonam pela profissão do gladiador, e não pela pessoa por trás da
armadura, dando a entender que o único motivo do interesse delas pelos guerreiros era o fato
de lutarem na arena.
Sobre as mulheres que lutaram na arena, há de fato poucos registros sobre elas, mas
Juvenal destaca que haviam algumas dentre as matronas que desejavam participar dos jogos.
O autor critica fortemente a presença das mulheres em locais e posições que originalmente
seriam masculinos, neste caso, a ambição delas por se tornarem gladiadoras.

Na grande maioria, os modelos interpretativos estão ficando mais nos valores das
elites por estarem fundadas em aspectos políticos e econômicos. Desde o século XIX,
historiadores formularam questões sobre o mundo romano considerando o espetáculo com
um aspecto relevante para a manutenção de poder dependendo do contexto histórico ao qual
estavam submetidos ou das metodologias empregadas. Assim, o cenário era de membros da
elite controlando a vida cultural e social romana, e gladiadores ou o público nas
arquibancadas perdendo sua relevância.

Um aspecto que deve ser ressaltado é a ampla rede de pessoas que trabalhavam, em
diferentes locais, para que os combates acontecessem. Além dos editores, membros da elite
que pagavam pelo espetáculo e os próprios gladiadores; haviam os laniestae, atravessadores
de diversas regiões que negociavam os gladiadores; doctores, ex gladiadores que trabalhavam
nas escolas oficiais como instrutores e professores dos mais jovens; os guardas e porteiros
para evitar tumultos; agentes que atuavam na arena para acertar a areia após cada combate;
responsáveis pela programação colocada nos muros dos edifícios públicos; entre inúmeros
outros.

Garraffoni apresenta, então, novas perspectivas e abordagens acerca do passado


romano e de pessoas que frequentavam os anfiteatros. É preciso rever os métodos de
abordagem da documentação, pensando cada uma em seu contexto e buscando enfatizar a
riqueza e pluralidade de informações que cada uma pode conter. O que Richard Hingley
(2005) diz é que temos que interpretar criticamente estudiosos de acordo com o ambiente e
tempo em que estão inseridos, pois o presente influencia a leitura do passado. Buscar a
diversidade e ambiguidade nos anfiteatros não significa negar o papel das elites romanas nos
espetáculos, mas que os frequentadores dos mesmos eram sujeitos históricos. Assim,
devemos desconstruir a perspectiva tradicional de como seriam os espetáculos e nos permitir
explorar visões que muitas vezes foram abafadas pela historiografia que comentamos
anteriormente.
Durante as primeiras décadas do século XX, o esporte foi consagrado como lazer pela
influência marxista, e assim foi entendido como favorável às classes dominantes. Os estudos
de Norbert Elias e Pierre Bourdieu foram fundamentais para tornar o esporte um fenômeno
social, passível e analisado pelas ciências sociais. Assim o esporte, mais que um produto
capitalista e meio de alienação, começou a ser interpretado de muitos ângulos, como o de sua
maneira de produzir emoções e emoldurar visões de mundos.

Um dos aspectos dos estudos de Bourdieu e Elias é a retomada dos valores clássicos e
sua inserção no mundo do esporte moderno. Grandes eventos esportivos como Jogos
Olímpicos ou a Copa do Mundo constantemente fazem menção aos antigos costumes
greco-romanos de maneira acrítica e construindo um discurso muito mais próximo dos ideais
capitalistas modernos. Mas para associar os atletas modernos com gladiadores romanos foram
constituídas virtudes do “gladiador moderno”, valores como perseverança, força, superação
de limites, fama e paz de espírito de objetivos cumpridos. Assim, o gladiador romano é
retirado do seu contexto original e inserido numa realidade moderna, principalmente num
universo masculino, para reforçar ideias contemporâneas que para ser um bom profissional e
alcançar fama e sucesso precisa-se de treinamento, competitividade e de domesticar a
rebeldia jovem.

A autora afirma que nos textos lidos é possível perceber a subjetividade dos outros
autores homens para com os temas, sendo influenciadas pelo presente em que vivem.
Wiedemann (1995, p. 143), por exemplo, compara as lutas de gladiadores com shows de
strip-tease, a fim de tentar interligar as sensações do mundo antigo com o período em que
estava inserido, assim conectando os leitores e facilitando seu entendimento. Auguet, nos
anos 70, faz o mesmo ao comparar gladiadores a estrelas de cinema ou famosos no geral.
Todas essas metáforas e ideias exploram os interesses de um público quase todo masculino,
inclusive como se os combates fossem a única forma de constituição da masculinidade
romana.

Não se deve descartar os estudos, apenas repensar o olhar masculino, focado


exclusivamente no seu prazer e não deixar de lado estudos sobre a função simbólica.
Monique Clavel-Lévêque (1984) diz que a alegria que se manifestava no jogo conversava
com homens, deuses e gladiadores, eram uma maneira de organizar a visão de mundo e
expressariam uma diversidade de elementos que atuariam em diferentes níveis sociais.
Assim, vemos que a figura do gladiador romano é descontextualizada e utilizada nos dias
atuais para ressaltar ideias masculinas de virilidade, disputa, sucesso e autocontrole.

Em suma, necessita-se ampliar nossa visão interpretativa em cima dos Gladiadores


Romanos, dos espetáculos e do significado imposto a eles levando em conta perspectivas
historiográficas e o espaço-tempo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GARRAFFONI, Renata Senna. Lendo sobre arenas romanas e repensando o papel dos
gladiadores. Mimesis, Bauru, v. 29, n. 2, p. 105- 122, 2008.

GARRAFFONI, R. S. Gladiadores e a Modernidade. História e-História, v. 1, 2005.

GARRAFFONI, R. S. Memória, poder e religiosidade nas arenas romanas no início do


Principado. Revista M, v. 2, p. 361-374, 2017.

GUARINELLO, Norberto. Violência como espetáculo: o pão, o sangue e o circo. História,


São Paulo, v. 26, n. 1, 2007, p. 125-132.

GARRAFFONI, SILVA. O feminino adentra a arena: Mulheres e a relação com as lutas de


gladiadores. Revista Caminhos da História, v. 15, p. 61-83.

Você também pode gostar