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Camila Gasparin Fontanive, Maria Vitória Dias Collares e Shenon Klein Marchi
Portanto, é interessante ter consciência que “violência” não é um termo preciso, ele se
modifica em diferentes culturas ou diferentes grupos de uma mesma cultura. Dessa forma, a
brutalidade apresentada como espetáculo nas arenas romanas é mais uma forma de violência
dentre muitas existentes, algo que não nos impossibilita, até mesmo nos instiga, a refletir e
julgar qual a violência que consideramos “aceitável” e qual consideramos abominável.
Memória, poder e religiosidade
Os munera eram regulamentados por dois princípios gerais: a fortuna pessoal, que
estabelecia as atividades a serem desempenhadas e a divisão das despesas. Ademais, eles
eram constituídos por diferentes tipos de obrigações, entre elas: provisões para o exército,
manutenção de estradas, muralhas e aquedutos e altos funcionários do Império. O sentido da
palavra era muito amplo, então munus em algumas ocasiões poderia também significar
diferentes aspectos da vida política, como anúncios de propaganda eleitoral ou atividades de
cunho artístico, como poesia. Por conseguinte, o termo passa a designar também a
organização de um tipo de espetáculo, o munus funebre, ou seja, combates de gladiadores em
homenagem a um falecido. Posteriormente, ao longo de quase sete séculos, as características
dos combates se modificaram e então os munera adquiriram uma dimensão mais ampla, as
uenationes que até então eram apresentadas em circos, passam agora a fazer parte dos jogos
gladiatórios.
Além dos relevos, as armas dos gladiadores servem como ponte para uma
aproximação do cotidiano dos mesmos. Em um dos ludi de Pompéia foram encontrados
diferentes tipos de armamentos, desde os mais simples aos mais ricos em detalhes, com
figuras dos deuses, e/ou figuras eróticas e de animais distintos, como serpentes e aves.
A presença feminina em tais eventos é destacada por Juvenal com dois principais
fatores: As chamadas matronas e as mulheres gladiadoras. No caso das matronas, o autor
destaca que elas se apaixonam pela profissão do gladiador, e não pela pessoa por trás da
armadura, dando a entender que o único motivo do interesse delas pelos guerreiros era o fato
de lutarem na arena.
Sobre as mulheres que lutaram na arena, há de fato poucos registros sobre elas, mas
Juvenal destaca que haviam algumas dentre as matronas que desejavam participar dos jogos.
O autor critica fortemente a presença das mulheres em locais e posições que originalmente
seriam masculinos, neste caso, a ambição delas por se tornarem gladiadoras.
Na grande maioria, os modelos interpretativos estão ficando mais nos valores das
elites por estarem fundadas em aspectos políticos e econômicos. Desde o século XIX,
historiadores formularam questões sobre o mundo romano considerando o espetáculo com
um aspecto relevante para a manutenção de poder dependendo do contexto histórico ao qual
estavam submetidos ou das metodologias empregadas. Assim, o cenário era de membros da
elite controlando a vida cultural e social romana, e gladiadores ou o público nas
arquibancadas perdendo sua relevância.
Um aspecto que deve ser ressaltado é a ampla rede de pessoas que trabalhavam, em
diferentes locais, para que os combates acontecessem. Além dos editores, membros da elite
que pagavam pelo espetáculo e os próprios gladiadores; haviam os laniestae, atravessadores
de diversas regiões que negociavam os gladiadores; doctores, ex gladiadores que trabalhavam
nas escolas oficiais como instrutores e professores dos mais jovens; os guardas e porteiros
para evitar tumultos; agentes que atuavam na arena para acertar a areia após cada combate;
responsáveis pela programação colocada nos muros dos edifícios públicos; entre inúmeros
outros.
Um dos aspectos dos estudos de Bourdieu e Elias é a retomada dos valores clássicos e
sua inserção no mundo do esporte moderno. Grandes eventos esportivos como Jogos
Olímpicos ou a Copa do Mundo constantemente fazem menção aos antigos costumes
greco-romanos de maneira acrítica e construindo um discurso muito mais próximo dos ideais
capitalistas modernos. Mas para associar os atletas modernos com gladiadores romanos foram
constituídas virtudes do “gladiador moderno”, valores como perseverança, força, superação
de limites, fama e paz de espírito de objetivos cumpridos. Assim, o gladiador romano é
retirado do seu contexto original e inserido numa realidade moderna, principalmente num
universo masculino, para reforçar ideias contemporâneas que para ser um bom profissional e
alcançar fama e sucesso precisa-se de treinamento, competitividade e de domesticar a
rebeldia jovem.
A autora afirma que nos textos lidos é possível perceber a subjetividade dos outros
autores homens para com os temas, sendo influenciadas pelo presente em que vivem.
Wiedemann (1995, p. 143), por exemplo, compara as lutas de gladiadores com shows de
strip-tease, a fim de tentar interligar as sensações do mundo antigo com o período em que
estava inserido, assim conectando os leitores e facilitando seu entendimento. Auguet, nos
anos 70, faz o mesmo ao comparar gladiadores a estrelas de cinema ou famosos no geral.
Todas essas metáforas e ideias exploram os interesses de um público quase todo masculino,
inclusive como se os combates fossem a única forma de constituição da masculinidade
romana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
GARRAFFONI, Renata Senna. Lendo sobre arenas romanas e repensando o papel dos
gladiadores. Mimesis, Bauru, v. 29, n. 2, p. 105- 122, 2008.