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Walter Benjamin foi um sociólogo judeu-alemão ligado à primeira geração da Escola de

Frankfurt. Suas grandes influências intelectuais foram o marxismo e ojudaísmo, que convergem
numa interessante expectativa messiânica-comunista.
Segundo seu comentarista Micheal Lowyz, o principal conceito sob o qual Benjamin se
debruçou é o da “luta de classes”, isto é, a perspectiva de que a história é movida pelo
enfrentamento por recursos “brutos e materiais”, necessários à cultura, em que classes dominantes
têm explorado, escravizado e usufruído do trabalho de outras classes que se encontram em situação
de sujeição, até um ponto final da História em que a classe trabalhadora do regime capitalista seria
“a última classe escravizada, a classe vingadora que consuma a tarefa de libertação em nome das
gerações de derrotados”. A perspectiva judaica do autor se expressa na noção de que a classe
oprimida presente -o proletariado- extraí suas energias não da esperança num futuro inevitável
(engano comum da social-democracia de sua época), mas na reminiscência do passado, como
herdeira dos oprimidos passados, de onde aprenderiam tanto o “ódio” quanto o “espírito de
sacrifício” necessário à luta. (Teses 6, 12 e Apêndice B)
A luta de classe é, pois, um conceito de análise histórica quanto um fenômeno histórico
e presente (a própria “forma da história”), de modo que ela, por um lado, presume e admite a vitória
das classes dominantes no passado quanto questionam a legitimidade desse status do qual elas são
herdeiras no presente. Sendo então esse status consequência de uma violência, cabe à luta política e
intelectual do presente aquela tarefa de justiça histórica, de vencer no futuro escatológico e vingar o
passado.
Dito isso, já se percebe no autor uma perspectiva única de se construir o conhecimento
historiográfico, que é comumente associada à tradição marxista como um todo: uma História cuja
tarefa política é revelar a luta de classes, tomar partido dos derrotados e continuar sua a luta,
atualizada no presente.
É daí que o Benjamin (Tese 7) rompe e combate o que ele chama de “historicismo”, a
tradição historiográfica comum do século XIX que tende a legitimar o status quo da dominação
presente. Comenta Löwyz que o que caracteriza esse modo de se fazer e escrever história é a
Acídia, “o sentimento melancólico da todo-poderosa fatalidade, que priva as atividades humanas de
qualquer valor. Consequentemente, ela leva a uma submissão total a ordem das coisas que existem.
Enquanto meditação profunda e melancólica, e1a se sente atraída pela majestade solene do cortejo
dos poderosos.” (Löwyz, p.71)
Os historiadores são conformistas: eles veem nos dominadores presentes uma “razão
moral” (os que dominam, fazem-no porque estão certos; a dominação é o grande sinal de sua
legitimidade moral), cumprindo um papel equivalente ao do cortesão que existe para exaltar figuras
importantes para a ordem política. Assim, é necessário que, em nome da solidariedade para com os
vencidos, “o materialista histórico se desvia dela (da cultura dominante, produto da violência).
Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo”.
Aqui chegamos à situação cultural e intelectual presente, 83 anos após a escrita da obra.
Ainda na tese 7, encontra-se um trecho definitivo:
«Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje
espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo,
como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O materialista histórico os
contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a
qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes
gênios que os criaram, como à corveia anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um
monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie.»
Walter Benjamin define a “cultura dominante” (as artes e monumentos, sobretudo) de
uma época como produto e/ou exaltação da violência, que é legitimada ou ocultada pela história
oficial. Löwyz cita essa hegemonia nos grandes monumentos públicos: o Arco de Tito, celebrava a
civilização romana a partir da destruição do Templo de Jerusalém.
Não me parece falso propor como essa “solidariedade para com os vencidos”, esse
“distanciamento para com os bens culturais” e essa intenção de “escovar a história a contrapelo”,
legitimadoras da luta política, do “ódio” e da “reação do oprimido” deságuem em novas formas de
violência, dessa vez “contrassistêmicas”.
É daí que vem as derrubadas de monumentos a bandeirantes, conquistadores e
evangelizadores na América Latina. É dessa perspectiva de se escrever uma nova história, “solidária
aos vencidos”, o desejo de apagar e subverter as imagens que temos dos “vencedores”. Reparemos,
no contexto brasileiro, no modo com que a imagem da Princesa Isabel tem sido reescrita nos
últimos anos: de redentora, a dondoca inútil, a fim de exaltar nem mesmo a luta abolicionista -que
viria de setores burgueses da sociedade-, mas tão somente a resistência escrava, que exerce uma
“identificação afetiva” para com a militância presente, herdeira.
Se os historiadores tradicionais sentem empatia pelos vencedores, os contemporâneos,
educados no materialismo histórico e na luta de classes, tendo equivalente sentimento pelos
condenados da terra, encontram no discurso a legitimidade da luta política e da iconoclasia.
Naturalmente, essa perspectiva não se concentra aos que escrevem História, ela
transborda por toda a cultura e sociedade à medida que o marxismo e a teoria crítica se popularizam
por todas as camadas sociais, e são (mesmo quando vulgarizados) instrumentalizados pela
mobilização política do nosso tempo. Assim, nós passamos de uma atitude politica dominada pela
acídia conformista e conservadora; para uma outra, calcada no ressentimento retroalimentado,
mascarado de virtude e educação política.
Em Walter Benjamin, observamos os contornos de uma perspectiva que compromete
história e política (ou melhor, teoria e práxis), de modo com que uma legitime a outra. Antes, a
História dissimulava para legitimar a Política, o Status Quo. Agora, a história é a grande
legitimadora da Revolução.

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